Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1280/19.3T8BGC.G1
Relator: VERA SOTTOMAYOR
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
CONTRATO EMPREGO-INSERÇÃO+
INDEFERIMENTO LIMINAR
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/24/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
Sumário (elaborado pela Relatora):

I - A Portaria n.º 128/2009, de 30-01, aplica-se aos desempregados que desenvolvem trabalho socialmente necessário e tem como objectivos:
- promover a empregabilidade de pessoas em situação de desemprego, preservando e melhorando as suas competências sócio-profissionais, através da manutenção do contacto com o mercado de trabalho;
- fomentar o contacto dos desempregados com outros trabalhadores e actividades, evitando o risco do seu isolamento, desmotivação e marginalização;
- apoiar actividades socialmente úteis, em particular as que satisfaçam necessidades locais ou regionais.
II – Os “Contratos Emprego-Inserção+” têm a duração máxima de 12 meses, com ou sem renovação - cfr. art.º 8.º, n.º 3, e durante a execução dos mesmos o beneficiário aufere uma “bolsa de ocupação mensal” de montante correspondente ao valor do indexante dos apoios sociais, paga pela entidade promotora mas comparticipada pelo IEFP, I.P. - cfr. art.º 13.º, n.ºs 3 e 4.
III - Trata-se assim de um regime próprio do qual resulta que, durante o período de exercício das actividades integradas num projeto de trabalho socialmente necessário, o desempregado subsidiado é abrangido pelo regime jurídico de proteção no desemprego (cfr. artº 10º da portaria).
IV – O trabalhador beneficiário deste contrato não adquire a condição de empregado, o mesmo é dizer que não estabelece qualquer relação jurídica de emprego com o beneficiário da atividade desenvolvida. Daí que mantenha o direito às prestações por desemprego a que acresce a bolsa pelo exercício da atividade.
IV – É de indeferir liminarmente a petição inicial, por se revelar de manifesta a improcedência dos pedidos formulados, na situação em que atendendo aos elementos legais e contratuais, a que as parte se vincularam é de concluir pela inexistência das características essenciais de uma relação jurídico-laboral ou equiparada, pois que o “Contrato Emprego-Inserção+” apenas visa proporcionar aos desempregados uma melhoria das suas competências socioprofissionais através do contacto com o mercado de trabalho.
Decisão Texto Integral:
Acordam na secção social do Tribunal da Relação de Guimarães

APELANTE: D. G.
APELADA: UNIDADE LOCAL DE SAÚDE DO ..., EPE

Tribunal da Comarca de Bragança, Juízo do Trabalho de Bragança

I – RELATÓRIO

D. G. instaurou a presente acção de processo comum contra UNIDADE LOCAL DE SAÚDE DO ..., EPE, pedindo que se declare de ilícito o despedimento de que foi alvo e consequentemente se condene a Ré a reintegrá-la no seu posto de trabalho, isto sem prejuízo de vir a optar, em substituição e até à data da sentença, pela indemnização; e se condene a Ré a pagar-lhe a quantia global de 9.369,33 € (nove mil trezentos e sessenta e nove euros e trinta e três cêntimos), acrescida dos montantes que se vencerem a título de remunerações até ao trânsito em julgado da sentença e, bem assim, dos juros que se vencerem até integral pagamento.
Tal como se alega em síntese na decisão recorrida, a Autora foi admitida para trabalhar sob a autoridade e direcção da Ré, em 17/7/2018, como auxiliar de saúde, mediante a celebração entre as partes de um contrato Emprego-Inserção+, no âmbito da Medida Contrato Emprego-Inserção+, regulado pela Portaria nº 128/2009, de 30 de Janeiro, o qual tinha por objecto a execução de trabalho socialmente necessário, na área de Auxiliar de Saúde, por um período de um ano.
A Autora praticava um horário de trabalho de segunda a sexta-feira, por turnos, distribuído pela Ré, executava o trabalho igual ao das auxiliares que têm vínculo efectivo com a Ré, em quantidade, natureza e qualidade e auferia uma retribuição líquida de €533,84.
No dia 20/11/2018, a Autora sofreu um acidente de trabalho, tendo estado em situação de incapacidade temporária absoluta até 31/1/2019, data em que lhe foi dada alta clínica. Por não se sentir curada a Autora deu conhecimento à Ré e participou o acidente junto da procuradoria do Juízo do Trabalho de Bragança.
Com data de 19/02/2019, a Ré remeteu à Autora uma carta em que lhe comunicou formalmente que “o contrato Emprego Inserção celebrado com a Unidade Local de SAÚDE DO ..., EPE, o qual teve início a 17/07/2018, cessou no dia 07/02/2019 (…) por faltas injustificadas durante cinco dias consecutivos ou interpolados”. A Autora respondeu que justificou as faltas ao trabalho e que nunca lhe foi comunicado o levantamento da suspensão.
A Ré não pagou à Autora as retribuições, subsídios de férias e de Natal emergentes da rescisão do contrato de trabalho, nem concedeu à A. o gozo de férias. Por causa do despedimento a Autora sofreu danos não patrimoniais, cuja reparação reclama da Ré.
*
Foi proferido, pelo tribunal a quo despacho, no qual se apreciou liminarmente da viabilidade da presente acção e se conclui da seguinte forma:

“Em conclusão, resulta da própria petição inicial e documentos juntos que A. e R. não estão vinculadas por um contrato de trabalho e que a cessação da relação jurídica invocada pela A. não constitui um despedimento ilícito. Logo, não tem a A. direito aos créditos cujo pagamento reclama em virtude da vigência e cessação do alegado contrato de trabalho.
A manifesta improcedência do pedido dá lugar ao indeferimento liminar, nos termos dos arts. 54º nº 1 do Código de Processo do Trabalho e 590º nº 1 do CPC.
Perante o exposto, por manifesta improcedência do pedido formulado pela A., indefiro liminarmente a presente petição inicial.
Custas pela A., sem prejuízo do apoio judiciário que lhe foi concedido.
Notifique.”
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Inconformada com esta decisão, dela veio a Autora/Apelante interpor recurso de apelação para este Tribunal da Relação de Guimarães, apresentando alegações que terminam mediante a formulação das seguintes conclusões:

A Recorrente celebrou um contrato escrito com a Unidade Local de SAÚDE DO ..., EPE, denominado “Contrato Emprego – Inserção +”, para exercer as funções de auxiliar de saúde, sendo admitida a trabalhar sob autoridade e direcção daquela em 17.07.2018.
No dia 20.11.2018 a autora sofreu um acidente de trabalho.
Por carta datada de 19.02.2019, que a dita Unidade Local de SAÚDE DO ... remeteu à recorrente, comunicou-lhe formalmente que o dito contrato cessou por faltas injustificadas durante cinco dias consecutivos ou interpolados.
Por não se conformar com tal despedimento, a recorrente intentou uma acção declarativa de condenação comum emergente de contrato de trabalho contra a dita Unidade Local de SAÚDE DO ..., que deu origem ao presente processo.
5ª Por douta Sentença considerou a Meritíssima Juiz do Tribunal “a quo” que as partes não estavam vinculadas por um contrato de trabalho e que a cessação da relação jurídica invocada pela autora, ora recorrente, na petição inicial não constitui um despedimento ilícito e face à manifesta improcedência do pedido, indeferiu liminarmente a petição inicial.
Salvo o devido respeito, que é muito, apesar de entender os doutos fundamentos da decisão, não pode a recorrente concordar com a mesma, pelos motivos que passamos a explanar:
De acordo com o disposto no artigo 11º do Código do Trabalho: “Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob autoridade desta”.
A relação subjacente ao contrato de trabalho pressupõe assim que o trabalhador esteja sob as ordens, direcção e fiscalização da entidade empregadora.
Ora, no caso sub judice a recorrente desempenhava a função de auxiliar de saúde, desempenhando trabalho igual ao das auxiliares que têm vínculo efectivo com a dita Unidade Local de Saúde, quer em quantidade, natureza e qualidade;
10ª Porquanto executava as mesmas tarefas daquelas auxiliares com vínculo efectivo, era responsável pela sala de tratamentos dos utentes, repunha o material necessário aos tratamentos e ficava diariamente encarregue das enfermarias, cuidando dos utentes que ali estavam internados;
11ª a recorrente conferia os stoks de roupa; às sextas-feiras fazia a requisição do material que faltava no serviço interno ao armazém, verificando se existia o material que presumivelmente seria necessário para o fim-de-semana e semana seguinte;
12ª A dita Unidade Local de Saúde era a destinatária do trabalho prestado pela recorrente sendo que tal trabalho era prestado nas suas instalações e que enquadrava, ordenava e dirigia esse trabalho, estando sujeita aos deveres e controlo de assiduidade, lealdade, zelo e cuidado, utilizava equipamentos e demais bens pertencentes àquela, tinha horário definido por aquela Unidade e que lhe era distribuído semanalmente, assim como era a dita Unidade que assumia a obrigação de pagar uma remuneração pelo trabalho por ela desenvolvido e auferia uma retribuição liquida no valor de 533,84 € (cfr. recibo de vencimento emitido pela dita Unidade e que foi junto aos autos com a petição inicial sob o doc. nº3).
13ª A referida Unidade Local de Saúde por conta de quem o trabalho era prestado, estava obrigada a transferir a responsabilidade pela reparação de acidentes de trabalho, como qualquer entidade empregadora.
14ª Por conseguinte, sendo a referida Unidade Local de Saúde destinatária e responsável pelo trabalho prestado pela recorrente, podemos dizer e pugnar que esta exercia a respectiva actividade de auxiliar de saúde por conta, sob ordem e direcção daquela, nas instalações daquela e cuidando dos seus utentes internados e que entre elas foi celebrado um contrato de trabalho subordinado.
15ª Pelo exposto, entendemos que a douta Sentença recorrida, ao não considerar existir um contrato de trabalho entre a recorrente a dita Unidade Local de Saúde, não interpretou, nem aplicou, acertadamente as normas que regem o contrato de trabalho, nomeadamente os artigos 11º, 12º, nº1, alíneas a), b), c) e d), 23º, nº1, alíneas c) e d), 24º, 124º, 139º e 140º, todos do Código do Trabalho e artigos 53º e 59º ambos da Constituição da República Portuguesa, o que se invoca para os devidos e legais efeitos.
Nestes termos e nos melhores de direito e com o mui douto suprimento de V.Exªs deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência ser admitida a petição inicial, seguindo-se os demais termos do processo.
Assim decidindo, farão V.Exªs a costumada JUSTIÇA.”
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Foi admitido o recurso na espécie própria, com o adequado efeito e regime de subida.
Os autos foram remetidos a esta 2ª instância, foi cumprido o n.º 3 do art.º 87.º do CPT., tendo o Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto emitido parecer no sentido da revogação da decisão recorrida, declarando-se a incompetência material da instância central do trabalho para conhecer a causa.
Tal parecer não mereceu qualquer resposta.
Colhidos os vistos legais, cumpre agora apreciar e decidir.

II - OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objeto do recurso pelas conclusões da recorrente (artigos 635.º, nº 4, 637.º n.º 2 e 639.º, nºs 1 e 3, do Código de Processo Civil), a única questão que se coloca à apreciação deste Tribunal é a de apurar da bondade da decisão que conduziu ao indeferimento liminar da petição inicial.

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Os factos relevantes são os que constam do relatório que antecede.

IV - APRECIAÇÃO DO RECURSO

Do indeferimento liminar da petição liminar

A recorrente insurge-se quanto facto do tribunal a quo ter considerado que entre as partes não vigorou qualquer contrato de trabalho, violando por isso o disposto nos artigos 11.º, 12.º, n.º 1, alíneas a), b), c) e d), 23.º, n.º 1, alíneas c) e d), 24.º, 124.º, 139.º e 140.º, todos do Código do Trabalho e artigos 53.º e 59.º ambos da Constituição da República Portuguesa.
A questão a apreciar prende-se com a qualificação jurídica a atribuir ao contrato celebrado entre as partes, pois se o mesmo não configurar um contrato de trabalho, ou equiparado a um contrato de trabalho ou um contrato de aprendizagem ou tirocínio, revelar-se-á de manifesta a improcedência dos pedidos formulados pela Autora, tal como concluiu o tribunal a quo.
Importa assim dilucidar se a relação contratual invocada pela autora pode ser considerada uma relação contratual de natureza laboral, ou se terá uma outra natureza de cariz ocupacional, que não visa o preenchimento de postos de trabalho, mas sim o manter os destinatários ocupados, de forma a restituir-lhes a dignidade e o sentimento de utilidade social.
A Autora celebrou com a Unidade Local de SAÚDE DO ..., EPE. um contrato denominado “Contrato Emprego – Inserção +, celebrado no âmbito da Medida Contrato Emprego-Inserção+, para desempregados, beneficiários do rendimento social de Inserção e outros desempregados elegíveis”, por força do qual a Ré se obrigou a proporcionar à Autora uma actividade ocupacional, no âmbito do projecto ocupacional por si organizado em tarefas úteis à comunidade e aprovado pelo Instituto do Emprego e Formação Profissional. Estes contratos outorgados no âmbito da Medida Contratos Emprego-Inserção+, destinam-se a desempregados beneficiários do Rendimento Social de Inserção e outros desempregados nos termos estipulados pela Portaria n.º 128/2009, de 30 de Janeiro (a qual foi posteriormente alterada e republicada pela portaria n.º 20-B/2014, de 30/01) e regulamentada pelo Despacho n.º 1573-A/2014, de 30/01.
Este Tribunal da Relação teve recentemente oportunidade de se pronunciar sobre a natureza deste tipo de relação contratual, ainda que a propósito da competência material (questão que não se chega a colocar no âmbito destes autos em face do teor da pretensão da autora e dos fundamentos em que se alicerça a configuração da relação jurídica, ainda que o tribunal não esteja vinculado às qualificações jurídicas efectuadas por aquela), designadamente no Acórdão de 19/03/2020, proferido no Proc. n.º 2953/17.0T8BCL.G1, relator Antero Veiga (tendo a ora relatora aí intervindo como 2.ª adjunta) e no Acórdão de 25/06/2020, proferido no Proc. n.º 1064/18.6B8BRG.G1, relatora Alda Martins (tendo a ora relatora aí intervindo como 1.ª adjunta), ambos consultáveis in www. dgsi.pt., tendo-se concluído que os contratos de emprego-inserção não emergem de relação de trabalho subordinado, nem de contrato equiparado por lei aos de trabalho, nem de contrato de aprendizagem ou tirocínio.
Desde já dizemos que não nos iremos afastar da posição assumida, razão pela qual a resposta à questão por nós acima suscitada não deixará de ser em tudo idêntica.

Mas vejamos:
Consta, além do mais, do contrato celebrado entre Autora e Ré, designadamente da cláusula 1ª n.º 1, que o primeiro outorgante obriga-se a proporcionar ao segundo outorgante, que aceita, a execução de trabalho socialmente necessário, na área de AUXILIAR DE SAÚDE, no âmbito do projecto por si organizado e aprovado em 2018/06/26, no âmbito da Portaria n.º 128/2009, de 30 de Janeiro, não podendo a Ré exigir da Autora o desempenho de tarefas que não se integrassem no projeto aprovado, nem as atividades a desenvolver poderiam corresponder ao preenchimento de postos de trabalho, n.º 2 da clausula 1ª daquele contrato.
Ora, o já acima mencionado, os contratos de emprego-inserção estão regulados pela portaria n.º 128/2009, de 30/01, que veio a ser posteriormente alterada pelas Portarias n.º 164/2011, de 18/04; n.º 294/2010, de 31/05; n.º 164/2011, de 18/04; n.º 378-H/2013, de 31/12 e n.º 20-A/2014, de 30/01, tendo esta última republicado a sua versão consolidada.

Importa recordar o seu preâmbulo, do qual consta o seguinte:

“O Governo tem vindo a proceder à racionalização e sistematização do edifício legislativo que enquadra e regula as medidas de política que visam promover a coesão social através do emprego e da qualificação profissional. No âmbito deste processo, reveste-se de particular valor estratégico a revisão da regulamentação das medidas activas de emprego que, em complementaridade aos instrumentos de protecção social, procuram melhorar os níveis de empregabilidade e estimular a reinserção no mercado de trabalho dos trabalhadores que se encontram em situação de desemprego. O contrato emprego-inserção e o contrato emprego-inserção+ integram-se no conjunto destas medidas, considerando que, ao permitirem aos desempregados o exercício de actividades socialmente úteis, promovem a melhoria das suas competências sócio-profissionais e o contacto com o mercado de trabalho. A experiência havida ao longo dos anos permite verificar o impacto positivo dos apoios públicos ao desenvolvimento de trabalho socialmente necessário por parte de desempregados, enquanto estes aguardam por uma alternativa de emprego ou de formação profissional. No entanto, foi reconhecida a necessidade de se proceder a ajustamentos ao regime jurídico destes apoios, nomeadamente no sentido de reforçar as disposições que visam um melhor contacto e integração no mercado de trabalho, a dignificação social destas medidas, bem como a precisão do seu âmbito. As alterações introduzidas pela presente portaria procuram igualmente melhorar a complementaridade já existente entre as medidas activas de emprego e o programa de inserção do rendimento social de inserção, através da criação do contrato emprego-inserção+.”
Resulta dos artigos 1.º e 2.º da mencionada portaria que os contratos de emprego de inserção visam desenvolver “trabalho socialmente necessário”, com duas dimensões distintas: por um lado pretende abranger os desempregados inscritos no IEFP, sendo estes os seus beneficiários (artigo 5.º-A); e por outro lado pretende desenvolver atividades para satisfazer necessidades sociais ou colectivas temporárias, podendo ser promotoras desses contratos as entidades públicas, como por exemplo os serviços públicos, as autarquias locais ou entidades privadas sem fins lucrativos (entidades de solidariedade social).
Tais contratos visam por um lado promover a empregabilidade de pessoas em situação de desemprego, preservando e melhorando as suas competências profissionais através da manutenção do contacto com o mercado de trabalho, fomentando o contacto dos desempregados com outros trabalhadores e actividades, desmotivando a sua marginalização e por outro lado visam satisfazer as necessidades sociais e colectivas, ao nível local e regional.
Importa ainda reter no que respeita à execução deste tipo de contrato o previsto no art.º 9.º n.º 1 da Portaria o qual estabelece que “No exercício das atividades integradas num projeto de trabalho socialmente necessário, é aplicável ao beneficiário o regime da duração e horário de trabalho, descansos diário e semanal, feriados, faltas, segurança e saúde no trabalho aplicável à generalidade dos trabalhadores da entidade promotora”; o previsto no artigo 11.º, n.º 2, alíneas b), c) e d) e n.º 3 do qual resulta como sendo causa de cessação do contrato a violação dos deveres de assiduidade ou a desobediência às instruções sobre o exercício do trabalho socialmente necessário. E no que respeita à contrapartida pela prestação dessa actividade, salientamos que corresponde a uma bolsa mensal (artigo 13.º), acrescida de subsídios de transporte, alimentação (artigo 14.º, n.º 1 e 2).

Daqui resulta que a Portaria aplica-se aos desempregados que desenvolvem trabalho socialmente necessário e tem como objectivos:

- promover a empregabilidade de pessoas em situação de desemprego, preservando e melhorando as suas competências sócio-profissionais, através da manutenção do contacto com o mercado de trabalho;
- fomentar o contacto dos desempregados com outros trabalhadores e atividades, evitando o risco do seu isolamento, desmotivação e marginalização;
- apoiar atividades socialmente úteis, em particular as que satisfaçam necessidades locais ou regionais.

Estes contratos têm a duração máxima de 12 meses, com ou sem renovação - cfr. art.º 8.º, n.º 3, e durante a execução dos mesmos o beneficiário aufere uma “bolsa de ocupação mensal” de montante correspondente ao valor do indexante dos apoios sociais, paga pela entidade promotora mas comparticipada pelo IEFP, I.P. - cfr. art.º 13.º, n.ºs 3 e 4
Trata-se assim de um regime próprio do qual resulta que durante o período de exercício das atividades integradas num projeto de trabalho socialmente necessário, o desempregado subsidiado é abrangido pelo regime jurídico de proteção no desemprego (cfr. artº 10º da portaria). Ou seja, o trabalhador beneficiário deste contrato não adquire a condição de empregado, o mesmo é dizer que não estabelece qualquer relação jurídica de emprego com o beneficiário da atividade desenvolvida. Daí que mantenha o direito às prestações por desemprego a que acresce a bolsa pelo exercício da atividade.
Neste sentido se decidiu no Acórdão do STJ de 14/11/2001 e se tem vindo a decidir neste Tribunal da Relação de Guimarães, designadamente no Acórdão de 26/02/2015, proferido no proc. 243/11.1TTBCL.G1 (relatora Manuela Fialho) e mais recentemente nos acórdãos acima mencionados, proferidos em19/03/2020 e 25/06/2020, todos consultáveis in www.dgsi.pt.
Retornando ao caso dos autos, temos como certo que a autora com a celebração do contrato emprego - inserção+, para desempregados beneficiários de rendimento social de inserção, obrigou-se a executar trabalho socialmente necessário, na área da saúde, no âmbito do projecto organizado pela ré e aprovado pelo IEFP, IP. Em face da prestação desse trabalho a Autora ficou com direito a receber da Ré uma “bolsa de ocupação mensal de montante igual ao Indexante dos Apoios Sociais”, “subsídio de alimentação referente a cada dia de actividade”, “pagamento de despesas de transporte, entre a residência habitual e o local de actividade” e “um seguro que cubra os riscos que possam ocorrer durante e por causa do exercício das actividades integradas no projecto de trabalho socialmente necessário.”
Tais prestações embora devidas pela Ré eram comparticipadas pelo IEFP, IP, não correspondendo a uma verdadeira contrapartida da prestação da actividade, nos termos previstos no art.º 258.º do CT, mas sim a uma “bolsa de ocupação mensal”. Como bem refere a este propósito o acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 4-12-2014, proferido no Proc. n.º 294/13.1TTEVR.E1, “Trata-se de contratos celebrados com o aval e comparticipação do Estado, através do IEFP, IP, inseridos no âmbito de uma política social que visa manter as pessoas ocupadas, restituindo aos seus destinatários o sentimento de dignidade e utilidade social, evitando a exclusão social e a degradação profissional associadas à inatividade, mantendo-as ligadas à vida ativa e próximas do mercado de trabalho e emprego.
A “bolsa de ocupação mensal” que o Autor tinha direito a receber em virtude daquela ocupação em caso algum pode ter o sentido de retribuição que o Código do Trabalho consagra, isto é, como contrapartida devida pela entidade patronal pela disponibilidade do trabalhador (artº 258º do CT), antes, atenta a própria designação, revestindo as características de uma prestação social, destinada a proporcionar algum rendimento para fazer face às necessidades básicas da vida e contribuir para a integração social do destinatário enquanto estiver afeto à atividade socialmente útil e se mantém expectante em relação à sua integração no mercado de trabalho. Por outro lado, a disponibilidade do beneficiário em relação ao promotor da atividade socialmente útil não é equiparável à que um trabalhador subordinado mantém em relação à sua entidade patronal, mormente atenta a obrigação que impende sobre o promotor de proporcionar ao beneficiário até quatro dias úteis por mês para este procurar emprego, de não afetar o beneficiário ao exercício de atividades não previstas no projeto (vide artº 9º da Portaria) e de submeter-se à atividade fiscalizadora do IEFP, IP, certamente para impedir que o promotor preencha postos de trabalho com recurso a prestadores de atividade socialmente útil (artº 15º da Portaria).
Veja-se que mesmo no domínio das causas de cessação e resolução do contrato (artº 11º da Portaria) elas se afastam nitidamente das modalidades de cessação legalmente previstas para o contrato de trabalho (artº 340º do CT), o que é indicador suficiente de que não se quis abranger pelo regime do contrato de trabalho o “contrato emprego inserção”, em qualquer das suas modalidades, a que nos vimos referindo.”
Perante estas características da prestação a que a autora se obrigou e tendo presente que o acordo de actividade ocupacional celebrado entre autora e ré, para além de não contender com o mercado de emprego, não visou preencher postos de trabalho, mas sim de forma temporária, constituir uma forma socialmente útil de angariação de rendimentos e de integração no mercado de trabalho das pessoas com dificuldades no acesso a postos de trabalho, por diversos motivos, designadamente, baixa qualificação profissional, desemprego de longa duração, ou idade avançada, não é, nem pode ser qualificado como de trabalho ou equiparado.
Não podemos considerar qualquer índice de existência de um contrato de trabalho, uma vez que as condições de aplicabilidade do projecto organizado pela Ré, aprovado pelo IEFP e com as quais a autora/recorrente concordou, definem as circunstâncias em que a autora desempenhou as suas funções, não o tendo feito em regime de subordinação jurídica como exige o contrato de trabalho ou os demais equiparados.
Na verdade, a autora nunca deixou de manter a sua condição de desempregada, limitando-se a prestar trabalho socialmente necessário e com isso a auferir uma bolsa de ocupação mensal igual ao valor do indexante dos apoios sociais. E assim sendo não releva, como a autora pretende, quer o facto de cumprir um horário e receber indicações, instruções e orientações da Ré, uma vez que as mesmas se afiguram de essenciais para o desenvolvimento e organização da prestação relevante.
A autora encontrava-se desempregada e assim continuou, recebendo apenas uma bolsa de ocupação mensal, paga pela entidade promotora, mas que é comparticipada pelo IEFP (cfr. art. 13.º da Portaria), sendo com base num programa especifico que passou a exercer as suas funções na Unidade de SAÚDE DO ..., sem que tivesse sido contratada directamente por esta, e sem que tivesse existido qualquer acordo quanto qualquer um dos aspectos inerentes à vigência de qualquer contrato de trabalho.
Acresce dizer que por força de tal portaria, designadamente do seu artigo 10.º, os contratos de Emprego-Inserção+ os desempregados ainda que desempenhem funções ao abrigo destes contratos “durante o período de exercício das actividades integradas num projecto de trabalho socialmente necessário, o desempregado subsidiado é abrangido pelo regime jurídico de protecção no desemprego.”
No próprio contrato celebrado entre Autora e Ré se prevê expressamente que a Autora pudesse ter de faltar por ter sido convocada pelo IEFP “tendo em vista a obtenção de emprego ou a frequência de acções de formação profissional”, o que também demonstra que durante a execução do contrato o desempregado continua adstrito ao cumprimento das obrigações tendentes à obtenção de emprego, o que não deixa de demonstrar que este contrato não é de trabalho.
Ora, a autora sabia que iria exercer funções naquela unidade de saúde ao abrigo de um programa ocupacional, cuja regulamentação resulta da Portaria n.º 128/2009 e aceitou, ciente de que a actividade que iria desenvolver não podia corresponder ao preenchimento de qualquer posto de trabalho, tal como resulta do teor da cláusula 1ª n.º 2 do contrato que assinou.
Por último, ainda nos cabe referir que atenta a forma de cessação deste tipo de contrato, que não se coaduna nem se revela compatível com o contrato de trabalho, também nos leva a crer que não estarmos perante um contrato de trabalho.
Com efeito, o contrato de Emprego-Inserção+ cessa, para além do termo do prazo ou da sua renovação, ou da reforma, nas situações em que o beneficiário obtiver emprego, iniciar acção de formação profissional, ou recusar, injustificadamente, os mesmos, ou ainda se perder o direito às prestações de rendimento social de inserção através do IEFP, I.P. (artigo 11.º, n.º 1 da Portaria).
Em suma perante o quadro normativo aplicável ao “contrato emprego-inserção +” ao abrigo do qual se estabeleceu a vinculação entre Autora e Ré, impõe-se concluir que entre as partes não existiu uma relação de trabalho subordinado pela qual a Autora se tenha comprometido a prestar sob a direção da Ré uma atividade produtiva mediante o pagamento de uma retribuição e tanto basta para se revelar de manifesta a improcedência da acção.
Assim, atendendo aos elementos legais e contratuais é de concluir pela inexistência das características essenciais de uma relação jurídico laboral ou equiparada, já que o contrato em apreço apenas visa proporcionar aos desempregados uma melhoria das suas competências socioprofissionais através do contacto com o mercado de trabalho.
Revela-se de manifesta a improcedência dos pedidos formulados pela autora, razão pela qual bem andou o tribunal a quo ao indeferir liminarmente a petição inicial.
Improcede o recurso e consequentemente confirma-se a decisão recorrida.

V – DECISÃO

Acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, mantendo a decisão recorrida.
Custas a cargo do Recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficie.
Notifique.
24 de Setembro de 2020

Vera Maria Sottomayor (relatora)
Maria Leonor Barroso
Antero Dinis Ramos Veiga