Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
7568/18.3T8VNF-A.G1
Relator: RAQUEL BAPTISTA TAVARES
Descritores: PROCEDIMENTO CAUTELAR
SUSPENSÃO DE DELIBERAÇÃO SOCIAL
REQUISITOS
DELIBERAÇÃO DE DESTITUIÇÃO DE UM ADMINISTRADOR DE UMA SOCIEDADE ANÓNIMA
NÃO CONSTANTE DA ORDEM DE TRABALHOS
VALIDADE DA DELIBERAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/02/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I – Do preceituado no referido artigo 380º n.º 1 resulta que são requisitos cumulativos do procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais os seguintes: a) Estar em causa uma deliberação societária (tomada por associação ou sociedade) que seja inválida por violar a lei, os estatutos ou o contrato; b) Que o requerente tenha a qualidade de sócio ou associado da pessoa coletiva em causa; c) Que a execução dessa deliberação possa causar dano apreciável.

II – Em regra a convocatória dever mencionar claramente os assuntos sobre que se deliberará (cfr. artigo 377º n.º 5 e 8 do Código das Sociedades Comerciais) e se o assunto não constar da ordem do dia, a deliberação da destituição será anulável (cfr. artigo 58º n.º 1, alínea c) e n.º 4, alínea a).

III – Contudo, tal regra admite exceções podendo a deliberação de destituição de um administrador de uma sociedade anónima ser tomada em assembleia geral desta que aprecia a administração e fiscalização da sociedade, mesmo que tal matéria não conste da ordem do dia em conformidade com o preceituado nos artigos 376º n.º 1 alínea c) e 455º n.º 3 do Código das Sociedades Comerciais.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I. Relatório

V. B., residente na Rua de …, Fão, intentou o presente procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais contra X – ENGENHARIA E TECNOLOGIA, S.A., com sede Zona Industrial, …, Esposende, pedindo que seja ordenada a suspensão da deliberação social de destituição do Requerente de membro do Conselho de Administração da Requerida e do cargo de Presidente do mesmo.

Para tanto alegou, em síntese, ser acionista da sociedade requerida e ter sido nomeado Presidente do Conselho de Administração da mesma e os factos que, na sua perspetiva, fundamentam a invalidade da deliberação em causa.

Citada, veio a Requerida deduzir oposição, defendendo a inadmissibilidade do presente procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais, uma vez que a deliberação em causa se encontra já plenamente executada.
No mais, pugnou pela improcedência da providência cautelar, por entender não estarem verificados os pressupostos invocados pelo Requerente.

Veio a efetivar-se a audiência com a prolação de sentença nos seguintes termos, no que concerne à parte dispositiva:

“Termos em que indefiro a presente providência cautelar de suspensão de deliberações sociais intentado por V. B. contra X – ENGENHARIA E TECNOLOGIA, S.A..
Custas pelo A..
Registe e notifique”.

Não se conformando com a decisão proferida veio o Requerente recorrer concluindo as suas alegações da seguinte forma:

“CONCLUSÕES

1.
Foi o Recorrente notificado da sentença que julgou improcedente o procedimento cautelar de suspensão da deliberação social tomada em 19 de Setembro de 2018, que determinou a sua destituição do cargo de Administrador da sociedade “X – ENGENHARIA E TECNOLOGIA, S.A.”
2.
Entendeu a sentença em crise que a deliberação de destituição do Recorrente como administrador da Recorrida não é contrária à lei, apesar de não constar da ordem de trabalhos constante da convocatória de 19-09-2018, por se tratar da exceção prevista na alínea c) do n.º 1 do art. 376º do Código das Sociedades Comerciais, que estabelece que a assembleia geral dos accionistas deve reunir para, entre outros, proceder à apreciação geral da administração e fiscalização da sociedade e, se disso for caso e embora esses assuntos não constem da ordem do dia, proceder à destituição, dentro da sua competência, ou manifestar a sua desconfiança quanto a administradores.
3.
Porém, entende o Recorrente que a situação concreta dos autos não preenche a previsão da supra referida disposição legal, uma vez que não surgiu como efeito da discussão sobre a gestão da sociedade, mantida em assembleia geral e convocada com esse fim, ou seja, os factos não decorreram da própria assembleia nem aí chegaram ao conhecimento dos accionistas.
4.
Os fundamentos invocados pelo proponente não se relacionam com as contas do exercício nem resultaram da apreciação da administração em geral, já que esta não chegou a ser feita, pois a proposta foi apresentada logo que foi aberto o ponto, ainda antes de ser tecido qualquer comentário acerca de tais assuntos, constando a proposta de um extenso documento que poderia e deveria ter sido facultado ao accionista visado em momento anterior à assembleia, tendo os factos relatados pelo accionista e presidente da mesa da assembleia geral A. F. como fundamento para a destituição na sua proposta ocorrido vários meses antes da convocatória, não poderia este ter deixado de transmitir a sua proposta até 19 de Setembro de 2018.
5.
Assim, é de obrigatória inclusão na ordem do dia a destituição, quando tal não resulte de factos apurados no momento da apreciação das contas do exercício e da administração no geral, e, consequentemente, a falta de menção na ordem de trabalhos torna a deliberação de destituição anulável (arts.º 58º/1, c),4 a); 59º/1/2 c)). Isto porque o art.º 377º/8 é claro, dizendo que “O aviso convocatório deve mencionar claramente o assunto sobre o qual a deliberação será tomada…”.
6.
O procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais depende, assim, da verificação cumulativa dos seguintes requisitos: i) ser o requerente sócio da sociedade que a tomou, ii) ser essa deliberação contrária à lei ou ao pacto social e iii) resultar da sua execução dano apreciável.
7.
A qualidade de sócio do Requerente já se encontra supra alegada e documentalmente comprovada; a falta de introdução da proposta de destituição do Recorrente na ordem dos trabalhos da assembleia de 19 de Setembro de 2018 demonstra que a deliberação é contrária à lei; O afastamento do Recorrente da administração dos destinos da sociedade causa-lhe prejuízos imediatos (retribuições que deixa de auferir) e mediatos (decorrentes da diminuição da rentabilidade da empresa), prejuízos esses que são directamente extensíveis a vários clientes e fornecedores.
8.
Por outro lado, a procedência da providência não acarretaria qualquer prejuízo para a Recorrida, uma vez que o Conselho de Administração desta é composta por 3 administradores, sendo o Recorrente uma minoria que não poderá colocar em causa a gestão ou funcionamento da sociedade.
9.
Face ao exposto, verificados os requisitos previstos no art. 380º n.º 1 CSC, deveria ter sido decretada o procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais”.
Pugna o Recorrente pela integral procedência do recurso e consequentemente pela revogação da decisão recorrida e sua substituição por Acórdão que julgue a providência cautelar de suspensão das deliberações sociais procedente.
A Requerida contra-alegou pugnando pela improcedência do recurso.
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.
***
II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso (artigo 639º do CPC).

As questões a decidir, tendo em conta o teor das conclusões formuladas pelo Recorrente, são as seguintes:

1 - Determinar se a deliberação de destituição do Recorrente como administrador da Recorrida é contrária à lei por não constar da ordem de trabalhos ou se estamos perante a exceção prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 376º do Código das Sociedades Comerciais;
2 – Determinar se a execução dessa deliberação pode causar dano apreciável.
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III. FUNDAMENTAÇÃO

3.1. Os factos

Factos considerados provados em Primeira Instância:

A. O Requerente é acionista da sociedade requerida “X – ENGENHARIA E TECNOLOGIA, S.A.”, titular de 450.000 (quatrocentos e cinquenta mil) ações do valor nominal de € 1,00 (um euro) cada, no montante global de € 450.000,00 (quatrocentos e cinquenta mil euros), correspondentes a uma participação de 60% no capital social da sociedade que ascende a € 750.000,00 (setecentos e cinquenta mil euros).
B. Além de ter participado na constituição da sociedade em 19 de abril de 2002, o A. ainda foi nomeado Presidente do Conselho de Administração da mesma, cargo que exerceu continuamente até ao dia 25 de outubro de 2018.
C. Em 19 de setembro de 2018, foi publicado um aviso convocatório para uma assembleia geral da sociedade Requerida, a realizar no dia 25 de outubro de 2018, pelas 10.00 horas, na sede da sociedade, com a seguinte ordem dos trabalhos:
Ponto Um – Deliberar sobre o Relatório de Gestão e as Contas do exercício de 2017.
Ponto Dois – Deliberar sobre a proposta de aplicação dos resultados do exercício de 2017.
Ponto Três – Proceder à apreciação geral da administração e fiscalização da sociedade.
D. Na data designada, teve lugar a assembleia geral onde, entre outros, foi deliberada e aprovada a proposta de destituição do Requerente de membro do Conselho de Administração da sociedade requerida e do cargo de Presidente do mesmo, por unanimidade dos votos emitidos pelos demais acionistas que não o Requerente, “correspondentes à totalidade do capital social admitido a votar, ou seja, 40% do capital social”.
E. A proposta em causa foi apresentada logo após o Presidente da Mesa da Assembleia ter dado entrada no ponto Três da ordem dos trabalhos “Proceder à apreciação geral da administração e fiscalização da sociedade”, apresentada pelo acionista e presidente da mesa da assembleia geral A. F..
F. No caso, apenas foram disponibilizados ao Requerente os documentos de prestação de contas, não tendo a Ré fornecido os restantes elementos de informação preparatória, nomeadamente a proposta preparada pelo presidente da mesa da assembleia geral e acionista, A. F..
G. Resulta do pacto social da requerida, nomeadamente no n.º 2 do art. 21º, que “a nomeação, alteração ou destituição de administradores, só é permitida mediante deliberação tomada em Assembleia Geral, exigindo-se para o efeito que seja aprovada com o número de votos que correspondam a setenta e cinco por cento do capital social”.
H. O Requerente foi impedido de votar e a sua participação social não foi considerada para o cálculo da maioria qualificada exigida no pacto social.
I. O Requerente exerceu o cargo de Presidente do Conselho de Administração da Requerida desde a data da sua constituição até 26 de outubro de 2018 ininterruptamente, a tempo inteiro, não exercendo qualquer outra profissão, auferindo pelo menos 1% dos Resultados líquidos do ano transato, distribuído em 2 tranches, sendo uma em Julho, e outra em Dezembro.
J. O Requerente não tem qualquer outra fonte de rendimento (especificando-se que não consideramos os eventuais lucros que lhe possam ser distribuídos relativos à sociedade R., porque de caracter incerto).
K. Prevê o n.º 1 do art. 21º do pacto social da Requerida junto aos autos como Doc. 2, “a administração da sociedade cabe a um Conselho de Administração, composto por três ou cinco elementos, eleito de três em três anos”.
L. O Requerente era o único administrador da sociedade a tempo inteiro e que se dedicava exclusivamente à gestão da Requerida, uma vez que os demais administradores têm negócios paralelos e só comparecem na sociedade para as reuniões do conselho de administração ou para as assembleias gerais.
M. O Conselho de Administração da R. reuniu, entretanto, e cooptou um novo administrador para preenchimento da vaga ocorrida nesse órgão, L. A. e designou um novo Presidente para esse mesmo órgão, R. A..
N. Os membros do Conselho de Administração (incluindo o novo administrador e o novo Presidente) assumiram integralmente as suas funções e têm gerido a sociedade desde o dia 26/10/2018, sem qualquer intervenção do Requerente.
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Factos considerados não provados em Primeira Instância:

O. O A. auferiu, a título de retribuição, a quantia mensal de €4.500,00 (quatro mil e quinhentos euros).
P. Os demais administradores não têm habilitações para o efeito, não fazendo sequer ideia do que é necessário efetuar na empresa nem do trabalho a desempenhar.
Q. A sociedade irá sofrer prejuízos decorrentes da ausência ou fraca gestão da sociedade, que terá consequências ao nível da performance e rentabilidade da mesma.
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3.2. O Direito

Importa começar por referir que o Recorrente nas suas alegações não impugna a matéria de facto fixada na 1ª Instância, apenas se insurgindo contra as consequências jurídicas que da mesma foram retiradas pelo tribunal a quo ao não considerar a deliberação de destituição do Recorrente como administrador da Recorrida contrária à lei por se tratar da exceção prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 376º do Código das Sociedades Comerciais.

Vejamos então se lhe assiste razão.

Conforme bem se refere na decisão recorrida os presentes autos constituem um procedimento cautelar especificado de suspensão de deliberações sociais, expressamente regulado no artigo 380º e seguintes do Código de Processo Civil.

Do preceituado no referido artigo 380º n.º 1 resulta que são requisitos cumulativos deste procedimento cautelar os seguintes:

a) Estar em causa uma deliberação societária (tomada por associação ou sociedade) que seja inválida por violar a lei, os estatutos ou o contrato;
b) Que o requerente tenha a qualidade de sócio ou associado da pessoa coletiva em causa;
c) Que a execução dessa deliberação possa causar dano apreciável.
Por outro lado, importa ainda que a deliberação tenha sido já tomada, não abarcando as que se apresentem como meramente eventuais, mas que não tenha sido ainda executada pois esta providência cautelar visa paralisar a deliberação que não se encontra ainda executada, impedindo dessa forma a produção de anos futuros (Marco Carvalho Gonçalves, Providências Cautelares, 2015, página 272; no mesmo sentido v. António Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, página 450; v. ainda Paulo Olavo Cunha, Direito das Sociedades Comerciais, 6ª Edição, 2016, página 713 e seguintes).

Os requisitos supra referidos em a) e b), conforme também se refere na decisão recorrida, citando Moitinho de Almeida, respeitam à demonstração do direito aparente do requerente e o referido em c) corresponde ao perigo de insatisfação do direito em consequência da demora da decisão definitiva, isto é, ao normalmente designado periculum in mora. Neste sentido refere Marco Carvalho Gonçalves (ob. cit. página 275) que o periculum in mora desta providência cautelar reside no perigo da execução da deliberação tida por violadora da lei, dos estatutos ou do contrato, sendo certo que não é de exigir a produção de danos irreparáveis ou de difícil reparação em consequência da execução da deliberação inválida, sendo suficiente a possibilidade de produção de um “dano apreciável”.

No caso concreto, competia ao Recorrente, enquanto requerente da providência, justificar a qualidade de sócio, alegar o conteúdo da deliberação e as razões da sua invalidade e ainda os factos de que resulte o perigo de produção de dano apreciável em caso de execução da deliberação.

O requisito referido em b) (qualidade de sócio do Recorrente) não só não mereceu qualquer dúvida ao tribunal recorrido (que considerou pacifica entre as partes a qualidade de sócio do Requerente V. B. relativamente à sociedade Requerida “X – ENGENHARIA E TECNOLOGIA, S.A.” em face da alínea A) dos factos provados da qual resulta que aquele é titular de 450.000 acções do valor nominal de €1,00 cada, correspondentes a uma participação de 60% no capital social da sociedade Requerida que ascende a €750.000,00), como não vem questionado no presente recurso.

Já relativamente ao requisito referido em a) entendeu o tribunal a quo que a deliberação em causa não se encontra ferida de nulidade nem de anulabilidade, inexistindo qualquer causa de invalidade da mesma por se não verificar qualquer dos vícios invocados pelo Recorrente, seja por não contar da ordem de trabalhos, seja por não ter sido precedida do fornecimento de elementos de informação ou por não respeitar a maioria exigida pelo pacto social.

No presente recurso o Recorrente insurge-se apenas contra o entendimento do tribunal a quo na parte em que considerou que apesar de não constar a sua destituição da ordem dos trabalhos expressa na convocatória tal não torna inválida a deliberação por configurar a exceção prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 376º do Código das Sociedades Comerciais.

Está aqui em causa a deliberação de destituição do Recorrente de membro do Conselho de Administração da Requerida e do cargo de Presidente do mesmo, tomada na assembleia geral da sociedade Requerida realizada no dia 25 de outubro de 2018.

Resulta inequívoco nos presentes autos, em face da factualidade provada (cfr. alínea c) dos factos provados) que da ordem de trabalhos constante do aviso convocatório para a assembleia geral da sociedade Requerida, a realizar no dia 25 de outubro de 2018, não consta a destituição do Recorrente de membro do Conselho de Administração da Requerida e do cargo de Presidente.

Daquele consta a seguinte ordem de trabalhos:

“Ponto Um – Deliberar sobre o Relatório de Gestão e as Contas do exercício de 2017.
Ponto Dois – Deliberar sobre a proposta de aplicação dos resultados do exercício de 2017.
Ponto Três – Proceder à apreciação geral da administração e fiscalização da sociedade”.
É também inquestionável que a lei impõe que a convocatória contenha vários requisitos, designadamente que da convocatória conste, entre outros, a ordem de trabalhos e que do aviso convocatório conste claramente o assunto sore o qual a deliberação será tomada.

Decorre do artigo 377º n.º 5 do Código das Sociedades Comerciais que “A convocatória, quer publicada, quer enviada por carta ou por correio electrónico, deve conter, pelo menos:

a) As menções exigidas pelo artigo 171º;
b) O lugar, o dia e a hora da reunião;
c) A indicação da espécie, geral ou especial, da assembleia;
d) Os requisitos a que porventura estejam subordinados a participação e o exercício do direito de voto;
e) A ordem do dia (…).”

Por outro lado, o n.º 8 do referido preceito dispõe que “o aviso convocatório deve mencionar claramente o assunto sobre o qual a deliberação será tomada (…)”

Porém, a lei excepciona desta regra geral a possibilidade de proceder à destituição de administradores ainda que tal assunto não conste da ordem do dia.

É o que decorre expressamente do disposto no artigo 376º n.º 1, alínea c) do Código das Sociedades Comerciais onde se prevê que a assembleia geral dos accionistas deve reunir no prazo de três meses a contar da data do encerramento do exercício ou no prazo de cinco meses a contar da mesma data quando se tratar de sociedades que devam apresentar contas consolidadas ou apliquem o método da equivalência patrimonial para “(…) c) Proceder à apreciação geral da administração e fiscalização da sociedade e, se disso for caso e embora esses assuntos não constem da ordem do dia, proceder à destituição, dentro da sua competência, ou manifestar a sua desconfiança quanto a administradores”.

No mesmo sentido estipula o artigo 455º do Código das Sociedades Comerciais que “1 - A assembleia geral referida no artigo 376.º deve proceder à apreciação geral da administração e fiscalização da sociedade.

2 - Essa apreciação deve concluir por uma deliberação de confiança em todos ou alguns dos órgãos de administração e de fiscalização e respectivos membros ou por destituição de algum ou alguns destes, podendo também a assembleia votar a desconfiança em administradores designados nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 425.º
3 - As destituições e votos de confiança previstos no número anterior podem ser deliberados independentemente de menção na convocatória da assembleia”.

E o artigo 75º do mesmo diploma, prevendo a ação de responsabilidade proposta pela sociedade preceitua no seu n.º 2 que na assembleia que aprecie as contas de exercício e embora tais assuntos não constem da convocatória, podem ser tomadas deliberações sobre a ação de responsabilidade e sobre a destituição dos gerentes ou administradores que a assembleia considere responsáveis.

Assim, se em regra a convocatória dever mencionar claramente os assuntos sobre que se deliberará e se o assunto não constar da ordem do dia, a deliberação da destituição será anulável (cfr. artigo 58º n.º 1, alínea c) e n.º 4, alínea a), tal regra admite excepções e os administradores podem ser destituídos na assembleia geral anual que aprecia as contas do exercício, independentemente de menção da convocatória.

É, assim, incontornável que a deliberação de destituição de um administrador de uma sociedade anónima pode ser tomada em assembleia geral desta que aprecia a administração e fiscalização da sociedade, mesmo que tal matéria não conste da ordem do dia; é o que resulta do preceituado nos referidos artigos 376º n.º 1 alínea c) e 455º n.º 3.

Isto é, a deliberação de destituição de gerente não carece de ser previamente inscrita na ordem do dia, para que possa legitimamente ser tomada pelos sócios, no âmbito de uma assembleia que já tenha por objecto a apreciação geral da administração e fiscalização da sociedade.

Aliás, o Recorrente também não coloca em causa que assim o seja mas apresenta uma interpretação restritiva da norma do artigo 376º n.º 1 alínea c): a destituição só pode ser deliberada sem ter sido incluída na ordem de trabalhos se resultar de factos apurados no momento da apreciação das contas do exercício e da administração no geral.

Sustenta por isso que a situação concreta dos autos não preenche a previsão de tal norma uma vez que a destituição não surgiu com efeito da discussão sobre a gestão da sociedade, os factos não decorreram da própria assembleia nem aí chegaram ao conhecimento dos accionistas.
Voltando ao caso concreto, é certo que a proposta de deliberação de destituição do Recorrente surgiu na própria assembleia geral sem que essa matéria estivesse anunciada como um dos temas a apreciar.

Mas, a assembleia geral tinha como ponto primeiro da ordem de trabalhos deliberar sobre o Relatório de Gestão e as Contas do exercício de 2017 e como ponto terceiro proceder à apreciação geral da administração da Sociedade.

A proposta em causa foi apresentada logo após o Presidente da Mesa da Assembleia ter dado entrada no ponto Três da ordem dos trabalhos “Proceder à apreciação geral da administração e fiscalização da sociedade”.

Assim, depois de discutidos e votados os assuntos que integravam os pontos primeiro e segundo da ordem do dia, mal foi aberta a discussão do ponto terceiro, foi apresentada a proposta tendente à destituição do Recorrente; contudo, fora já discutido o ponto primeiro: deliberar sobre o Relatório de Gestão e as Contas do exercício de 2017.

E a proposta de destituição do Requerente de membro do Conselho de Administração e do cargo de Presidente do mesmo, foi deliberada e aprovada por unanimidade dos votos emitidos pelos demais acionistas que não o Requerente, “correspondentes à totalidade do capital social admitido a votar, ou seja, 40% do capital social”.

É por isso de concluir que a proposta de destituição do Recorrente foi apresentada mal foi aberta a discussão do ponto do ponto terceiro, mas após ter sido discutido o Relatório de Gestão e as Contas do exercício de 2017.

Por outro lado, a possibilidade de destituição dos administradores na assembleia de apreciação geral da administração e fiscalização da sociedade ainda que tal não conste da ordem do dia, decorre expressamente do artigo 376º n.º 1 alínea c) do Código das Sociedades Comerciais, e, como tal, é do conhecimento dos administradores, que não podem também desconhecer que é livremente disponível para os acionistas a destituição dos administradores, mesmo sem justa causa.

Com efeito, vigora entre nós a regra da livre destituição de administradores de sociedades anónimas ainda que sem justa causa, sendo que se a destituição não se fundar em justa causa o administrador terá direito a indemnização (cfr. artigo 403º do Código das Sociedades Comerciais).
Em face de tais considerandos entendemos que uma interpretação restrita tal como pretende o Recorrente conduziria a um esvaziamento injustificado do objecto da norma constante da referida alínea c) do n.º 1 do artigo 376º, a qual não encontra apoio no texto legal e nem justificação no espírito do legislador ao qual subjaz, como já vimos, a possibilidade de destituição dos administradores mesmo sem justa causa.

Não encontra, por isso, e salvo melhor opinião, correspondência com a norma constante da referida alínea c) do n.º 1 do artigo 376º a pretensão do Requerente de que a deliberação de destituição, sem que o assunto tivesse sido inscrito na ordem do dia, só pode ser tomada desde que surja como efeito da discussão sobre a gestão da sociedade mantida em assembleia geral e convocada com esse fim.

Conforme se refere no Acórdão da Relação do Porto de 14/03/2017, relatado pelo desembargador Rui Moreira (disponível em www.dgsi.pt) “ao estabelecer a norma do art. 376º, nº 1 al. c), ponderou o legislador que, por ser inerente à discussão dos termos em que decorreu a administração geral de uma sociedade em determinado período, sempre aí se poderá incluir a questão da continuidade da respectiva gerência. E, por isso, numa assembleia com aquele objecto, sempre poderá apreciar-se uma proposta tendente à destituição dos responsáveis por essa gerência. Restringir a apreciação de uma tal proposta a situações em que a destituição não tivesse sido anteriormente ponderada, apenas resultando como útil a partir da discussão do tema na própria assembleia geral é algo que elevaria aquele princípio da boa fé à fixação de um ditame exagerado, não só destituído de apoio no texto da lei, mas até contrário a esse mesmo texto”.

Por isso, concluímos, tal como o tribunal a quo, que a deliberação em causa não pode ter-se por inválida, não sendo nula ou anulável.

E, sendo cumulativos os requisitos legais exigidos, tal como já referimos, para o decretamento da providência cautelar de suspensão de deliberações sociais, a não verificação de um deles inviabiliza, só por si, a procedência da mesma, sem necessidade de verificar a existência dos restantes, tal como consta também da decisão recorrida.

Assim, prejudicado fica o conhecimento da questão da execução da deliberação poder causar dano apreciável.

Improcedem, assim, as conclusões de recurso, devendo manter-se a decisão proferida pelo tribunal a quo de indeferimento da providência cautelar, não sendo de determinar a suspensão da deliberação social em apreço.
As custas são da responsabilidade do Recorrente em face do seu integral decaimento (artigo 527º do Código de Processo Civil).
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SUMÁRIO (artigo 663º n º7 do Código do Processo Civil)

I – Do preceituado no referido artigo 380º n.º 1 resulta que são requisitos cumulativos do procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais os seguintes: a) Estar em causa uma deliberação societária (tomada por associação ou sociedade) que seja inválida por violar a lei, os estatutos ou o contrato; b) Que o requerente tenha a qualidade de sócio ou associado da pessoa coletiva em causa; c) Que a execução dessa deliberação possa causar dano apreciável.
II – Em regra a convocatória dever mencionar claramente os assuntos sobre que se deliberará (cfr. artigo 377º n.º 5 e 8 do Código das Sociedades Comerciais) e se o assunto não constar da ordem do dia, a deliberação da destituição será anulável (cfr. artigo 58º n.º 1, alínea c) e n.º 4, alínea a).
III – Contudo, tal regra admite exceções podendo a deliberação de destituição de um administrador de uma sociedade anónima ser tomada em assembleia geral desta que aprecia a administração e fiscalização da sociedade, mesmo que tal matéria não conste da ordem do dia em conformidade com o preceituado nos artigos 376º n.º 1 alínea c) e 455º n.º 3 do Código das Sociedades Comerciais.
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IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pelo Recorrente.
Guimarães, 02 de maio de 2019
Texto elaborado em computador e integralmente revisto pela signatária

Raquel Baptista Tavares
Margarida Almeida Fernandes
Margarida Sousa