Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
8529/15.0T8VNF-B.G1
Relator: MARIA DOS ANJOS NOGUEIRA
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO
TÍTULO EXECUTIVO
FIANÇA
DECLARAÇÃO EXPRESSA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/08/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - O fiador garante a satisfação do direito de crédito, ficando pessoalmente obrigado perante o credor, o que leva a concluir que o credor pode exercer perante o fiador os mesmos direitos que tem perante o devedor.

II – Assim, emergindo do próprio contrato de arrendamento, a dívida exequenda tem como sujeito passivo quem nele se obrigou a pagar as rendas em dívida, no caso, não só a arrendatária, mas também os seus fiadores que naquele acordo se vincularam perante o senhorio,

III – Pois, nenhum sentido faria que pudesse instaurar execução contra o arrendatário e já quanto ao fiador tivesse de instaurar uma acção declarativa para, por essa via, obter um título executivo.

IV – Acontece que, a vontade de prestar fiança tem de ser expressamente declarada pela forma exigida para a obrigação principal.

V – Como tal, a intervenção de quem assina documento onde se menciona a sua participação como fiadora no contrato que dele consta, não traduz uma declaração tácita de prestação de fiança que seja válida.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I – Relatório

José e esposa Maria, residentes na Rua … Cavalões, vieram instaurar contra os executados Manuel e Filipa, residentes na Rua …, Vila Nova de Famalicão, bem como contra Manuela, com residência na Rua ….

Fundamentando a sua pretensão, alegaram, em síntese que são donos e legítimos possuidores das fracções autónomas designadas pelas letras "DS" e "0", destinadas a habitação e garagem respectivamente, num edifício constituído em propriedade horizontal designado por "Edifício X", sito na Rua …, na união de freguesias de …, no concelho de Vila Nova de Famalicão.

Invocaram, ainda, que, em 19 de Agosto de 2011, deram de arrendamento aos executados Manuel e mulher Filipa as referidas fracções autónomas, e que, no referido contrato de arrendamento figurava como fiadora dos arrendatários/executados Manuela.
Mais invocaram que os arrendatários/executados deixaram de pagar as rendas, que se venceram desde Outubro de 2014 a Julho de 2015, ascendendo o seu débito a Eur 4 500,00 (Quatro mil e quinhentos euros), e que aos valores vencidos a titulo de rendas vencidas e não pagas acresceu o valor de Eur 2 250,00 (dois mil duzentos e cinquenta euros), correspondente à indemnização prevista no n.º 1 do artigo 1041.º do Código Civil.
Por último que, por Notificação Judicial Avulsa os exequentes, ora recorrentes, comunicaram aos arrendatários e à sua fiadora a resolução do contrato de arrendamento, o valor em divida, esclarecendo que a referida comunicação lhes foi feita pessoalmente por Agente de Execução, que lavrou certidão de citação, sem que os arrendatários e/ou a sua fiadora tivessem procedido ao pagamento das quantias em divida.
*
Foi, então, proferido despacho liminar com o seguinte teor:

“Compulsados os autos, constato que a pretensão executiva consiste no pagamento de quantia certa, sendo dirigida contra os arrendatários e contra a fiadora daqueles arrendatários, com base no contrato de arrendamento e na comunicação de rendas vencidas e não pagas efectuada aos executados.

Embora nos presentes autos não haja lugar a despacho liminar, nada impede, neste momento, de apreciar a regularidade dos mesmos, nomeadamente a questão da (in)existência de título executivo (cf. artigo 734.°, n.01 do Código de Processo Civil).
Nos termos do artigo 14.o-A do Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU/2012), aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, com as alterações da Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto, "o contrato de arrendamento, quando acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em divida, é titulo executivo para a execução para pagamento de quantia certa correspondente às rendas, aos encargos ou às despesas que corram por conta do arrendatário."
Antes das alterações introduzidas pela Lei n.º 31/20]2 citada, o NRAU regulava esta matéria no artigo no artigo 15.°, n.º 2, que dispunha o seguinte: "O contrato de arrendamento é titulo executivo para a acção de pagamento de renda quando acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida."

Estamos perante um título executivo complexo, cuja possibilidade de formação passou a ser maior: também constitui título executivo o conjunto formado pelo contrato de arrendamento e pelo comprovativo da comunicação ao arrendatário quando referido a rendas, a encargos e as despesas que corram por conta do arrendatário.
Pois bem, é conhecida diversa jurisprudência dos nossos tribunais superiores que tem considerado o fiador abrangido pela força executiva dos referidos documentos. Entre os que defendem esta posição, discute-se ainda se para haver título executivo contra o fiador é necessário comprovativo da comunicação ao próprio ou basta a comunicação ao arrendatário, havendo partidários de ambas as soluções.

Ora, na nossa opinião, e salvo o devido respeito por entendimento contrário, a razão está do lado dos defensores da inexistência de título executivo contra o fiador, ainda que seja comprovada a comunicação ao mesmo do montante em dívida.
Neste sentido se pronunciaram, na doutrina, Rui Pinto Duarte, Manual da Execução e Despejo, Coimbra Editora, 2013, pp. 1164 e 1165, Fernando de Gravata Morais, Cadernos de Direito Privado, n.º 27, p. 57 e segs., e Falta de Pagamento da Renda no Arrendamento Urbano, p. 76 e segs., e Miguel Teixeira de Sousa, Leis do Arrendamento Urbano Anotadas, Almedina, 2014, p. 406, e, na jurisprudência, o Ac. da RP de 24.04.2014, proc. 69/13.9YYPRT.P1, www.dgsi.pt, com um voto de vencido.
Rui Pinto Duarte apresenta os seguintes argumentos: a norma (artigo 14.O-A do NRAU/2012) não prevê a formação de título executivo contra o fiador e por força do princípio da taxatividade dos títulos executivos e da natureza restritiva das normas que os preveem não é possível fazer interpretações extensivas da norma; o título executivo é complexo e pressupõe a reunião conjunta de dois documentos, pelo que se o fiador não consta de um deles não existe título executivo contra ele; a alteração do NRAU pela Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto deixou intocado o texto quando a questão já se discutia, num sinal de que o legislador não pretendeu tomar claro que o fiador também pode ser executado; o Decreto-Lei n.º 1/2013, de 7 de Janeiro, denuncia essa intenção legislativa ao consagrar expressamente que só o arrendatário pode ser objeto do procedimento especial de despejo quando nele está compreendido a execução das rendas em dívida.
Fernando de Gravato Morais, por seu turno, defende que não se forma título executivo contra o fiador com o fundamento essencial de que não sendo a norma clara no sentido de incluir o fiador e havendo elementos literais que indiciam que o quis excluir, uma vez que o fiador se encontra numa posição mais débil, não lhe deve corresponder um regime mais agravado do ponto de vista processual, como sucede se inclusivamente se prescindir da notificação dele.
Segundo Miguel Teixeira de Sousa, o preceito (artigo 14.0~A do NRAU/2ü12) apenas admite que a comunicação seja realizada ao arrendatário, certamente porque somente esta parte está em condições de controlar a veracidade do seu conteúdo e de deduzir alguma eventual oposição. Por isso, o título executivo só se pode formar contra o próprio arrendatário, o que significa que o mesmo não se estende ao fiador que seja responsável pelo pagamento das rendas em dívida.
Finalmente, no Ac. da RP de 24104/2004 citado, a posição que fez vencimento apresenta, designadamente, os seguintes argumentos: com o novo Código de Processo Civil (CPC) os documentos particulares que importem a constituição ou o reconhecimento de obrigações pecuniárias não são mais títulos executivos, pois não constam do elenco taxativo de títulos definido no artigo 703.°; face ao NCPC/2013, a previsão do artigo 14.0-A do NRAU/2012 não é pois uma restrição à regra geral de exequibilidade do contrato de arrendamento, é o único fundamento legal em função do qual se lhe pode atribuir esse valor; é altamente questionável qualquer argumento que vá buscar ao CPC apoio para a atribuição de força executiva quando esta não resulta expressamente da norma do NRAU/20I2, e sobretudo, impossível fazer esse percurso argumentativo em face do disposto no NCPC/20 13; do artigo 634.° do Código Civil só se extrai que a medida da obrigação do fiador não depende da sua interpelação e não a definição dos requisitos do exercício do direito do credor; o objectivo da norma em questão (artigo 14.o-A do NRAU/2ü12), na medida em que se consente a passagem imediata à acção executiva sem as delongas do processo declarativo, parece ser o de criar mais um compasso de espera, mais um interregno no exercício coercivo do crédito das rendas, dar ao arrendatário mais uma oportunidade para pagar e evitar a execução, regularizando a situação contratual, não se vislumbrando razão para excluir o fiador, que não obstante haja renunciado ao benefício da excussão prévia continua a ser um mero garante da obrigação, dessa vantagem, desta oportunidade que a norma dá ao arrendatário.
Em suma, e pelas referidas razões, que merecem a minha inteira adesão, julgo ser de concluir que o artigo 14.0-A do NRAU/2012 não prevê a possibilidade de formação de título executivo contra o fiador do arrendatário.
Vale isto dizer que, na presente execução, não existe título executivo contra a fiadora dos arrendatários, o que importa a rejeição do requerimento executivo, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 726.°, n." 2, alínea a) e 734.°, n.ºs l e 2, ambos do CPC, no que concerne à mesma.
Pelo exposto, rejeito o requerimento executivo, por manifesta falta de título executivo relativamente a Manuela. extinguindo-se quanto à mesma a instância executiva.
Custas do incidente a cargo dos exequentes, nos termos do artigo 527.°, n.ºs 1 e 2 do crc.
Notifique”.
*
II- Objecto do recurso

Não se conformando com a decisão proferida vieram os exequentes interpor recurso, juntando, para o efeito, as suas alegações, e apresentando, a final, as seguintes conclusões:

1. Os exequentes são donos e legítimos possuidores das fracções autónomas designadas pelas letras "OS" e "0", destinadas a habitação e garagem respectivamente, num edifício constituído em propriedade horizontal designado por "Edifício X", sito na Rua …, na união de freguesias de …, no concelho de Vila Nova de Famalicão.
2. Em 19 de Agosto de 2011, deram de arrendamento aos executados Manuel e mulher Filipa as referidas fracções autónomas, no referido contrato de arrendamento figurava como fiadora dos arrendatários/executados Manuela,
3. Os arrendatários/executados deixaram de pagar as rendas, que se venceram desde Outubro de 2014 a Julho de 2015, ascendendo o seu débito a Eur 4 500,00 (Quatro mil e quinhentos euros), valor ao qual acresceu o valor de Eur 2 250,00 (dois mil duzentos e cinquenta euros), correspondente à indemnização prevista no n.º 1 do artigo 1041 do Código Civil,
4. Por Notificação Judicial·Avulsa os exequentes, ora recorrentes, comunicaram aos arrendatários e à sua fiadora o valor que se encontrava em débito. A referida comunicação foi-lhes feita pessoalmente por Agente de Execução, que lavrou certidão de citação. (Que foi junta com requerimento executivo)
5. Como nem os arrendatários, nem a sua fiadora procederam ao pagamento das quantias em divida, os senhorios, ora recorrentes, propuseram acção executiva para pagamento de quantia certa. A referida acção foi instruída com o título executivo, composto pelo contrato de arrendamento e com as comunicações efectuadas aos arrendatários e à sua fiadora.
6. Apesar de nestes autos de execução não haver lugar a despacho liminar, a Meritíssima Juíza do tribunal a quo apreciou a regularidade dos autos, nomeadamente quanto à questão da (in)existência de titulo executivo (cf. Artigo 734.º, n.º 1 do código de Processo Civil).
7. E decidiu no sentido de rejeitar o requerimento executivo, por manifesta falta de título executivo relativamente a Manuela, extinguindo quanto àquela a instância executiva, condenando os ora recorrentes ainda em custas do incidente, nos termos do artigo 527, n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil,
8. Nos termos do artigo 14.º-A do Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU/2012), aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, com as alterações da Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto, "o contrato de arrendamento, quando acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida, é título executivo para a execução para pagamento de quantia certa correspondente às rendas, aos encargos ou às despesas que corram por conta do arrendatário."
9. Antes das alterações introduzidas pela Lei n.º 31/2012 citada, o NRAU regulava esta matéria no artigo no artigo 15.º, n.º 2, que dispunha o seguinte: "O contrato de arrendamento é título executivo para a ação de pagamento de renda quando acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida,"
10. De harmonia com o entendimento do tribunal a quo estamos perante um título executivo complexo, cuja possibilidade de formação passou a ser maior: também constitui título executivo, o conjunto formado pelo contrato de arrendamento e pelo comprovativo da comunicação ao arrendatário quando referido a rendas, a encargos e as despesas que corram por conta do arrendatário.
11.Atenta as posiçoes de Rui Pinto Duarte, Manual da Execução e Despejo, Coimbra Editora, 2013, pp. 1164 e 1165, Fernando de Gravata Morais, Cadernos de Direito Privado, n.º 27, p. 57 e segs., e Falta de Pagamento da Renda no Arrendamento Urbano, p. 76 e segs., e Miguel Teixeira de Sousa, Leis do Arrendamento Urbano Anotadas, Almedina, 2014, p. 406, e, na jurisprudência, o Ac. da RP de 24.04.2014, proc. 869/13.9YYPRT.Pl, www.dgsi.pt.com voto de vencido.
2.E de Rui Pinto Duarte, bem como e ainda de Fernando de Gravata Morais, que por seu turno, defende que não se forma título executivo contra o fiador com o fundamento essencial de que não sendo a norma clara no sentido de incluir o fiador e havendo elementos literais que indiciam que o quis excluir, uma vez que o fíador se encontra numa posição mais débil, não lhe deve corresponder um regime mais agravado do ponto de vista processual, como sucede se inclusivamente se prescindir da notificação dele.
13.Segundo Miguel Teixeira de Sousa, o preceito (artigo 14.Q-A do NRAU/2012) apenas admite que a comunicação seja realizada ao arrendatário, certamente porque somente esta parte está em condições de controlar a veracidade do seu conteúdo e de deduzir alguma eventual oposição. Por isso, o título executivo só se pode formar contra o próprio arrendatário, o que significa que o mesmo não se estende ao fiador que seja responsável pelo pagamento das rendas em dívida.
14.Na convicção do tribunal a quo não existe título executivo contra o fiador, ainda que seja comprovada a comunicação ao mesmo do montante em divida, e em consequência julgou ser de concluir que o artigo 14.Q-A do NRAU/2012 não prevê a possibilidade de formação de título executivo contra o fiador do arrendatário.
15. Os exequentes, ora recorrentes, não perfilham tal entendimento, pois que, o título executivo dado por si à execução obedece rigorosamente às exigências formais e substanciais que são plasmadas no artigo 14-A do NRAU, que dispõe "O contrato de arrendamento, quando acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em divida, é título executivo para a execução de pagamento de quantia certa correspondente às rendas, aos encargos ou às despesas que corram, por conta do arrendatário".
16.Estamos assim perante um título executivo múltiplo ou complexo, uma vez que é constituído, não apenas por um documento, como é regra, mas sim por vários documentos, que no seu conjunto certificam a existência de um dever de prestar, sendo neste caso concreto integrado por dois elementos corpóreos - [1] o contrato de arrendamento escrito e [2] o documento comprovativo da comunicação ao arrendatário do montante das rendas em dívida.
17. Entende o tribunal a quo que o NRAU não criou qualquer título executivo relativamente à fiadora, considerando apenas que a constituição de título executivo só ocorreu quanto aos arrendatários. Os ora recorrentes, não acolhem tal posição, porquanto a lei não diz que o contrato de arrendamento tem eficácia executiva apenas em relação ao arrendatário. Com efeito, o que nela se estatui é algo de bem diferente - que esse contrato só é título executivo se for acompanhado do documento que demonstre a comunicação ao arrendatário das rendas que o senhorio considera não satisfeitas.
18. Ora, a exigência previa do comprovativo desta comunicação não tem em vista demonstrar a constituição da dívida exequenda, uma vez que esta decorre do próprio contrato, nem se destina a interpelar o devedor, já que se está perante uma obrigação pecuniária de montante já determinado e prazo certo.
19.O que realmente se pretende com esta exigência é o brigar o exequente a proceder à liquidação prévia das rendas em dívida, de forma a conferir maior grau de certeza quanto ao montante da dívida exequenda, face à vocação tendencialmente duradoura do contrato e ao carácter periódico das rendas.
20.Daí que a única razão que se descortina é a de obrigar o exequente a proceder a uma espécie de liquidação aritmética extrajudicial prévia dos montantes em dívida, de forma a conferir maior grau de certeza quanto ao montante peticionado, tendo em conta a tendencial vocação duradoura do contrato. Sucede que esta mesma exigência já não se justifica quanto ao fiador.
[1] Em primeiro lugar, porque a fiança é um elemento acidental ou eventual do contrato de arrendamento.
[2]Em segundo lugar, porque garante a satisfação da obrigação principal, independentemente de interpelação, a qual, a menos que se tenha estipulado de modo diverso, só é exigida em relação à pessoa do devedor (cfr. artigos 627 e 634 do Código Civil) .
21.0 artigo 14-A do NRAU, ao aludir ao comprovativo da comunicação ao arrendatário do montante em dívida, não tem como objectivo circunscrever ao arrendatário o carácter executório do contrato de arrendamento, dele excluindo, caso exista, o fiador, mas tão só tornar obrigatória a comunicação prévia do valor das rendas que se encontram em dívida.
22. Deste modo, os dois documentos a que se refere o artigo 14-A do NRAU co o contrato de arrendamento e o comprovativo da comunicação ao arrendatário co constituem título executivo não apenas no que toca ao arrendatário, mas também quanto à fiadora. 23. Com efeito, a lei não estabelece que este título executivo seja eficaz apenas contra o arrendatário. O que realmente estabelece é a obrigatoriedade deste título ser composto pelo contrato de arrendamento e pelo documento comprovativo da comunicação ao arrendatário do montante das rendas em dívida, nada referindo quanto à eventual obrigatoriedade desta comunicação ser efectuada igualmente ao fiador.
24.Por outro lado, a posição adoptada pelo tribunal a quo ancorou-se numa leitura excessivamente literal do artigo 14-A do NRAU, e perverte o instituto da fiança, destinado a proteger os interesses do credor e as próprias alterações introduzidas à legislação do arrendamento no sentido de uma maior agilização, pois obrigaria o senhorio a propor duas acções para cobrar as rendas em atraso, uma executiva contra o arrendatário e outra declarativa contra os fiadores.
25.Ao aceitar-se este entendimento estar-se-ia a questionar a utilidade da prestação de fiança no âmbito dos contratos e arrendamento, porquanto não se vislumbraria que interesse teria o senhorio em, depois de instaurar a acção executiva contra o arrendatário e intentar uma acção declarativa contra os fiadores, cuja decisão só poderia executar mais tarde.
26. Do que se vem de expor, e atento que quer os arrendatários quer a sua fiadora foram devidamente notificados dos montantes em divida e da indemnização prevista no n.º 1 do artigo 1041 do Código Civil através de notificação judicial avulsa com notificação pessoal por Agente de Execução.
27. O contrato de arrendamento e as comunicações, juntas com o requerimento executivo, constituem titulo executivo válido e exequível quer em relação aos arrendatários, quer quanto á fiadora. Em qualquer destes casos, o contrato de arrendamento, acompanhado pelos referidos documentos, constituirá título executivo por força da alínea d) do artigo 703 do Código de Processo Civil onde se preceitua que servem de base à execução «os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva.»

Normas violadas:
[l]Artigo 14-A do NRAU;
[2] Artigos 627 e 634 do Código Civil;
[3] Alínea d) do artigo 703 do Código de Processo Civil
Deve dar-se provimento ao presente recurso, modificando-se o despacho recorrido, por outro que considere existir título executivo contra a executada Manuela e faça prosseguir a execução quanto a esta.

FAZENDO ASSIM V.ª(S) EX.ª(S) INTEIRA JUSTIÇA.
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O recurso foi recebido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo.
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Foram colhidos os vistos legais.
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III - Fundamentação de facto:

- a factualidade resultante do antecedente relatório, bem como o teor do intitulado ‘contrato de arrendamento para habitação’ e respectivas comunicações efectuadas constantes dos documentos juntos aos autos de fls. 21 a 33, aqui dados por integralmente reproduzidos.
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IV. O objecto do recurso

Como resulta do disposto nos arts. 608.º, n.º 2, ex. vi do art.º 663.º, n.º 2; 635.º, n.º 4; 639.º, n. os 1 a 3; 641.º, n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil, (C.P.C.), sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex. officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.
Face às conclusões das alegações de recurso, a questão a decidir consiste em saber se o título executivo previsto, em relação ao arrendatário, no artigo 14.º-A do Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU) aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, alterado pela Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto, também se estende ao fiador do arrendatário.
Vejamos, então, tendo em conta que o documento intitulado de ‘contrato de arrendamento para habitação’, foi subscrito na data de 19 de Agosto de 2011.

Assim, nos termos do n.º 2, do artigo 15.º, da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, na redacção anterior à da alteração introduzida pela Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto, aqui aplicável, preceituava-se o seguinte:
“O contrato de arrendamento é título executivo para a acção de pagamento de renda quando acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida.”
Por sua vez, o artigo 46.º, do CPC, à altura vigente e aqui aplicável (uma vez que, segundo o disposto no artigo 6.º, n.º 3 da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, o CPC por ela aprovado em anexo, relativamente aos títulos executivos, só se aplica às execuções iniciadas após a sua entrada em vigor), estabelecia no seu n.º 1 (a que corresponde actualmente o n.º 1, alíneas c) e d) do artigo 703.º do NCPC), que à execução podem servir de base, além de outros, os documentos particulares assinados pelo devedor, que importem a constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético – alínea c) -, e, ainda, os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva – alínea d).
Daqui decorre que, por via da conjugação das citadas normas, a lei confere especificamente força executiva ao contrato de arrendamento acompanhado do comprovativo da comunicação ao arrendatário do montante das rendas em dívida, para a sua cobrança judicial, assim se visando “proceder a uma espécie de liquidação aritmética extrajudicial prévia dos montantes em dívida, de forma a conferir maior grau de certeza quanto ao montante peticionado, tendo em conta a potencial vocação duradoura do contrato” (cfr. Decisão singular desta Relação, proferida em 12.12.2008, Relator Manuel Tomé Soares Gomes, in www.dgsi.pt).

Nessa medida, tal requisito constitui um complemento da exequibilidade daquele título de natureza complexa por integrar dois elementos: o contrato onde a obrigação exequenda foi constituída e a demonstração da realização de comunicação ao arrendatário da liquidação do valor das rendas em dívida.

Tal preceito legal, no entanto, não indica o arrendatário como único sujeito passivo da obrigação ínsita no título complexo que cria, omitindo, assim, toda e qualquer referência à identidade do obrigado, apenas fazendo referência, como se referiu, ao arrendatário apenas como destinatário da comunicação que exige como complemento do contrato de arrendamento.

Como tal, e tendo em conta que, como flui do artigo 627.º, n.º 1, do Código Civil, “o fiador garante a satisfação do direito de crédito, ficando pessoalmente obrigado perante o credor”, leva-nos a concluir que o credor pode exercer perante o fiador os mesmos direitos que tem perante o devedor.
Pois, nenhum sentido faria que pudesse instaurar execução contra o arrendatário e já quanto ao fiador tivesse de instaurar uma acção declarativa para, por essa via, obter um título executivo.

Assim, tal como referido e defendido no Ac. do STJ, no proc. 1442/12.4TCCLRS-B.L1.S1, publicado no site da dgsi, “emergindo do próprio contrato de arrendamento, a dívida exequenda tem como sujeito passivo quem nele se obrigou a pagar as rendas em dívida, no caso, não só a arrendatária, mas também os seus fiadores que naquele acordo se vincularam perante o senhorio, nos termos descritos no facto nº 3 – artigos 627º, nº 1, 634º e 640º, alínea a), todos do Código Civil” e “apesar de o artigo 15º, n.º 2 da Lei 6/2006, se referir apenas à comunicação ao arrendatário, consideramos que, por identidade de razão, a comunicação também deverá ser feita aos fiadores”.

Assim, acrescentamos, dessa forma igualmente se permite também que o fiador tome conhecimento da liquidação aritmética extrajudicial prévia dos montantes em dívida, permitindo-lhe averiguar junto do arrendatário sobre a situação e tomar as providências e diligências que entenda convenientes.

No sentido apontado se tem pronunciado, maioritariamente, a nossa jurisprudência (cfr., entre outros, e para além do Ac. do STJ citado, os acórdãos da Relação de Lisboa de 6/05/2014, Relatora Rosa Ribeiro Coelho; da Relação do Porto de 23.06.2009, Relator Cândido Castro de Lemos e de 6.10.2009, Relator Henrique Ataíde Rosa Antunes; e da Relação de Coimbra de 21.04.2009, Relatora Sílvia Pires, todos acessíveis em www.dgsi.pt).

Acontece que, in casu, no aludido contrato de arrendamento, alegadamente subscrito pelo 3.º executado, apenas consta, na sua cl.ª 11.ª, que ‘d[D]eclaram os primeiros, segundo e terceira outorgantes que aceitam o presente contrato, nos termos exarados, comprometendo-se a cumpri-lo, nos seus termos’, dele não constando a declaração expressa da intitulada fiadora da sua constituição como fiadora da inquilina, com ou sem benefício de excussão prévia, no sentido de se responsabilizar pessoalmente perante a senhoria “pelo exacto, integral e pontual cumprimento das obrigações que para aquela resultem do contrato de arrendamento, durante o prazo da sua vigência e eventuais renovações, sendo esse o caso.

Ora, como resulta do disposto no art. 628.º, n.º 1, do Cód. Civil, ‘a [A] vontade de prestar fiança deve ser expressamente declarada pela forma exigida para a obrigação principal’.
Como tal, exigindo-se que a declaração, para além de ser reduzida a escrito, seja expressa, considera-se não ser aplicável o n.º 2 do art. 217.º, do Cód. Civil.

Pois, à semelhança do que foi entendido no Ac. da RL, no processo 100595/13.2YIPRT.L1-7, publicado na dgsi, a intervenção de quem assina documento onde se menciona a sua participação como fiadora no contrato que dele consta, não traduz uma declaração tácita de prestação de fiança que seja válida; melhor, embora possa traduzir uma declaração tácita de fiança, não pode ser aceite com essa eficácia por a lei exigir para tal uma declaração expressa, o que não se verifica no presente caso porque do documento dado à execução, juntamente com a comunicação, não constam palavras escritas imputadas à executada que tenham o necessário e adequado significado de assunção, por ela, de uma obrigação nos termos do n.º 1 do art. 627., do Cód. Civil.
Em conformidade com o exposto, nenhuma obrigação tendo a 3.ª executada assumido pela via e forma exigidas legalmente, contra si não pode a execução prosseguir.
Nestes termos, consequentemente, por tudo o que fica exposto, embora por diferentes razões, tem que manter-se a decisão recorrida.
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V – Decisão

Pelo exposto, os Juízes da 2ª Secção Cível, deste Tribunal da Relação de Guimarães acordam em julgar improcedente o recurso interposto pelos exequentes.
Custas do recurso pelos recorrentes.
Notifique.
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TRG, 8.02.2018
(O presente acórdão foi elaborado em processador de texto pela primeira signatária)


Maria dos Anjos S. Melo Nogueira
Desembargador José Carlos Dias Cravo
Desembargador António Manuel Antunes Figueiredo de Almeida