Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
263/08.3JAGBRG-A.G2
Relator: ANA TEIXEIRA SILVA
Descritores: REMESSA DAS PARTES PARA OS TRIBUNAIS CIVIS
PRINCÍPIO DA ADESÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 12/01/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURO PENAL
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO
Sumário: I – O “princípio de adesão” só pode ser derrogado por iniciativa do tribunal se as questões suscitadas pelo pedido de indemnização civil inviabilizarem uma decisão rigorosa, ou se as questões suscitadas forem suscetíveis de gerar incidentes que retardem intoleravelmente o processo penal.
II – Não ocorre algum desses casos num processo por crimes roubo, homicídio e dano com violência, em que a demandante deduziu pedido para que seja fixada indemnização pela “perda do direito à vida”, por “danos não patrimoniais próprios”, “danos patrimoniais” e “alimentos”, tendo arrolado 7 testemunhas e juntado 1 certidão de nascimento.
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes, em conferência, na Secção Criminal da Relação de Guimarães
I – RELATÓRIO

A demandante VÂNIA C..., por si e na qualidade de legal representante de LEONOR C..., veio interpor recurso do despacho da Mmª Juiz da Vara de Competência Mista de Braga que, ao abrigo do disposto no artº 82º, nº3, do CPP, decidiu “remeter as partes cíveis para os meios processuais comuns (tribunais civis)”.
Nesta instância, o Sr. Procurador-Geral Adjunto não emitiu parecer por “faltar ao MºP interesse em agir”.
II - FUNDAMENTOS
1. O OBJECTO DO RECURSO.
A questão suscitada: a errada interpretação do artº 82º, nº3, do CPP, não conforme aos pressupostos nele estabelecidos.
2. O DESPACHO RECORRIDO.
Apresenta o seguinte conteúdo (na parte que releva):
João P... e Maria M..., pais da vítima Ricardo Pereira, deduziram a fls. 1468 e segts pedido cível e Vânia C..., por si e na qualidade de mãe e legal representante de LEONOR C... deduziu afls. 1477 e segts pedido cível.
Face às questões suscitadas em tais pedidos verifica-se que a apreciação e decisão das questões cíveis poderiam obstaculizar a uma decisão rigorosa da matéria criminal e gerar a incidentes que a retardariam de forma significativa, dado o número de testemunhas e prova documental.
Assim, cremos que a complexidade fáctica e legal dos elementos constantes dos autos, aliada aos motivos atrás expostos, não se compadece com a apreciação dos pedidos de indemnização formulados, razão pela qual, sem necessidade de ulteriores considerações, e nos termos do art. 82º, nº3, do Código de Processo Penal, se decide remeter as partes cíveis para os meios processuais comuns (tribunais civis).

3. APRECIAÇÃO DO MÉRITO.
O Ministério Público deduziu acusação contra Filipe F..., Carina M... e Pedro M..., imputando-lhes a co-autoria material de um crime de roubo, p. e p. pelo artº 210º, nº1, um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artºs 131º, 132º, nºs 1 e 2, als. g), h), j), e um crime de dano com violência, p. e p. pelos artºs 212º e 214º, nº1, al. a), todos do CP, tendo por vítima Ricardo P....
A Recorrente, cônjuge de facto da vítima, por si e em representação da filha menor de ambos, deduziu pedido de indemnização civil contra os 3 Arguidos, pedindo a sua condenação no pagamento da quantia total de €3.053.750,00 O valor do pedido indicado – “2.553.750,00” – enferma de lapso manifesto, como se pode constatar da soma das várias parcelas antes descriminadas, a fls. 21vº., acrescida de juros de mora, devida a título de “perda do direito à vida de Ricardo P...”, “danos não patrimoniais próprios”, danos patrimoniais” e “alimentos”; juntou um documento (certidão de nascimento de LEONOR C...) e um rol de 7 testemunhas V. fls. 41, 42-43..
Estatuem os artºs 71º e 82º, nº3, do CPP:
- Artº 71º -
O pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei.
- Artº 82º, nº3 -
O tribunal pode, oficiosamente ou a requerimento, remeter as partes para os tribunais civis quando as questões suscitadas pelo pedido de indemnização civil inviabilizarem uma decisão rigorosa ou forem susceptíveis de gerar incidentes que retardem intoleravelmente o processo penal.
De acordo com tais normas, a regra é a de que fundando-se o pedido na responsabilidade criminal dos arguidos, o processo penal deve abranger o conhecimento do pedido cível.
Mediante iniciativa do tribunal, o consagrado “princípio de adesão” só pode ser derrogado caso ocorra uma de duas situações: a) se as questões suscitadas pelo pedido de indemnização civil inviabilizarem uma decisão rigorosa; se as questões suscitadas pelo pedido de indemnização civil forem susceptíveis de gerar incidentes que retardem intoleravelmente o processo penal.
A fundamentação do despacho recorrido é escassa e inidónea a preencher qualquer das hipóteses previstas no citado artº 82º, nº3, do CPP.
Em primeiro lugar, não identifica (nem nós conseguimos descortinar) quais são as “questões suscitadas em tais pedidos” que “poderiam obstaculizar a uma decisão rigorosa da matéria criminal e gerar a incidentes que a retardariam de forma significativa”.
Em segundo lugar, é ininteligível o significado do excerto “cremos que a complexidade fáctica e legal dos elementos constantes dos autos, aliada aos motivos atrás expostos, não se compadece com a apreciação dos pedidos de indemnização formulados”.
Em terceiro lugar, nem o número de testemunhas indicado pela Recorrente (7, todas residentes em Portugal) nem a prova documental por ela junta (uma certidão) são de molde a contribuir para o retardamento intolerávelSó é intolerável o atraso significativo, capaz de pôr em causa os legítimos interesses das partes” – ac. da RP de 22/05/2009, CJ, 2009, t.3, p. 221. do processo penal.
Como bem refere a Relação do Porto (em ac. de 11/11/2009, relatado pelo Desemb. Joaquim Gomes no proc. 522/06.0GBPRD-A.P1 Acessível em www.dgsi.pt.):
Em processo penal, a remissão para os tribunais civis tem carácter excepcional, só devendo ser utilizada nos casos que representam um manifesto entrave ou um obstáculo sério que inviabilizem uma decisão rigorosa da matéria cível, designadamente em razão da escassez de elementos para a determinação da responsabilidade civil ou correspondam a incidentes que retardem intoleravelmente o julgamento da matéria penal”.
Ora, analisado o pedido cível em causa Certificado a fls. 33-41., não se vislumbra que os factos e a matéria de direito invocados, ou sequer a prova indicada, revistam complexidade e ou dimensão invulgares Reconhece-se que alguns dos montantes parcelares peticionados são aparatosos, circunstância que, por si só, é (obviamente) insusceptível de prejudicar uma decisão rigorosa ou atrasar o desfecho do processo penal. , susceptíveis de corresponder à pressuposição excepcional estabelecida no nº3 do artº 82º do CPP.

Em conclusão: impõe-se a revogação da decisão sub judice.

III - DECISÃO
1. Concede-se provimento ao recurso interposto por VÂNIA C... e em consequência, revoga-se o despacho recorrido e determina-se a sua substituição por outro que admita o pedido de indemnização civil por ela deduzido e ordene a tramitação processual subsequente.
2. Sem custas.

1 de Dezembro de 2014