Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
699/18.1GBVVD.G1
Relator: TERESA COIMBRA
Descritores: CONDUÇÃO DE VEÍCULO EM ESTADO DE EMBRIAGUEZ
CONDUÇÃO ILEGAL
ANTECEDENTES CRIMINAIS
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
ART. 11º DA LEI 37/2015 DE 05.05 E ART. 4º DA LEI 113/2009 DE 17.09 E ARTºS 292º
Nº 1 E 69º
Nº 1
ALÍNEA A) DO CP
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/10/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
1. A lei (atualmente o art. 11º da Lei 37/2015 de 05.05 e o art. 4º da Lei 113/2009 de 17.09) define o período de tempo durante o qual devem manter-se registados os antecedentes criminais, após a extinção das penas.

2. Se no decurso desses períodos legalmente fixados, não ocorrerem novas condenações, o passado criminal de um arguido, mesmo que continue inscrito no respetivo certificado de registo criminal, não pode ser valorado negativamente pelo tribunal.

3. Para evitar que atrasos na prolação de despachos de extinção de penas interfiram na contagem dos prazos – contagem que deve ser inequívoca e igual para todos os condenados - terá de entender-se que o fator extintivo de uma pena de multa é o pagamento; na pena de prisão suspensa na sua execução, o prazo há-de contar-se, uma vez ocorrida a extinção da pena, do termo do período de suspensão; e nas penas de prisão efetiva, desde o dia da concessão da liberdade definitiva.

4. No caso de condenação por crime de condução de veículo sem habilitação legal e/ou em estado de embriaguez, não deve ser aplicada pena de prisão efetiva a um arguido, apesar de ter vários antecedentes criminais pelo mesmo tipo de crimes, se nunca antes lhe foi imposta como condição de suspensão da execução da pena de prisão, a obrigação de diligenciar pela obtenção de carta de condução e/ou de moderar o consumo de bebidas alcoólicas, obrigação esta que deverá fazer parte de um plano de reinserção social - a implementar no âmbito de uma suspensão com regime de prova ( art. 53º do Código Penal ) - que tenha por objetivo levar o arguido a ultrapassar a propensão para delinquir.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I.
No processo sumário que, com o nº 699/18.1GBVVD, corre termos pelo juízo local criminal de X foi decidido:

- Condenar o arguido J. A. pela prática em autoria material, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez p.p. artigo 292º, nº 1 e 69º, nº 1, alínea a) do Código Penal, na pena de onze meses de prisão e pela prática de um crime de condução ilegal, p.p. artigo 3º, nº 1 e 2 do DL 2/98 de 3.1, na pena de 1 ano e 10 meses de prisão e, em cúmulo, jurídico na pena única de 2 anos e 6 meses de prisão.
- Condenar o arguido na pena acessória de 2 anos de proibição de conduzir qualquer veículo motorizado na via pública – artigo 69º, nº 1, alínea a) do Código Penal;
- Condenar o arguido nas custas do processo, com taxa de justiça reduzida a metade (…) em virtude de confissão dos factos.

Inconformado com a condenação recorreu o arguido para este Tribunal da Relação apresentando no final da motivação de recurso as seguintes conclusões: (transcrição)

I- O tribunal recorrido por sentença proferida, no dia 21 de dezembro de 2018, decidiu condenar o arguido J. A., pela prática, em autoria material, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelos artigos 292.º, n.° 1 e 69.º, n.° 1, al. a), ambos do Código Penal, na pena de onze meses de prisão e pela prática de um crime de condução ilegal, previsto e punido no artigo 3º, n.° 1 e n.° 2, do Decreto-Lei n.° 2/98, de 3 de janeiro, na pena de um ano e dez meses de prisão e, em cúmulo jurídico, na pena única de dois anos e seis meses de prisão e, ainda, na pena acessória de dois anos de proibição de conduzir qualquer veículo motorizado na via pública, nos termos do artigo 69.º, n.° 1, alínea a) do Código Penal.
II - Com o devido respeito, que é muito, e não obstante o Arguido ter confessado os factos pelos quais vem acusado, nos termos e para os efeitos do artigo 344.º do Código de Processo Penal, incorreu a sentença proferida pelo tribunal a quo em nulidade, em erro na matéria de direito quanto á concreta determinação das penas aplicadas e erro na matéria de direito pela não suspensão da execução da pena.
III - O Tribunal a quo considerou como provados factos referentes ao certificado de registo criminal, concretamente, os factos correspondentes aos parágrafos números 5 a 16 da matéria de facto dada como provada.
IV - O tribunal a quo não poderia ter valorado os parágrafos números 5 a 16 dos factos dados como provados, que se reportam a antecedentes criminais do Arguido/Recorrente, e os quais foram sopesados e valorados contra este, apesar de já não deverem, por imposição legal, constar do certificado de registo criminal.
V - Não obstante da imposição legal de cancelamento definitivo das decisões judiciais constantes no certificado de registo criminal, nos termos inscritos na lei, casos há em que verificando-se os pressupostos legais para o cancelamento definitivo, por exemplo, de uma pena de prisão ou de uma medida de segurança, por inércia do sistema o seu cancelamento definitivo não é efetivado.
VI - Na Lei n.° 57/98, de 18 de agosto, diploma vigente na data da prolação das sentenças transitadas em julgado que constam dos parágrafos números 5 a 16 dos factos dados como provados, com base no artigo 15.º do Regime jurídico da Lei de Identificação Criminal, constata-se que os parágrafos números 5 a 16 dos factos dados como provados, respeitantes aos antecedentes criminais do Recorrente, não poderiam ser conhecidos pelo tribunal a quo caso o registo criminal estivesse devidamente atualizado, isto é, tais condenações já nem sequer estariam averbadas, por estarem definitivamente canceladas.
VI - O aproveitamento do tribunal a quo da informação que, de modo ilegal, ainda consta do certificado do registo criminal do Recorrente, constituí uma violação do princípio constitucional da igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, pois permite distinguir um arguido de um outro que, nas mesmas condições, tenha o seu registo criminal devidamente "limpo".
VII - O Tribunal recorrido ao ter tomado conhecimento dos averbamentos do registo criminal e desse mesmo documento, quando não podia tomar conhecimento dos mesmos, verifica-se que estamos perante um excesso de pronúncia, nos termos previstos na al. c), in fine, do n.° 1, do artigo 379.° do Código de Processo Penal, o que consubstancia uma nulidade da sentença e que expressamente se arguiu para todos os devidos efeitos legais, nulidade essa que pode ser sanada por este tribunal superior suprimindo-se tais condenações, ou seja, os parágrafos números 5 a 16 dos factos dados como provados na sentença recorrida.
VIII - Com o devido respeito, entende o Recorrente que, na decisão recorrida, não se fez a mais correta apreciação das circunstâncias que deverão ser atendidas na escolha e na determinação da medida concreta da pena, designadamente, não se fez a aplicação mais adequada dos artigos 71.º e 40.º do Código Penal.
IX - Na decisão recorrida, as exigências de prevenção geral e as exigências de prevenção especial foram consideradas elevadas, designadamente pelos antecedentes criminais do arguido que constam da matéria de facto dada como provada, mas também da fundamentação da determinação da medida da pena, conforme supra transcrevemos.
X— O n.° 2, do artigo 75.º do Código Penal, dispõe que: "O crime anterior por que o agente tenha sido condenado não revela para a reincidência se entre a sua prática e a do crime seguinte tiverem decorrido mais de cinco anos; neste prazo não é computado o tempo durante o qual o agente tenha cumprido medida processual, pena ou medida de segurança privativas de liberdade.".
XI - Tendo em consideração que a última condenação do ora Recorrente ocorreu a 27 de abril de 2011, mesmo não se computando o prazo de cumprimento da pena, já há muito que decorreram os cinco anos entre a prática do crime anterior e a prática do crime seguinte, pelo que também não se verifica que o Recorrente seja reincidente, por não se encontrar preenchido o pressuposto do n.° 2, do artigo 75, do Código Penal, encontrando-se violado o artigo 75.º do Código Penal.
XII - Assim, no caso em apreço, as exigências de prevenção geral são normais e as exigências de prevenção especiais são diminutas, pois entendemos ter ficado provado que o arguido é um cidadão que vem progressivamente a integrar-se na sociedade, a nível familiar e economicamente, tem o apoio da mãe, filho e amigos, apresenta hábitos regulares de trabalho e é primário.
XIII - O Recorrente confessou os crimes pelos quais vinha acusado, o que demonstra que interiorizou o desvalor da sua conduta.
XIV - O Recorrente tem a consciência que o consumo excessivo de álcool é um problema significativo nas famílias de contexto sociocultural modesto e por esse motivo, mas essencialmente por também ter efetuado uma introspeção pessoal, concluiu que este é o momento oportuno para se retratar e, por isso, acredita que determinar que o Recorrente possa efetuar tratamento ao alcoolismo também seria uma pena pedagógica, que incentivaria a sua progressiva reintegração social.
XV - Assim, sena favorável ao arguido, ora Recorrente, permitindo cumprir a pena em liberdade, pois resulta como provado que não tem antecedentes criminais, vem progressivamente a inserir-se social e familiarmente, a nível familiar e economicamente, tem o apoio da mãe, filho e amigos e apresenta hábitos regulares de trabalho.
XVI - Uma pena de 5 meses de prisão pela prática, em autoria material, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punível pelos artigos 292.º, n.° 1 e 69º, n.° 1, alínea a) do Código Penal, uma pena de 8 meses de prisão pela prática do crime de condução ilegal, previsto e punido no artigo 3º, n.° 1 e 2, do Decreto-lei n.° 2/98, de 3 de janeiro, no total em cumulo jurídico numa pena única de 12 meses de prisão, dando assim uma nova oportunidade ao arguido, atendendo ao supra exposto, realizaria e asseguraria de forma adequada e suficiente as finalidades da punição e revelar-se-ia adequada a cuidar das exigências de prevenção geral e especial.
XVII - A sanção acessória de proibição de conduzir qualquer veículo motorizado na via pública pelo período de 2 (dois) anos também se manifesta, com o devido respeito, exagerada, pesada e desproporcional, e, por isso, ponderados os fatores supra mencionados e tendo em conta as considerações de prevenção geral e especial, a pena que se consideraria justa, proporcional e adequada pela prática do crime de condução em estado de embriaguez seria uma pena acessória de 12 meses de proibição de conduzir qualquer veículo motorizado na via pública para que o Recorrente interiorizasse a gravidade e desvalor da sua conduta.
XVIII - Na eventualidade se entender que o Recorrente não tem razão quanto à nulidade supra arguida, o que não se concede, mas se equaciona por mero dever de patrocínio, sempre se dirá, na mesma, que a pena de prisão efetiva de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses e de uma pena acessória de 2 (dois) anos de proibição de conduzir qualquer veículo motorizado na via pública, são manifestamente injustas, desproporcionais, exageradas e desajustadas.
XIX - Ora, nesta última hipótese, ponderados todos os fatores e tendo em conta as considerações de prevenção especial e geral, a pena que se consideraria justa, proporcional e adequada as seguintes penas: a pena de 9 (nove) meses de prisão pela prática, em autoria material, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punível pelos artigos 292º, n.° 1 e 69º, n.° 1, alínea a) do Código Penal; a pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses pela prática do crime de condução ilegal, previsto e punido no artigo 3º, n.° 1 e 2, do Decreto-lei n.° 2/98, de 3 de janeiro, tudo em cúmulo jurídico uma pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão, com um igual período de sanção acessória de dois anos de proibição de conduzir qualquer veículo motorizado na via pública.
XX - Atento ao supra exposto e à matéria de facto considerada provada acerca do comportamento do arguido, a pena de prisão que lhe seja aplicada, numa hipótese, ou noutra, a mesma deverá ser suspensa na sua execução pelo mesmo período, à efetivamente aplicada, para que o arguido interiorizasse a gravidade e o desvalor da sua conduta.
XXI - Ponderados todos os fatores e tendo em conta as considerações de prevenção especial e geral, a pena de prisão aplicada ao arguido poderia ficar subordinada ao cumprimento de deveres e/ou regras de conduta previstas nos artigos 51.º e 52.º do Código Penal.
XXII - Nos termos do artigo 50.º do C. Penal, o tribunal suspende a execução da pena de prisão não superior a 5 anos de prisão se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, sendo assim considerações preventivas, de prevenção geral e prevenção especial, que decidem sobre a suspensão ou não da execução da pena de prisão.
XXIII - O Juiz quando suspende a execução de uma pena de prisão e fixa o período dessa execução, reporta-se ao momento da decisão e não ao da prática do crime, para que possa fazer um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento do arguido, no sentido de que a ameaça da pena seja adequada e suficiente para realizar as finalidades da punição.
XXIV - O Recorrente está a reintegrar-se social e familiarmente, pelo que a suspensão da pena de prisão seda vista como uma nova oportunidade, não esquecendo as repercussões nefastas que a aplicação de pena de prisão efetiva traria para o Recorrente e, no caso em apreço, a ressocialização, seria garantida pela aplicação ao Recorrente de uma pena se prisão suspensa na sua execução.
XXV - A suspensão da execução da pena de prisão é uma medida penal de conteúdo reeducativo e pedagógico que serve para que o arguido continue o seu processo de reintegração na sociedade e a simples ameaça do cumprimento da pena de prisão seria adequada e suficiente para realizar as finalidades da punição.
XXVI - O arguido só devia cumprir pena efetiva de prisão em que foi condenado, se esta fosse a única forma de alcançar as finalidades visadas com a punição, ou, se a privação de liberdade fosse o único meio adequado de estabilização contrafáctica das expectativas da comunidade na vigência da norma violada, podendo, ao mesmo tempo servir a socialização do arguido, o que não é o caso.
XXVII - O período de suspensão da execução da pena é fixado pelo n.° 5 do artigo 50.º do C.Penal entre 1 a 5 anos, a contar do trânsito em julgado da decisão e a duração do período da suspensão deverá ser fixada em função da medida da pena aplicada e do risco que se corre, ou seja, da expectativa ou da esperança que o tribunal deposite no arguido, em liberdade.
XXVIII - A suspensão da execução da pena de prisão de 12 (doze) meses, no caso do ponto B.1., ou de 1 (um) ano e 6 (seis) meses, no caso do ponto B.2, por igual período, sena o necessário e mais do que o suficiente para se poder alcançar o desiderato pretendido, merecendo o Recorrente que lhe seja concedida uma última oportunidade para que se possa continuar o seu processo de reintegração na sociedade.
XXIX - Considerando ou não a nulidade invocada, a pena de dois anos e seis meses de prisão efetiva em que foi condenado é uma pena extremamente dura e pesada, desde logo porque o mesmo não pode ser considerado como reincidente.
XXX - O cumprimento efectivo da pena de prisão efetiva de dois anos e seis meses em que foi condenado, sena como "cortar" as pernas a um cidadão inserido social e profissionalmente e marcar-lhe irremediavelmente a sua vida futura e os meses de prisão efetiva, terá certamente efeitos muito gravosos e inversos aos pretendidos, designadamente no que se prende com a ressocialização do arguido e a sua reintegração na sociedade, operando-se, assim, uma "dessocialização" e uma "desintegração" na sociedade do arguido.
XXXI - Observando-se todas as anteriores condenações, podemos claramente constatar que nenhuma pena de prisão que foi aplicada ao arguido ficou suspensa na condição do mesmo tirar a carta de condução, num determinado prazo, bem como, submeter-se a um tratamento para o alcoolismo, nos termos delineados pelo Instituto da Reinserção Social, ou seja, nunca sequer lhe foi imposta ou dada essa oportunidade.
XXXII - E, se neste último caso, o arguido incumprisse tais obrigações, neste caso sim, não lhe restaria outra alternativa, que não fosse cumprir pena de prisão efetiva.
XXXIII - Uma suspensão da execução da pena de prisão que entendemos adequada, ou qualquer outra ou mesmo a que lhe foi aplicada pelo tribunal recorrido, assegura e salvaguarda de uma forma adequada e suficiente as finalidades reeducativa e pedagógica da suspensão e contribuiria para que o arguido se reintegre na sociedade, o que constituiria uma espécie de guilhotina" se voltasse a falhar.
XXXIV — Uma pena de prisão de 12 (doze) meses, no caso do ponto B.1., ou de (um) ano e 6 (seis) meses, no caso do ponto B2, suspensa na sua execução por igual período, mesmo que condicionada ao cumprimento de deveres e/ou regras de conduta, nomeadamente, na condição do mesmo tirar a carta de condução, num determinado prazo, bem como, submeter-se a um tratamento para o alcoolismo, nos termos delineados pelo Instituto da Reinserção Social, asseguraria de forma adequada e suficiente as finalidades da punição e revelar-se-ia adequada a cuidar das exigências de prevenção geral e especial.
XXXV - A sentença recorrida incorreu num exagero ao aplicar uma pena de dois anos e seis meses de prisão efetiva, por ter dado mais importância às finalidades de prevenção geral do que às finalidades de prevenção especial, que só tornam a pena injusta.
XXXVI - Pelo exposto, o tribunal recorrido devia ter aplicado uma pena de prisão de 12 (doze) meses, no caso do ponto B.1., de 1 (um) ano e 6 (seis) meses, no caso do ponto B.2., ou mesmo que se entenda eventualmente manter a pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses constante da sentença recorrida, tal pena de prisão deveria ser sempre suspensa na sua execução por igual período, a qual poderia ser subordinada a regras de conduta supra mencionadas (condição de obter a carta de condução, num determinado prazo e submeter-se a um tratamento para o alcoolismo, nos termos delineados pelo Instituto da Reinserçâo Social), ou outros deveres que o Tribunal assim o entendesse, e, não o tendo feito, o tribunal recorrido não fez nessa medida a interpretação e a aplicação mais correta e adequada do disposto nos artigos 40º, 70, 71º, 75º, 77º, 50.º, 51.º e 52.º do Código Penal, o que violou frontalmente esses citados preceitos legais.

TERMOS EM QUE, deve o presente recurso ser julgado provado e procedente, e, em consequência:

a) Ser a sentença recorrida declarada nula, nos termos previstos na ai. c), in fine, do n.° 1, do artigo 379º do Código de Processo Penal, com o consequente suprimento das anteriores condenações do arguido elencadas nos parágrafos números 5 a 16 dos factos dados como provados na decisão recorrida;
b) Ser a sentença recorrida revogada e substituída por outra que aplique uma pena de prisão de 12 (doze) meses, em cumulo jurídico, suspensa na sua execução por igual período, uma sanção acessória de 12 (doze) meses de proibição de conduzir qualquer veículo motorizado na via pública, a qual poderá ser subordinada ao cumprimento de deveres e/ou regras de conduta, nomeadamente, a condição de obter a carta de condução num prazo que lhe for fixado e frequentar um tratamento para o alcoolismo ou outros deveres, que este douto Tribunal entenda serem adequadas ao caso em apreço.

Se assim não se entender,

c) Deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que aplique ao arguido uma pena de prisão de 1 (um) ano e 6 (seis) meses, suspensa na sua execução por igual período, uma sanção acessória de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de proibição de conduzir qualquer veículo motorizado na via pública, a qual poderá ser subordinada ao cumprimento de deveres e/ou regras de conduta, nomeadamente, a condição de obter a carta de condução num prazo que lhe for fixado e frequentar um tratamento para o alcoolismo ou outros deveres que este douto Tribunal entenda serem adequadas ao caso em apreço;
d) Mesmo que se entenda manter a pena de prisão de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses aplicada pelo Tribunal recorrido, deverá ser a mesma suspensa na sua execução por igual período, a qual poderá ser subordinada ao cumprimento de deveres e/ou regras de conduta, nomeadamente, a condição de obter a carta de condução num prazo que lhe for fixado e frequentar um tratamento para o alcoolismo ou quaisquer outros deveres que este douto Tribunal entenda serem adequadas ao caso em apreço.

Mas V.Ex.as farão a INTEIRA e SÃ JUSTIÇA, COMO JÁ É HABITUAL.
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Respondeu ao recurso o Ministério Público em primeira instância defendendo a manutenção do decidido.
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Remetidos os autos a este Tribunal da Relação o Ministério Público emitiu parecer no sentido de que o recurso não deve obter provimento.
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Foi cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal.
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Após os vistos, prosseguiram os autos para conferência.

II.
Cumpre apreciar e decidir tendo em conta que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente (artigo 412, nº 1 do Código de Processo Penal- doravante CPP), sem prejuízo do conhecimento oficioso dos vícios enumerados nas alíneas alínea do nº 2 do artigo 410º do CPP e das nulidades que não devam considerar-se sanadas.
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As questões que o recorrente traz à apreciação do Tribunal podem resumir-se assim:

- Saber se se está perante a nulidade da sentença por excesso da pronúncia por ter considerado “indevidamente” os antecedentes criminais constantes dos parágrafos 5 a 16 da matéria de facto provado.
- Saber se as penas principal e acessória aplicadas são excessivas.
- Saber se pode operar a suspensão da pena de prisão.
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É a seguinte a matéria de facto fixada em primeira instância (transcrição):

No dia 04/11/2018, pelas 23H38m, o arguido J. A., conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros, de marca “Toyota”, modelo “Corolla”, de matrícula SS, na Avenida …, em ..., neste concelho de X, com uma T.A.S. igual a 2,55 g/l e sem que, contudo, estivesse devidamente habilitado para o efeito com a necessária, válida, carta de condução.

O arguido J. A. sabia que tinha ingerido bebidas alcoólicas em quantidades suscetíveis de ultrapassar o limite legal de teor de álcool e ainda assim quis conduzir veículo automóvel ligeiro de passageiros em causa, na via pública, com a mencionada taxa de álcool no sangue, apesar de saber que tal facto era proibido e punido por lei, mas apesar de o saber quis atuar da forma descrita, e conduzir o mesmo nas condições em que o fez.

De igual modo, o arguido J. A. sabia que, não podia conduzir o referido veículo automóvel ligeiro de passageiros na via pública sem a respetiva e imprescindível habilitação legal, bem como, que este seu comportamento era proibido e punido por lei, mas apesar de o saber quis atuar da forma descrita, e conduzir o mesmo nas condições em que o fez.

O arguido J. A. agiu sempre livre, voluntária e conscientemente.

- O arguido tem os seguintes antecedentes criminais:

- Por sentença datada de 22/04/1998, foi condenado pela prática de um crime condução sem carta de condução, em 17/04/1998, na pena de 60 dias de multa, à taxa diária de 300$00, o que perfaz o total de 1800$00, no processo comum sumário n.º 389/98, do 4.º Juízo do Tribunal Judicial de Braga.
- Por acórdão datado de 17/06/1999, foi condenado pela prática de um crime furto qualificado, em 15/10/1995, na pena de oito meses de prisão, declarada perdoada, no processo sumário n.º 162/98, do 3.º Juízo do Tribunal Judicial da Guarda.
- Por sentença datada de 31/01/2001, foi condenado pela prática de um crime de condução ilegal, em 25/03/2000, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de 1000$00, no processo comum singular n.º 132/2000, do 2.º Juízo do Tribunal Judicial de X.
- Por sentença datada de 18/11/2003, foi condenado pela prática de um crime de sem habilitação legal, em 07-07-2002, na pena de 260 dias de multa, à taxa diária de 2,00€, o que perfaz o total de 520,00€, no processo abreviado n.º 335/02.8GTBRG, do Tribunal Judicial da Comarca de ....
- Por sentença datada de 03-05-2005, foi condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, em 26-12-2002, na pena de 10 meses de prisão suspensa por 2 anos, mediante o cumprimento do dever de entrega à Cruz Vermelha, no prazo de 90 dias a quantia de 600,00€, no processo comum singular n.º 25/03.4GBVVD, do 1.º Juízo do Tribunal Judicial de X.
- Por sentença datada de 28/04/2008, foi condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, em 05/10/2007, na pena de 10 meses de prisão, suspensa por um ano, sob condição de no prazo de 90 dias, comprovar nos autos a entrega da quantia de 800,00€ aos Bombeiros Voluntários de ..., no processo abreviado n.º 477/07.3GTBRG Secção Única, do Tribunal Judicial de ....
- Por sentença datada de 28/02/2011, foi condenado pela prática de um crime condução sem habilitação legal, em 27/02/2011, na pena de um ano de prisão, no processo sumário n.º 158/11.3GBVVD do 1.º Juízo do Tribunal de X.
- Por sentença datada de 27/02/2012, foi condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, em 14/12/2010, na pena de 60 períodos de prisão por dias livres, no processo sumário n.º 901/10.8GBVVD, do 1.º Juízo do Tribunal Judicial de X.
- Por sentença datada de 06/05/2011, foi condenado pela prática de um crime condução sem habilitação legal, em 25/07/2010, na pena de 16 meses de prisão suspensa por 16 meses no processo comum singular n.º 301/10.0GTBRG, do 4.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Braga.
- Por sentença datada de 25/01/2012, foi condenado pela prática de um crime de falsidade de depoimento ou declaração, em 24/11/2010, na pena de 180 dias de multa, à taxa diária de 5,00€, o que perfaz o total de 900,00€, no processo comum singular n.º 296/11.2TABRG do 2.º juízo do Tribunal Judicial de X.
- Por sentença datada de 21/03/2012, foi condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, em 27/04/2011, na pena de 18 meses de prisão no processo comum singular n.º 376/11.4GBVVD, do 2.º Juízo do Tribunal Judicial de X.

O processo de socialização de J. A. decorreu no agregado de origem, monoparental, mãe e cinco irmãos (quatro deles, irmãos uterinos), com uma dinâmica familiar relacional descrita como disfuncional e desequilibrada, condicionada pelo distanciamento do pai e pelo seu falecimento durante a infância do arguido.

O agregado viveu em contexto sociocultural muto modesto, com sinais de privações, sendo a subsistência da família assente nos salários irregulares que a mãe auferia como jornaleira agrícola, e com os apoios prestados pela comunidade, quer por particulares, quer pela Câmara Municipal de X, esta também com apoio para o melhoramento das condições habitacionais.

O arguido frequentou o ensino até concluir o 4º ano de escolaridade, registando em recinto escolar comportamentos rebeldes e irreverentes, que passaram também a ser assumidos no seio familiar. A incapacidade manifestada no cumprimento de regras por parte do arguido motivava a aplicação de castigos corporais.

Aos dez anos de idade foi institucionalizado no Colégio de ..., em Braga, tendo posteriormente transitado para outros colégios, no Porto, na Guarda, em Castelo Branco e em Izeda, de onde se evadiu recorrentemente para regressar à casa materna.

A sua institucionalização terminou com a maioridade, época em que cumpriu o serviço militar obrigatório.

Profissionalmente trabalhou como jornaleiro agrícola para particulares, subsistindo com os irregulares proventos do seu trabalho ocasional, bem como da pensão de reforma da mãe no valor de 350€/mensais.

Em período anterior à prisão, J. A. revelava consumos excessivos de bebidas alcoólicas, que condicionavam o exercício de atividade laboral regular, pois assumia comportamentos agressivos em contexto laboral, assim como, para o agregado constituído, companheira e três filhos, posteriormente institucionalizados e colocados em famílias de acolhimento com a intervenção da CPCJ, após o falecimento da companheira.

O arguido apresentava dificuldades em assumir os seus excessivos consumos alcoólicos, minimizando-os e não reconhecendo necessidade em efetuar qualquer tipo de tratamento a esta problemática aditiva.

J. A. deu entrada no EP de Braga a 27 de outubro de 2012 condenado numa pena de um ano de prisão por condução sem habilitação legal, tendo sido entretanto condenado por idêntica tipologia de crime, numa outra pena de prisão, o termo terá ocorrido em Abril de 2014 e durante a prisão foi alvo de um registo disciplinar.

Tendo por referência o período dos factos participados, J. A. apresentava um enquadramento familiar idêntico ao atual, integrava o agregado da mãe, que partilhava com o seu filho, jovem adulto, que findo o período da institucionalização regressou ao núcleo familiar paterno, e iniciou-se profissionalmente.

O agregado mantém habitação com modestas condições de habitabilidade, que, após de ter sido sujeita a obras de melhoramento com o apoio da Camara Municipal de X, supre as necessidades mediatas da família.

Ainda que sem vínculo laboral regular e efetivo, o arguido mantém-se a trabalhar na área da construção civil, a auferir em média 30€/dia de trabalho, e a refeição de almoço a expensas do patrão.

Durante anos, a imagem social de J. A. esteve fortemente associada ao consumo excessivo de bebidas alcoólicas, e a contextos e rotinas a esta problemática associados, sendo atualmente a referida imagem apenas esbatida pelo facto do arguido apresentar hábitos regulares de trabalho, de modo que não foi percetível uma clara rejeição ao arguido na sua área de residência.

Considera não ser viciado em bebidas alcoólicas e, por isso, considera não ser necessário sujeitar-se a qualquer tratamento.
Comprou o veículo que conduzia, há cerca de três meses, por € 150,00.

No dia 4-11-2018 tinha-se deslocado a Ponte da Barca para uma comemoração com um familiar.
Tem uma filha menor de onze anos de idade, a cargo da Segurança Social, dizendo que desconhece onde ou com quem reside.

Apreciação do recurso

A primeira questão invocada pelo recorrente diz respeito no facto de o tribunal a quo ter valorado antecedentes criminais que não deveriam já ser considerados, por ter decorrido o prazo legal (no caso 5 anos) sobre a extinção das referidas penas.

Entende o recorrente que, ao fazê-lo, o tribunal incorreu em excesso de pronúncia, o que torna a sentença nula, nos termos do artigo 379º, nº 1 c) do CPP.

Dispõe o artigo 379º, nº 1, alínea c) do CPP que é nula a sentença quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.

A questão que o recorrente invoca diz respeito à valoração do seu registo criminal.

O registo criminal de alguém, como é sabido, contém o histórico de antecedentes criminais ou a informação da sua ausência, relativamente a essa pessoa. Dele constam as decisões criminais condenatórias, portanto que apliquem penas, as decisões que apliquem medidas de segurança e também as decisões de dispensa de pena ou admoestação.

É a lei que diz quanto tempo a informação se deve manter no registo criminal, como se pode a ela aceder e quem tem acesso a ela.

Interessa-nos o tempo em que a informação se mantém vigente no registo criminal.

A lei fixa os prazos durante os quais a informação sobre uma decisão criminal permanece no registo, que podem, conjugando o artigo 11º da Lei 37/2015 de 5.5 com o artigo 4º da Lei 113/2009 de 17/09 resumir-se assim:

- Condenação por crime contra a liberdade e autodeterminação sexual: 25 anos;
- Condenação por crime em pena de prisão superior a 8 anos: 10 anos;
- Condenação por crime em pena de prisão entre 5 e 8 anos: 7 anos;
- Condenação por crime em pena de prisão inferior a 5 anos, ou em pena de multa principal: 5 anos;
- Condenação por crime em pena substitutiva da pena principal: 5 anos;
- Decisões de dispensa de pena ou admoestação: 5 anos.

(Estes períodos não invalidam decisões de cancelamento provisório ou de não transcrição para determinados fins que a lei também prevê, mas que não importa neste momento analisar).

Portanto, a lei ficciona a regeneração do condenado findo os períodos que fixa, pelo entendimento de que, se ultrapassados tais períodos sem que uma nova condenação ocorra, então o passado criminal tem de ficar definitivamente enterrado, porque “o homem é sempre maior que o crime que comete”.

Concorde-se, ou não, é esta a solução legal e é a ela que os tribunais devem obediência.

Antes da aproximação ao caso concreto impõe-se clarificar ainda mais um ponto, que diz respeito ao momento a partir do qual se começa a contar o prazo da extinção da informação no registo criminal.

A lei (sirvamo-nos do atual artigo 11º da lei 37/2015 de 05 de maio) dispõe que as decisões inscritas cessam a sua vigência no registo criminal decorrido que seja o prazo (nela fixado atendendo ao tipo de crime) sobre a extinção da pena.

Mas a lei refere a extinção da pena, não refere a declaração da extinção da pena. É que se é verdade que para que uma pena formalmente seja considerada extinta tem de haver uma declaração nesse sentido, também é certo que o fator extintivo de uma pena necessariamente tem lugar antes da declaração que lhe confere a chancela.

Concretizando: sendo o fator extintivo na pena da multa, o pagamento, o prazo de 5 anos haverá de contar-se a partir do pagamento; na pena de prisão suspensa na sua execução, o prazo há-de contar-se, uma vez ocorrida a extinção da pena, do termo do período de suspensão (artigo 11, nº 3 da referida lei); nas penas de prisão efetiva, o prazo deve contar-se do dia de concessão da liberdade definitiva.

Só assim se garante que não interfiram na previsão legal, distorcendo-a, fatores de índole administrativa ou burocrática v.g. atrasos na prolação dos despachos das extinção de penas, que perturbem os prazos e impeçam que sejam cumpridos com o rigor que a lei impõe, e de forma inequívoca e igual para todos os condenados.

Aqui chegados, resulta já evidente que é da maior importância conferir rigor ao preenchimento dos boletins do registo criminal para que o juiz quando procede à sua análise o faça de forma clara e inequívoca, separando o que pode, e não pode, valorar em termos de antecedentes criminais.

Estamos, então, em condições de fazer a necessária aproximação ao caso concreto analisando o CRC do recorrente para que se possa concluir se todos os antecedentes criminais que nele constam -e que a sentença recorrida transcreveu e considerou- se mantêm vigentes, ou se já deveriam ter sido cancelados e, nessa medida, se deveriam ter sido ignorados pelo tribunal a quo.

A primeira condenação ocorreu em 22/04/98, no processo 389/98. Foi em pena de multa e pela prática de um crime de condução sem habilitação legal. O arguido pagou a multa em 30/04/99. Para que esta condenação fosse cancelada do CRC ( ao tempo vigorava a lei 57/98 de 18.08, mas o prazo era idêntico) era imperioso que, nos 5 anos subsequentes ao pagamento da multa (portanto, até 30.04.2004), por nenhum outro crime tivesse sido condenado.

Só que, em 25.03.2000 o arguido praticou outro crime de condução sem habilitação legal (processo 132/2000) pelo qual veio a ser condenado, pela segunda vez em pena de multa (100 dias) aplicada a 31/01/2001, que veio a ser paga em data não posterior a 07/04/2003. A indefinição da data de pagamento da multa não é, neste momento, absolutamente relevante, porque fosse qual fosse a data, a condenação ocorreu no período de 5 anos, subsequentes à extinção da pena no processo da primeira condenação que, portanto, se manteve vigente.

Aliás, nesse mesmo período ocorreu, ainda uma terceira condenação (processo 335/02.8GTBRG) em 18/11/2003, transitada em 03/12/2003, novamente em pena de multa (260 dias), que o arguido pagou em dia não posterior a 06/01/2005, data em que foi julgada extinta. De novo a indefinição da data de pagamento não é, concretamente, relevante porque, qualquer que fosse, ocorreu no período de 5 anos subsequentes à anterior extinção, o que impede o cancelamento dos registos que vão ficando para trás no tempo, mantendo-se os mesmos vigentes “em cascata” (usando a expressão que consta do parecer do PGA que, pela sua clarividência, foi transcrito no Acórdão RE de 10/05/2016 proferido no processo 216/14.2GBODM.E1).

Retomando o caso sub iudice teríamos, então, que encontrar um hiato de 5 anos durante o qual por nenhum crime tivesse sido condenado o arguido para que ocorresse o cancelamento do último registo e com ele os anteriores que dele dependiam.

Mas analisando o CRC do arguido, esse período de 5 anos sem condenações não existe.

De facto em 03/05/2005, com trânsito em 18/05/2005, o arguido sofre uma nova condenação (processo 25/03.4GBVVD), por crime de condução em estado de embriaguez, numa pena de prisão, cuja execução ficou suspensa durante 2 anos, com sujeição ao dever de entregar quantia à Cruz Vermelha. A alteração da natureza da pena não altera o período de 5 anos a ter em conta para aferir do cancelamento do registo (como já se viu), só altera o dies a quo, na contagem dos 5 anos, o qual se conta (nos termos do artigo 15º da lei 57/98 de 18.08, aplicável ao tempo) desde a extinção da pena, a qual teve lugar em 19/11/2007.

A quinta condenação ocorreu em 28/04/2008, transitou em 19/05/2008 e foi proferida no processo 477/07.3 GTBRG, de novo em pena de prisão (10 meses), suspensa por um ano, sujeita à obrigação de entregar quantia aos Bombeiros Voluntários de ....

Esta pena foi declarada extinta em 30/12/2009.

Assim, para que as condenações constantes do registo criminal fossem desconsideradas teríamos que chegar a 30.12.2014 sem que o arguido fosse condenado. Mas nesse período de 5 anos ocorreram condenações: no processo 158/11.3GBVVD, a condenação de 1 ano de prisão com data de 28.02.2011 e com trânsito em julgado em 20.09.2011, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal (a extinção desta pena ocorreu, pelo cumprimento, em 26.10.2012); e encontramos também a condenação no processo 901/10.8GBVVD pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 60 períodos de prisão, sentenciada em 27.02.2012. Neste processo veio a ser realizado cúmulo jurídico com diversas penas, pelo que esta concreta pena parcelar perdeu autonomia, só se extinguiu, quando se extinguiu a pena única imposta de 2 anos e 6 meses de prisão, que foi sentenciada em 19.10.2012, transitou em 08.11.2012 e foi extinta em 25.04.2014.

Como se disse foram cumuladas diversas penas de prisão no cúmulo jurídico realizado no processo 901/10.8GBVVD. Esse cúmulo contemplou não só penas já declaradas extintas, mas também penas que só após a extinção da pena única se podem considerar extintas e a que a sentença recorrida fez referência. Assim, além da pena já referida proferida no processo 158/11.3GBVV, foi aí também englobada a pena impostam em 06/05/2011 e transitada em 26.05.2011, no processo 301/10.0GTBRG, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal de 16 meses de prisão, suspensa por 16 meses, com sujeição ao pagamento de quantia à Santa Casa da Misericórdia de X, que havia sido declarada extinta em 20.09.2012; a pena imposta em 29.03.2012 (e transitada em 19.04.2012) no processo 376/11.4GBVVD pela prática de um crime de condução sem habilitação legal de 18 meses de prisão efetiva, que acabou por se extinguir em 25.04.2014, data da extinção da pena única imposta no cúmulo jurídico.

Percorrido que foi o certificado de registo criminal do arguido facilmente se percebe que mesmo as penas mais remotas não poderiam ser desconsideradas como o pretende o recorrente, (com exceção de uma, como se verá) porque a nenhuma delas sucedeu um período de 5 anos sem condenações, que determinasse o respetivo cancelamento. Isto é, as sucessivas condenações não permitiram que, em algum momento do percurso criminal do arguido, ele pudesse ter sido considerado reabilitado. As sucessivas condenações foram justificando no CRC a manutenção das anteriores, sendo que a última condenação parcelar foi a que ocorreu no processo 376/11.4GBVVD, que veio a integrar o cúmulo jurídico e cuja extinção da pena única só teve lugar em 25.04.2014, pelo que só a partir desta data se iniciou o período de 5 anos que levaria à reabilitação e que, na data em que é proferida a sentença recorrida, ainda não se encontrava decorrido.

A única pena após a qual se verifica ter decorrido um período de 5 anos, desde a declaração de extinção, sem que o arguido tivesse praticado qualquer crime é a pena de 180 dias de multa, imposta no processo 296/11.2TABRG, decorrente da condenação em 14.02.2012 e declarada extinta em 03.12.2013. Desde aí e nos 5 anos posteriores, isto é, até 03.12.2018 não mais o arguido praticou qualquer crime. Significa isto que esta concreta pena não podia ter sido considerada na análise dos antecedentes criminais, não obstante não estar formalmente cancelada, já que o cancelamento dos registos decorre imperativamente da lei, pelo que mesmo continuando a constar do CRC não poderia o tribunal valorá-la.

Esta conclusão não é invalidada pelo facto de tal pena ter integrado o cúmulo jurídico levado a efeito no processo 901/10, quer porque a pena é de diferente natureza e, portanto, em rigor não integrou a pena única, quer porque tem efetivamente uma data de extinção diferente da pena única.

A sua referência na factualidade provada deverá ser eliminada, assim se suprindo a nulidade do acórdão na parte em que atendeu ao referido antecedente criminal de que não podia ter conhecimento (artigo 379º, nº 1 c) in fine) do CPP.

Passemos agora à análise da pena imposta ao recorrente que este entende ser excessiva, desproporcionada e injusta.

O recorrente foi condenado – recorde-se – pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de onze meses de prisão e pela prática de um crime de condução ilegal, na pena de 1 ano e 10 meses de prisão. Em cúmulo jurídico foi imposta a pena única de 2 anos e 6 meses de prisão efetiva.

Antes de entrarmos na ponderação da justeza, ou não, das penas parcelares concretas e da pena única resultante do cúmulo jurídico, impõe-se dizer que, contrariamente ao invocado pelo arguido, o tribunal a quo não aplicou na determinação da pena o instituto da reincidência, previsto no artigo 75º do Código Penal ( doravante CP).

Aliás, nem o poderia fazer uma vez que na sujeição do arguido a julgamento tal possibilidade não foi equacionada na acusação e dela não constavam os requisitos formais e o requisito material da culpa agravada que o instituto pressupõe (artigo 75º do C. P.).

Não questionando o recorrente a opção por pena privativa de liberdade em detrimento da pena de multa, é ao artigo 71º do C P que tem de ir buscar-se a orientação para chegar à pena de melhor satisfaça as finalidades da sua aplicação.

De facto no artigo 71º encontram-se os critérios gerais e os princípios reguladores da medida da pena: a culpa e a prevenção.

Como ensina Maria João Antunes in Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra 2010-2011, 28 “na determinação da medida da pena, o requisito legal de que sejam levadas em conta as exigências de prevenção satisfaz a necessidade comunitária de punir o crime e, consequentemente, de realizar as finalidades da pena; o requisito legal de que seja considerada a culpa do agente satisfaz a exigência de que a vertente pessoal do crime, decorrente do respeito pela dignidade da pessoa do agente da prática do crime, limita as exigências de prevenção”.

Quando se fala em prevenção, fala-se de prevenção geral e de prevenção especial; quando se fala em culpa, fala-se da culpa que releva quer ao nível do princípio da culpa, quer ao nível do conceito do crime.

São várias as teorias usadas para esclarecer o modo como se relacionam entre si culpa e prevenção e, dentro desta, como se relacionam prevenção geral e especial. Recordemo-las rapidamente, tendo por referência os ensinamentos da distinta Professora:

- a teoria do valor de posição ou de emprego segundo a qual na escolha da pena devem valer apenas considerações de prevenção e na determinação concreta da pena devem valer exclusivamente considerações de culpa. Trata-se de uma teoria não compatível com o artigo 71º, nº 1 (a determinação da medida da pena (…) é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção ), que permite que possa acontecer que uma pena determinada exclusivamente em função de culpa seja justa, mas não necessária sob o ponto de vista das exigências do artigo 40º;
- a teoria da pena de culpa exata, também não compatível com os artigos 71º e 40º do CP, quer porque a culpa não é suscetível de se traduzir numa culpa exata, quer porque tanto o artigo 71º, como o artigo 40º do C P, pressupõem considerar distintamente culpa e prevenção, cabendo à culpa apenas o papel de limite da pena;
- a teoria do espaço de liberdade ou da moldura da culpa, em que o limite mínimo desta moldura é fixado pela pena que já se revela adequada à culpa e o limite máximo, corresponde à pena que ainda se revela adequada à culpa. Esta teoria relega para segundo plano as exigências de prevenção, ao invés do estatuído no artigo 40º do C P;
- finalmente a teoria da moldura da prevenção segundo a qual a medida da pena há-se ser dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos, face ao caso concreto, num sentido prospetivo de tutela das expectativas da comunidade na manutenção (ou mesmo no reforço) da norma infringida. Com este critério obtém-se a medida ótima da tutela dos bens jurídicos e das expectativas da comunidade e o ponto abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena, sem pôr irremediavelmente em causa a sua função de tutela do ordenamento jurídico.

É, pois, a prevenção geral positiva (e não a culpa) que fornece a moldura dentro da qual vão atuar os pontos de vista de prevenção especial de socialização, sendo eles que, em última instância, vão determinar a medida da pena, constituído a culpa o seu limite máximo.

Vista a forma como se relacionam culpa e prevenção no processo de determinação concreta da pena, vejamos agora, à luz do nº 2 do artigo 71º do Código Penal, os fatores determinativos da medida da pena.

Recordemos o teor do artigo 71º:

1 - A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
2 - Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente:

a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente,
b) A intensidade do doto ou da negligência,
c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram,
d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica,
e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime,
f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena".
(...)

Como se retira do texto legal e usando os ensinamentos do Professor Cavaleiro de Ferreira, pode dizer-se, resumindo, que a enumeração exemplificativa das circunstâncias a atender na fixação da pena a aplicar por qualquer crime se reportam, quer ao facto ilícito (alínea a) - 1ª parte), quer à culpa (restantes alíneas e parte final da alínea a) e têm caráter agravante (alínea f), atenuante (alínea e), ou ambivalente (alíneas a) a d)). Usando um outro ponto de vista, podem ser agrupadas em circunstâncias relativas à execução do facto (alineas a), b), c) e e) parte final); à personalidade do agente (d) e f) e relativos à conduta do agente anterior e posterior ao facto (al. e)).

Importa ainda referir que, na determinação da medida concreta, ao juiz está vedado utilizar para a fixação da pena circunstâncias já tomadas em consideração ao estabelecer-se a moldura penal do ilícito em apreço, sob pena de violação do principio da proibição da dupla valoração.

O recorrente, já o dissemos, entende que as penas impostas são excessivas. De facto as penas parcelares aproximam-se significativamente do limite superior das respetivas molduras abstratas (1 ano de prisão no caso de condução em estado de embriaguez e dois anos de prisão no caso de condução sem habilitação legal).

É notório que o passado criminal do arguido teve um peso muitíssimo significativo na fixação da medida concreta da pena. Desse passado criminal só se retirou agora, nos termos sobreditos, a condenação em multa por crime de falsidade de depoimento, mantendo-se todo o restante. E também é verdade que “o conhecimento do passado criminal dos delinquentes funciona, grande parte das vezes, não como base para a determinação de providências dirigidas à sua reintegração social, mas como fundamento para a simples agravação do rigor punitivo, da harmonia com uma prevenção geral negativa ou de intimidação (cfr. Ac. RE de 10/05/2016 citando Catarina Veiga, Considerações sobre a Relevância dos Antecedentes Criminais do Arguido no Processo Penal, 2000 p 64/5).

A sentença recorrida quer para a escolha, quer para a determinação da medida concreta da pena relevou, de forma enfática, as elevadas necessidades de prevenção geral, as elevadíssimas necessidades de prevenção especial, o “desrespeito” e “indiferença” pelas penas anteriormente aplicadas; o elevado grau de culpa, a elevada ilicitude aferida pelo elevado teor da taxa de álcool.

Com valor atenuante a sentença recorrida refere, brevemente, apenas a confissão integral dos factos (sem lhe conferir relevo) e a inserção familiar.

Afigura-se-nos que também a ausência de consequências a nível da sinistralidade estradal da prática dos crimes, a muito modesta condição pessoal e económica e os reconhecidos hábitos regulares de trabalho do recorrente que resultam do relatório social e ainda o facto de, desde a última condenação, já terem decorrido mais de 6 anos, não apresentando o arguido antecedentes criminais por outro tipo de crimes, não poderão deixar de ser considerados. E assim, sem descurar a necessária severidade das penas parcelares concretas, mas olhando para o concreto arguido e para as decisões dos tribunais em situações semelhantes, é possível reduzir a pena pelo crime de condução sem habilitação legal para a pena concreta de 1 ano e 6 meses de prisão e a pena pelo crime de condução em estado de embriaguez para 9 meses de prisão.

A pena única, deverá ser fixada em um ano e nove meses de prisão tendo em conta os critérios que deverão presidir à sua fixação: uma visão do conjunto dos factos, da ligação entre eles, do seu contexto, da semelhança dos bens jurídicos violados e da natureza e gravidade dos crimes, sem esquecer também o efeito previsível que a pena poderá ter no futuro comportamento do arguido e ainda a circunstância dos crimes não serem os que mais perturbam a paz e segurança dos cidadãos. Teve-se ainda em conta a referência extraída do Acórdão do STJ de 29/04/2010 que diz que “o fator de compreensão variará de acordo com a consideração que se fizer, em conjunto, dos factos e da personalidade do agente, como indica a lei, mas só em casos verdadeiramente excecionais se deve ultrapassar um terço da soma das restantes penas”-.

Há agora que ver se esta pena pode ser suspensa ou terá de ser efetiva.

Nos termos do artigo 50º do Código Penal o Tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 (cinco) anos se atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades de punição.

Conforme decorre da lei, e é incontroverso, a suspensão de uma pena de prisão depende de verificação de dois pressupostos, um formal: a sua duração inferior a 5 (cinco) anos e um material: a prognose de que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Quanto ao pressuposto formal, ele está preenchido uma vez que o recorrente é condenado numa pena de 1 (um) ano e 9 (meses) meses de prisão.

Já quanto ao pressuposto material exige a lei, no artigo 50º do Código Penal, que o Tribunal ao tomar a decisão olhe, por um lado, para o arguido, isto é,

- para a sua personalidade,
- para as suas condições de vida,
- para a sua conduta anterior e posterior ao crime e
- para as circunstâncias em que o crime foi praticado, e por outro lado que olhe
- para a sociedade, sobretudo para as razões de prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa da própria sociedade.

Antes, porém de concluirmos vejamos se é possível de forma “fundada e calculada”, usando as palavras de F. Dias in Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do crime § 521, suspender a pena imposta, detendo-nos um pouco nos fins das penas.

É incontroverso que os tribunais são, ou devem ser, fomentadores e garantes de paz social. E, para tanto, diz o artigo 40º do Código Penal que com a aplicação das penas, por um lado, protegem-se bens jurídicos, quer intimidando, isto é, promovendo o afastamento das pessoas da prática de crimes (prevenção geral negativa ou de intimidação), quer transmitindo à comunidade um sentimento de confiança, nas normas vigentes (prevenção geral positiva ou de integração).

Mas a paz social não se consegue apenas olhando para a sociedade e com a proteção de bens jurídicos… É necessário olhar para o condenado, porque é sobre ele que a pena vai diretamente atuar e é dele que se espera que não só não volte a cometer crimes, como que se reintegre na sociedade (prevenção especial positiva).

Só assim se consegue, verdadeiramente, que a dignidade da pessoa humana que a Constituição elege como pilar da construção social, não seja posta em causa no momento de decidir a aplicação de uma pena. A pena não pode ir além da culpa, não pode ir além do necessário, porque se o for é injusta e uma pena injusta não é útil, não serve a ninguém, nem à sociedade nem ao condenado.

E é por isso que a aplicação de uma pena de curta duração é necessariamente personalizada, ajustada aquela concreta pessoa e situação. Para tanto dispõem os tribunais de amplitude nas molduras penais abstratas e de penas diversas que permitam uma correta adequação aos factos, à personalidade, à culpa e às finalidades preventivas, até porque como ensina Fernanda Palma punir alguém deve corresponder à responsabilidade de libertar o criminoso do seu crime e não a uma simples fórmula técnica.

De entre todas as penas a de prisão é a mais temida, a mais estigmatizante, e, já se sabe também, a menos pedagógica, a menos reintegradora. Por isso, ao longo dos anos foi perdendo terreno, foi permitindo que outras penas a substituíssem, reservando para si o papel de ratio ultima, isto é. destinada aos arguidos e às situações necessariamente graves em que a manutenção do agente do crime em liberdade não pacifica a sociedade.

A pena substitutiva da de prisão efetiva, que mais tem afastado a aplicação desta, é a suspensão da sua execução.

Vista por uns como uma espécie de absolvição fomentadora de um sentimento de impunidade e, por outros, como uma verdadeira pena com potencial ressocializador, com sentido pedagógico e reeducativo, a suspensão da pena é uma verdadeira pena autónoma que se impõe como opção quando a simples censura do facto e a ameaça da pena realizam de forma adequada as finalidades da punição (artigo 50º do CP).

Mas na sua aplicação e até para evitar o sentimento de impunidade, pode o juiz sentir necessidade de, no caso concreto, adicionar à suspensão o cumprimento de deveres ou de regras de conduta, sempre com o objetivo de alcançar a efetiva reintegração do condenado. Aqueles encontramo-los no artigo 51º, nº 1 do CP (nomeadamente -e sempre tendo como limite a dignidade pessoal do condenado- prevê-se o pagamento dentro de certo prazo de indemnização ao lesado, dar ao lesado satisfação moral adequada, entregar quantia monetária a uma instituição); as regras de conduta estão no artigo 52º do CP e podem ser de conteúdo positivo (artigo 52, nº 1 do CP) (residir em determinado lugar, frequentar programas ou atividades, cumprir obrigações) ou de conteúdo negativo artigo 52º, º 2 do CP (não exercer determinadas profissões, não frequentar certos meios ou lugares, não residir em determinados locais, não acompanhar com determinadas pessoas, não ter determinados comportamentos capazes de fomentar a prática de crimes…), e devem ser supervisionadas pelos serviços de reinserção social (artigo 52º, nº 4).

Como se percebe da análise da globalidade dos deveres e regras de conduta resulta que eles visam essencial e respetivamente reparar o mal do crime e afastar o delinquente da prática de novos crimes.

Mas para além das referidas modalidades de suspensão (simples, subordinada a deveres ou regras de conduta), há ainda uma outra modalidade que se traduz na possibilidade de suspender a pena com regime de prova (artigo 53º do CP). Visa-se, também aqui, a recuperação social do condenado que fica sujeito ao cumprimento de um plano de reinserção social elaborado e fiscalizado pelos serviços competentes, que contenha os objetivos a atingir pelo condenado, as atividades que deverá desenvolver, o respetivo faseamento e as medidas de apoio e vigilância a adotar pelos serviços de reinserção social (artigo 54º, nº 1 do Código Penal).

Antes de continuarmos a aproximação ao caso concreto, importa não esquecer que, não obstante todas estas possibilidades, mesmo que o Tribunal conclua por um prognóstico favorável – à luz das considerações exclusivas de prevenção especial de socialização – a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada se a ela se opuserem as necessidades de reprovação e prevenção do crime (…) não estão aqui em questão considerações da culpa, mas exclusivamente considerações de prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico.

Só por estas exigências se limita – mas por elas se limita sempre – o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto em causa (cfr. Figueiredo Dias in Direito Penal Português – As consequências jurídicas do crime, §520, p. 344)

Foquemo-nos, então, na situação que nos ocupa.

O recorrente já foi condenado em penas de multa; já foi condenado em penas de prisão suspensa com imposição do dever de pagar quantias a instituições de solidariedade social; já foi condenado em pena de prisão efetiva. Voltou sempre a praticar crimes.

Os crimes em causa são a condução sem habilitação legal e a condução em estado de embriaguez, aquele com maior preponderância. São crimes muito frequentes no nosso país, mas não dos mais impactantes na sociedade o que, aliás, se encontra projetado nas respetivas molduras penais.

A decisão da suspensão exige sempre a formulação de um juízo de prognose positiva. Olhando para o passado do arguido, e nada mais vendo, à primeira vista esse juízo deveria ser negado. No entanto, mais profundamente ponderando constata-se que o arguido, que apresenta um trajeto de vida conturbado e sofrido desde a infância, acabou por adquirir hábitos de trabalho e capacidade de viver em família; que remonta a 2012 a prática do último crime, antes da condenação agora em apreço; que cumpriu os deveres anteriormente impostos, como condição de suspensão das penas, apesar do esforço financeiro que certamente implicaram, atentos os valores em causa; que cumpriu pena de prisão efetiva, experiência que, seguramente, não quererá repetir… e que o tempo foi passando, ficando para trás a juventude e tendo ultrapassado já os 40 anos de vida.

Ora, nunca até agora lhe foi imposta uma condição que diretamente o levasse a ultrapassar a propensão para delinquir. De facto, deixará necessariamente de praticar este tipo de crimes quando obtiver carta de condução e moderar o consumo de bebidas alcoólicas. Mas para tanto deverá ser levado a inscrever-se em escola de condução e frequentar aulas e deverá ser confrontado com a necessidade de perceber se vive uma situação de dependência etílica que tenha que debelar. Já demonstrou que o não consegue fazer sozinho, mas a sociedade e os tribunais dispõem de técnicos capazes de elaborar para a vida do arguido um plano individual de reinserção social, de o fiscalizar e apoiar. Isto é, a situação concreta do arguido reclama, há muito, a implementação de um regime de prova.

O regime de prova apresenta-se, assim, como a solução mais razoável mais educativa, que não desiste do arguido, nem choca a sociedade, que se centra no condenado, na ultrapassagem das suas fragilidades, pela especial vigilância e controlo a que fica sujeito por parte dos técnicos de reinserção social.

É evidente que o sucesso no cumprimento do plano depende do esforço do arguido, mas uma correta personalização das medidas a adotar e dos objetivos a atingir, terá certamente um efeito mobilizador, não ficando o condenado sozinho, entregue a si mesmo nesse esforço de superação.

A pena deverá, portanto, ser suspensa com sujeição do arguido a regime de prova, nos termos do art. 53º do CP, a implementar na primeira instância, tendo em conta a concreta situação de vida do arguido e o acima referido.

Vejamos agora se a pena acessória imposta de 2 anos de proibição de condução de veículos motorizados é também excessiva, ou deverá ser mantida.

A pena acessória em causa decorre da prática do crime de condução em estado de embriaguez (artigo 69º do CP). Pela prática deste crime foi o arguido condenado anteriormente duas vezes, uma no processo 25/03.4GBVVD em 03/05/2005; outra no processo 477/07.3GTBRG, em 28/04/2008. Desconhece-se qual a dimensão da pena acessória imposta na primeira das condenações, sendo que, na segunda, o período de proibição de condução de veículos motorizados foi fixado em 1 ano.

A pena acessória desempenha uma função adjuvante da pena principal, reforçando e diversificando o conteúdo sancionatório da condenação (cfr Figueiredo Dias in Direito Penal Português – Consequências Jurídicas do Crime § 232).

Como pena que é, a imposição de uma pena acessória deve, à semelhança do que ocorre com a aplicação de uma pena principal, respeitar os princípios da culpa, da tipicidade, da proporcionalidade e da necessidade.

Se com as penas principais visa o legislador a proteção dos bens jurídicos tutelados pela incriminação e a reintegração do agente na sociedade, com as penas acessórias pretende reforçar e obter de forma mais incisiva e prática os objetivos visados com as penas principais.

Na sua aplicação o juiz dispõe de uma margem de apreciação e de ponderação da culpa do agente, das circunstâncias do caso e das exigências de prevenção, uma vez que a fixação do quantum está submetida aos princípios gerais da aplicação das penas e aos critérios de ponderação previstos no artigo 71º do Código Penal, já anteriormente referidos.

A pena acessória é fixada entre 3 meses e 3 anos. Visa, a sua aplicação, sobretudo, prevenir a perigosidade do agente a qual é evidenciada, no caso, pela gravidade do facto e esta decorre diretamente da taxa de álcool, a qual (2,55gr/l) é muito elevada, ( e é sabido que quanto mais elevada for a taxa de álcool maiores são as consequências, ao nível da diminuição da concentração, da acuidade visual, do tempo de reação e reflexos e do inerente aumento de risco de acidente).

Na sua fixação também não deverá esquecer-se a existência de antecedentes criminais e o facto de o arguido não ter carta de condução. A modesta condição social, será igualmente de ponderar, bem como a prática judiciária em situações semelhantes, sendo ainda certo que não existe na Constituição nem na legislação ordinária penal qualquer preceito que imponha que as penas acessórias correspondam, numa dimensão quantitativa, às penas principais. (Ac. RC de 04/12/2013 in www.dgsi.pt).

As penas acessórias se se fizer um périplo pela jurisprudência atingem valores que se aproximam do fixado na sentença recorrida quando estão em causa comportamentos estradais com perdas de vidas humanas (Cfr. a título de exemplo Ac. EC de 19/12/2017 in www.dgsi.pt).

Assim sendo, não se conhecendo quaisquer consequências a nível da sinistralidade estradal diretamente provocadas pela conduta do arguido, afigura-se excessiva a pena acessória imposta, devendo ser reduzida para 1 ano e 3 meses.
*
III.
DECISÃO

Em face do exposto decidem os juízes da Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido J. A. e, consequentemente:

1- Eliminam da matéria de facto provada o facto (não numerado) relativo à condenação operada no processo 296/11.2TABRG.
2- Alteram as penas impostas na sentença recorrida ao recorrente nos seguintes termos:

2.a)- Fixam a pena imposta pela prática do crime de condução sem habilitação legal, previsto no art. 3º nº 2 do DL 2/98 de 3.01, em 1 ( um) ano e 6 ( seis) meses de prisão;
2.b)- Fixam a pena imposta pela prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto no art. 292º do Código Penal, em 9 ( nove) meses de prisão;
2.c)- Fixam a pena única imposta ao recorrente em 1( um ) ano e 9 ( nove) meses de prisão;
2.d)- Suspendem execução da pena única, pelo período de 1 ( um ) ano e 9 (nove) meses, mediante sujeição do arguido a regime de prova a implementar na 1ª instância;
2.e)- Fixam em 1( um) ano e 3 ( três) meses a pena acessória de proibição de condução de veículos com motor, prevista no art. 69º nº 1 a) do Código Penal.

Sem custas.

Notifique.
Guimarães, 10/07/2019

Maria Teresa Coimbra
Cândida Martinho