Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
4033/19.5T8BRG.G1
Relator: AFONSO CABRAL DE ANDRADE
Descritores: INFORMAÇÃO SUJEITA A SEGREDO
SUPRIMENTO DE NEGAÇÃO DE AUTORIZAÇÃO DE ACESSO
ADVOGADO
INFORMAÇÕES BANCÁRIAS
AUTORIDADE TRIBUTÁRIA
NECESSIDADE DE ACESSO À INFORMAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/26/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: SUPRIMENTO DE NEGAÇÃO DE AUTORIZAÇÃO DE ACESSO A INFORMAÇÃO SUJEITA A SEGREDO
Decisão: NÃO AUTORIZADA A QUEBRA DO SEGREDO
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I. O segredo profissional de Advogado, consagrado no art. 92º EOA abrange ainda, nos termos do nº 3, documentos ou outras coisas que se relacionem, directa ou indirectamente, com os factos sujeitos a sigilo.
II. Assim, há que concluir que as informações bancárias do advogado estarão igualmente abrangidas pelo segredo profissional, pois que, ainda que de forma indirecta, se poderão relacionar com informações bancárias dos clientes e movimentos financeiros em relação aos quais o advogado está obrigado a guardar sigilo.
III. Quando a Autoridade Tributária pretende o acesso às contas bancárias de Advogado, e este se opõe ao abrigo do segredo profissional, cabe ao Tribunal da Relação fazer a ponderação devida entre os interesses conflituantes.
IV. O critério determinante deve ser o da necessidade de acesso à informação.
V. Assim, se no caso concreto a AT tiver a possibilidade de efectuar outras diligências para chegar aos rendimentos do Advogado, enquanto mandatário forense, como por exemplo, o pedido de colaboração do próprio Advogado, que se disponibilizou para colaborar com a averiguação desde que com isso não tenha de violar o segredo a que está obrigado, divulgando a identificação dos clientes, os Tribunais e os números dos processos onde os serviços foram prestados, a consulta dos respectivos processos judiciais, etc, não se justifica a quebra do segredo profissional.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I- Relatório

A Directora de Finanças ... intentou contra A. M., Advogada, processo especial de suprimento de negação de autorização de acesso a informação sujeita a segredo profissional e bancário.
Alega para tanto que a ré exerce a actividade de advocacia desde 2000; em 2019 foi iniciado um procedimento de inspecção pela Direcção de Finanças do Porto, no âmbito do qual foi detectado que numa amostra de 12 processos judiciais nos quais actuou como mandatária, apenas emitiu factura referente a um único processo.
Os serviços de Finanças tiveram necessidade de aceder à conta titulada pela ré e aos processos judiciais findos e em curso.
A ré opôs-se à realização dos referidos actos de inspecção, invocando segredo profissional.
Nos termos do disposto no art. 63º,5 LGT, em caso de oposição do contribuinte com fundamento em segredo profissional a diligência só poderá ser realizada mediante autorização concedida pelo tribunal da comarca competente.
Por isso, pede que seja concedido o levantamento do segredo profissional invocado pela ré, atribuindo-se a necessária autorização judicial à autora.

A ré contestou, alegando em síntese que a autora baseia o seu pedido de suprimento não em factos mas em presunções e efabulações não existindo elementos factuais, apenas elementos virtuais.
Mais alega que não estão reunidos os requisitos para aceder a processos públicos, quanto mais para aceder a contas e processos a coberto do sigilo.
Nomeadamente, que não existe qualquer indício da prática de crime fiscal.
Termina pedindo que seja recusado o levantamento do sigilo profissional e bancário.

A 16/12/2019 foi proferido despacho que solicitou ao Conselho Distrital da Ordem dos Advogados a emissão de parecer nos termos e para os efeitos do disposto no art. 135º,3,4 CPP.
Foi junta a resposta da Ordem dos Advogados (fls. 58 a 60).

Foi então proferido despacho, com o seguinte teor:
“Aceitando-se como legítima a escusa, em face do parecer junto, mas afigurando-se-nos como necessária a eventual violação do segredo profissional, e levantando-se a questão da aplicação do regime de dispensa de sigilo previsto no art. 135º do Código de Processo Penal nesta sede, a fim de ser determinado o suprimento do consentimento da Requerida, suscita-se o competente incidente junto do Tribunal superior, para quebra do segredo profissional.

Foi então o processo remetido a este Tribunal da Relação de Guimarães, para apreciação e decisão.

Em 25.2.2020 foi proferido despacho, nos termos e por força do disposto no art. 135º,4 CPP, para que fosse ouvida Ordem dos Advogados antes de proferir decisão. Foi pois solicitada ao Conselho Regional do Porto da Ordem dos Advogados a emissão de parecer sobre a questão suscitada.

Aquela Ordem profissional juntou aos presentes autos, em 5.11.2020, o solicitado parecer, no qual, em síntese, sustentada no carácter fundamental e verdadeiramente basilar que o dever de segredo profissional reveste para o exercício da Advocacia, a qual tem como condição essencial para o exercício da profissão a absoluta confiança que deve presidir à relação advogado-cliente, interesse tutelado Constitucionalmente, emitiu parecer no sentido de não estarem reunidas as condições de que depende a quebra de sigilo profissional por parte da Exma. Senhora Dra. A. M., no âmbito do processo que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Braga Juízo Local Cível de Guimarães Juiz 2, sob o n.º 4033/19.5T8BRG.
No entanto, o referido parecer não deixa de sublinhar que “seria indispensável para a pronúncia a emitir que nos tivessem sido dados a conhecer quais os factos, concretos e determinados, a que a consulta dos processos judiciais com quebra do sigilo profissional é pretendida. De facto, só conhecendo esses factos estaríamos em condições de, em conjugação com as demais particularidades do caso concreto, verificar se o dever de sigilo profissional deveria ceder” (…). E desconhecendo os factos aos quais se encontram subjacentes aos processos judiciais, também não estamos em condições de aferir se tal consulta é um meio de prova exclusivo dos factos que se pretendem ver provados”.

II- Fundamentação

Como decidir ?

Primeiro vamos enquadrar devidamente o presente litígio.
Alega a requerente que no exercício das funções legalmente atribuídas, mais concretamente no decurso de uma acção de fiscalização tributária dirigida a saber se a requerida, nas suas declarações de IRS referentes ao ano de 2017 teria omitido rendimentos tributáveis em sede de IRS, os Serviços de Inspecção da Direcção de Finanças ... têm necessidade de aceder à conta titulada pela ré e aos processos judiciais findos e em curso, nomeadamente no sentido de aferirem que serviços foram prestados e nomeadamente a quem.
Vejamos, primeiro de forma descritiva, o quadro legal que superintende esta matéria.

Dispõe o art. 63º,1 LGT (Decreto-Lei nº 398/98, de 17 de Dezembro) que “os órgãos competentes podem, nos termos da lei, desenvolver todas as diligências necessárias ao apuramento da situação tributária dos contribuintes, nomeadamente: a) Aceder livremente às instalações ou locais onde possam existir elementos relacionados com a sua actividade ou com a dos demais obrigados fiscais; b) Examinar e visar os seus livros e registos da contabilidade ou escrituração, bem como todos os elementos susceptíveis de esclarecer a sua situação tributária; c) Aceder, consultar e testar o seu sistema informático, incluindo a documentação sobre a sua análise, programação e execução; d) Solicitar a colaboração de quaisquer entidades públicas necessária ao apuramento da sua situação tributária ou de terceiros com quem mantenham relações económicas; e) Requisitar documentos dos notários, conservadores e outras entidades oficiais; f) Utilizar as suas instalações quando a utilização for necessária ao exercício da acção inspectiva.
Porém, o nº 2 vem logo introduzir uma excepção de peso: “o acesso à informação protegida pelo segredo profissional ou qualquer outro dever de sigilo legalmente regulado depende de autorização judicial, nos termos da legislação aplicável”.
E logo a seguir, o nº 3 dispõe que “sem prejuízo do número anterior, o acesso à informação protegida pelo sigilo bancário e pelo sigilo previsto no Regime Jurídico do Contrato de Seguro faz-se nos termos previstos nos artigos 63.º-A, 63.º-B e 63.º-C”.
Por sua vez, o nº 5 dispõe: “a falta de cooperação na realização das diligências previstas no n.º 1 só será legítima quando as mesmas impliquem: a) O acesso à habitação do contribuinte; b) A consulta de elementos abrangidos pelo segredo profissional ou outro dever de sigilo legalmente regulado, com excepção do segredo bancário e do sigilo previsto no Regime Jurídico do Contrato de Seguro, realizada nos termos do n.º 3 (…);
E, continua o nº 6: em caso de oposição do contribuinte com fundamento nalgumas circunstâncias referidas no número anterior, a diligência só poderá ser realizada mediante autorização concedida pelo tribunal da comarca competente com base em pedido fundamentado da administração tributária.
O art. 63º-B,1 LGT sob a epígrafe “acesso a informações e documentos bancários”, dispõe que: a administração tributária tem o poder de aceder a todas as informações ou documentos bancários, bem como a informações ou documentos de outras entidades financeiras previstas como tal no artigo 3.º da Lei n.º 25/2008, de 5 de Junho, alterado pelos Decretos-Leis n.os 317/2009, de 30 de Outubro, e 242/2012, de 7 de Novembro, sem dependência do consentimento do titular dos elementos protegidos: a) Quando existam indícios da prática de crime em matéria tributária; b) Quando se verifiquem indícios da falta de veracidade do declarado ou esteja em falta declaração legalmente exigível;

O art. 92º EOA (Estatuto da Ordem dos Advogados) dispõe, no que para agora interessa, o seguinte:

“1- O advogado é obrigado a guardar segredo profissional no que respeita a todos os factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços, designadamente:
a) A factos referentes a assuntos profissionais conhecidos, exclusivamente, por revelação do cliente ou revelados por ordem deste;
b) A factos de que tenha tido conhecimento em virtude de cargo desempenhado na Ordem dos Advogados;
c) A factos referentes a assuntos profissionais comunicados por colega com o qual esteja associado ou ao qual preste colaboração;
d) A factos comunicados por co-autor, co-réu ou co-interessado do seu constituinte ou pelo respectivo representante;
e) A factos de que a parte contrária do cliente ou respectivos representantes lhe tenham dado conhecimento durante negociações para acordo que vise pôr termo ao diferendo ou litígio;
f) A factos de que tenha tido conhecimento no âmbito de quaisquer negociações malogradas, orais ou escritas, em que tenha intervindo.
2- A obrigação do segredo profissional existe quer o serviço solicitado ou cometido ao advogado envolva ou não representação judicial ou extrajudicial, quer deva ou não ser remunerado, quer o advogado haja ou não chegado a aceitar e a desempenhar a representação ou serviço, o mesmo acontecendo para todos os advogados que, directa ou indirectamente, tenham qualquer intervenção no serviço.
3- O segredo profissional abrange ainda documentos ou outras coisas que se relacionem, directa ou indirectamente, com os factos sujeitos a sigilo. (…)

O art. 417º,1 CPC (dever de cooperação para a descoberta da verdade) dispõe que “todas as pessoas, sejam ou não partes na causa, têm o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, respondendo ao que lhes for perguntado, submetendo-se às inspecções necessárias, facultando o que for requisitado e praticando os actos que forem determinados”.
Nos termos do nº 3,c a recusa é legítima se a obediência importar violação do sigilo profissional.
E nos termos do nº 4, “deduzida escusa com fundamento na alínea c) do número anterior, é aplicável, com as adaptações impostas pela natureza dos interesses em causa, o disposto no processo penal acerca da verificação da legitimidade da escusa e da dispensa do dever de sigilo invocado”.

O art. 135º,3 CPP, na redacção da Lei nº 48/2007, de 29 de Agosto, dispõe que “o tribunal superior àquele onde o incidente tiver sido suscitado, ou, no caso de o incidente ter sido suscitado perante o Supremo Tribunal de Justiça, o pleno das secções criminais, pode decidir da prestação de testemunho com quebra do segredo profissional sempre que esta se mostre justificada, segundo o princípio da prevalência do interesse preponderante, nomeadamente tendo em conta a imprescindibilidade do depoimento para a descoberta da verdade, a gravidade do crime e a necessidade de protecção de bens jurídicos. A intervenção é suscitada pelo juiz, oficiosamente ou a requerimento”.

Pois bem.
A Direcção de Finanças ..., no âmbito de acção inspectiva que está a desenvolver, respeitante ano de 2017, veio requerer ao Tribunal da Comarca de Braga a autorização judicial de levantamento do segredo profissional, no sentido de aceder às contas bancárias da ré e aos processos judiciais, com o objectivo de aferir quantos e que serviços foram prestados pela ré no âmbito da sua actividade, de modo a fiscalizar o cumprimento das obrigações tributárias desta.
O Tribunal da Comarca de Braga, em face do parecer junto pela Ordem dos Advogados, considerou legítima a recusa da ré em dar acesso às suas contas bancárias, com o fundamento no segredo profissional a que está adstrita, mas considerou também necessária a quebra desse segredo profissional, e daí suscitou o incidente respectivo, previsto no art. 135º CPP, junto desta Relação.
Assim, o que a Administração Tributária e Aduaneira veio pedir foi a possibilidade de aceder às contas bancárias da ré e aos processos judiciais (onde esta tenha tido intervenção).
Olhando para esta pretensão da Administração Tributária, a primeira coisa que imediatamente se torna evidente é a desnecessidade de suscitar este incidente para poder consultar os processos judiciais onde a ré tenha tido intervenção profissional.
Dispõe o art. 163º,1 CPC que “o processo civil é público, salvas as restrições previstas na lei”. E “a publicidade do processo implica o direito de exame e consulta dos autos na secretaria e de obtenção de cópias ou certidões de quaisquer peças nele incorporadas, pelas partes, por qualquer pessoa capaz de exercer o mandato judicial ou por quem nisso revele interesse atendível”.
E no âmbito do processo penal rege o art. 86º CPP. O processo penal é, sob pena de nulidade, público, ressalvadas as excepções previstas na lei (nº 1). E uma vez que, por definição, estaremos a falar de processos findos, a publicidade será quase irrestrita. Nos termos do nº 6 “a publicidade do processo implica, nos termos definidos pela lei e, em especial, pelos artigos seguintes, os direitos de (…) consulta do auto e obtenção de cópias, extractos e certidões de quaisquer partes dele.
Ou seja, para a Administração Tributária ter acesso aos processos judiciais findos que entender, nada mais tem a fazer do que requerer isso mesmo ao Juiz do processo, e ser-lhe-á concedido esse acesso, pois tem um interesse óbvio e evidente nesse acesso. Não há qualquer segredo profissional que vigore nessa matéria, o que é tão óbvio, que nem deveria haver necessidade de o dizer, pois o que está em causa aqui pouco mais será do que saber em que processos a advogada/contribuinte em causa exerceu funções, a que título, e se esses processos estão findos.
Pode suceder, porém, que a requerente se tenha expressado menos bem, e que o que ela pretende verdadeiramente seja o acesso, não aos verdadeiros processos judiciais, mas aos processos internos, do escritório da Advogada ré, através dos quais ela faz o acompanhamento do assunto de cada cliente. Sendo essa a pretensão, ela será analisada juntamente com a questão do acesso às contas bancárias da ré.

Por isso, a verdadeira questão que se coloca agora a este Tribunal é o acesso pela Requerente às contas bancárias da Requerida (e aos processos internos do seu escritório).
Ora, como vimos supra, o art. 63º,3 LGT dispõe que “sem prejuízo do número anterior, o acesso à informação protegida pelo sigilo bancário e pelo sigilo previsto no Regime Jurídico do Contrato de Seguro faz-se nos termos previstos nos artigos 63.º-A, 63.º-B e 63.º-C”. Interessa ao caso o disposto no art. 63º-B,1, que estatui que a administração tributária tem o poder de aceder a todas as informações ou documentos bancários, bem como a informações ou documentos de outras entidades financeiras previstas como tal no artigo 3.º da Lei n.º 25/2008, de 5 de Junho, alterado pelos Decretos-Leis nºs 317/2009, de 30 de Outubro, e 242/2012, de 7 de Novembro, sem dependência do consentimento do titular dos elementos protegidos: a) Quando existam indícios da prática de crime em matéria tributária; b) Quando se verifiquem indícios da falta de veracidade do declarado ou esteja em falta declaração legalmente exigível; (…)
Por aqui também a AT não precisaria de vir requerer a quebra do sigilo bancário, pois, com fundamento na norma acabada de citar, tem o poder administrativo de, mediante certos pressupostos ali elencados, aceder directamente à informação bancária em causa.
O que colocou a necessidade de recorrer a Tribunal foi a invocação do segredo profissional de Advogado.
Este segredo profissional está consagrado, como vimos, no art. 92º EOA. O nº 1 dispõe que “o advogado é obrigado a guardar segredo profissional no que respeita a todos os factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços”. Segue-se uma lista de exemplos, não taxativa.
Ora, recorrendo ao acórdão do STJ de 15/2/2018 (1130/14.7TVLSB.L1.S1), temos que “na generalidade, entende-se por segredo profissional a reserva que todo o indivíduo deve guardar dos factos conhecidos no desempenho das suas funções ou como consequência do seu exercício, factos que lhe incumbe ocultar, quer porque o segredo lhe é exigido, quer porque ele é inerente à própria natureza do serviço ou à sua profissão. No caso do advogado, o segredo profissional está disciplinado no art. 92.º do EOA, permitindo a cláusula geral do seu n.º 1, que se incluam no referido segredo, para além das elencadas, outras situações que conflituem com os interesses que ela visa proteger. Radicando no princípio da confiança, no dever de lealdade do advogado para com o constituinte, o dever de segredo profissional transcende a mera relação contratual, assumindo-se como princípio de ordem pública e representando uma obrigação para com o constituinte, para com a própria classe, a OA e a comunidade em geral. Por isso, consideram-se abrangidas pelo segredo profissional todas as situações que sejam susceptíveis de significar a violação da relação de confiança entre o advogado e o seu patrocinado e também todas as situações que possam representar quebra da dignidade da função social que a advocacia prossegue. Deve, porém, ceder, excepcionalmente, perante outros valores que, no caso concreto, se lhe devam sobrepor, designadamente, quando os elementos sob segredo se mostrem imprescindíveis para a protecção e efectivação de direitos ou interesses jurídicos mais relevantes”.
Isto dito e assente, o passo seguinte é determinar se o acesso às contas bancárias da ré configura ou pode configurar violação de segredo profissional.
Como se diz de forma clara no Acórdão TRP de 29/1/2008 (Carlos Moreira), “a simples qualidade de advogado é insuficiente para determinar o funcionamento do segredo profissional, sendo ainda necessário que os factos a provar se encontrem em conexão com o exercício da advocacia nos termos definidos no art. 87º do Estatuto da AO”.

Será o caso destes autos um caso em que se aplica o segredo profissional, de tal forma que o mesmo tenha de ser quebrado para a AT poder ter acesso aos movimentos bancários da ré ?

Curiosamente, o Parecer do Conselho Regional do Porto da Ordem dos Advogados de 26/9/2019, junto pela ré aos autos, dá resposta negativa a essa questão, quando afirma: “repete-se que, relativamente às contas bancárias, a questão se não deve colocar em termos de segredo profissional, mas sim como problema do sigilo bancário sobre o qual este Conselho Regional não deve nem pode pronunciar-se”.

Já o Parecer solicitado por esta Relação ao Conselho Regional do Porto refere que “analisados os (escassos) elementos fácticos trazidos ao conhecimento deste Conselho, concluímos, desde logo, que não são identificados de modo objectivo, concreto e exacto qual o facto ou factos sobre os quais a desvinculação é pretendida”.
Mas sobre a questão do acesso às contas bancárias, nada diz.
Porém, quer-nos parecer que os factos não podiam ser mais claros: a AT tem suspeitas que a Ilustre Advogada ré nestes autos deixou de declarar rendimentos que auferiu no exercício da sua profissão (honorários), pelo menos no ano de 2017, e pretende o acesso às contas bancárias da mesma para confirmar ou infirmar essas suspeitas.
Ora, olhando para a sede legal do sigilo profissional que estamos a analisar, o art. 92º EOA, verificamos que após enunciar o dever de segredo no nº 1, e após dar exemplos de casos sujeitos ao segredo nas alíneas a) a f), o legislador acrescenta no nº 3 que “o segredo profissional abrange ainda documentos ou outras coisas que se relacionem, directa ou indirectamente, com os factos sujeitos a sigilo.
Ora, a essa luz, temos de admitir como possível que nas contas bancárias do Advogado/contribuinte haja movimentos de crédito / débito decorrentes das relações com os seus clientes, e não nos referimos a valores entregues ao Advogado a título de honorários, mas outros valores entregues por variadas outras razões, e como tal, estarão também sujeitas ao dever de segredo profissional.

Esta mesma interpretação foi acolhida no Acórdão do STA de 29 de Setembro de 2010 (Casimiro Gonçalves), no qual se escreve: “daí que, ao invés do que sucede com o sigilo bancário (que, dentro dos referidos pressupostos, pode ser derrogado pela própria AT), para o sigilo profissional a autorização judicial seja, como acima se disse, a regra em termos da sua derrogação, não existindo, neste âmbito, qualquer excepção que permita essa derrogação pela AT. E segundo o disposto naquele art. 87° o advogado é obrigado a guardar segredo profissional no que respeita a todos os factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços, designadamente, quanto aos factos especificados nas als. a) a f) desse normativo, sublinhando-se no seu nº 3 que o segredo profissional abrange ainda documentos ou outras coisas que se relacionem, directa ou indirectamente, com os factos sujeitos a sigilo. Ora, como aponta o MP e os recorridos, as informações bancárias do advogado estarão igualmente abrangidas pelo segredo profissional, pois que, ainda que de forma indirecta, se poderão relacionar com informações bancárias dos clientes e movimentos financeiros em relação aos quais o advogado está obrigado a guardar sigilo. Daí que se imponha, face aos interesses envolvidos, a necessidade de autorização judicial nos termos do nº 5 do art. 63° da LGT, podendo a AT ter acesso à conta bancária do contribuinte, mas mediante autorização judicial e não podendo, no caso vertente, lançar mão da simples derrogação administrativa. (…) Quanto à questão que se prende com o entendimento de que, por um lado, se retira do nº 1 do artigo 87° do EOA que só os factos, matérias e documentos que advenham ao conhecimento do advogado por força da relação profissional, que tenham ou devam ter carácter oculto, devem ser objecto de segredo, sendo que inexiste tal carácter perante a AT, no que respeita à relação económica que se estabelece entre advogado e cliente, também o recorrente carece de razão legal. Com efeito, como se expressou no citado ac. deste STA, de 2/12/2009, rec. 01116/09, aceitando-se que «no caso do segredo profissional e, em especial, no que está em causa nos autos - segredo profissional de advogado - em que a ponderação dos interesses envolvidos reveste uma especial importância e relevo para a preservação da relação de confiança dos cidadãos na classe profissional dos advogados tendo em vista “o interesse da justiça na sua mais lata acepção” - cfr. Acórdão de 15/12/2004, rec. nº 1862/03 (secção administrativa)», então, «perante a invocação do sigilo profissional, não se compreenderia que a administração tributária tivesse a possibilidade de derrogar administrativamente a protecção conferida por esse dever de sigilo sem prévia sindicância judicial» e «se estamos em face de recusa do contribuinte com fundamento em sigilo profissional, só podendo a derrogação do sigilo bancário ter lugar mediante autorização judicial, tal como resulta do nº 5 do art. 63º citado, não pode simultaneamente aplicar-se a derrogação pela Administração Fiscal limitada a certos elementos das contas e informações bancárias. Até porque, como se disse, prevendo-se no nº 3 do art. 87º do EOA que o segredo profissional abrange ainda documentos ou outras coisas que se relacionem, directa ou indirectamente, com os factos sujeitos a sigilo, há que concluir que as informações bancárias do advogado estarão igualmente abrangidas pelo segredo profissional, pois que, ainda que de forma indirecta, se poderão relacionar com informações bancárias dos clientes e movimentos financeiros em relação aos quais o advogado está obrigado a guardar sigilo. Daí que se imponha, face aos interesses envolvidos, a necessidade de autorização judicial nos termos do nº 5 do art. 63° da LGT, podendo a AT ter acesso à conta bancária do contribuinte, mas mediante autorização judicial e não podendo, no caso vertente, lançar mão da simples derrogação administrativa”.
E veja-se ainda o Acórdão do STA de 2/12/2009 (Valente Torrão): “ainda que verificados os pressupostos da derrogação administrativa do sigilo bancário prevista no artigo 63.°-B da LGT, uma vez deduzida oposição por parte do contribuinte no acesso às suas contas bancárias com fundamento em sigilo profissional (advogado), a administração tributária só poderá aceder a tal informação após autorização judicial concedida no termos do n.° 5 do artigo 61° da LGT. A oposição do contribuinte ao acesso às suas contas e informações bancárias impede, por isso, a Administração Fiscal de aceder directamente a essas contas e informações, sendo irrelevante o argumento de que não existe devassa do sigilo profissional por apenas se pretender colher elementos sobre os rendimentos do advogado enquanto contribuinte”.

Donde, eis-nos chegados à conclusão que o acesso à conta bancária de Advogado por parte da AT está protegido pelo segredo profissional consagrado no art. 92º EOA.
Quanto aos processos internos do escritório, nem é preciso grande argumentação pois é por demais evidente que o acesso aos mesmos está a coberto do segredo profissional: podemos afirmar sem medo de errar que será aí que estará o grosso da informação e documentação entregue pelos clientes ao Advogado, logo será a área nobre do segredo profissional.

E resta agora apenas saber se o mesmo deve ser quebrado no caso concreto.

Vejamos as razões em concreto que a AT alega: afirma que a ré exerce a actividade de advocacia desde 29/02/2000, encontrando-se colectada para o exercício da actividade de advogados. Em 2017 foi iniciado um procedimento de inspecção realizado pela AT, a qual veio a constatar que:

a) a ré esteve presente em três momentos de diligências efectuadas, na qualidade de advogada e, da consulta aos programas informáticos da AT, designadamente, “E-fatura” ou “Faturas e Recibos Verdes”, não constam quaisquer documentos emitidos com destino às entidades que aquela representou;
b) a ré, para o ano de 2017 declarou em termos de rendimentos a quantia de € 6.500,00.
c) a AT apurou, consultando as suas próprias bases de dados, que em 2017 a ré interveio em 195 processos judiciais na qualidade de mandatária das partes.
d) Consultando o portal CITIUS, apurou que a Ré foi mandatária nos seguintes processos de insolvência de pessoa singular (mas sem dizer se estão findos ou não):
1) P. 663/16.5T8VNF; data da propositura da acção: 28/01/2016;
2) P. 2816/13.9TJVNF; data da propositura da acção: 24/09/2013;
3) P. 2517/13.8TBBRG; data da propositura da acção: 16/04/2013;
4) P. 3981/13.0TBBRG; data da propositura da acção: 14/06/2013;
5) P. 5035/16.9T8GMR; data da propositura da acção: 12/09/2016;

e) Foi ainda efectuada a consulta presencial pela AT no Tribunal Judicial de Vila Nova de Famalicão, tendo sido apurados 7 processos em que a ré interveio na qualidade de mandatária, dos quais: um findou em 12/5/2015, outro em 26/1/2017, e outro em 13/11/2017. Dos restantes 4 não é dito se findaram ou não, do que se presume que ainda não findaram.

E confrontando todos os nomes relativos às partes que a autora representou com todas as Facturas-Recibos emitidas desde o ano de 2011, foi possível verificar que apenas foi emitida uma Factura-Recibo em 31/12/2018, no valor de € 500,00, cujo NIF do adquirente coincide com um sujeito passivo insolvente.
Ou seja, conclui a AT, numa amostra de 12 processos a Ré apenas emitiu a factura de 1 único processo.
De seguida afirma a Requerente que em 20/02/2019, a Ré opôs-se à realização dos actos de inspecção, designadamente, consulta de processos judiciais e acesso a todas as informações e documentos bancários, bem como a informações ou documentos de outras entidades financeiras, invocando o segredo profissional associado à sua profissão.

O que dizer ?
Em primeiro lugar, temos de dizer que não faz qualquer sentido a afirmação de a ré se ter oposto à consulta dos processos judiciais, pois não o pode fazer, e se o fizer essa oposição é irrelevante, pois basta à AT requerer o respectivo acesso ao Juiz do processo, invocando o interesse para tal, para poder aceder a toda a informação necessária ao exercício das suas funções.
Por outro lado, temos de atentar que estamos a lidar apenas com indícios. A Requerente afirma que num universo de 12 processos, em apenas 1 a Ré emitiu uma factura. Ora, isso pode ser relevante, mas também pode não ser. Em regra, é quando o processo finda (e o processo só finda com o trânsito em julgado da decisão que lhe põe fim), que o Advogado apresenta ao seu cliente a nota de honorários. Ora, dos 12 processos indicados, segundo a própria AT, apenas 3 findaram. Não sabemos, porque não é alegado, em que estado estão os outros processos. Mas fixemo-nos nos 3 que a AT diz que estão findos. Se a Ré apenas emitiu uma factura de recebimento de honorários num único processo, então ficamos com dois processos findos, em que não foi emitida factura alguma. Mas isso é indício suficiente que estaremos perante rendimentos não declarados ao Fisco ? A resposta é negativa. Basta o cliente não ter pago os honorários pedidos pelo Advogado, para a omissão de declaração estar explicada. Mas sobre se o cliente pagou ou não, nada sabemos. Ora, tendo a AT o acesso garantido aos processos judiciais, facilmente conseguirá saber se a Ré se viu obrigada a instaurar acção de honorários, pois esta acção, nos termos do disposto no art. 73º,1 CPC, corre no tribunal da causa na qual foi prestado o serviço, e corre por apenso a esta.

Por outro lado, a Advogada ré afirma na sua contestação que “manifestou disposição para proceder à entrega de qualquer documento ou informação que não implicasse a violação de segredo profissional afirmando estar sempre disposta a colaborar com a administração tributária”.

E afirma ainda que “sempre referiu e manifestou a sua vontade em colaborar com a Autoridade Tributária no âmbito da inspecção ao seu IRS de 2017, contudo, é do entendimento que tal colaboração não deverá ser alargada ao acesso a informações que de algum modo possam pôr em causa o sigilo profissional ou de acesso as contas bancárias, até porque nenhum documento lhe foi solicitado no âmbito da referida inspecção e nenhum facto lhe tinha sido transmitido que justificasse tal acesso”.

Importa dizer que concordamos com a requerente quando afirma que “o artigo 63º, nº 2 da Lei Geral Tributária, em claro paralelismo com o levantamento do sigilo profissional previsto no artigo 135.º do Código do Processo Penal, move-se no confronto entre a restrição do segredo profissional (e inerente possibilidade de restrições de direitos, liberdades e garantias) e a realização do interesse público do Estado da justiça e equidade fiscal (artigo 103º, nº 1 da CRP), estabelecendo o procedimento para eventual quebra do segredo profissional”.
Há pois aqui uma luta entre interesses conflituantes.
Vejamos como a jurisprudência tem feita a conjugação destes interesses em conflito.
No Acórdão do TRP de 7.11.2019 (Aristides Rodrigues de Almeida), num caso de acesso a informação clínica dos cidadãos pacientes do contribuinte alvo da inspecção que exerce a medicina, escreve-se que “o artigo 63º da Lei Geral Tributária prevê a possibilidade de a Administração Tributária e Aduaneira, no âmbito de uma inspecção tributária, aceder a informação clínica mediante autorização judicial prévia a conceder nos termos da lei geral que regula o segredo médico e a sua dispensa”. E, mais adiante: “mesmo que essa norma interfira com o direito à reserva da vida privada, protegido pelo artigo 26.º da CRP, pode existir justificação bastante para limitar o referido direito em nome dos interesses públicos prosseguidos, tais como a distribuição equitativa da contribuição para os gastos públicos e o dever fundamental de pagar impostos”.
Nas palavras de António Arnaut [Iniciação à Advocacia”, página 66], o fundamento ético-jurídico do sigilo profissional de advogado radica no princípio da confiança e na natureza social da função forense. O que significa que a obrigação de segredo não se limita a proteger a mera relação contratual, antes surge como princípio de ordem pública, representando uma obrigação do advogado não apenas para com o seu constituinte, mas também para com a própria classe, a Ordem dos Advogados e a comunidade em geral.
Veja-se o Acórdão da Relação de Lisboa de 23.02.2017: “a par dos interesses individuais da preservação do segredo sobre determinados factos, protegem-se igualmente valores ou interesses de índole supra-individual e institucional que, por razões de economia, poderemos reconduzir à confiança sobre que deve assentar o exercício de certas profissões”.
Por isso é que no Parecer do Conselho Geral de 02.04.1981, em ROA, ano 41, páginas 900 e seguintes, se pode ler: “consideram-se abrangidas pelo segredo profissional todas as situações que sejam susceptíveis de significar a violação da relação de confiança entre o advogado e o seu patrocinado e também todas as situações que possam representar quebra da dignidade da função social que a advocacia prossegue. O segredo profissional não é só, em rigor, um dever do advogado por pertencer a uma classe, mas é, e sobretudo, um dever de toda essa classe e, por isso, vinculativo e obrigatório para cada membro dela.
É para nós evidente que o segredo profissional de Advogado, como qualquer outro segredo profissional (médicos, enfermeiros, funcionários públicos, psicólogos, etc) não é nem pode ser absoluto, pois pode ter de ceder no confronto com interesses superiores da Comunidade. Uma sociedade com segredos em excesso é uma sociedade pouco saudável.
Apesar de o segredo profissional dos advogados não estar consagrado como um dever absoluto, não deve ser adoptada uma posição maximalista, segundo a qual o dever de cooperação com a justiça prevalece sempre em todo e qualquer caso. A resolução do problema deverá se encontrada com base na aplicação dos critérios que, no caso concreto, sejam idóneos para determinar o peso relativo das representações valorativas dos deveres em conflito (Acórdão TRC de 18/02/2009 -Alberto António Mira).
Donde, o segredo profissional de advogado cede, excepcionalmente, perante outros valores que, no caso concreto, se lhe devam sobrepor, designadamente, quando os elementos sob segredo se mostrem imprescindíveis para a protecção e efectivação de direitos ou interesses jurídicos mais relevantes.
No caso em apreço, parece-nos essencial o recurso a um critério de necessidade. É a quebra do segredo profissional necessária para chegar aos elementos de prova com os quais se pretende alcançar a Justiça fiscal ?
Cremos que a resposta tem de ser negativa.
Pela mesma linha de raciocínio seguiu o Acórdão desta Relação de 10/07/2019 (Joaquim Boavida), num caso de levantamento de sigilo para fins de prestar depoimento testemunhal: “a imprescindibilidade do depoimento é uma conclusão que há-de resultar de um conjunto de argumentos factuais fornecidos ao tribunal superior. A circunstância de a testemunha, que invocou o segredo profissional de advogado, ter tido “grande intervenção” nos factos objecto do processo, desacompanhado da alegação de outros factos complementares, só por si não conduz à conclusão de que o seu depoimento é imprescindível. Tendo já sido ouvidas em audiência outras três testemunhas indicadas pela parte que tem interesse na prestação do depoimento do advogado e não descortinando o juiz da primeira instância «uma indispensabilidade da produção de tal meio de prova, pois foram apresentados outros meios de prova que poderão permitir o esclarecimento da verdade material», impõe-se concluir pela não justificação da quebra do segredo profissional”.

Veja-se ainda o Acórdão TRP de 23/11/2005 (Joaquim Gomes): “a quebra de sigilo profissional dos advogados impõe uma criteriosa ponderação dos valores em conflito, em ordem a determinar se salvaguarda do sigilo profissional deve ceder ou não perante outros interesses, designadamente o da colaboração com a realização da justiça penal. A resolução do conflito de valores passa pela avaliação da diferente natureza e relevância dos bens jurídicos tutelados por aqueles deveres, segundo um critério de proporcionalidade na restrição, na medida do necessário, de direitos e interesses constitucionalmente protegidos. Existindo a possibilidade de obtenção de outros meios de prova para a demonstração dos ilícitos, não se mostra indispensável a quebra de sigilo profissional do advogado”.

Ou, ainda, o Acórdão do TRC de 4/3/2015 (Vasques Osório): “o segredo profissional não é um segredo absoluto e inafastável, mas a razão de ser da sua existência impõe que só em casos excepcionais o advogado o possa quebrar. Uma primeira situação em que o advogado deixa de estar sujeito ao segredo profissional decorre da sua desvinculação pelo próprio cliente, quando este autoriza a revelação do segredo. Uma segunda situação corresponde à dispensa do segredo profissional requerida pelo advogado ao Presidente do Conselho Distrital respectivo e por este autorizado [trata-se do procedimento previsto no art. 87º, nº 4 do EOA]. E uma terceira situação corresponde ao incidente processual de quebra do segredo profissional, regulado no art. 135º do C. Processo Penal [aplicável ao processo civil, por força do disposto no art. 417º, nº 4 do C. Processo Civil], a qual tem específico relevo para a questão a decidir. O princípio da prevalência do interesse preponderante impõe ao tribunal superior a realização de uma atenta, prudente e aprofundada ponderação dos interesses em conflito, a fim de ajuizar qual deles deverá, in casu, prevalecer. Não sendo indicados os factos, eventualmente conhecidos pela testemunha e cobertos pelo segredo profissional de Advogado, susceptíveis de demonstrarem a absoluta necessidade ou imprescindibilidade do seu depoimento, não existe razão objectiva para que, feita a ponderação dos interesses conflituantes com os elementos disponíveis, deva ser quebrado aquele segredo”.
E ainda: “não se apresentando o depoimento testemunhal do advogado imprescindível para a descoberta da verdade e tendo sido apresentados outros meios de prova tendentes à demonstração dos factos controvertidos, impõe-se concluir pela não justificação da quebra do segredo profissional (Acórdão do TRG de 17 de Dezembro de 2019 (Alcides Rodrigues).

No nosso caso, não ficou demonstrado que o acesso aos dados protegidos pelo segredo seja a única forma de aceder à informação pretendida pela AT.
Pelo contrário, como já vimos, vislumbram-se várias diligências de recolha de prova que podem ser encetadas para obter o resultado pretendido que não passam por aceder quer às contas bancárias, quer aos processos internos do escritório da Ré.
Desde logo, considerando que a ré afirmou a sua vontade em colaborar com a AT, salvo no que está protegido pelo segredo profissional, não vemos em que possa beliscar o segredo profissional o revelar apenas a identificação dos clientes a quem prestou serviços forenses, já findos, ou então, em identificar apenas os Tribunais e processos onde esses serviços foram prestados.
Com base nessa informação já a AT poderia seguir com as suas investigações, cruzando dados, ou inquirindo mesmo as pessoas em causa para saber se tinham pago ou não honorários e em que data. Tais diligências permitiriam, salvo melhor opinião, aceder à informação pretendida, sem ser necessário sacrificar o sigilo profissional.
Ora, nada disto foi alegado pela AT, como tendo sido tentado e falhado. Assim, existindo uma forma simples e eficaz de aceder à informação pretendida, que nem sequer se alega tenha sido tentada, entende esta Relação que não se justifica, na ponderação dos interesses em conflito, a quebra do segredo profissional neste caso concreto.

III- DECISÃO

Por todo o exposto, este Tribunal da Relação de Guimarães decide indeferir ao requerido, não autorizando a quebra do segredo profissional.

Custas pela Requerente (art. 527º,1,2 CPC).
Data: 26/11/2020

Relator (Afonso Cabral de Andrade)
1º Adjunto (Alcides Rodrigues)
2º Adjunto (Joaquim Boavida)