Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
6029/17.2T8GMR.G1
Relator: HEITOR GONÇALVES
Descritores: COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
ESTADOS-MEMBROS DA UNIÃO EUROPEIA
LUGAR DO CUMPRIMENTO
REGULAMENTO (UE) N.º 1215/2012
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/04/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
SUMÁRIO (do relator):

1. Quando o litígio versa uma relação jurídica comercial entre sociedades com domicílio em Estados-Membros da União Europeia, na determinação do tribunal internacionalmente competente para o julgamento da causa deve ser convocado o Reg. (UE) 1215/2012, que prevalece sobre o ordenamento jurídico interno português e de aplicação é obrigatória em todos os Estados-Membros

2. Não havendo convenção escrita de um pacto de jurisdição (artigo 25º), como critério regra o artigo 4º, nº1 elege como internacionalmente competentes os tribunais do Estado-Membro onde o demandado tem o seu domicílio, e no caso não vem questionado que a ré tem o domicílio em Itália - o artº 63º considera que uma pessoa colectiva tem domicílio no lugar em que tiver: a) a sua sede social; b) a sua administração central; ou c) o seu estabelecimento principal.

3. No caso, o lugar do cumprimento do contrato é o domicílio da demandada, o lugar onde os bens foram e deveriam ser entregues e onde os serviços foram e deviam ser prestados, pelo que a competência internacional dos tribunais italianos decorre tanto da regra geral do artigo 4º, nº1, como da regra especial estabelecida no artigo 7º, nº1, alínea b);

4. Como refere o ac. STJ de 08.04.2010 no âmbito da aplicação do artigo 5º do Regulamento (CE) 44/2001 (de teor em tudo idêntico ao do artº 7º do Regulamento 1215/2012) «visou-se o estabelecimento de um conceito autónomo de lugar de cumprimento da obrigação nos mais frequentes contratos, que são o de compra e venda e o de prestação de serviços, por via de um critério factual, com vista a atenuar os inconvenientes do recurso às regras de direito internacional privado do Estado do foro», e o acórdão do STJ de 05.04.2016, na linha do acórdão do mesmo tribunal de 3 de Março de 2005, refere ser “fundado o entendimento de que a alínea b) do n° l do artigo 5° abrange qualquer obrigação emergente do contrato de compra e venda, designadamente a obrigação de pagamento da contrapartida pecuniária do contrato e não apenas a de entrega da coisa que constitui o seu objecto mediato”.
Decisão Texto Integral:
Acordam no tribunal da relação de guimarães

I. D. P .., Lda., sociedade comercial com sede na freguesia de …, concelho de Guimarães, pediu que a demandada Grupo … Italia Srl, com sede em …, Pinerolo, Itália, seja condenada no pagamento de 41.045,35€, acrescida de juros de mora vincendos até integral pagamento, valor que diz respeito ao fornecimento do equipamento e dos serviços constantes na fatura nº F12017/12 (39.072,00€) e a juros moratórios vencidos (1973.35€).

Contestando, para além de deduzir a incompetência absoluta dos tribunais portugueses para dirimir o litígio, a ré alega no essencial e em síntese que o equipamento de aparafusadores tinha defeitos e avarias que a autora não conseguiu corrigir nas suas deslocações a Itália, e as partes acordaram na resolução do diferendo através da redução do preço para 29.304,00€, e a autora obrigou-se a emitir uma nota de crédito e a desistir da acção, acordo que a ré não cumpriu.

Em jeito de resposta, a autora reduziu o pedido em 29.304,00€ (valor pago pela ré no decurso da ação) e sobre a matéria de excepção e documentos juntos pela ré alega não prescindir de se pronunciar em sede de audiência prévia.

No subsequente despacho, o Sr. Juiz ordenou que a ré juntasse a versão espanhola do doc. nº2 e que, mostrando-se junto, a A. tinha 10 dias para se pronunciar sobre a excepção. Notificada da junção do documento, a autora impugnou o seu teor e quanto à invocada excepção de incompetência do tribunal diz não existir qualquer convenção pela qual as partes designaram como competente o tribunal do domicílio do réu.

II. No despacho saneador foi julgada procedente a invocada excepção de incompetência absoluta dos tribunais portugueses, e por consequência decretada a absolvição da ré da instância nos termos das disposições conjugadas dos artigos 96º/ a, 99º/1, 278º/1/a e 577º/a, do Cód. Processo Civil.

A autora interpôs recurso dessa decisão, contudo o Sr. Juiz do processo não o admitiu por entender que fora interposto para além do prazo legal.
No julgamento da reclamação apresentada pelo recorrente, esta Relação considerou tempestivo o recurso e determinou a requisição do processo ao tribunal recorrido (decisão sumária do Relator de 10.07.2018).
Recebido o processo, importa apreciar o objecto do recurso delimitado pelas seguintes conclusões:

1. A sentença foi proferida sem que à Autora fosse dada a oportunidade de se pronunciar acerca da questão da incompetência internacional dos tribunais portugueses, pelo que estamos perante uma sentença surpresa, manifestamente proibida no nosso ordenamento jurídico.
2. Com efeito, a proibição de “decisões surpresa” emana do princípio constitucional do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva através de um processo equitativo e obriga ao respeito do princípio do contraditório ao longo de todo o processo.
3. É que face à atual legislação processual civil, a Autora não poderia responder à alegada exceção da incompetência internacional alegada pela Ré, tal como decorre do disposto nos artigos 584º, nº 1, e 3º, nº 4, do Código de Processo Civil, só o podendo fazer em sede de audiência prévia, tal como decorre do artigo 591º do Código de Processo Civil.
4. E, embora sem necessidade de o fazer, a Autora, após a notificação da Contestação, veio aos autos apresentar requerimento através do qual expressamente referiu que, quanto à matéria de exceção, bem como quanto aos documentos juntos pela Ré, não prescindia de se pronunciar, mas que o faria em sede de audiência prévia, conforme resulta do disposto no artº 591º do CPC.
5. Porém, nem a audiência prévia foi designada, nem a Autora foi notificada para se pronunciar acerca da referida exceção, tendo sido proferida a sentença, não obstante a lei impedir a ocorrência de decisões-surpresa, tal como resulta do disposto no artigo 3º, nº 3, do Cód. Proc. Civil.
6. A violação do contraditório inclui-se na cláusula geral sobre as nulidades processuais constante do artigo 195º, nº 1 do Cód. Processo Civil – a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influenciar a decisão da causa.
7. E o certo é que a sentença ora recorrida constituiu uma decisão surpresa com violação do princípio do contraditório e, consequentemente, nula por se tratar da omissão de uma formalidade que a lei prescreve – artº 3º, nº 3, do CPC - com manifesta influencia na decisão da causa.
8. Embora não fazendo parte da decisão ora recorrida, desde já se refere que o alegado pacto privativo e atributivo de jurisdição não cumpre com os requisitos definidos no n.º 3 do art.º 94.º do CPC, designadamente não resulta de acordo escrito nem se encontra confirmado por escrito.
9. Posto isto, atenta a matéria de facto alegada pelas partes, ou seja, o fornecimento de equipamentos pela Autora à Ré, que foram fabricados pela Autora, no exercício da sua atividade industrial de projetos, automatismos e periféricos industriais, de industria de metalomecânica, de fabricação e montagem de componentes eletrónicos e equipamentos periféricos, de acordo com as instruções da Ré constantes da encomenda efetuada.
10. Não se poderá, pois, subsumir a relação comercial entre a Autora e a Ré num simples contrato de compra e venda, mas antes num contrato de empreitada, definido no artigo 1207.º do C. Civil, que constitui uma das modalidades do contrato de prestação de serviços.
11. A subsunção jurídica da relação comercial havida entre as parte tem reflexos na aplicação do artigo 7º, nº 1, do Regulamento (EU) 1215/2012, pois que sendo considerado um contrato de prestação de serviços, o Tribunal competente é o do lugar onde os serviços foram ou devam ser prestados, o que remeteria para a sede da Autora, local onde foram fabricados os equipamentos industriais.
12. A sentença recorrida violou, assim, o citado artigo 7º do Regulamento (UE) 1215/2012, de 12 de Dezembro de 2012, relativo à competência judiciária.
13. Sem prescindir, para o caso, aliás não esperado, de se tratar de um contrato de compra e venda celebrado entre as partes, o Tribunal recorrido não fez uma correta interpretação e aplicação do citado artigo 7º do Reg. (EU) 1215/2012.
14. Com efeito, os presentes autos têm como objeto do litigio o cumprimento da obrigação do pagamento do preço, quer se entenda que se trata de um contrato de compra e venda, quer se trate de um contrato de prestação de serviços (empreitada).
15. Assim, é competente para conhecer da presente ação não o Tribunal do local onde os bens foram ou devam ser entregues, porque tal não é objeto do litigio, mas o lugar onde a obrigação devia ser cumprida - cfr. artigo 7º, nº 1, alínea a) do Regulamento.
16. O pagamento deveria ter sido efetuado na sede da Autora, pelo que o Tribunal competente seria o Tribunal recorrido.
17. Acresce que não tem colhimento a interpretação feita pela sentença recorrida de que «o artigo 7°/1/al. b)/§1.º Reg. (UE) 1215/2012 abrange qualquer obrigação emergente do contrato de compra e venda, designadamente a obrigação de pagamento da contrapartida pecuniária do contrato, e não apenas a de entrega da coisa que constitui o seu objeto mediato.»
18. Desde logo porque tal interpretação não tem na letra da lei um mínimo de correspondência verbal - cfr. artigo 9º do Código Civil.
19. Depois porque a alínea c) do nº 1 do artigo 7º do Regulamento expressamente nos esclarece que «se não se aplicar a alínea b), será aplicável a alínea a)» (nosso sublinhado).
20. Isto é, não sendo o objeto do litigio a entrega ou o local de entrega dos bens, como não é, não se aplica a alínea b) do nº 1, mas a alínea a) por via da alínea c) do nº 1 do artigo 7º.
21. Aliás, a regra é estabelecida na alínea a) - tribunal onde foi ou deva ser cumprida a obrigação. Ambas as situações previstas na alínea b) são excecionais.
22. O Tribunal recorrido é, pois, internacionalmente competente para conhecer da presente ação, pelo que a sentença recorrida violou o disposto no artigo 59º e no artigo 7º do Regulamento (UE) 1215/2012, de 12 de Dezembro de 2012, relativo à competência judiciária.

A recorrida defende nas contra-alegações a manutenção do julgado, tendo para o efeito concluído nos termos seguintes:
…..
.O tribunal “a quo” no douto despacho ref. 156797409 determinou que, com vista a conhecer de concreta excepção de incompetência internacional alegada, se procedesse á junção aos autos de tradução certificada por notário ou oficial do consulado do documento nº 2 junto com a contestação. Mais fez consignar expressamente nesse douto despacho que «Efectuada essa junção, concede-se à A. o prazo de 10 dias para, querendo, se pronunciar sobre a excepção invocada.»
. A Apelante foi expressamente notificada para no prazo de 10 dias, após a junção aos autos pela Apelada da tradução do documento nº 2, querendo se pronunciar sobre a excepção de incompetência absoluta do tribunal invocada…
. No prazo legal que lhe foi concedido, a Apelante veio pronunciar-se, nos termos que bem entendeu, sobre a questão da excepção de incompetência, nos termos do requerimento ref. 6811984.
. Conclui-se assim que foi assegurado á Apelante o expresso e pleno exercício do direito ao contraditório sobre a alegada excepção dilatória, contraditório que a Apelante exerceu nos termos que entendeu, pelo que a douta decisão recorrida não constitui qualquer decisão surpresa relativamente á Apelante.
. Não tem pois, qualquer razão quando alega que foi surpreendida pela douta decisão recorrida, quando é certo e seguro que estava processualmente anunciado que o tribunal “a quo” conheceria desse questão, tendo-lhe sido concedido prazo para sobre a mesma se pronunciar.
10ª. Deste modo, não ocorre qualquer vicio ou omissão que pudesse constituir causa de nulidade do douto despacho recorrido, devendo a invocada nulidade ser julgada improcedente.
11ª. A douta decisão recorrida não se funda em pacto privativo de jurisdição, mas na aplicação do art. 4º e 7 do regulamento (EU) 1215/2012, pelo que a referência a tal questão se afigura irrelevante.
12ª. Conforme resulta dos autos, a Apelante vendeu á Apelada, sob encomenda desta, os equipamentos industriais melhor discriminado na factura junta com a PI, qual seja fornecimento equipamentos industriais com a referência “Automatic/semiautomatic assembly Bench Screw & Assembly stations frt/rr 949 DP”, destinados á sua actividade de componentes para o sector automóvel..
13ª. Não restam assim quaisquer duvidas de que o tipo contratual que se estabeleceu entre a Apelante e a Apelada foi um contrato de compra e venda típico, do qual faziam parte clausulas acessórias referentes á montagem dos equipamentos nas instalações da Apelada em Itália e formação, como efectivamente sucedeu, ainda que de modo defeituoso.
14ª. Deste modo foi acertada a qualificação jurídica que o tribunal “a quo” operou relativamente á relação jurídica que de constituiu entre a Apelada e a Apelante.
15ª. Atendendo ao critério estabelecido no art. 7º nº 1 do regulamento, seria irrelevante o local onde os equipamentos que a Apelante vendeu à Apelada foram fabricados, o relevante é o local onde os mesmos foram ou deveriam entregues, onde seria cumprida a obrigação de entrega que integra a previsão normativa.
16ª. Tendo os bens sito entregues pela Apelante nas instalações industriais da Apelada em Itália, logo se vê que será este o Estado membro competente para conhecer do objecto dos presentes autos.
Acertadamente não restam duvidas de que o referido normativo estabelece como foro competente o do lugar onde os bens foram ou devam ser entregues.
17ª. O entendimento vertido na douta decisão recorrida constitui uma correta interpretação e aplicação do regime jurídico vertido no art. 7º nº 1 do regulamento, por estar totalmente conforme o sentido teleológico que o legislador comunitário com o mesmo se pretende alcançar, e por estar conforme com a orientação do Tribunal de Justiça da União Europeia,
18ª. Do mesmo modo o argumento de que o que estaria em causa nos presentes autos seria o cumprimento e obrigação pecuniária, para além de não corresponder á verdade, não tem a virtualidade de por si só alterar o critério estabelecido no art. 7º nº 1 do regulamento.
19ª. Deste modo, atento o critério que subjaz á determinação do foro o art. 7.°/1/al. b)/§1.º Reg. (UE) 1215/2012, e com bem se consignou na douta decisão recorrida «abrange qualquer obrigação emergente do contrato de compra e venda, designadamente a obrigação de pagamento da contrapartida pecuniária do contrato, e não apenas a de entrega da coisa que constitui o seu objecto mediato.»
20ª. Salvo melhor entendimento, afigura-se ser irrelevante o lugar de cumprimento da obrigação de pagamento do preço dos bens ou dos serviços, mesmo que o pedido se fundamente nesta obrigação.

Conforme resulta da abundante jurisprudência, designadamente, Ac. do STJ de 3.3.2005, de que foi Relator o Ex.mo Conselheiro Salvador da Costa – aresto acessível em www.dgis.pt – Proc.05B316; Ac. do STJ de 05-04-2016, in www.dgsi.pt; Ac. do STJ de 14-12-2017 proc.143378/15.0YIPRT.G1.S1 que foi Relatora a Ex.ma Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, in www.dgsi.pt,

V. Cumpre decidir.

A apelante começa por arguir a nulidade processual do artigo 195º, nº1, do Cód. Proc. Civil por mor de não lhe ter sido dada a oportunidade de exercer o contraditório (artigo 3º, nº3) relativamente à excepção de incompetência, pelo que a decisão recorrida constitui uma verdadeira decisão surpresa.
Mas não lhe assiste razão.
No uso dos seus poderes de gestão processual (artigo 6º), nada obstava a que o Sr. Juiz permitisse que o contraditório fosse exercido por escrito, e foi o que sucedeu concedendo adrede à autora o prazo de 10 dias, uma vez notificada da junção pela ré da versão espanhola do documento nº2.
E dentro do prazo concedido, a autora/recorrente respondeu por escrito à arguida excepção dizendo inexistir qualquer convenção pela qual as partes designaram como competente o tribunal do domicílio do réu.

2. Da excepção de incompetência absoluta dos tribunais portugueses.

A decisão recorrida concluíu pela incompetência dos tribunais portugueses em face ao Regulamento (EU) 1215/2012, quer nos termos da regra geral do artigo 4º, nº1, quer nos termos da competência especial estabelecida no artigo 7º, nº1/a e b/, referindo ser entendimento pacífico que este último preceito abrange “qualquer obrigação emergente de contrato de compra e venda, designadamente a obrigação de pagamento da contrapartida pecuniária do contrato, e não apenas a de entrega da coisa que constitui o seu objecto mediato”.
Em jeito de antecipação da conclusão final, referira-se desde já que essa é a interpretação mais correcta das normas do regulamento nº.1215/2012, e vai de encontro à orientação pacífica da jurisprudência, não podendo dar-se prevalência ao entendimento da autora no sentido de que a competência dos tribunais portugueses decorre da aplicação da al. a), do nº1, do artigo 7º do Regulamento (EU) nº. 1215/2012 em função da circunstância de a obrigação de pagamento do preço dever ser cumprida na sede da autora.
Vejamos.
Discute-se na acção uma relação jurídica entre sociedades comerciais com domicílio em Estados-Membros da União Europeia, por isso é inquestionável que na determinação do tribunal internacionalmente competente para dirimir o litígio deve ser convocado o Reg. (UE) 1215/2012 (1), que prevalece sobre o ordenamento jurídico interno português - que a sua aplicação é obrigatória em todos os Estados-Membros isso decorre do artigo 288º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia e do nº 4 do artigo 8.º, da Constituição de República Portuguesa: «as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático».
Não havendo convenção escrita de um pacto de jurisdição (artigo 25º), como critério regra o artigo 4º, nº1 elege como internacionalmente competentes os tribunais do Estado-Membro onde o demandado tem o seu domicílio, e no caso não vem questionado que a ré tem o domicílio em Itália - o artº 63º considera que uma pessoa colectiva tem domicílio no lugar em que tiver: a) a sua sede social; b) a sua administração central; ou c) o seu estabelecimento principal.
Segundo o artº 5º, nº1, «as pessoas domiciliadas num Estado-Membro só podem ser demandadas nos tribunais de outro Estado-Membro nos termos das regras enunciadas nas secções 2 a 7 do presente capítulo», e na secção 2ª está inserido o artº 7º o qual prevê a possibilidade de as pessoas domiciliadas num Estado-Membro serem demandadas noutro Estado-Membro nas seguintes situações:
1. a) Em matéria contratual, perante o tribunal do lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão;
b) Para efeitos da presente disposição e salvo convenção em contrário, o lugar de cumprimento da obrigação em questão será:
- no caso de venda de bens, o lugar num Estado-Membro onde, nos termos do contrato, os bens foram ou devam ser entregues;
- no caso de prestação de serviços, o lugar num Esto-Membro onde, nos termos do contrato, os serviços foram ou devem ser prestados;
c) Se não se aplicar a alínea b), será aplicável a alínea a);
…………………………………

No caso, o lugar do cumprimento do contrato é o domicílio da demandada, o lugar onde os bens foram e deveriam ser entregues e onde os serviços foram e deviam ser prestados, pelo que a competência internacional dos tribunais italianos decorre tanto da regra geral do artigo 4º, nº1, como da regra especial estabelecida no artigo 7º, nº1, alínea b).

Como refere o ac. STJ de 08.04.2010 no âmbito da aplicação do artigo 5º do Regulamento (CE) 44/2001 (de teor em tudo idêntico ao do artº 7º do Regulamento 1215/2012) «visou-se o estabelecimento de um conceito autónomo de lugar de cumprimento da obrigação nos mais frequentes contratos, que são o de compra e venda e o de prestação de serviços, por via de um critério factual, com vista a atenuar os inconvenientes do recurso às regras de direito internacional privado do Estado do foro», e o acórdão do STJ de 05.04.2016, na linha do acórdão do mesmo tribunal de 3 de Março de 2005, refere ser “fundado o entendimento de que a alínea b) do n° l do artigo 5° abrange qualquer obrigação emergente do contrato de compra e venda, designadamente a obrigação de pagamento da contrapartida pecuniária do contrato e não apenas a de entrega da coisa que constitui o seu objecto mediato”.

A mesma doutrina é seguida no ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Dezembro de 12.2017 tirado no âmbito da vigência e aplicação do Regulamento nº. 215/2012, valendo a pena transcrever, data vénia, a seguinte passagem da fundamentação:

«O Regulamento nº 1215/2002, tal como o Reg. nº 44/2001, adoptou um conceito autónomo de lugar do cumprimento para as acções fundadas em contratos de compra e venda ou de prestação de serviços, identificando as obrigações que são características de um (entrega dos bens) e de outro (prestação do serviço) e relevantes para fundamentar uma conexão do contrato com um lugar que, por um lado, seja suficientemente forte para justificar a competência alternativa com aquela que cabe ao Estado do domicílio do demandado (cfr. considerando 16 do Regulamento nº 1215/2002) e, por outro lado e por isso mesmo, suficientemente segura para permitir determinar com certeza qual é o Estado cujos tribunais são competentes para julgar qualquer pretensão resultante do mesmo contrato (cfr. acórdãos do Tribunal de Justiça de 3 de Maio de 2007, proc. C-386/05, caso Color Drack GmbH contra Lexx International Vertriebs GmbH, pontos18-26, de 25 de Fevereiro de 2010, proc. C-381/08, caso Car Trim GmbH contra JeySafety Systems Srl, pontos 30-32, ou de 11 de Março de 2010, proc. 19/09, caso Wood Floor Solutions Andreas Domberg GmbH contra Silva Trade, SA, pontos 22-23, todos eles respeitantes ao nº 1 do artigo 5º do Regulamento nº 44/2001, mas inteiramente transponíveis para a interpretação do nº 1 do artigo 7º do Regulamento nº 1215/2002). A interpretação autónoma da al. b) do nº 1 do artigo 7º do Regulamento nº 1215/2002, tal como se entendia à luz de idêntico preceito constante do artigo 5º, nº 1, b), do Regulamento nº 44/2001, com a finalidade de identificar a obrigação característica dos contratos de compra e venda e de prestação de serviços, deve então fazer-se “à luz da génese, dos objectivos e da sistemática do regulamento” (acórdão Falco Privatstiftung e jurisprudência nele citada, ponto 20). Na verdade, como todos sabemos e foi mais uma vez recordado, por exemplo, no acórdão de 16 de Junho de 2016 do Tribunal de justiça da União Europeia, processo, C-511/14, Pebros Servizi srl contra Aston Martin Lagonda Ltd,“decorre das exigências tanto de aplicação uniforme do direito da União como do princípio da igualdade que os termos de uma disposição de direito da União que não contenha nenhuma remissão expressa para o direito dos Estados-Membros para determinar o seu sentido e o seu alcance devem normalmente ser interpretados de modo autónomo e uniforme em toda a União Europeia, interpretação essa que deve ser procurada tendo em conta o contexto da disposição e o objectivo prosseguido pela regulamentação em causa (ac. de 5 de Dezembro de 2013, Vapenik, C-508/12, EU:C:2013:790, n.º 23 e jurisprudência referida)” – cfr. o que se escreveu no ac. STJ de 21 Setembro de 2017, …proc. nº 53/14.4T8CBR-D.C1.S1. Ambos os regulamentos se afastaram, assim, do regime definido pela Convenção de Bruxelas de 1968, relativa à competência jurisdicional e à execução de decisões em matéria civil e comercial, ao tomar como referência, quanto aos contratos de compra e venda e de prestação de serviços, já não a obrigação controvertida na acção, mas antes a obrigação característica do contrato, impondo uma definição autónoma do “lugar de cumprimento enquanto critério de conexão ao tribunal competente em matéria contratual” (ponto 54 do acórdão do TJ de 23 de Abril de 2009, proc. C-533/07, caso Falco Privatstiftung, Thomas Rabitsch contra Gisela Weller-Lindhorst)».

Decisão:

Pelas considerações expostas, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação e, consequentemente, em manter a decisão que julgou verificada a invocada excepção dilatória de incompetência absoluta dos tribunais portugueses.
Custas pela apelante.
TRG, 4 de Outubro de 2018

Heitor Gonçalves
Amílcar Andrade
Maria da Conceição Bucho


1. A ele pertencem as demais normas indicadas sem expressa referência a outro diploma legal.