Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1118/16.3T8VRL-B. G1
Relator: RAMOS LOPES
Descritores: TAXA DE JUSTIÇA
REMANESCENTE
TERMOS INICIAL E FINAL DO PRAZO PARA A PRÁTICA DE TAL ACTO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/24/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário do Relator:

- na decisão final da causa deve o juiz, oficiosamente, apreciar da questão da dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça,

- na falta de decisão expressa do juiz, podem as partes requerer a reforma (art. 616º, nº 1, do CPC) ou recorrer (artºs. 616º, nº 3 e 627º do CPC) de tal decisão,

- o trânsito em julgado da decisão final da causa (com a insusceptibilidade de recurso ordinário e reclamação – art. 627º do CPC) constitui o momento preclusivo para o exercício da faculdade de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça,

- apresentando-se a parte a requerer, após o trânsito da decisão da causa, a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, fá-lo intempestivamente
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães (1)

RELATÓRIO

Apelante: (…) – Engenharia e Construção, Lda
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Fixado no despacho saneador o valor da presente causa em 2.687.466,71€, foi em 22/11/2017 proferida sentença que julgou parcialmente procedente a acção intentada pela autora (..) – Engenharia e Construção, Lda, condenando a ré (..) – Granitos e Empreitadas, Ldª, a pagar a quantia de 49.657,34€, acrescida de juros vencidos e vincendos e ainda os valores relativos às quantidades de inertes que retirou, fez seus e comprou de 21 de Fevereiro a 31 de Março de 2016 e de 1 a 30 de Abril de 2016, a determinar em incidente de liquidação de sentença, também acrescido de juros de mora, e julgou a reconvenção totalmente improcedente, absolvendo a reconvinda do pedido, mais condenando a exclusivamente a ré reconvinte nas custas da reconvenção e autora e ré nas custas da acção em função do respectivo decaimento, nada mencionando sobre a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.

Sem sucesso apelaram ambas as partes, sendo as apelações julgadas improcedentes por acórdão de 12/04/2018 que as condenou nas custas, também então nada se mencionando sobre a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.

Baixados os autos à primeira instância apresentou a autora em 7/05/2018 requerimento impetrando a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no art. 6º, nº 7 do Regulamento das Custas Processuais, alegando que a causa tem valor elevado, várias vezes superior ao de 275.000,00€ indicado no preceito, justificando-se que a conta final não considere o remanescente da taxa de justiça pois que elaborada em atenção ao valor da causa verificar-se-ia claro excesso, dada a parca complexidade da matéria abordada e a conduta processual das partes, não merecedora de reparo (tendo todos os requerimentos e peças processuais sido apresentados nos termos e meios legalmente ao seu dispor).

Sob o assim requerido recaiu o seguinte despacho:

A Autora peticionou a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
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O MP propugnou o indeferimento do requerido.
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Em convergência com o plasmado no art.º 6.º/1, do Regulamento das Custas Processuais, a taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado e é fixada em função do valor e complexidade da causa de acordo com o presente Regulamento, aplicando-se, na falta de disposição especial, os valores constantes da tabela I-A.
Ademais, nas causas de valor superior a 275.000,00€, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento (art.º 6.º/7, do RCP).

Positivando-se a densificação do segundo segmento do predito art.º 6.º/7, enfatize-se que o mesmo deve ser interpretado “(…) em termos de ao juiz ser lícito dispensar o pagamento, quer da totalidade, quer de uma fracção ou percentagem do remanescente da taxa de justiça devida a final, pelo facto de o valor da causa exceder o patamar de ?275.000, consoante o resultado da ponderação das especificidades da situação concreta, utilidade económica da causa, complexidade do processado e comportamento das partes (…)”, à luz dos princípios da proporcionalidade e da igualdade (vd. Acórdão do TRP de 4.5.2017, proc. n.º 1962/09.8TVPRT.P2, in www.dgsi.pt ).

Concomitantemente, afere-se que a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça deve ser apreciada, a requerimento das partes ou oficiosamente, em sede de sentença, sendo que as partes podem requerer a reforma da mesma com fundamento em omissão de pronúncia atinente à antedita dispensa (vd. Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais Anotado, 5.ª edição, Almedina, p. 200-201 e Acórdão do STJ de 13.7.2017, proc. n.º 669/10.8TBGRD-B.C1. S1, in www.dgsi.pt).

In casu, constata-se linearmente que a pretensão de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça foi formulada pela Autora após a prolação da sentença, a qual não se pronunciou com referência à predita matéria, sendo que não foi peticionada a reforma da mesma quanto a custas.

Infere-se, assim, que o pedido de dispensa formulado pela Autora é extemporâneo, postulando-se a respectiva sucumbência.

Pelo supra exposto, indefere-se o requerido.’

Inconformada com o assim decidido, apela a autora, formulando as seguintes conclusões:

- Ora, a recorrente não se conforma com o despacho judicial supra referido, porquanto o mesmo faz errada interpretação e aplicação do direito ao caso concreto conforme adiante se explicará.
- O artigo 6°, nº 7, do Regulamento das Custas Processuais não tem qualquer elemento literal que permita concluir que o pedido de dispensa do remanescente da taxa de justiça teria de ser efectuado antes do trânsito em julgado da decisão final ou, mais tardar, em sede de reforma da decisão final quanto a custas.
- Legalmente nada impedia que o requerimento efectuado pela recorrente tendente à dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente fosse apresentado no momento em que o foi, pelo que deve o mesmo ser apreciado.
- O nº 7 do artigo 6º do Regulamento das Custas Processuais estipula que o pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça tem que ser formulado pela parte em momento anterior à elaboração da conta de custas.
- O momento anterior à conta de custas pode ir desde a data da sentença até ao dia em que o tribunal elabora a conta de custas.
- A recorrente apresentou o requerimento de dispensa depois de proferido o acórdão pelo Tribunal da Relação de Guimarães e antes de ter sido elaborada qualquer conta de custas.
- A recorrente estava em tempo de poder requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça por si formulada no momento em que o fez.
- O pedido de dispensa de pagamento só pode ser efectuado depois de transitada em julgado e consolidada a decisão final por ser apenas com este momento que se conhecem todas as vicissitudes do processo.
- Estipula o artigo nº 616 do Código de Processo Civil que a parte pode requerer, no tribunal que proferiu a sentença, a sua reforma quanto a custas e multa, sem prejuízo do nº 3 que estipula: “Cabendo recurso da decisão que condene em custas ou multa, o requerimento previsto no nº 1 é feito na alegação.”
10º- A ‘reforma da sentença’ tem a ver com os princípios e critérios a que essa matéria obedece e que estão previstos nos artigos nºs 527º a 541º, ambos do Código de Processo Civil.
11º- O Regulamento das Custas Processuais determina o ‘quantum’ das custas e no seu artigo nº 6 nº 7 que foi aditado pela Lei 7/2012, de 13-2.
12º- Aquele aditamento aconteceu na sequência da decisão do Tribunal Constitucional, que foi chamado a pronunciar-se sobre a constitucionalidade do artºs 6º e 11º do Regulamento das Custas Processuais, na redacção anterior do DL nº 52/2011, de 13 de Abril julgou essas normas inconstitucional.
13º- É tempestivo por estar em tempo, o requerimento de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça efectuado pela ora recorrente, uma vez que, aquela dispensa pode ser requerida até à notificação da conta final.
14º- A recorrente apresentou o seu requerimento de dispensa do pagamento da taxa de justiça, antes de qualquer notificação da conta final, estando assim dentro do prazo para o efeito.
15º- O Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 16 de Junho de 2015 (processo n.º 2264/06.7TVLSB-A. L1-1) disponível em www.dgsi.pt pronunciou-se sobre esta questão ao entender que até à notificação da conta final, pode a parte requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
16º- Deve o requerimento da recorrente, no qual requer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida, ser considerado tempestivo e objecto de apreciação pelo Tribunal recorrido.
17º- Existe corrente jurisprudencial segundo a qual, nada obsta a que possa ser requerida a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, depois de notificada a conta de custas, e dentro do prazo para reclamar daquela conta.
18º- A dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça a que se refere o artigo 6º, nº 7 do Regulamento das Custas Processuais traduz num acto processual complementar da sentença, relativamente ao qual não se esgota o poder jurisdicional.
19º- Os únicos segmentos decisórios que transitam com a prolação da sentença em matéria de custas respeitam à fixação do valor da causa e à imputação e repartição pelas partes da responsabilidade pelas custas.
20º- Esta posição jurisprudencial defende que nada obsta a que depois de notificadas da conta de custas e dentro do prazo para reclamar da conta possa a parte interessada requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
21º- A reclamação de conta de custas constitui meio idóneo para que as partes requeiram a dispensa do pagamento do remanescente das custas, na medida em que é nessa altura que tomam real contacto com os montantes que lhe são exigidos.
22º- A este propósito pronunciou-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 3 de Dezembro de 2013 (processo nº 1586/08.7TCLRS-L2-7) disponível em www.dgsi.pt, ao referir que nada obsta a que só após a elaboração da conta possa ser requerida a dispensa ou a redução do remanescente da taxa de justiça.
23º- A recorrente efectuou o seu pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça em momento anterior à elaboração da conta.
24º- Nada obsta a que esta posição jurisprudencial não lhe possa ser favorável e aplicável.
25º- A lei atribui efeitos peremptórios apenas ao excesso e não à antecipação do prazo.
26º- O artigo 139 nº 3 do Código de Processo Civil determina que o decurso do prazo peremptório extingue o direito de praticar o acto, impedindo a sua prática, uma vez ele decorrido, no entanto, não se retira desta norma que o acto não possa vir a ser praticado antes de tal prazo se iniciar.
27º- Nada obsta a que a apresentação pela recorrente da pretensão de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça possa ter sido formulada, ainda que, antes da elaboração da conta final do processo.
28º- A decisão que ora se recorre, é uma violação da lei substantiva, por erro de interpretação e de aplicação do artigo nº 6º, nº 7 do Regulamento das Custas Processuais.
29º- O tribunal recorrido não podia declarar extemporânea a pretensão da recorrente quanto à dispensa do pagamento da taxa de justiça.
30º- O despacho recorrido violou, por erro de interpretação e de aplicação, o artigo 6º, nº 7 do Regulamento das Custas Processuais.

Contra-alegou o Ministério Público, defendendo a improcedência da apelação e manutenção da decisão recorrida, argumentando que a apreciação do pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça deve ter lugar na decisão que julgue a acção, incidente ou recurso e no momento em que o juiz se pronuncie quanto à condenação em custas, nos termos do art. 527º, nº 1 do CPC, apenas podendo ocorrer posteriormente nos casos em que seja requerida a reforma da decisão ou em que seja interposto recurso.
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Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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Do objecto do recurso

Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões no mesmo formuladas (artigos 5º, nº 3, 608º, nº 2, 635º, nºs 4 e 5 e 639, nº 1, do CPC), sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso, a questão decidenda consiste em apurar se foi (como defende a apelante) ou não (como decidiu o tribunal recorrido) deduzido tempestivamente o requerimento para dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.

Apesar do apelante ter circunscrito a apelação à questão enunciada, certo é que face à regra da substituição ao tribunal recorrido estabelecida no art. 665º, nº 2 do CPC, cumprirá também a este tribunal, caso proceda a apelação, apreciar se se justifica, no caso concreto, aquela pretendida dispensa (total ou parcial) do pagamento da taxa de justiça.
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FUNDAMENTAÇÃO
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Fundamentação de facto

A matéria factual a considerar é a que consta do relatório que precede.

Fundamentação jurídica

Apurar do termo final para o exercício da faculdade de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, à luz do prescrito no nº 7 do artigo 6º do Regulamento das Custas Processuais (doravante RCP), tem sido questão recorrentemente tratada nas Relações e no Supremo Tribunal de Justiça (bem assim no Supremo Tribunal Administrativo (2)).

O nº 7 do art. 6º do RCP foi aditado pela Lei nº 7/2012, de 13/02 para conformar o preceito à Constituição – o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 421/2013, de 15/07/2013 (3), julgou ‘inconstitucionais, por violação do direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20º da Constituição, conjugado com o princípio da proporcionalidade, decorrente dos artigos 2º e 18º, nº 2, segunda parte, da Constituição, as normas contidas nos artigos 6º e 11º, conjugadas com a tabela I-A anexa, do Regulamento das Custas Processuais, na redacção introduzida pelo DL 52/2011, de 13 de Abril, quando interpretadas no sentido de que o montante da taxa de justiça é definido em função do valor da acção sem qualquer limite máximo, não se permitindo ao tribunal que reduza o montante da taxa de justiça devida no caso concreto, tendo em conta, designadamente, a complexidade do processo e o carácter manifestamente desproporcional do montante exigido a esse título’.

O preceito teve assim em vista levar à lei ordinária a possibilidade do juiz corrigir as manifestas desproporções entre a (parca) complexidade do serviço prestado e o respectivo (elevado) custo (resultante da aplicação de tabelas) (4) – a taxa de justiça assume natureza bilateral ou correspectiva, constituindo contrapartida pela utilização do serviço público da justiça por parte do sujeito passivo e não estando ‘implicada a exigência duma rigorosa equivalência de valor económico entre o custo e o serviço, dispondo o legislador de «uma larga margem de liberdade de conformação em matéria de definição do montante das taxas», é, porém, necessário, que a «causa e justificação do tributo possa ainda encontrar-se, materialmente, no serviço recebido pelo utente, pelo que uma desproporção manifesta ou flagrante com o custo do serviço e com a sua utilidade para tal utente afecta claramente uma tal relação sinalagmática que a taxa pressupõe»’ (5).

Podendo considerar-se dominante a corrente maioritária que considera que o requerimento deduzido pelas partes em vista da dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente deve ser formulado antes da elaboração da conta de custas (6), certo é que a questão colocada no âmbito do presente recurso implica apreciar se o termo final para dedução de tal pretensão não deve situar-se ainda em momento anterior.

Segue o Tribunal Constitucional a orientação de que o requerimento para dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente deve ser formulado previamente à elaboração da conta, julgando conforme à constituição a norma do nº 7 do art. 6 do RCP, na interpretação segundo a qual é extemporâneo o pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça apresentado no processo, pela parte que dele pretende beneficiar, após a elaboração da conta de custas, pois tal norma assim interpretada não viola o princípio da tutela jurisdicional efectiva, designadamente na dimensão de garantia de um processo justo, nem interfere com qualquer outro parâmetro constitucional (7).

Reconhece a jurisprudência do Tribunal Constitucional (8):

- ser ‘evidente o interesse na fixação de um momento preclusivo para o exercício da faculdade de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça: sem tal fixação, a conta do processo não assumiria carácter definitivo, ficando como que suspensa de um comportamento eventual do destinatário da obrigação de custas não referenciado no tempo. Assim, a previsão de um limite temporal para o exercício daquela faculdade não se mostra arbitrária, sendo útil para a realização dos fins de boa cobrança da taxa de justiça’;
- não apresentar qualquer dificuldade (digna de tutela) a satisfação ‘do ónus de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça em momento anterior ao da elaboração da conta, nem a parte vê negado o acesso ao juiz, pois pode – em tempo – suscitar a apreciação jurisdicional da sua pretensão’, acrescentando que uma tal interpretação ‘é, genericamente, coerente com a sucessão de actos do processo: a decisão final é proferida; depois transita em julgado; após o trânsito em julgado, o processo é contado; a conta é notificada às partes, que dela podem reclamar. Independentemente de qual seja a melhor interpretação do direito infraconstitucional (matéria sobre a qual não cabe ao Tribunal Constitucional emitir pronúncia), a fixação do apontado efeito preclusivo no momento em que o processo é contado tem coerência lógica com o processado (na medida em que a conta deverá reflectir a referida dispensa), ou seja – para o que ora interessa apreciar – não se trata de um efeito que surpreenda pelo seu posicionamento na marcha processual;
- considerando tal orientação, ‘a parte dispõe de um prazo indiscutivelmente razoável para exercer a faculdade de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça (que se exprime através de uma declaração que não carece de fundamentação complexa (…): desde a prolação da decisão final até ao respectivo trânsito em julgado, ou seja, e por referência ao processo civil, nunca menos do que quinze dias (artigo 638.º, n.º 1, do CPC). A este propósito – como, aliás, o Ministério Público sublinha – não é correto afirmar-se que a só após a notificação da conta a parte tem conhecimento dos montantes eventualmente excessivos que lhe são imputados a título de taxa de justiça. Na verdade, pelo menos após a prolação da decisão final, a parte dispõe de todos os dados de facto necessários ao exacto conhecimento prévio das quantias em causa: sabe o valor da causa, a repartição das custas e o valor da taxa de justiça previsto na tabela I do RCP, por referência ao valor da acção. Assim, ressalvada a ocorrência de situações anómalas excepcionais – que, no caso, não se verificaram e também não resultam do sentido normativo oportunamente enunciado como objecto do presente recurso –, a parte não pode afirmar-se surpreendida pelo valor da taxa de justiça reflectido na conta: esta joga com dados quantitativos à partida conhecidos’;
- ser a gravidade da consequência do incumprimento do ónus (que consiste na elaboração da conta sem a redução ou dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça) ajustada ao comportamento omitido. ‘Não se vê, aliás, que pudesse ser outra: se a parte não deduziu o pedido correspondente, a conta é elaborada nos termos gerais decorrentes da tabela legal’, sendo certo que não poder considerar-se que tal seja um resultado implícito não expectável ou não discernível a partir do texto da lei, pois que desde ‘logo, a própria redacção do preceito (“[…] o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se…”) – independentemente da melhor interpretação no plano infraconstitucional, aspecto do qual, insiste-se, não cabe cuidar – é indubitavelmente compatível com o sentido afirmado na decisão recorrida, não gerando qualquer desconformidade que suporte a afirmação de um carácter surpreendente do resultado interpretativo’.

Ademais, a jurisprudência do Tribunal Constitucional (9) vem considerando, ‘uniformemente, que a reclamação da conta não é meio adequado a fazer valer uma isenção, já que tal meio processual se destina unicamente a reagir à elaboração irregular da conta, não sendo esse o caso quando ela se mostra conforme à decisão condenatória e à lei (cfr. Acórdãos n.ºs 60/2016, 211/2013, 104/13 e 83/2013, entre muitos outros), raciocínio que, por identidade de razão, vale para o pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça’, não podendo reconhecer-se existir ‘qualquer «ónus processual oculto»’ ou «armadilha processual» com a qual a parte não podia contar.

Apurada a conformidade constitucional da norma do nº 7 do art. 6º do RCP interpretada no sentido de que existe um momento preclusivo para o exercício da faculdade de requerer a dispensa nele prevista, importa apurar, pela interpretação do direito infraconstitucional, qual seja tal momento – sendo certo que ele não pode ser posterior à elaboração da conta.

Porque a conta deve reflectir tal dispensa (se e quando determinada), é apodíctico considerar que o momento para a decisão sobre a questão tem de ser anterior à sua elaboração – tanto mais que a reclamação da conta não é o meio adequado a fazer valer tal dispensa (10), pois que é expediente processual que incide exclusivamente sobre os actos materiais de contagem das custas, levados a cabo pelo funcionário judicial encarregado da contagem, não respeitando à decisão do juiz relativa às custas, tendo por objecto exclusivo a verificação de qualquer anomalia na elaboração da conta, seja concernente às disposições legais aplicáveis, às determinações do julgador ou a lapso de escrita ou de cálculo (11); é incidente (o de reclamação da conta) desde sempre ‘reportado à existência de erros ou ilegalidades na elaboração material da conta de custas, não sendo – perante os princípios definidores da tramitação do processo civil – instrumento processual adequado para enunciar, pela primeira vez, questões ou objecções que têm a ver com a decisão judicial sobre as custas (e não com a sua materialização ou execução prática) (12).

Acresce que – e podendo ter-se por seguro, considerando ser dominante e maioritária a corrente jurisprudencial que assim o considera, que o requerimento deduzido pelas partes em vista da dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente é extemporâneo quando deduzido depois de elaborada a conta – não pode o momento da elaboração da conta ser considerado como o termo final da faculdade da parte requerer dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente, antes lhe sendo prévio.

Os termos inicial e final do prazo para a prática de tal acto (para o cumprimento de um tal ónus processual) têm de reportar-se a actos anteriores do processo (anteriores ao acto de contagem) conhecidos da parte (que importem um termo inicial que a parte conheça/deva conhecer), não podendo ficar dependentes de acto posterior que importe um momento preclusivo cuja data certa ou exacta não é conhecida (nem determinável com a necessária segurança para lhe estar associado um efeito preclusivo com consequências consideráveis – a perda do direito de requerer a dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente).

Porque o processo civil constituiu uma sequência de actos, logicamente encadeados entre si, com vista à obtenção da providência judiciária requerida (13), tem de considerar-se tal encadeamento como cronológica e sequencialmente consequente.

Ficando a responsabilidade pelas custas (forçosamente) definida antes do processo ser contado (14) - sendo certo que a contagem é apenas uma mera operação material, que tem como parâmetros a condenação concreta e definitiva no seu pagamento e as regras normativas, enunciadas no RCP (15) -, tem tal estabilização tributária de ser reportada a acto judicial (acto judicial por aquele acto de contagem pressuposto).

Tal acto é a decisão que recai sobre a responsabilidade das custas e que define o seu montante – ou seja, é a decisão final da causa que, considerando a marcha ou tramitação processual normal do processo, constitui o termo inicial do prazo relevante para, através do respectivo trânsito, se estabilizarem os elementos essenciais ao acto de contagem.

Na decisão final (em primeira instância ou em instância de recurso) deve o tribunal, no que à responsabilidade tributária concerne, decidir não só as questões relativas à proporção da responsabilidade das partes nas custas como também, se for o caso, a qualificação do processo como especialmente complexo (art. 530º, nº 7 do CPC) e consequente determinação de aplicação da tabela I-C anexa ao RCP (art. 6º, nº 5 do RCP), a aplicação de taxa sancionatória excepcional (art. 531º do CPC) e, bem assim, a dispensa (ou redução parcial) da taxa de justiça remanescente, nos termos do nº 7 do art. 6º do RCP (16).

Na verdade, deve na decisão final da causa decidir-se se ‘se verificam ou não pressupostos legais de dispensa do pagamento do mencionado remanescente da taxa de justiça’, e na falta de decisão expressa do juiz, ‘verificando-se os referidos pressupostos de dispensa do pagamento, podem as partes requerer a reforma da decisão quanto a custas’ (17) - não se conformando com o segmento condenatório relativo às custas, devem as partes recorrer (627º do CPC) ou requerer a reforma a decisão (art. 616º, nº 1 do CPC), pois passado o prazo de recurso ou de reforma da decisão da decisão ficar-lhes-á vedado ‘impugnar algum vício daquela decisão, incluindo a sua desconformidade com a Constituição ou com algum dos princípios nela consignados’ (18).

Decorrendo a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, necessariamente, de ‘uma decisão constitutiva proferida pelo juiz’, e podendo ‘naturalmente inferir-se – se nada se disser sobre esta matéria na parte da sentença atinente à responsabilidade pelas custas – que o julgador considerou que os pressupostos de que dependeria tal dispensa não estão verificados – sendo, neste contexto, consequentemente previsível para a parte, total ou parcialmente vencida, que a conta de custas a elaborar não irá contemplar seguramente essa dispensa’ –, deverá o direito a reiterar perante o juiz a justificabilidade da dispensa do remanescente da taxa de justiça ser ‘exercitado durante o processo’, nomeadamente, ‘mediante pedido de reforma do segmento da sentença que se refere, sem excepções ou limitações, à responsabilidade das partes pelas custas da acção, não podendo aguardar-se pela elaboração da conta para, só então, reiterar perante o juiz da causa a justificabilidade da dispensa’ (19).

Assim, porque o momento processual adequado a decidir sobre a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça é a decisão final, podem as partes, se o juiz nada determinar sobre a dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente, suscitar a questão (através de recurso ou dedução de incidente de reforma – art. 616º, nº 1 e 3 do CPC), pois que se não reagirem ‘relativamente à responsabilidade pelas custas ali definida, a conta será elaborada de acordo com aquela decisão no prazo de 10 dias após o respectivo trânsito em julgado (artigo 29º, nº 1, do RCJ)’ (20).

Pode assentar-se assim nos seguintes considerandos:

- na decisão final da causa deve o juiz, oficiosamente, apreciar da questão da dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça,
- na falta de decisão expressa do juiz, podem as partes requerer a reforma (art. 616º, nº 1, do CPC – no prazo de dez dias) ou recorrer (arts. 616º, nº 3 e 627º do CPC – prazo regra de trinta dias) de tal decisão,
- o trânsito em julgado da decisão final da causa (com a insusceptibilidade de recurso ordinário e reclamação – art. 627º do CPC) constitui o momento preclusivo para o exercício da faculdade de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça (conhecida a decisão final, a parte tem conhecimento de que a conta final a elaborar, em atenção a tal decisão, não irá contemplar seguramente essa dispensa, cabendo-lhe por isso reagir a tal decisão – não o fazendo, os efeitos do trânsito em julgado estendem-se também a essa questão).

Na presente causa, não tendo sido oficiosamente decidida (quer na primeira instância, quer na Relação) a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, só após o trânsito em julgado da decisão final da causa (depois de baixado o processo à primeira instância, proferido o acórdão da Relação) se apresentou a parte a requerer tal dispensa.

Assim – independentemente de apurar se a causa justifica tal dispensa – tem de considerar-se intempestivo o requerimento deduzido pela parte para dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, porquanto formulado depois da decisão final ter transitado – não tendo tal dispensa sido oportunamente decidida pelo juiz da causa, quer a requerimento das partes, quer oficiosamente, o trânsito em julgado da decisão final precludiu a oportunidade para a apreciação da questão.
Não merece, pois, censura, o despacho recorrido.
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DECISÃO
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Pelo exposto, acordam os juízes desta secção cível em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
Custas pela apelante.
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Guimarães, 24/04/2019
(por opção exclusiva do relator, o presente texto não obedece às regras do novo acordo ortográfico)


1. Apelação nº 1118/16.3T8VRL-B.G1; Relator: João Ramos Lopes; Adjuntos: José Fernando Cardoso Amaral; Helena Melo
2. P. ex., no acórdão de 3/05/2017, proferido no processo nº 472/16, pelo Pleno do Contencioso Tributário do STA (citado pelo M.P. nas suas contra-alegações), no sítio www.dgsi.pt/jsta.
3. Disponível no sítio www.tribunalconstitucional.pt.
4. Na vigência do Código das Custas Judiciais, o nº 3 do art. 27 (na redacção introduzida pelo DL 324/20003), também previa a possibilidade, nas causas de valor superior a 250.000,00€, de o juiz, se a especificidade da situação o justificasse, de forma fundamentada e atendendo, designadamente, à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento do remanescente.
5. Citado acórdão do Tribunal Constitucional nº 421/2013, de 15/07/2013.
6. Acórdão do STJ de 26/02/2019 (Henrique Araújo), no sítio www.dgsi.pt/jstj, que cita a propósito outras decisões do Supremo (dando também nota doutras em abono de posição diversa).
7. Acórdão do Tribunal Constitucional nº 527/16, de 4/10, disponível no sítio www.tribunalconstitucional.pt.
8. Acompanha-se o citado Acórdão do TC nº 527/16 (ponto 2.2.3.).
9. Ainda o citado Acórdão do TC nº 527/16 (agora no ponto 2.2.4.).
10. Assim, além dos citados acórdão do Tribunal Constitucional nº 527/16, de 4/10 e acórdão do STJ de 26/02/2019 (Henrique Araújo), os acórdãos do STJ de 6/11/2018 (Hélder Almeida), de 11/10/2018 (Olindo Geraldes) e de 13/07/2017 (Lopes do Rego), no sítio www.dgsi.pt/jstj, e o (também já citado) acórdão do Pleno do Contencioso Tributário do STA 3/05/2017, proferido no processo nº 472/16. Também o acórdão desta Relação de 4/05/2017 (Jorge Teixeira), no sítio www.dgsi.pt/jtrg.
11. Citado acórdão do STJ de 26/02/2019 (Henrique Araújo).
12. Citado acórdão do STJ de 13/07/2017 (Lopes do Rego).
13. A. Varela e outros, Manual de Processo Civil, 2ª edição revista e actualizada, p. 11.
14. Sendo a sentença omissa quanto a custas pode/deve ser oficiosamente rectificada a todo o tempo (art. 614º, nº 1 e 3 do CPC), mas mesmo assim em momento anterior à elaboração conta (que tal decisão pressupõe).
15. Assim, v. g., os citados acórdãos do STJ de 6/11/2018 (Hélder Almeida) e de 11/10/2018 (Olindo Geraldes).
16. Cfr. acórdão da Relação de Lisboa de 16/03/2017 (Ondina Carmo Alves), no sítio www.dgsi.pt/jtrl. No mesmo sentido, o Acórdão da Relação de Lisboa de 28/02/2019 (Eduardo Petersen da Silva), também no sítio www.dgsi.pt/jtrl.
17. Salvador da Costa, Regulamento das Custas Processuais, Anotado, 2013, 5ª edição, pág. 201.
18. Autor e obra citados, pp. 354 e 355. Assim também os citados acórdãos da Relação de 16/03/2017 (Ondina Carmo Alves) e de 28/02/2019 (Eduardo Petersen da Silva)
19. Citado acórdão do STJ de 13/07/2017 (Lopes do Rego).
20. Citado acórdão do STJ de 26/02/2019 (Henrique Araújo).