Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
4328/12.9T8GMR-C.G2
Relator: PURIFICAÇÃO CARVALHO
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
TRANSMISSÃO DE ESTABELECIMENTO
UNIDADE ECONÓMICA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/14/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: TOTALMENTE IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
●. O preceituado no artº 640 do CPC em conjugação com o que se dispõe no artº 662º do mesmo diploma legal permite a este Tribunal de instância julgar a matéria de facto.

●. Todavia a redacção de tais normativos não permite a repetição por este Tribunal do julgamento, tal como rejeita a admissibilidade de recursos genéricos contra a errada decisão da matéria de facto, tendo o legislador optado por abrir apenas a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas as divergências dos recorrentes.

●. Assentando o exercício de uma actividade essencialmente na mão-de-obra, determinante para considerar a existência da mesma unidade económica é saber se houve manutenção do pessoal ou do essencial deste, na medida em que é esse complexo humano organizado que confere individualidade à empresa, e não tanto se se transmitiram, ou não, activos corpóreos.

●. Também não se pode afirmar uma identidade da unidade económica, antes e depois da transmissão, se falha o elemento teleológico que envolve e dá sentido ao conjunto organizado de bens, isto é, se o conjunto de bens já não está destinado a produzir, se já não produz, ele próprio perde todo o sentido.
Decisão Texto Integral:
- Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães –

I. RELATÓRIO

Nos autos supra identificados de reclamação de créditos foi proferida decisão que considerou como improcedente a impugnação dos credores L. D. e D. D., reconhecendo o direito de crédito dos trabalhadores, tal como já havia sido reconhecido pelo administrador da insolvência e devidamente discriminados.
Recurso que os recorrentes depois de o motivarem terminam com as seguintes “conclusões”:

I)- A sentença recorrida considerou improcedente a impugnação dos credores, L. D. e D. D., e reconheceu os créditos impugnados, nomeadamente no que se refere à atribuição de privilégio creditório imobiliário nos termos do estatuído no Código de Trabalho para os créditos emergentes de relações laborais, aos credores reclamantes de nºs. 1, 2, 4, 5, 7, 9, 10, 12, 13, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 24 e 25 da lista apresentada a fls. 4 a 12, padecendo a decisão – mesmo com a retificação feita pela Mª. Juiz “a quo” - de erros de julgamento quanto à apreciação da matéria de facto, mas sobretudo quanto à apreciação da matéria de direito, ao não considerar que se achava demonstrado à saciedade a inexistência de qualquer crédito e privilégio creditório imobiliário por parte daqueles que reclamaram créditos, intitulando-se trabalhadores da insolvente, demonstrado que ficou que à mesma não poderiam ter já qualquer vínculo laboral;

II)- O poder jurisdicional da Mª. Juiz “a quo” terminou com a sentença que proferiu e que foi oportunamente objeto de recurso, e aquilo que foi determinado pelo Venerando Tribunal da Relação, foi unicamente que a Mª. Juiz “a quo” ampliasse a decisão sobre a matéria de facto, a fim de ser respondido se à data da insolvência os referidos trabalhadores ainda prestavam atividade por conta e sob a orientação da empresa e se sempre foram pela mesma remunerados, pelo que não poderia a Mª. Juiz “a quo”, sem mais, ter eliminado o ponto 2º. dos factos não provados naquela decisão que havia proferido, extravasando assim os seus poderes, cometendo uma nulidade nos termos do artigo 615º. nº. 1 alínea d) do C.P.C.;

III)- Independentemente do acrescento do ponto 15º. aos factos dados como provados pela Mª. Juiz “a quo” - e sobre o qual nos debruçaremos a seguir - daquilo que consta dos autos terá de dar-se por verificada a inexistência dos referidos créditos e privilégio - por, dos factos provados, se retirar uma conclusão diversa da recorrida, havendo até factos provados em verdadeira contradição – mas até por dever de patrocínio, a esses factos voltaremos, sendo inquestionável que constam dos autos todos os elementos probatórios, o que faculta que, nos termos do artº. 640º e 662º, nº. 1 do Código de Processo Civil (para futuro CPC), o Tribunal da Relação altere a decisão sobre a matéria de facto que foi proferida em 1ª. Instância;

IV)- Não podia a Mª. Juiz “a quo” eliminar dos factos não provados o anterior ponto 2., que exarava que “que fosse a insolvente quem desde o início do contrato descontasse para a Segurança Social;”, não tendo também qualquer suporte a inclusão nos factos provados do novo ponto 15º., sendo que este ponto 15º. (onde se refere que a Empresa X é que teria pago os salários aos trabalhadores até à insolvência) está desde logo em contradição com aquele outro facto provado no ponto 12º., donde resulta que já no ano de 2012 a Empresa X não tinha capacidade para proceder a tal pagamento, havendo assim aqui uma contradição entre tais pontos da matéria de facto provada ;

V)- Não tem razão a Mª. Juiz a quo ao referir que os impugnantes não conseguiram fazer prova de que os trabalhadores exerciam as suas funções por conta de outra entidade patronal que não a insolvente, pois que o ónus da prova de que os trabalhadores exerciam atividade para a insolvente é dos trabalhadores, e logo o ónus da prova da matéria ínsita no ponto 15º. dos factos provados - porque alegada pelos trabalhadores impugnados e constitutiva dos direitos destes –e tal prova não resultou dos autos, muito pelo contrário;

VI)- Dos documentos juntos aos autos pela Segurança Social, verifica-se que a insolvente não fazia quaisquer descontos para a Segurança Social, nada pagando àquele organismo desde o ano de 2002, sendo que a existência ou não de recibos de vencimento e mapas de remunerações para a Segurança social não prova quem pagou os salários ou que foram feitos descontos para a Segurança Social, não se podendo esquecer que tais documentos foram devidamente impugnados e não resultou qualquer prova feita em contrário em audiência ;

VII)- Resultou provado nos autos que a empresa não tinha qualquer capacidade para pagar salários, não tendo tido atividade já no ano de 2012 que permitisse pagar sequer 1/3 da massa salarial da empresa, sem entrar em linha de conta com as contribuições para a Segurança Social, sendo que foi pedida a junção aos autos dos meios de pagamento utilizados no pagamento dos salários e nada foi junto aos autos, já que os mesmos não existem, pois não foi a empresa quem os pagou;

VIII)- É a própria Mº. Juiz a quo quem refere, na fundamentação da sentença que agora acrescentou à sentença, que a insolvente não tinha condições económicas para pagar os salários aos trabalhadores, e até se retira de tal fundamentação que assume que seria a outra empresa (D. F., Unipessoal, Lda.) quem pagava os salários, ainda que com o argumento de que os patrões « confundiam » as duas sociedades que faziam os pagamentos ;

IX)- Não é o facto de os trabalhadores constarem falsamente na Segurança Social como trabalhadores da Empresa X que faz com que, de facto, tais trabalhadores exercessem atividade para aquela, até porque está visto no processo que para aquele organismo não era descontado um tostão sequer pela insolvente, que nada pagava há mais de dez anos, e é evidente que aquele argumento servia apenas para a empresa D. F., Lda. poder ter funcionários ao seu serviço para trabalhar (o que lhe permitia aquela enorme faturação) sem ter de pagar contribuições à Segurança Social ;

X)- E não se diga que os depoimentos dos trabalhadores (todos eles parte no processo e testemunhas uns dos outros) poderiam servir para esclarecer esta questão, pois para além do interesse que claramente demonstraram no desfecho do processo, tiveram depoimentos claramente incongruentes e parciais, o que foi até reconhecido pela Mª. Juiz a quo;

XI)- A Mª. Juiz a quo na sua fundamentação nada de relevante refere para explicar a sua convicção quanto ao novo ponto 15 dos factos provados e eliminação do ponto 2º. dos factos não provados, apenas fazendo menção a elementos documentais (pelos vistos seriam as declarações da Segurança Social, oportunamente impugnadas, pois todos os outros documentos infirmam aquela conclusão) e testemunhas (quando também admite que os depoimentos dos trabalhadores não convencem), mais afirmando que os trabalhadores recebiam o salário da insolvente sem explicar como (pois admite que não foi possível apurar como, e que a empresa não tinha dinheiro para os pagar), razão também pela qual desconsiderar todos os elementos constantes dos autos que demonstram que a insolvente não tinha sequer atividade e capacidade para pagar os vencimentos aos funcionários, com base numa suposta boa fé dos trabalhadores ou confusão das sociedades feita pelos patrões, é verdadeiramente negar uma justiça material e verdadeira, devendo assim ser eliminado o ponto 15º. dos factos provados, e voltando a incluir-se o ponto 2º. Que constava dos factos não provados (ou seja, «que fosse a insolvente quem desde o início do contrato descontasse para a Segurança Social»);

XII)- Também os recorrentes não podem conformar-se com a decisão do Tribunal a quo de dar como não provados os pontos 1º. e 3º. Dos “factos não provados”, ou seja, ao dar como não provado “que a insolvente não exercesse qualquer atividade nesse local (ou seja, nas instalações arrendadas à empresa D. F., Unipessoal, Lda.) desde alguma dessas datas”, e que «desde 2009 os sujeitos indicados sob os nº.s 1, 2, 4, 5, 7, 9, 10, 12, 13, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 24 e 25 da lista apresentada a fls. 4 a 12 exercessem a sua atividade no prédio referido em 1) por conta e orientação da sociedade “D. F., Unipessoal, Lda”, tendo tais factos de passar para o elenco dos factos dados como provados, considerando (para além de outros elementos):
a) os documentos juntos aos autos e os depoimentos - sobretudo o depoimento de parte do gerente da insolvente - e aquilo que de tudo se devia ter inferido, fazendo uso das presunções judiciais, de acordo com as regras da experiência comum;
b) aquilo que já resulta dos factos dados como provados;
c) aquilo que resultou da restante prova produzida, nomeadamente do referido pela Mª. Juiz a quo na fundamentação da matéria de facto (página 15 da sentença), quando salienta que dos documentos juntos aos autos que:
- a insolvente face aos resultados obtidos em 2012, não tinha como pagar os salários aos trabalhadores;
- não existem suprimentos na contabilidade efetuados pelo sócio gerente da insolvente, sendo certo que se tivesse pago os salários do seu dinheiro pessoal, teria de os documentar para mais tarde receber;
- os clientes da insolvente passaram para a sociedade D. F., Unipessoal, Lda.;
- a partir de 2010 a insolvente não tinha fornecedores;
- a sociedade D. F., Unipessoal, Lda. Só começou a ter funcionários inscritos em 05/09/2013.

XIII) Através da análise de toda a prova apresentada a juízo (elementos dos quais se extraíram os factos dados como provados), pode comprovar-se que não foi a insolvente que pagou salários aos credores reclamantes cujos créditos foram impugnados, tendo sido mesmo insistentemente solicitados à insolvente e ao Sr. Administrador de Insolvência comprovativos de pagamento de salários aos supostos trabalhadores, e os mesmos nunca foram apresentados, por inexistirem (já que não havia pagamentos por parte da insolvente), sendo porém certo que, constituindo o suposto pagamento dos salários por parte da insolvente matéria alegada pelos credores impugnados como facto constitutivo dos seus direitos, a falta de prova por parte daqueles desse facto constitutivo dos seus direitos terá de ser julgada em desfavor da sua tese;

XIV)- A sociedade D. F., Unipessoal, Lda., passou a trabalhar com o parque de máquinas que pertenciam à insolvente (que adquiriu); passou a trabalhar com os clientes que antes eram da insolvente; passou a suportar os custos com a utilização do edifício arrendado (nomeadamente energia elétrica); e passou a ter um grande volume de faturação (embora sem funcionários inscritos) – conforme resulta dos balancetes de fls. 1677 e segs., sendo que analisando os balancetes juntos aos autos, relativos à insolvente, por um lado, e relativos à empresa D. F., Unipessoal, Lda., por outro lado, o que se verifica é que, enquanto a primeira deixa de faturar e ter atividade, a segunda aumenta a sua faturação exponencialmente, ao ponto de em 2011 apresentar vendas de mais de cerca de € 950.000,00 (conforme rúbrica 70 dos balancetes).

XV) Se a insolvente não tinha volume de negócio que facultasse o pagamentos dos salários dos reclamantes de nº.s 1, 2, 4, 5, 7, 9, 10, 12, 13, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 24 e 25 da lista apresentada a fls. 4 a 12 (como foi referido pela Mª. Juiz “a quo” na fundamentação da matéria de facto, quando refere que a insolvente “não tinha como pagar os salários dos trabalhadores”) e os salários se achavam pagos, então, para além de ter de eliminar-se o ponto 15º. dos factos provados agora acrescentado e incluir-se novamente o ponto 2º. dos factos não provados que foi eliminado, tem de ser dado por provado que “não foi a insolvente que pagou os salários dos sujeitos reclamantes de nº.s 1, 2, 4, 5, 7, 9, 10, 12, 13, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 24 e 25 da lista apresentada a fls. 4 a 12”;

XVI) Foi junto aos autos um contrato de arrendamento pela empresa D. F., Unipessoal, Lda. – conforme documentos de fls. 1661 a 1663 - donde se verifica que, depois de aquela empresa ter passado a utilizar a totalidade do edifício em causa nos autos mediante um contrato de subarrendamento em 2009, veio a tomá-lo diretamente de arrendamento em Janeiro de 2012, resultando de tal contrato que aquela empresa estava autorizada a pedir o averbamento da licença de exploração do estabelecimento para o seu nome, tendo estes factos, que resultaram da prova que se veio a fazer no julgamento - e demonstram também que a insolvente não poderia já ali exercer qualquer atividade - de ser levados também à matéria de facto provada;

XVII)- Analisados os documentos da contabilidade das empresas, verifica-se que a partir do momento em que a empresa D. F., Unipessoal, Lda. tomou o edifício de subarrendamento, em 2009 (e depois de arrendamento), passou a pagar a totalidade da eletricidade do local, nunca mais tendo a insolvente pago qualquer energia, o que evidencia também que quem exercia ali atividade era a nova empresa, conforme se pode ver dos balancetes juntos aos autos, nomeadamente, a título de exemplo, a fls. 1677 e 1683, na rúbrica 22110183 (relativamente à empresa D. F., Unipessoal, Lda.), e a fls. 609 (relativamente à empresa Empresa X, Lda.), onde se lê que a insolvente, não só deixou de pagar eletricidade do imóvel – como já dito – como, na prática, deixou de ter fornecedores, muito embora tenha mantido o contabilista e o advogado (que, por sinal, são exatamente os mesmos da empresa D. F., Unipessoal, Lda.), tendo estes factos, que resultaram da prova que se veio a fazer no julgamento, de ser levados também à matéria de facto provada;

XVIII)- A empresa D. F., Unipessoal, Lda. junta também aos autos, para além de comprovativos de pagamento da renda enquanto subarrendatária, recibos de pagamento da renda relativos àquele contrato de arrendamento, e afirma no requerimento que junta aos autos que os mesmos se destinam «para prova da ocupação do imóvel», tendo também estes factos, que resultaram da prova que se veio a fazer no julgamento, de ser levados também à matéria de facto provada;

XIX) Resultou também da prova produzida que a dita D. F., Unipessoal, Lda. só passou a ter funcionários inscritos ao seu serviço após a declaração de insolvência da Empresa X, e precisamente funcionários que vieram aos autos reclamar créditos como supostamente trabalhando para a Empresa X, tendo também estes factos, que resultaram da prova que se veio a fazer no julgamento, de ser levados à matéria de facto provada;

XX) A testemunha A. C., agente de execução e que prestou depoimento no dia 03/12/2014, conforme depoimento gravado no sistema H@bilus Media Studio de 00:00:01 a 00:25:00, no dia 13/12/2014 foi a agente de execução que se deslocou ao edifício da insolvente para realizar uma diligência de penhora, confirmou na íntegra tudo quanto consta dos autos que se encontram juntos ao requerimento inicial de impugnação, nomeadamente que quando se deslocou ao edifício para fazer a penhora dos bens móveis, em Fevereiro de 2012, o gerente da insolvente referiu que quem laborava nas instalações do edifício onde outrora havia laborado a insolvente era a empresa D. F., Unipessoal, Lda. (ou seja, a empresa da esposa daquele gerente), tendo exibido um contrato de subarrendamento, referindo esta testemunha que o Sr. A. M. lhe referiu que as instalações não eram ocupadas pela Empresa X, mas pela empresa da esposa (veja-se minutos 03:30 a 03:50 do depoimento da testemunha), informação que é corroborada pela contabilidade da insolvente;

XXI)- Referiu ainda esta testemunha que foi novamente ao imóvel em Maio de 2013 e que o Sr. A. M. (gerente da insolvente) referiu mais uma vez que a insolvente não estava a laborar e quem ali laborava era a outra empresa (D. F., Lda.), conforme depoimento no local citado, de minutos 04:50 a 07:15, 08:30 a 08:50, 12:15 a 12:30, 16:35 a 16:55, não fazendo a Mª. Juiz “a quo” sequer referência a tal depoimento, completamente espontâneo e credível, e não verte nos factos provados tal matéria, com grande relevância;

XXII) De tal depoimento resulta que, já em Fevereiro de 2012 o gerente da insolvente afirmou – e ficou consignado no auto, confirmado por esta testemunha – que quem trabalhava naquele edifício, onde em tempos laborou a insolvente, era uma outra empresa (aquela D. F., Unipessoal, Lda.), afirmações que o gerente da insolvente quis negar no seu depoimento de parte, mas que a Srª. Agente de Execução confirmou no seu depoimento com toda a clareza, e por isso tal matéria deverá ser levada aos factos dados como provados, acrescentando-se um novo facto aos factos provados do seguinte teor:
Quando se deslocou ao edifício da insolvente a agente de execução A. C. para fazer a penhora dos bens da insolvente, por duas ocasiões, antes da declaração de insolvência, foi-lhe referido pelo Sr. A. M. (gerente da insolvente) que a empresa não laborava naquele espaço e que quem ali exercia atividade era a empresa D. F., Unipessoal, Lda.;

XXIII)- Toda esta matéria também tem a capacidade de produzir que se tenha por provado que, pelo menos desde 2009, os sujeitos reclamantes acima referidos (os trabalhadores) não podiam prestar serviços sob direção e orientação da insolvente, já que a mesma não laborava, e por isso tem de se ter por provado (alterando-se o que foi tido por não provado em sede de decisão da matéria de facto):
“que a insolvente não exercia qualquer atividade no imóvel de sua propriedade, pelo menos desde 2009”
E “ que desde 2009 os sujeitos indicados sob os nº.s 1, 2, 4, 5, 7, 9, 10, 12, 13, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 24 e 25 da lista apresentada a fls. 4 a 12 exerciam a sua atividade no prédio referido em 1) por conta e orientação da sociedade “D. F., Unipessoal, Lda”.”

XXIV)- Tendo em conta o supra referido, da matéria dada por provada na sentença recorrida, e de tudo mais que ficou demonstrado, pela prova produzida terá de dar-se como provado o facto de que “a insolvente transmitiu o seu estabelecimento para a sociedade D. F., Unipessoal, Lda”;

XXV)- Dispõe o artº. 349º. do Código Civil (de aqui em diante apenas referido por CC) que “presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido”, e, conforme escreve Manuel de Andrade (in “Noções Elementares de Processo Civil”, Coimbra Editora, 1979, pág. 215) a prova por presunções “é a prova por indução ou inferência (prova conjetural) a partir dum facto provado por outra forma – e não destinado a representar nem mesmo a indicar (como o sinal ou contramarca) o facto que constitui o thema probandum”;

XXVI)- As presunções distinguem-se em legais e naturais, sendo que as legais ou de direito são as estabelecidas pela própria lei, vinculando a liberdade de apreciação do juiz (artº 350º. do CC), e as naturais, de facto ou judiciais são as que resultam da experiência, do curso ou andamento natural das coisas, da normalidade dos factos, sendo livremente apreciadas pelo juiz (artº 351º. do CC), sendo que estas últimas assentam no simples raciocínio de quem julga, inspirando-se nas máximas da experiência, nos juízos correntes de probabilidade, nos princípios da lógica ou nos próprios dados da intuição humana;

XXVII)- O artº 351º do CC prevê expressamente a possibilidade do juiz estabelecer presunções judiciais, as quais só são admitidas nos casos em que é admitida a prova testemunhal - neste sentido o referido por J. T. Ramos Pereira in Revista “O Advogado”, sob o título “Presunções Judiciais – o que são?”, II Série, nº. 24, Abril de 2006, “(…) ao proferir a sentença, o juiz deve tomar em consideração os factos admitidos por acordo, os provados por documento ou confissão reduzida a escrito e os que sejam passíveis de ser aferidos por presunção judicial ou legal, dos factos provados, dos factos notórios e de conhecimento oficioso (…)”;

XXVIII)- No caso dos autos, considerando a matéria de facto dada como provada, e o que resulta dos documentos juntos aos autos, facilmente se pode presumir que a insolvente não poderia exercer atividade no local que arrendou à empresa D. F., Unipessoal, Lda.; e que os credores cujos créditos foram impugnados, trabalhavam no prédio em questão, mas para a empresa D. F., Unipessoal, Lda., senão vejamos:
- as instalações onde outrora funcionou a empresa Empresa X, Lda. foram, primeiro (em 2009) dadas de subarrendamento total à empresa D. F., Unipessoal, Lda. e, depois (em Janeiro de 2012) dadas de arrendamento à mesma empresa;
- a empresa D. F., Unipessoal, Lda., desde 2009 pagou a renda pela ocupação daquele local;
- em Janeiro de 2011 todos os bens móveis da insolvente foram adquiridos pela empresa D. F., Unipessoal, Lda.;
- em Fevereiro de 2012 não foi possível realizar a penhora de bens da Empresa X, Lda. por, já nessa altura, aquela empresa não possuir qualquer bem, que já haviam passado para a empresa D. F., Unipessoal, Lda. em Janeiro de 2011 (e veio a confirmar-se no âmbito do processo de insolvência que a Empresa X, de facto, não tinha bens);
- a Empresa X não tinha receitas para pagar o salário a trabalhadores;
- foram pedidos comprovativos de pagamento de salário (os meios de pagamento) e não foram juntos, por inexistirem, tendo o Sr. Administrador de Insolvência confirmado essa inexistência e a falta de dinheiro na insolvente para pagar os salários;
- os clientes e fornecedores que eram da Empresa X, Lda. passaram para a empresa D. F., Unipessoal, Lda.;
- a partir de 2010 a Empresa X não tinha fornecedores;
- não havia salários em dívida (logo, se estavam pagos e a insolvente não tinha capacidade de os pagar, só a empresa D. F., Unipessoal, Lda. o poderia ter feito);
- apesar de a Empresa X não ter volume de negócios em 2012 e 2013, os credores afirmam perentoriamente nos seus depoimentos que nunca estiveram sem trabalhar e continuaram a exercer a actividade normalmente;
- conforme consta do auto de diligência junto à impugnação, e confirmado pela testemunha A. C. (conforme depoimento no local supra citado), em Maio de 2013, foi referido àquela agente de execução pelo gerente da Empresa X que esta empresa “não está a laborar sendo que não cessou a atividade por existirem dívidas”;

XXIX)- Partindo da base supra (base da presunção, constituída pelos factos conhecidos), a atividade lógico-experiencial de indução tem de levar necessariamente à conclusão de que a insolvente - que não tinha quaisquer bens para trabalhar desde Janeiro de 2011 (data em que foram vendidos) e que tinha subarrendado as instalações a outra empresa já em 2009 - não exercia atividade pelo menos desde Janeiro de 2011;

XXX)- Partindo da mesma base, se a insolvente não tinha capacidade para pagar salários (e também não havia suprimentos dos sócios para o efeito), se os credores (trabalhadores) estavam a trabalhar nas instalações que estavam arrendadas à empresa D. F., Unipessoal, Lda., se esta empresa passou a trabalhar naquelas instalações, com as máquinas, os clientes e fornecedores que eram da Empresa X, Lda., e se os salários estavam em dia, outra conclusão não se pode retirar que não seja a de que os credores em questão estavam a trabalhar por conta e orientação da sociedade “D. F., Unipessoal, Lda.”.

XXXI)- Por isso, tendo em conta o referido, quanto mais não seja com base nesta presunção, natural, lógica e que resulta de todas as regras da experiência, além de dever passar a constar dos factos provados (retirando dos factos não provados) os pontos 1º. e 3º. dos factos não provados, tem de ser aditado ao elenco dos factos provados o de que “o estabelecimento da insolvente foi transmitido à sociedade D. F., Unipessoal, Lda.”, sendo que a Mª. Juiz “a quo” admite até, na fundamentação da matéria de facto, ter existido uma transferência do estabelecimento da insolvente para a empresa D. F., Unipessoal, Lda., afirmando nomeadamente que tal visou diminuir o património da insolvente;

XXXII)- Não colhe qualquer aceitação o entendimento da Mª. Juiz “a quo” quando, após apurar todos os factos que conduzem ao que supra foi descrito – a de que os ali identificados credores reclamantes trabalhavam para outra entidade que não a insolvente – legitimou a reclamação com o facto de os sujeitos identificados nos nºs 1, 2, 4, 5, 7, 9, 10, 12, 13, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 24 e 25 da lista apresentada a fls. 4 a 12 não terem consciência da alteração de titularidade na sua entidade empregadora;

XXXIII)- Como referiu a Mª. Juiz “a quo” na sentença, os requeridos eram testemunhas uns dos outros, demonstrando um verdadeiro interesse no desfecho do assunto, e a “estratégia” que usaram foi no sentido de fazer crer ao Tribunal que a D. D. F. (sócia gerente da empresa D. F., Unipessoal, Lda. e mulher do Sr. A. M. , gerente da Empresa X, Lda.) depois de ter deixado de ser funcionária da Empresa X, Lda. (e ter constituído a empresa D. F., Unipessoal, Lda.) deixou de comparecer na empresa e só lá aparecia esporadicamente (!!!), mas porque a “mentira tem perna curta”, os requeridos acabaram por se desmentir uns aos outros nos seus depoimentos – como resulta da fundamentação
da sentença - e o que dali resultou foi que, efetivamente, a D. D. F. continuou a exercer atividade naquelas instalações, embora como gerente da nova empresa que passou a explorar aquele estabelecimento, para quem os credores exerciam atividade, o que demonstra que a falta de consciência da alteração de titularidade na sua entidade empregadora por parte dos trabalhadores não existiu, sem prejuízo de essa consciência (ou falta dela) nem sequer ser pressuposto para ter existido a transferência do estabelecimento;

XXXIV)- Não se diga, para justificar o defendido pelos credores impugnados, que os mesmos foram despedidos pelo Sr. Administrador de Insolvência, pois que, como o mesmo referiu no seu depoimento de parte, no dia 13/11/2014 – conforme depoimento gravado no sistema Habilus Media Studio de 00:00:01 a 00:42:39, mais precisamente de minutos 01:45 a 02:15; 03:20 a 03:35; 30:00 a 31:10) – o Sr. Administrador de Insolvência só conhecia o que resultava dos documentos, nomeadamente na Segurança Social, e emitiu as declarações para o desemprego porque as trabalhadoras lhe pediram, desconhecendo se as mesmas trabalhavam de facto para a insolvente, sendo que quando foi fazer a apreensão de bens da empresa, não havia nada no edifício em causa, referindo que o gerente da Empresa X lhe havia referido que os trabalhadores haviam passado para a outra empresa, embora nunca lhe quisesse explicar a situação (minutos 24:50 a 26:50);

XXXV)- Os trabalhadores de uma empresa praticam durante um dia de trabalho inúmeras operações que os ligam ao nome da sua empresa: atendem clientes e fornecedores; trabalham com notas de encomenda, fáturas e guias; recebem o pagamento do seu salário; recebem e pagam contas; abrem correspondência; atendem a inúmeras intendências, e se esta realidade é verdadeira e se aplica a todas as empresas, maior premência tem em empresas familiares de província como é o caso da insolvente e da D. F., Unipessoal, Lda.;

XXXVI)- Criar a solução jurídica de que os créditos impugnados têm de receber o tratamento de um crédito laboral porque a relação familiar dos gerentes das empresas foi obstáculo a que os trabalhadores tivessem a perceção de que tinha sido mudada a sua entidade empregadora é considerar o menos para desconsiderar o mais, não podendo o Tribunal a quo decidir que trabalhadores que convivem (todos) num exíguo espaço empresarial, se justifiquem com o facto de “como são todos família não sabemos quem é patrão” quando tudo o que ficou dito nos autos apontam para conhecimento contrário;

XXXVII)- É exatamente isso que os recorrentes não aceitam, sob pena de se converter em letra morta o disposto no artº. 333º do Código do Trabalho (de aqui em diante apenas mencionado por CT) e a intenção do legislador distinguir quem é trabalhador - e como tal goza de privilégio creditório no pagamento dos seus créditos sobre o insolvente – daqueles que o não são;

XXXVIII)- Os recorrentes entendem que o Tribunal a quo enquadrou, incorretamente, os factos dados como provados no regime estabelecido no artº. 333º do CT., e isto porque, além do mais, desprezou tudo o que vai dito nos artº.s 11º, 12º. e 285º do mesmo diploma com que o dito artº. 333º tem de harmonizar a sua aplicação.

XXXIX)- O artº. 333º do CT determina que: “1 – Os créditos do trabalhador emergentes de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação gozam dos seguintes privilégios creditórios: a) Privilégio mobiliário gera; b) Privilégio imobiliário especial sobre bem imóvel do empregador no qual o trabalhador presta a sua atividade”, pelo que no caso dos autos há que começar por se analisar se existe contrato de trabalho; para de seguida se apreciar a quem prestam os trabalhadores a sua atividade;

XL)- Dispõe o artº. 11º do CT que se está perante um contrato de trabalho quando uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade a outra, no âmbito de organização e sob a autoridade desta, sendo que este é, pois, não só o primeiro elemento a apreciar no caso dos autos, como aquele que tem a virtuosidade de responder à pergunta se os credores reclamantes trabalhavam para a insolvente (já que não basta caraterizar o vínculo dos reclamantes como vínculo laboral; há que o caraterizar, com os reclamantes, como trabalhadores, numa parte, e com a insolvente, como empregadora, na outra);

XLI)- i) Considerando que ficou provado (e nesta sede sem que se atenda ao que se requer em sede de recurso que seja dado por provado) que:
a)- a insolvente encontra-se em situação de falência técnica desde 2009, ano em que o passivo já era muito superior ao seu ativo (facto 1º. Provado);
b)- No edifício que pertence à insolvente encontra-se a funcionar a empresa D. F., Unipessoal, Lda., a qual pertence e é representada pela cônjuge do gerente da insolvente, sociedade esta que tem o mesmo objeto social da insolvente (facto 2º provado);
c) Já em Fevereiro de 2012, no âmbito de uma diligência de penhora de bens móveis no edifício pertencente à insolvente, a diligência não se realizou em virtude de a insolvente já não ter quaisquer bens, pelo facto de os mesmos terem sido adquiridos por aquela empresa D. F., Unipessoal, Lda., empresa esta que tem o mesmo objeto e que exerce atividade no edifício propriedade da insolvente (factos 3º. e 4º provados);
d) A utilização pela D. F., Unipessoal, Lda. do edifício pertencente à insolvente achava-se titulada por contrato de subarrendamento datado de 1 de Julho de 2009, tendo a arrendatária dado de subarrendamento total o prédio àquela D. F., Unipessoal, Lda. (factos 6º e 7º. provado);
e) D. F. exerceu atividade na insolvente até 31/03/2009, altura em que constituiu a empresa D. F., Unipessoal, Lda., que depois passou a ser a subarrendatária do edifício da insolvente (facto provado 9º.);
f) Em janeiro de 2011, todos os bens móveis da insolvente foram adquiridos pela empresa D. F. Unipessoal, Lda. (facto 10º provado);
g) O volume de negócios da insolvente sofreu uma quebra ao longo dos anos e, em 2012, teria sido de € 38 965,00 (facto 12º provado);
h) Os credores reclamantes exerciam desde 2009 as suas respetivas atividades no edifício que estava subarrendado à empresa D. F., Unipessoal, Lda. (facto 14º provado);
i) A sociedade D. F., Unipessoal, Lda. labora com os mesmos equipamentos com que laborava a insolvente e com os clientes que foram daquela (facto 16º provado);
ii) considerando que, nos termos do supra citado artº. 11º do CT, para que o contrato possa ser tido por contrato de trabalho, o trabalhador tem de prestar serviço, no âmbito de uma organização (a antiga “direção” de que falava o CT de 2003) e sob a autoridade do empregador, auferindo, por tal, um vencimento; tudo só pode levar à conclusão de que os reclamantes trabalhavam sim, mas só o poderiam fazer para a sociedade D. F., Unipessoal, Lda., já que as instalações onde os reclamantes se dirigiam para prestar serviço estavam arrendadas àquela; as máquinas eram daquela, os clientes também; assim se presumindo que tudo o demais.

XLII)- O referido nas conclusões anteriores, aliado ao também provado de que a insolvente não dispunha de volume de negócios que facultasse tal pagamento e ainda o facto de não existirem elementos nos autos que permitam provar que era a insolvente quem pagava os salários e que descontava para a Segurança Social, prova essa que competia aos trabalhadores, tudo conduz à perentória afirmação de que inexiste qualquer contrato de trabalho entre os reclamantes e a insolvente porque inexistem presentes os elementos que caraterizam o contrato como tal, inexistindo:
a) a prova de que a insolvente pagava a retribuição aos credores referidos;
b) a prova de que a insolvente – que não tem máquinas ou quaisquer outros bens e havia arrendado o edifício a outra empresa – tivesse uma “organização” para poder laborar.

XLIII)- Não há dúvida que a atividade desenvolvida pelos reclamantes tem a natureza de uma relação de trabalho dependente, nem se põe em crise que essa relação tem por base diferentes vínculos contratuais celebrados, todos e cada um deles, em data anterior à da constituição da sociedade D. F., Unipessoal, Lda., e pode até afirmar-se que no momento da celebração de alguns desses contratos de trabalho, como empregador figurou a empresa insolvente, mas competia ao Tribunal a quo, depois de percorrido o percurso que se percorreu nesta sede, encontrar a resposta para esta situação (mas dentro do que são as normas e as regras da legislação laboral e não deambulando por institutos como a desconsideração de personalidade jurídica que, se bem que muito útil para enquadrar situações que de outra forma ficariam a “descoberto” da Lei, aqui não têm âmbito de aplicabilidade);

XLIV)- Entendeu mal a Mª. Juiz “a quo” que, recorrendo à presunção de contrato de trabalho constante do artº 12º do CT, não competia aos credores cujos créditos foram impugnados provar a existência do contrato de trabalho com a insolvente e que competia, portanto, aos apelantes (na sua condição de credores impugnantes) elidir a presunção de laboralidade, e daí dá o salto para chegar à errada conclusão de que o contrato de trabalho existente era com a insolvente, cumprindo porém salientar que aquele artº 12º do CT serve apenas para definir critérios orientadores que possam demonstrar a existência de contrato de trabalho e, através desses critérios, poder concluir-se também quem é que beneficia dessa atividade;

XLV)- Diz o citado artº 12º do CT que “Presume-se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre a pessoa que presta uma atividade e outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem algumas das seguintes características”, elencando depois em diversas alíneas factos que podem levar a entender-se que existe um contrato de trabalho celebrado entre um trabalhador e um empregador, sendo por isso importante começar logo pela questão de perceber quem é que, afinal, beneficia da atividade dos trabalhadores, antes de entrar nas questões das diversas alíneas deste artigo, já que, como resulta dos factos provados, nunca poderia ser a insolvente a beneficiar da atividade dos trabalhadores, já que, além do mais, esta não tinha máquinas para trabalhar (que eram da empresa arrendatária do espaço), não tinha clientes (que passaram para a outra empresa), não tinha fornecedores, e a insolvente também não pagava os salários aos trabalhadores;

XLVI)- Entrando nas diversas alíneas daquele artº 12º, temos que, desde logo, o previsto na alínea a) não pode levar à conclusão de que exista algum contrato entre os trabalhadores e a Empresa X, Lda., já que leva precisamente à conclusão de que o trabalho era prestado para empresa que ocupava aquele local como arrendatária, ou seja, D. F., Unipessoal, Lda., pelo que, se os trabalhadores ali exerciam atividade, só poderia ser para essa empresa, o mesmo se dizendo relativamente à alínea b), já que os equipamentos não eram pertença da insolvente, mas da empresa D. F., Unipessoal, Lda., o que mais uma vez leva a presumir que os credores trabalhavam para a empresa D. F., Unipessoal, Lda., e sendo as alíneas c) e e) do aludido preceito, para o que aqui relevaria, inócuas, quanto à alínea d), aquilo que resultou do processo é que os salários estavam em dia, mas – ao contrário do alegado pelos credores impugnados - não era a insolvente quem os pagava, pois não tinha sequer capacidade para isso;

XLVII)- Por isso, a aplicação do artº 12º do CT, leva precisamente a uma conclusão inversa daquela a que chegou a Mª. Juiz “a quo”, ou seja, leva à concussão de que os credores cujos créditos foram impugnados trabalhavam para a sociedade D. F., Unipessoal, Lda.;

XLVIII)- Referiu a Mª. Juiz “a quo” na fundamentação da sentença, depois de entender ser aplicável a presunção de laboralidade ao caso, que não tinha dúvidas que os trabalhadores detinham contrato com a Empresa X e que desempenhavam funções para esta à data da declaração de insolvência, mas para além de tal ser desmentido por todos os elementos que constam do processo, foi confirmado no processo que o próprio gerente da insolvente afirmou e documentou à agente de execução que ali se deslocou, por duas vezes, antes da declaração de insolvência, que quem ali trabalhava era a empresa D. F., Lda. e que a Empresa X não estava a laborar;

XLIX)- Cabia aos credores impugnados fazer a prova, e demonstrar que o contrato de trabalho existia, mais lhes competindo provar para quem trabalhavam, e o recurso à presunção do artº 12º do CT não conduz à conclusão de que havia uma relação laboral entre a insolvente e os credores impugnados, muito pelo contrário, todos os factos que se conseguem apurar para enquadrar aquela presunção, através do preenchimento das suas diversas alíneas, levam à conclusão de que esse trabalho era prestado para a empresa D. F., Unipessoal, Lda.;

L)- O artº. 285º do CT diz que – 1 – Em caso de transmissão, por qualquer título, da titularidade de empresa, ou estabelecimento ou ainda de perda de empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, transmitem-se para o adquirente a posição do empregador nos contratos de trabalho dos respetivos trabalhadores, bem como a responsabilidade pela coima aplicada pela prática de contraordenação laboral.”, referindo o nº. 5 do mesmo artº que “Considera-se unidade económica o conjunto de meios organizados com o objetivo de exercer uma atividade económica, principal ou acessória.”, ou seja, o C.T. responde àquilo que não é possível retirar da decisão recorrida, estabelecendo de forma clara como atuar no caso descrito nos autos (e nos factos supra): A transmissão de equipamentos e clientes da insolvente para a sociedade D. F., Unipessoal, Lda., só por si, consubstancia
transmissão de estabelecimento;

LI)- Como da letra (e do espírito) da Lei redunda, a transmissão pode operar-se “por qualquer meio” e pode versar parte do estabelecimento, nem sequer sendo elemento necessário que as instalações onde o “novo” estabelecimento labora não sejam partilhadas com terceiros (outros centros de custos autónomos), decorrendo assim deste regime que, nos casos de transmissão da titularidade do estabelecimento ou da ocorrência de quaisquer atos ou fatos que envolvam a transmissão da sua exploração, não é afetada a subsistência dos contratos de trabalho, nem o respetivo conteúdo, sendo certo que a legislação codicística alargou as referências ao âmbito do fenómeno transmissivo, na medida em que qualificou como transmissão, para efeitos da sujeição àquele regime, não apenas a mudança da titularidade da empresa ou do estabelecimento, por qualquer título (isto é, uma transmissão definitiva, por efeito de trespasse, fusão, cisão ou venda judicial), mas também a transmissão, a cessão ou a reversão da exploração da empresa ou do estabelecimento, sem alteração da respetiva titularidade, isto é, uma transmissão das responsabilidades de gestão, a título temporário;

LII)- Neste âmbito da influência da mudança dos titulares das empresas nos contratos de trabalho vigentes com os trabalhadores que nas mesmas prestam serviço, foram também emitidas normas de direito comunitário, concretamente a Diretiva nº 77/187/CEE do Conselho de 14 de Fevereiro de 1977 relativa à aproximação das legislações dos Estados-membros respeitantes à manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de transferência de empresas, estabelecimentos ou partes de estabelecimentos (Jornal Oficial L 61 de 5 de Março de 1977, p. 26), diploma que veio a ser alterado pela Diretiva nº 98/50/CE do Conselho de 29 de Junho de 1998 (JO L 20 de 17 de Julho de 1998, p. 13) e substituída pela Diretiva nº 2001/23/CE do Conselho de 12 de Março de 2001 (JO L 20 de 22 de Março de 2001, p. 16). Esta última Diretiva foi transposta para a ordem interna pela Lei nº 99/2003, de 27 de Agosto, que aprovou o Código do Trabalho de 2003, bem como pela Lei nº 7/2009, que aprovou o Código do Trabalho atualmente em vigor [alínea l) do artº 2.º];

LIII)- No que diz respeito aos conceitos jurídicos de “transmissão” e de “empresa ou estabelecimento”, o artº 285.º do Código não estabelece uma definição (ao invés do que sucede com conceitos pressupostos noutros institutos do código), limitando-se a dar um contributo para definição do segundo conceito ao descrever em que consiste uma “unidade económica”, sendo que os termos que usa para aludir à “transmissão”, explicitando que a mesma se pode operar “por qualquer título” (n.º 1) demonstram que se pretendeu consagrar um conceito amplo de transmissão do estabelecimento nele se englobando todas as situações em que se verifique a passagem do complexo jurídico-económico em que o trabalhador está empregado para outrem, seja a que título for;

LIV)- A jurisprudência vem entendendo, mesmo à luz do artº 37.º da LCT, que se abarcam até os casos de transmissão ou cessão da exploração inválidos, na medida em que a destruição do negócio pelo qual o estabelecimento foi transmitido ou passou a ser explorado por outrem a qualquer título não obsta à eficácia dos contratos de trabalho com o transmissário relativamente ao tempo em que os mesmos foram executados, bem como os casos de mera transmissão de facto, resulta do preâmbulo da Diretiva 2001/23/CE do Conselho, já citada, que o conceito jurídico de transferência consagrado no seu artº 1º não “alterou o âmbito de aplicação da Diretiva 77/187/CEE, tal como era interpretado pelo Tribunal de Justiça”. Ora, na alínea b) do mencionado artº 1º “esclarece-se” que há transferência (para outro empregador) de uma empresa, estabelecimento ou parte de empresa ou estabelecimento quando o objeto da transmissão seja “qualquer entidade económica que mantenha a sua identidade, entendida esta como um conjunto de meios organizados, com o objetivo de prosseguir uma atividade económica, seja ela essencial ou acessória”, e em literal consonância com a Diretiva nº 2001/23/CE do Conselho, o artº 285º do CT define a “unidade económica”, como “o conjunto de meios organizados com o objetivo de exercer uma atividade económica, principal ou acessória”.

LV)- De acordo com a jurisprudência do TJCE, o critério fundamental para a aplicação da diretiva comunitária é o de saber se há uma entidade que desenvolve uma atividade económica de modo estável e se essa entidade, depois de mudar de titular (ainda que sem vínculo negocial entre o transmitente e o transmissário), sobreviveu e manteve a sua identidade, sendo que determinar se a entidade económica subsiste, é tarefa que, como refere o Conselheiro Júlio Gomes, “exige a ponderação, no caso concreto, de uma série de fatores, entre os quais se contam o tipo de estabelecimento, a transmissão ou não de elementos do ativo, mas também o valor dos elementos imateriais no momento da transmissão, a continuidade da clientela, a manutenção do pessoal (ou do essencial deste), o grau de semelhança entre a atividade exercida antes e depois e a duração de uma eventual interrupção da atividade”.

LVI)- Os critérios enunciados pelo Tribunal de Justiça mostram uma crescente independência face a critérios próprios do direito comercial, bem como a superação de uma perspetiva predominantemente material do estabelecimento (que atribui grande importância, v.g., à transmissão de elementos do ativo, designadamente bens patrimoniais que constituem o suporte do exercício de uma atividade) e que corresponde a uma visão clássica da empresa, vindo-se contudo exigindo que a transferência – que se pode operar por qualquer título e mesmo sem relações contratuais diretas entre cedente e cessionário – deve ter por objeto uma entidade económica organizada de modo estável, ou seja, deve haver um conjunto de elementos que permitam a prossecução, de modo estável, de todas ou de parte das atividades da empresa cedente;

LVII)- Já ao abrigo do artº 37º. da L.C.T. - sob a epigrafe Transmissão do Estabelecimento, o artº 37.º estipulava que, configurando-se uma transmissão do estabelecimento ou da sua exploração, verificava- -se uma sub-rogação ex lege (cf. MOTA PINTO, Cessão da Posição Contratual, Atlântida Editora, Coimbra, 1970, p. 90) ou, por outras palavras, uma «transferência da posição contratual [laboral] ope legis» (cf. PEDRO ROMANO MARTINEZ, Direito do Trabalho, 1.ª edição, Almedina, Coimbra, 2002, p. 682), que prescindia do assentimento do trabalhador, e operava a transferência da relação jurídica emergente do seu contrato de trabalho para a esfera jurídica de uma nova entidade patronal, distinta daquela com quem o trabalhador configurou inicialmente a sua relação laboral;

LVIII)- Tal como se afirmou no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 24 de Maio de 1995 (Coletânea de Jurisprudência – Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Ano III, tomo II, 1995, p.295) consagrou-se «neste normativo o princípio de que a transmissão do estabelecimento não afeta, em regra, a subsistência dos contratos de trabalho, nem o respetivo conteúdo, tudo se passando, em relação aos trabalhadores, como se a transmissão não houvesse tido lugar. De facto, não ocorrendo as exceções previstas naquele preceito, a transmissão, por qualquer título, do estabelecimento onde os trabalhadores desempenham a sua atividade laborativa não influi nos respetivos contratos de trabalho, que se mantêm inalteráveis, assumindo o adquirente todos os direitos e obrigações emergentes dos contratos de trabalho celebrados com o anterior empregador.»;

LVIX)- O regime de transmissão do estabelecimento assenta, pois, na conceção de empresa como comunidade de trabalho, com vida independente da dos seus titulares, e corresponde, no plano do direito laboral, à efetiva concretização do princípio da conservação do negócio jurídico — cf. JOSÉ MARIA RODRIGUES DA SILVA, «Modificação, Suspensão e Extinção do Contrato de Trabalho», Direito do Trabalho, B.M.J., Suplemento, Lisboa, 1979, p. 195);

LX)- No dizer de PEDRO ROMANO MARTINEZ (ob. cit., p. 682), «transmitido o estabelecimento, o cessionário adquire a posição jurídica do empregador cedente, obrigando-se a cumprir os contratos de trabalho nos moldes até então vigentes. Isto implica não só o respeito do clausulado de tais negócios jurídicos, incluindo as alterações que se verificaram durante a sua execução, como de regras provenientes de usos, de regulamento de empresa ou de instrumentos de regulamentação colectiva […]; no fundo, dir-se-á que a transmissão não opera alterações no conteúdo do contrato.», sendo que tal é, na essência, o que decorre da transmissão da relação laboral, ligada ao estabelecimento, a qual opera ope legis, ficando o adquirente da unidade empresarial sub-rogado ex lege, obrigatoriamente, na posição contratual do anterior titular, sendo este, aliás, o sentido e o alcance do n.º 1 do artº 3.º da antedita Diretiva n.º 77/187/CEE, que se manteve nas Diretivas n.º 98/50/CE e n.º 2001/23/CE, ao estipular que «[o]s direitos e obrigações do cedente emergentes de um contrato de trabalho ou de uma relação de trabalho existentes à data da transferência de empresas, estabelecimentos ou partes de estabelecimentos são, por este facto, transferidos para o cessionário»;

LXI)- A jurisprudência, já desde o então artº 37º da LCT e acolhida no artº 318º do C.T., e depois 285º. do C.T., vem de forma uniforme adotando uma conceção ampla de transmissão de estabelecimento com fundamento na ratio legis dos citados preceitos;

LXII)- Como é referido no Ac. da Relação do Porto de 10/01/2011 – com paralelismo no caso dos autos - “O conceito de transmissão de estabelecimento não depende da existência de qualquer título específico translativo da titularidade do estabelecimento, podendo operar-se “por qualquer título” (artº 318º do CT/2003); Tendo a trabalhadora sido admitida ao serviço de sociedade que explorava consultório de medicina dentária ocorre transmissão de estabelecimento e, em consequência, transmissão, para o adquirente, da posição jurídica que o transmitente detinha no contrato de trabalho se: esse consultório médico passou a ser explorado, nas mesmas instalações, pelo adquirente, que nele continuou a exercer a mesma atividade de medicina dentária que nele a vinha exercendo e se a trabalhadora continuou, tal como o vinha fazendo, a desempenhar a mesma atividade (de assistente de consultório) nesse mesmo consultório;

LXIII)- No caso em análise, é por demais evidente que os credores cujos créditos foram impugnados nunca poderiam exercer a sua atividade para a insolvente, já que a mesma não tinha sequer meios para o fazer, já que:
a) todos os seus bens foram comprados pela sociedade pertencente à cônjuge do gerente da insolvente (a referida D. F., Unipessoal, Lda.);
b)- quem passou também a ocupar as instalações que antes eram da insolvente foi a empresa D. F., Unipessoal, Lda., passando a arcar com todos os custos daquela ocupação, nomeadamente o pagamento de energia elétrica (que deixou de ser paga pela insolvente), conforme resulta dos documentos contabilísticos juntos aos autos;
c)- a insolvente não tinha também capacidade financeira para pagar – como não pagava - os salários aos credores referidos;
d)- a insolvente não tinha fornecedores desde 2010;
e)- os clientes da insolvente passaram para a empresa D. F., Unipessoal, Lda.;
f)- os fornecedores que eram da insolvente passaram a ser fornecedores da empresa D. F., Unipessoal, Lda.;

LXIV)- Do que ficou provado resulta que existiu uma transmissão daquele que foi o estabelecimento da insolvente para a sociedade D. F., Unipessoal, Lda., como, de resto, a própria Mª. Juiz “a quo” admite na sentença proferida, e desta feita, todas as obrigações vencidas à data da transmissão do estabelecimento – no que a créditos laborais diz respeito – transmitiram-se para a dita D. F., Unipessoal, Lda., no que, diga-se, a mesma teve consciência e anuiu já que cumpriu, pois os salários estavam em dia aquando da insolvência da Empresa X, e não tendo a insolvente capacidade para os pagar, tal apenas pode ter ocorrido porque a entidade que recebia as prestações de atividade dos trabalhadores cumpria com o regular pagamento dos vencimentos aos mesmos;

LXV)- Inexistindo dúvida de que existiu uma transmissão do estabelecimento da insolvente para a D. F., Unipessoal, Lda., apenas se poderia equacionar a responsabilidade da insolvente pelo pagamento de créditos a trabalhadores se os mesmos respeitassem a valores vencidos antes da transmissão do estabelecimento e entre essa e a insolvência tivesse decorrido menos de um ano (nº. 2 do artigo 285º. do C.T.), mas nada disso resultou dos autos, muito pelo contrário, já que os créditos reclamados dizem todos respeito a data posterior a essa transmissão, sendo certo que, mesmo que outros créditos existissem, nem esses seriam imputados à insolvente, já que entre a transmissão do dito estabelecimento (2009, quando o imóvel foi dado de subarrendamento, ou mesmo Janeiro de 2011 – data da venda dos equipamentos se se pretender ser completamente conservador na análise; ou ainda em Janeiro de 2012 – data do “novo” contrato de arrendamento, se se pretender ainda ser mais conservador) e a data da declaração de insolvência (Maio de 2013) se achava decorrido mais de um ano;

LXVI)- Tendo em conta todo o exposto, a factualidade suscetível de conduzir à existência e/ou classificação dos créditos dos reclamantes aos quais há que oferecer tutela em sede de insolvência da empregadora inexiste nos autos, e muito menos com o privilégio que invocam, até porque, nos termos do artº 773º do CC, o privilégio creditório é uma faculdade que está reservada pela Lei, tendo em atenção a causa do crédito, a certos credores, que lhes faculta que sejam pagos preferencialmente a outros, no produto da venda de certos bens;

LXVII)- Demonstrado que está que os reclamantes não detêm sobre a insolvente qualquer crédito emergente de contrato de trabalho nem tão pouco prestavam qualquer atividade para a mesma no momento em que ela foi declarada insolvente, então não se acham verificados os pressupostos para lhes ser reconhecido qualquer crédito, e bem assim não se acham verificados os requisitos de aplicabilidade do regime estabelecido no artº. 333ºdo CT.;

LXVIII)- Os reclamantes pretenderam, artificialmente, invocar um crédito e um privilégio – que não têm – e com tal prejudicar os recorrentes no ressarcimento do seu crédito, já que os recorrentes gozam de crédito hipotecário e como tal, nos termos do artº. 686º do CC, tinham o privilégio de ser pagos pelo produto da venda do imóvel da insolvente, com preferência sobre os demais credores;

LXIX)- No caso dos autos, aquilo que os credores impugnados pretendem conseguir – principalmente com a ajuda do gerente da insolvente, que, como resultou do seu depoimento de parte, tem grande animosidade com os credores impugnantes, ao ponto de ter tentado a todo o custo impugnar o crédito que reclamaram, embora sem o conseguir - é o melhor de três mundos:
a)- terem trabalhado para a empresa que explorava o estabelecimento instalado no edifício que é propriedade da insolvente (a empresa D. F., Unipessoal, Lda.);
b)- receberem uma indemnização por despedimento ilícito por, supostamente, serem trabalhadores da insolvente à data da insolvência;
c)- continuarem a trabalhar para a empresa D. F., Unipessoal, Lda., a qual, só após a Empresa X ter sido declarada insolvente, passou a ter funcionários inscritos na Segurança Social, e precisamente credores cujos créditos foram impugnados;

LXX)- Tendo em conta todo o exposto, deverá considerar-se que existiu, de facto, uma transmissão da posição contratual de empregador relativamente aos contratos de trabalho que existiram entre os credores impugnados e a insolvente, por força da transmissão do estabelecimento para a empresa D. F., Unipessoal, Lda., e assim não se reconhecendo os créditos dos credores em causa, nomeadamente como créditos que gozam da proteção do artº. 333º do CT.
Decidindo assim, V. Excias., como sempre, farão a costumada Justiça.

Contra-alega a reclamante M. A. requerendo que seja rejeitado o recurso -A alteração da matéria de facto apenas se admite e justifica quando se verifique ocorreu um erro ostensivo na apreciação da prova, uma apreciação totalmente arbitrária das provas produzidas em audiência de julgamento, de molde a se poder dizer que existe uma flagrante desconformidade entre os elementos probatórios disponíveis e a decisão do tribunal recorrido sobre matéria de facto. Porem, como veremos, o Tribunal “a quo” fez a sua valoração da prova produzida, apresentou a respectiva motivação de facto, na qual explicitou minuciosamente, não apenas os vários meios de prova que concorreram para a formação da sua convicção, como os critérios racionais que conduziram à convicção acerca dos factos que considerou provados e não provados- ou, caso assim não se entenda, deverá mesmo ser julgado improcedente com a fundamentação acima apontada, assim se fazendo JUSTIÇA.

De acordo com as conclusões acima transcritas cumpre:

1) saber se a sentença padece dos vícios apontados;

2) saber da verificação dos requisitos legais relativamente à impugnação da decisão sobre a matéria de facto;

3) Saber se deverá ser alterada a decisão quanto à matéria de facto apurada;

4) Saber se em qualquer caso deverá ser alterada a decisão jurídica da causa.


*

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

*
II. FUNDAMENTAÇÃO

Questão Prévia

Antes de mais uma nota quanto ao modo como se encontra formulado o recurso.
Nos termos do n.º 1 do artigo 639.º do Código de Processo Civil, o recorrente deve terminar as alegações com as respectivas conclusões, que são a indicação de forma sintética dos fundamentos por que se pede a alteração ou anulação da decisão.
A formulação das conclusões do recurso tem como objectivo sintetizar os argumentos do recurso e precisar as questões a decidir e os motivos pelos quais as decisões devem ser no sentido pretendido. Com isso pretende-se alertar a parte contrária – com vista ao pleno exercício do contraditório – e o tribunal para as questões que devem ser decididas e os argumentos em que o recurso se baseia, evitando que alguma escape na leitura da voragem da alegação, necessariamente mais extensa, mais pormenorizada, mais dialéctica, mais rica em aspectos instrumentais, secundários, puramente acessórios ou complementares.
Esse objectivo da boa administração da justiça é, ou devia ser, um fim em si. O não cumprimento dessa exigência constitui não apenas uma violação da lei processual como um menosprezo pelo trabalho da parte contrária e do próprio tribunal. Daí que o artigo 641.º, n.º 2, do Código de Processo Civil comine a falta de conclusões com a sanção da rejeição do requerimento de interposição de recurso, funcionando essa sanção de forma automática, sem qualquer convite prévio ao aperfeiçoamento, como sucede quando as conclusões sejam deficientes, obscuras ou complexas (artigo 639.º, n.º 3).
Ora, no caso, como infelizmente se vai tornando norma, verifica-se que os recorrentes redigiram as suas alegações, dividindo-as em parágrafos com numeração, depois escreveram a expressão “conclusões” e a seguir repetiram na quase totalidade as alegações.
Do ponto de vista substancial, os recorrentes não formularam conclusões do recurso como deviam, limitando-se (no relevante) a repetir a alegação duas vezes seguidas, intitulando a “segunda alegação” como “conclusões”, o que manifestamente não constitui uma forma válida de cumprimento da exigência legal.
Por conseguinte do ponto de vista substancial, a consequência devia ser a pura e simples rejeição do recurso por falta de conclusões. Com efeito, se essa sanção se aplica mesmo nas situações em que a falta se deve a mera desatenção ou até lapso informático, deve aplicar-se por maioria de razão às situações em que consciente e deliberadamente o mandatário se limita a repetir o texto das alegações, não podendo deixar de saber que não está, como devia, a formular conclusões.
Com muito boa vontade e atendendo apenas ao aspecto formal, poder-se-ia convidar os recorrentes a aperfeiçoarem (melhor dizendo, a formular) as “conclusões”. Considerando, no entanto, que se trata de processo urgente e a sua já longa existência - foi autuado no ano de 2013 - vamos prosseguir e apreciar as questões.
**
A) VÍCIOS DA SENTENÇA

1. Nulidades da sentença

Nas conclusões de recurso suscitam os apelantes a nulidade da sentença - segundo se percebe - por violação do disposto nas alíneas b)- conclusão II; c)- conclusão IV e d)- conclusão II do artº 615º do CPC.

Vejamos.
A sentença na sua formulação pode conter vícios de essência, vícios de formação, vícios de conteúdo, vícios de forma, vícios de limites.
As nulidades da sentença incluem-se nos “vícios de limites” - artº 615º do CPC, considerando que nestas circunstâncias, face ao regime do citado artº, a sentença não contém tudo o que devia, ou contém mais do que devia.
E assim, como tem sido entendido, sem controvérsia, os vícios determinantes de nulidade da sentença correspondem a casos de irregularidades que afectam formalmente a sentença e provocam dúvida sobre a sua autenticidade, como é a falta de assinatura do juiz, ou ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduz, logicamente, a resultado oposto do adoptado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender resolver questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões que deveria conhecer (omissão de pronúncia) — als. a) a e) do n.º 1 do art.º 615 do CPC.
São sempre vícios que encerram um desvalor que excede o erro de julgamento e que, por isso, inutilizam o julgado na parte afectada.
Não se verificando nenhuma das causas previstas naquele número pode haver uma sentença com um ou vários erros de julgamento, mas o que não haverá é nulidade da decisão.
No despacho que admitiu o recurso, a juiz do tribunal “a quo” não se pronunciou sobre a nulidade da sentença, nos termos do art. 617º/1 CPC.
Atenta a simplicidade das questões suscitadas e face aos elementos que constam dos autos, não se mostra indispensável ordenar a baixa dos autos para a apreciação das nulidades, nos termos do art. 617º/5 CPC, passando-se a conhecer desde já das mesmas.
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Alínea b) do artº 615/1
Nos termos do art. 615º/1 b) CPC, a sentença é nula, quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
sta irregularidade está directamente relacionada com o dever imposto ao juiz de motivar as suas decisões, conforme resulta do disposto no art. 607º CPC.
O dever de fundamentar as decisões tem consagração constitucional – artº 205º, nº 1, da CRP – e ao nível do direito processual civil – artº154º, nº1, do CPC.
Isto é assim dado que uma das funções essenciais de toda e qualquer decisão judicial é convencer os interessados do bom fundamento da decisão. A exigência de motivação da decisão destina-se a permitir que o juiz ou juízes convençam os terceiros da correcção da sua decisão. Através da fundamentação, o juiz ou juízes devem passar de convencidos a convincentes.
Compreende-se facilmente este dever de fundamentação, pois que os fundamentos da decisão constituem um momento essencial não só para a sua interpretação – mas também para o seu controlo pelas partes da acção e pelos tribunais de recurso
A motivação constitui, pois, a um tempo, um instrumento de ponderação e legitimação da decisão judicial e, nos casos em que seja admissível – como sucede na espécie sujeita - de garantia do direito ao recurso.
Daí que na motivação da decisão deve o juiz demonstrar a consistência dos vários aspectos da decisão, que vão desde a determinação da verdade dos factos na base das provas, até à correcta interpretação e aplicação da norma que se assume como critério do juízo.
Dito doutro modo: a decisão não deve ser só justa, legal e razoável em si mesma: o juiz está obrigado a demonstrar que o seu raciocínio é justo e legal, e isto só pode fazer-se emitindo opiniões racionais que revelem as premissas e inferências que podem ser aduzidas como bons e aceitáveis fundamentos da decisão
Por sua vez, a falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão acarreta a nulidade desta – artºs 613º, nº3 e 615, nº1, al. b) do CPC – ainda que se entenda que só a falta absoluta de fundamentação traduz tal vício.
De efeito, como é sabido, constitui entendimento dominante na doutrina e na jurisprudência que tal nulidade apenas se verifica quando haja falta absoluta, ausência total de fundamentação de facto e de direito que justificam a decisão -o sublinhado é nosso- e não quando a fundamentação seja simplesmente deficiente, incompleta, medíocre ou mesmo errada, pois neste caso afecta apenas o valor doutrinal da sentença, sujeitando-a tão só ao risco de ser revogada ou alterada em sede de recurso, mas não produz nulidade (cf. Prof. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, pág. 140 e Prof. Lebre de Freiras, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, pág. 707; acórdãos do STJ de 21/12/2005, proc. nº. 05B2287 e de 19/09/2006, proc. nº. 06A2230; acórdãos da RE de 8/04/2014, proc. nº. 1166/13.5TBABT-C e de 19/06/2014, proc. nº. 70/09.6TBMMN, todos acessíveis em www.dgsi.pt).
Relativamente à fundamentação de facto, só a falta de concretização dos factos provados que servem de base à decisão, permite que seja arguida a nulidade da sentença.
Quanto à fundamentação de direito, o julgador não tem de analisar, um por um, todos os argumentos ou razões jurídicas invocadas pelas partes em abono das suas posições, embora lhe incumba resolver todas as questões por elas suscitadas; não se lhe impõe, por outro lado, que indique cada uma das disposições legais em que se baseia a decisão – nesta parte, a fundamentação da sentença contenta-se com a indicação das razões jurídicas que servem de apoio à solução adoptada pelo julgador (cf. Pais do Amaral, Direito Processual Civil, 11ª ed., Agosto de 2013, Almedina, pág. 399 e Juiz Conselheiro Francisco Manuel Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Vol. II, Abril de 2015, Almedina, pág. 369 e 370).
Sindicando o caso concreto, temos de convir que a sentença recorrida apresenta os fundamentos de facto e de direito que conduziram à decisão.
Com efeito, é nela existente a factualidade que serviu de suporte à decisão supra exposta, o fundamento da decisão de facto (O Tribunal formou a sua convicção nos documentos juntos aos autos, nomeadamente referindo-se a titulo de exemplo e por serem mais significativos os balancetes (de onde se aferiu a identidade dos clientes e fornecedores), certidões dos registos prediais das três empresas envolvidas, nas declarações anuais dos anos 2007/2008/2009 e 2010, no IRC modelo 22 dos anos 2007/2008/2009/2010 e 2012, no Balancete Geral Acumulado do Encerramento de escrita dos anos 2007 até Junho de 2013; no contrato de arrendamento e subarrendamento das empresas, nos mapas de vencimento dos anos 2012/2013, nas declarações de remuneração entregues na S. Social, no contrato de arrendamento para habitação do sócio gerente da Empresa X e da sócia gerente da D. F., Lda, os quais apesar de divorciados vivem juntos, na matéria confessória resultante do depoimento de parte, nas testemunhas ouvidas em julgamento e no depoimento do administrador de insolvência da Empresa X.) e aos factos apurados e apontados pelas partes nos articulados identifica e interpreta as normas jurídicas aplicáveis e determina os eventuais efeitos jurídicos.
Ou seja, inexiste absoluta falta de fundamentação a justificar a procedência da nulidade prevista na alínea b) do artº 615º do C.P.C.
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Alínea c) do artº 615/
Decorre do disposto no art.º 615.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil que a sentença é nula quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão, ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
Trata-se – como os demais enunciados nesta disposição legal - de um vício de natureza formal e não substancial.
Explica, a este propósito, Pais do Amaral (1) que "(...) a sentença tem de ser entendida pelos destinatários. Doutro modo, de nada lhes servirá. Por isso, a sentença tem de ser clara, de forma que na sua interpretação se não hesite entre dois sentidos e se conheça claramente o seu alcance."
No caso em apreciação, a sentença especificou quais os factos provados e não provados e fundamentou a sua convicção quanto a tais factos, nos termos do disposto no artigo 607.º do C.P.Civ.
Sequencialmente, analisou a matéria de facto à luz das pretensões das partes, concluindo pela decisão final.
Não se verifica qualquer contradição entre os fundamentos e a decisão, nem qualquer vício de raciocínio que tenha levado a uma decisão em sentido oposto àquele que deveria ter sido, atenta a matéria de facto dada como provada.
Também não se verifica qualquer ambiguidade que torne a sentença ininteligível ou a apontada contradição entre os FP nº 12 e 15.
Em concreto, o Tribunal de 1.ª Instância justificou, em sede de fundamentação da decisão de facto, que Efectivamente é certo que a insolvente não tinha condições económicas para pagar os salários aos trabalhadores cujo crédito foi impugnado. Contudo dos elementos documentais e das declarações testemunhais, o certo é que constam como trabalhadores da Empresa X, as declarações na Segurança Social constam como trabalhadores da Empresa X e recebiam a sua remuneração, como funcionários desta.
Com que dinheiro e proveniência, não apurou o Tribunal, mas o certo é que os trabalhadores se mantiveram na insolvente, até à insolvência e após transitaram para a outra sociedade.
Se os patrões, confundindo as duas sociedades efectuavam pagamentos, transferências de serviços ou quantias entre ambas as sociedades, se utilizavam as máquinas da insolvente, adquiridas posteriormente pela D. F., Lda, sem qualquer contrapartida financeira da parte desta, nada em concreto se apurou.
A discordância dos Recorrente prende-se – diversamente - com questões de mérito: entendem que o Tribunal recorrido deveria ter apreciado a matéria de facto sob um certo prisma e, por esta via, decidido de forma diferente.
Trata-se, portanto, não de uma situação de nulidade da sentença, mas de mérito da mesma, na vertente da modificabilidade da matéria de facto com base na reapreciação das provas produzidas.
Inexiste, assim, a nulidade invocada pelos Recorrentes, consignando-se que esta questão de mérito será seguidamente apreciada no local próprio.
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Alínea d) do artº 615/1
Nos termos do disposto no art. 615º, nº 1, al. d), do CPC, é nula a sentença quando deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar ou que conheça de questões de que não podia tomar conhecimento, nulidade esta que se prende com o disposto no art. 608º, nº 2, do mesmo diploma, de harmonia com o qual o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação – principio do dispositivo - e não podendo ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
Integra esta nulidade a omissão do conhecimento (total ou parcial) do pedido, da causa de pedir ou excepção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão, não se confundindo, porém, questões com razões, argumentos ou motivos invocados pelas partes para sustentarem e fazerem vingar as suas posições.
Como refere o Prof. José Alberto dos Reis (in CPC Anotado, Vol. V, Coimbra Editora, pág. 143), “são, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para a sua pretensão”.
Assim, não enferma de nulidade a sentença que não se ocupou de todas as considerações feitas pelas partes, por o tribunal as reputar desnecessárias para a decisão do pleito (cf. Pais do Amaral, ob. cit., pág. 400 e 401 e Juiz Conselheiro Francisco Manuel Ferreira de Almeida, ob. cit., pág. 371).
Para a apreciação desta questão importa ainda realçar que a nulidade da decisão por omissão de pronúncia é questão diversa do desacordo dos apelantes quanto aos termos em que a decisão tenha sido proferida.
Na medida em que em causa esteja esta discordância, então em causa estará antes o erro de julgamento a ser apreciado em sede própria.
Reportando-nos ao caso “sub judice”, também nesta parte não assiste razão aos recorrentes quando para justificar esta nulidade afirmam o Tribunal “a quo” não cumpriu com o determinado pelo anterior Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, tendo alterado a matéria de facto dada como provada e não provada quando a isso estaria vedado.
O Acórdão desta Relação proferido em 10/03/2016 refere o seguinte: “Importa ampliar a decisão sobre a matéria de facto, a fim de ser respondido se à data da insolvência os referidos trabalhadores (indicados sob 1, 2,4,5,7,9, 10,12,13, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 24 e 25) ainda prestavam actividade por conta e sob a orientação da empresa “Empresa X Têxteis, Lda” e se sempre foram pela mesma remunerados.
Em consonância com a resposta que vier a ser proferida, poderão ser anulados outros pontos da matéria de facto, com o fim de evitar contradições (artºs 662º, n.º 2, c), segunda parte e n.º 3, c) do CPC).”
E termina concluindo que:
Em face do exposto, acorda-se em anular a decisão proferida pela primeira instância, com vista à ampliação da matéria de facto nos termos acima indicados contradições (artºs 662º, n.º 2, c), segunda parte e n.º 3, c) do CPC).”
E assim após análise da prova produzida, o Tribunal “a quo” deveria proferir nova decisão e, se necessário fosse, poderia alterar determinados pontos concretos da matéria de facto, por forma a reflectir o pensamento e convicção do julgador e evitar contradições.
E foi isso mesmo que o Tribunal “a quo” efectuou. Acrescentou o ponto 15 à matéria e considerou como provado o ponto 2º dos factos não provados ao efectuar melhor análise de toda a prova produzida e em função da repartição do ónus da prova.
Assim, inexiste a invocada nulidade já que a decisão recorrida cumpriu com o determinado pelo Acórdão do TRG, não excedeu os seus poderes, antes se conteve dentro da Lei e do objectivo e espirito desse Acórdão.
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2) Erros Manifestos

Constata-se na matéria de factos a existência de alguns lapsos que consideramos lapsos de escrita e manifestos pois evidenciados no próprio contexto dos factos e prova documental junta aos autos.
Trata-se dos lapsos constantes dos pontos 7 (Está escrito dou quando deveria ser deu); 16 (está escrito contractos quando deveria ser contratos) e 19 (a insolvência da sociedade ali identificada foi declarada no ano de 2012 conforme consta do documento junto aos autos a fls. 66 e não 2912) dos F.P.
A ser assim vamos proceder à devida rectificação transcrevendo a factualidade considerada provada já corrigida.
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O Tribunal recorrido deu como provada e não provada a seguinte factualidade:

A insolvente encontra-se em situação de falência técnica desde 2009, ano em que o passivo já era muito superior ao seu ativo.
No edifício que pertence à insolvente encontra-se a funcionar uma empresa designada “D. F., Unipessoal, Lda.”, a qual pertence e é representada pela cônjuge do gerente da insolvente, sociedade esta que tem o mesmo objecto social da insolvente.
No âmbito de uma execução instaurada pelos requerentes contra a insolvente, já em 06/02/2012, veio a realizar-se uma diligência de penhora de bens móveis no edifício pertencente à insolvente.
Tal diligência não se realizou em virtude de ter referido aos presentes que a insolvente actualmente não possui quaisquer bens, pelo facto dos mesmos terem sido objecto de penhora e posterior venda em sede de execução fiscal, tendo exibido comprovativo de penhora e título de adjudicação dos bens àquela sociedade que é gerida e de propriedade da sua cônjuge, ou seja, a referida “D. F., Unipessoal, Lda.”, que tem o mesmo objecto social da insolvente e que exerce actividade no edifício propriedade da insolvente.
Nesse dia encontravam-se naquelas instalações e estiveram presente na diligência, para além do advogado do exequente, o Sr. A. M., e um representante da sociedade D. F., Unipessoal, Lda., ou seja, um Sr. A. F., o qual havia sido também sócio e gerente da agora insolvente.
O referido contrato de subarrendamento tem data de 01/07/2009, e o imóvel propriedade da insolvente havia sido arrendado já em 01/10/2002 a uma empresa denominada “BW – Comércio de Vestuário Para Criança, Unipessoal, Lda.”, de quem era gerente o Sr. J. M., que também era sócio e gerente da insolvente.
Empresa esta que (tendo sido já também declarada insolvente) deu o imóvel de subarrendamento (total) à empresa da cônjuge do gerente da insolvente (e mãe do gerente daquela “BW”), através do contrato apresentado à agente de execução.
Desde 2002 que a insolvente, representada pelo gerente Sr. J. M., dou de arrendamento total a uma outra sociedade (BW, Lda.), representada pelo mesmo Sr. J. M., o edifício da insolvente, que depois o deu de subarrendamento a uma outra empresa, representada por sua mãe (D. F.) e por seu irmão, A. F., o qual se declarou representante daquela empresa de que é gerente também sua mãe à Srª. Agente de Execução que ali se deslocou para fazer a penhora.
D. F. exerceu actividade na insolvente até 31/03/2009, altura em que constituiu aquela sociedade de que era gerente, que depois passou a ser subarrendatária do edifício da insolvente.
10º Em Janeiro de 2011, todos os bens móveis da insolvente foram adquiridos, em processo de execução fiscal, mediante uma proposta apresentada numa venda por negociação particular, por aquela empresa da cônjuge do gerente da insolvente (D. F. Unipessoal, Lda).
11º A Srª. Agente de Execução do processo instaurado pelos requerentes deslocou-se novamente ao edifício da insolvente, tendo sido informada pelo depoente que existia já um pedido de insolvência da empresa.
12º O volume de negócios da insolvente sofreu uma quebra significativa ao longo dos anos e, em 2012 teria sido de € 38.965,00.
13º O sócio gerente da BW- Comércio de Vestuário para criança, unipessoal, Lda era também sócio-gerente da insolvente e é filho de A. M. e D. F.
14º Pelo menos desde 2009 os sujeitos indicados sob os n.ºs 1, 2, 4, 5, 7, 9, 10,12,13, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 24 e 25 da lista apresentada a fls. 4 a 12 exerciam a sua actividade no prédio referido em 1);
15º Os sujeitos indicados sob os n.ºs 1, 2, 4, 5, 7, 9, 10,12,13, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 24 e 25 da lista apresentada a fls. 4 a 12 exerciam a sua actividade por conta e sob as ordens da insolvente à data da declaração da insolvência, que desde o início do contrato (ou transmissão da posição) pagou os salários e descontou para a Segurança Social;
16º Os contratos de trabalho relativamente aos sujeitos supra indicados foram celebrados em datas distintas:
● A. S. foi admitido em 1.1.1997 para a sociedade S-INDUSTRIA DE MALHAS E CONFECÇÕES LDA, tendo transitado em 1.1.2001 para a EMPRESA X;
● A. R. foi admitida em 6.11.2006 para a EMPRESA X;
● C. G. foi admitida em 2.1.1998 para a sociedade S-INDUSTRIA DE MALHAS E CONFECÇÕES LDA, tendo transitado em 1.1.2001 para a EMPRESA X;
● E. M. foi admitida em 2.1.1994 para a sociedade T.- INDUSTRIA DE MALHAS E CONFECÇÕES LDA, tendo transitado em 1.3.1995 para a S-INDUSTRIA DE MALHAS E CONFECÇÕES LDA, tendo transitado em 1.12.2000 para a EMPRESA X;
● E. O. foi admitida em 1.3.2001 para a EMPRESA X
● F. A. foi admitida em 1.2.1989 para a sociedade T.- INDUSTRIA DE MALHAS E CONFECÇÕES LDA, tendo transitado em 1.4.1995 para a S-INDUSTRIA DE MALHAS E CONFECÇÕES LDA, tendo transitado em 1.1.2001 para a EMPRESA X;
● F. M. foi admitida em 1.4.2001 para a EMPRESA X;
● F. S. foi admitida em 1.5.1990 para a sociedade T.- INDUSTRIA DE MALHAS E CONFECÇÕES LDA, tendo transitado em 1.3.1995 para a S-INDUSTRIA DE MALHAS E CONFECÇÕES LDA, tendo transitado em 1.1.2001 para a EMPRESA X;
● J. F. foi admitida em 1.3.1995 para a sociedade S-INDUSTRIA DE MALHAS E CONFECÇÕES LDA, tendo transitado em 1.1.2001 para a EMPRESA X;
● J. O. foi admitida em 6.11.2006 para a EMPRESA X;
● M. G. foi admitida em 1.4.2008 para a EMPRESA X;
● M. S. foi admitida em 6.11.2006 para a EMPRESA X;
● M. F. foi admitida em 11.4.2007 para a EMPRESA X;
● M. C. foi admitida em 1.9.1991 para a sociedade T.- INDUSTRIA DE MALHAS E CONFECÇÕES LDA, tendo transitado em 1.3.1995 para a S-INDUSTRIA DE MALHAS E CONFECÇÕES LDA, tendo transitado em 1.1.2001 para a EMPRESA X;
● Maria foi admitida em 9.1.2008 para a EMPRESA X;
● M. P. foi admitida em 1.1.2007 para a EMPRESA X;
● M. M. foi admitida em 1.1.2002 para a EMPRESA X;
● R. B. foi admitida em 6.11.2006 para a EMPRESA X;
● R. C. foi admitida em 21.4.2008 para a EMPRESA X;
17º A sociedade D. F. Unipessoal, Lda labora com os mesmos equipamentos que laborava a Empresa X- Texteis Lda e trabalhava com os clientes que pertenciam àquela.
18º A insolvente não depositou as contas relativas ao exercício de 2011 e 2012.
19º A sociedade BW- Comércio de Vestuário para criança, Lda foi declarada insolvente por decisão de 6.1.2012.
20º A sociedade D. F. Unipessoal, Lda foi constituída em 30.3.2009 pelo AP 35/20090330, tendo por aumento de capital, alteração do contrato de sociedade para sociedade por quotas alterado a sua designação para D. F., Lda, pelo Ap 18/20140620, na pendência desta acção, tendo entrado como sócio, o filho A. F.

FACTOS NÃO PROVADOS

Que a insolvente não exercesse qualquer actividade nesse local desde alguma dessas datas.
2.º Que desde 2009 os sujeitos indicados sob os n.ºs 1, 2, 4, 5, 7, 9, 10,12,13, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 24 e 25 da lista apresentada a fls. 4 a 12 exercessem a sua actividade no prédio referido em 1) por conta e orientação da sociedade “D. F. Unipessoal, Lda.”
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B) Impugnação da Matéria de facto

Dissentem os Apelantes da decisão da matéria de facto pretendendo as seguintes alterações (no que entendemos):
- O ponto 15 dos factos provados devia ser considerado Não PROVADO
- Inclusão na matéria provada dos seguintes factos:
a) Que a insolvente não exercia qualquer actividade no imóvel de sua propriedade pelo menos desde 2009.
b) Que desde 2009, os sujeitos reclamantes de n.º 1, 2, 4, 5, 7, 9, 10, 12,13, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 24 e 25 da lista apresentada a fls. 4 a 12 exerciam a sua actividade no prédio referido em 1) por conta e orientação da sociedade D. F., Unipessoal, Lda.
c) A insolvente transmitiu o seu estabelecimento para a sociedade D. F., Unipessoal, Lda.
3º) – Manutenção como não provado do anterior ponto 2 que exarava que “fosse a insolvente quem desde o inicio do contrato descontasse para a Segurança Social”.
A fundamentar os pedidos referidos em 1) e 2) e 3) invocam a reponderação da prova produzida.

Apreciando
O art.º 640.º do C.P.C. enumera os ónus que ficam a cargo do recorrente que pretenda impugnar a decisão da matéria de facto, sendo que a cominação para a inobservância do que aí se impõe é a rejeição do recurso quanto à parte afectada.
Assim é que deverá o recorrente enunciar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (alínea a) do n.º 1), requisito essencial já que delimita o poder de cognição do tribunal ad quem, se a decisão incluir factos de que se não possa conhecer ex. officio e se estiverem em causa direitos livremente disponíveis. Deve ainda o recorrente indicar os meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida (alínea b) do n.º 1), assim como apresentar o seu projecto de decisão, ou seja, expor, claramente, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (alínea c) do n.º 1).
Os Apelantes, no corpo das alegações e nas conclusões não cumpriram com todos os ónus que aquele dispositivo legal impõe, quer os enunciados nas três alíneas do n.º 1, quer o da alínea a) do n.º 2
De efeito, sabemos que o preceituado no citado artº em conjugação com o que se dispõe no artº 662º do mesmo diploma legal permite a este Tribunal de instância julgar a matéria de facto.
Todavia a redacção de tais normativos não permite a repetição por este Tribunal do julgamento, tal como rejeita a admissibilidade de recursos genéricos contra a errada decisão da matéria de facto, tendo o legislador optado por abrir apenas a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas as divergências dos recorrentes ( cf. neste sentido António Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 3ª ed., 2016, Almedina, pág. 124 e entre outros, os Acórdãos do STJ de 9.07.2015, P..405/09.1TMCBR.C1. S1 e de 01.10.2015, P. 6626/09.0TVLSB.L1. S1 in dgsi.pt.).
Ao impor um ónus especial de alegação quando se pretenda impugnar a matéria de facto, com fundamento na reapreciação da prova gravada, o legislador pretendeu evitar que o impugnante se limite a atacar, de forma genérica e global, a decisão de facto, pedindo simplesmente a reapreciação de toda a prova produzida em primeira instância- neste sentido Acórdão do STJ proferido no processo nº 471/10. T1 CSSC.L1. S1 com data de 09.02.2017.
Os requisitos acima enunciados impedem “que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo” - Abrantes Geraldes, ob. cit., in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 3ª ed., pág. 139 a 141.
Acresce que, quanto ao recurso da matéria de facto não existe despacho de aperfeiçoamento ao contrário do que sucede quanto ao recurso em matéria de direito, por aplicação do disposto no art. 639º, nº 3 do C.P.C.
No caso os recorrentes não especificam os concretos meios probatórios. Limitam-se a remeter para os depoimentos das testemunhas e para os depoimentos (ver conclusões XI e XII al a)) e para toda a prova produzida (ver conclusão XIII; XIX e XXIV) sem indicar as concretas passagens da gravação destes depoimentos que pretendem que este Tribunal reaprecie. Quando especificam os concretos meios de prova (veja-se o depoimento da agente de execução citado na conclusão XX e XXI) limitam-se a atacar a convicção que o julgador for­mou sobre cada esse depoimento.
Acontece que não compete a este Tribunal sindicar a credibilidade do Tribunal recorrido.
No que à prova documental se reporta limitam-se a requerer a análise de docu­mentos que não concretizam nem localizam (indicar a que paginas se encontram) - ver conclusão VI; XII al a); XVII, XVIII; localização muito relevante e necessária num processo composto por sete volumes e 2429 páginas a maior parte delas constituídas por documentos.
Perante esta forma de impugnação a reapreciação em causa determinava a audição e analise de toda a prova produzida o que o citado artigo não permite.
Assim, considerando que as alegações/conclusões dos Recorrentes não dão satisfação às mencionadas exigências legais, nos termos expostos, rejeita-se o recurso no que se refere à impugnação da decisão que fixou a matéria de facto provada.

A salientar que como é pacífico, a circunstância de o recurso ter sido oportunamente admitido, por despacho singular, aquando do exame preliminar do Relator, sem que então se tenha detectado imediatamente dúvida acerca do conteúdo do seu objecto, não obsta a que este Tribunal, ora decidindo em colectivo, entenda não dever dele conhecer, pois aquele despacho, não forma caso julgado quanto à regularidade e admissibilidade do recurso, conforme resulta dos artigos 641º, nº 5, 652º, nºs 3 e 5 e 658º, nº 1, todos do CPC.

Não obstante, e acautelando entendimento mais abrangente do citado preceito sempre se dirá que, pela leitura da transcrição dos excertos dos depoimentos que constam do recurso e contra-alegações e vistos os documentos juntos aos autos não se vê, “in casu”, fundamento para alteração da decisão de facto tomada na 1ª instância quanto à matéria em apreço.
Antes relevando toda a prova produzida apreciada à luz da sua razão de ciência e tendo em conta as regras da experiência comum, somos levados a concluir que a prova foi correctamente valorada não se encontrando qualquer erro de percepção na decisão em causa que justifique a pedida alteração.
Decisão esta na qual não se divisam contradições, incongruências, indevida concessão de relevo excessivo ou diminuição do relevo legal relativamente a meios probatórios.
Baseia-se tal decisão na prova produzida devidamente conjugada e não apenas como fazem os recorrentes em interpretações parciais, relativas e subjectivas (as mais convenientes de acordo com a sua versão) das declarações/depoimento do sócio gerente da insolvente e depoimento das testemunhas indicadas e da interpretação descontextualizada dos documentos que citam.
Apontam ainda os recorrentes como fundamento do seu pedido determinados documentos que estão juntos ao processo alegando que o seu conteúdo foi menosprezado pelo Tribunal.
Trata-se, efectivamente, de documentos de prova livre, não formal ou vinculada (como acontece com a prova plena), e porque impugnados pela defesa a sua simples análise, desacompanhada de outra prova, não impõe de modo irrefutável a demonstração de factos diversos dos que foram dados como provados ou a modificação da matéria tida como não provada.
Ou seja, o conjunto de documentos em si mesmo, sem a sua conexão ou reforço por outras provas, revela-se insuficiente para formar a convicção do tribunal no sentido pedido pelos recorrentes.
Acresce dizer que, o recurso incidente sobre a matéria de facto não serve para substituir ao juízo do tribunal de 1.ª instância o das partes conforme as suas conveniências e interesses brandidos em juízo, muito menos para expressarem o que fariam se fossem elas o julgador. Muito menos serve para inutilizar, por esta via, o trabalho do primeiro grau, tudo centrando na fase de recurso.
É certo também que outra é a valoração desses meios de prova feita pelos recorrentes e a credibilidade que lhes confere, sendo também naturalmente diferente a conclusão a que chegam. Nessa parte entram no âmago da livre apreciação da prova por parte do tribunal recorrido, estipulada no art.607 º do CPC, que não cabe a este tribunal de recurso sindicar.
E, claro, cabe aqui relembrar que os depoimentos prestados neste processo estão sujeitos ao princípio da livre apreciação da prova, contido no artigo 607.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, mediante o qual o julgador aprecia livremente as provas, decidindo segundo a sua prudente convicção, a menos que a lei exija formalidade especial.
Como temos realçado repetidamente, a função do julgador consiste em determinar como os factos se passaram, raciocinando sempre entre os limites de racionalidade e da experiência comum: exista ou não univocidade no teor dos depoimentos e declarações, o convencimento da entidade imparcial a quem compete julgar depende – como já exposto - de uma conjugação de elementos tão diversos como a espontaneidade das respostas, a coerência e pormenorização do discurso, a emoção exteriorizada ou a consistência do depoimento pela compatibilidade com a demais prova relevante.
Assim, a circunstância de alguém, por erro ou propositadamente, produzir uma ou outra declaração desconforme com a realidade não significa necessariamente que seja falsa toda a sua narrativa e o tribunal não se encontra adstrito à inutilização de todo um depoimento por uma contradição com outros elementos probatórios. Desde que nessa parte o raciocínio seja compreensível, o tribunal poderá e deverá aceitar como verdadeiros certos segmentos das declarações ou do depoimento e negar fiabilidade a outros, distinguindo o que merece credibilidade porque consentâneo com outros elementos de prova, do que lhe surge como mera efabulação emocional ou, mesmo, como mero erro de percepção.
Assim aconteceu no caso em apreço no qual o Tribunal valorou a versão dos credores reclamantes segundo a qual: foram contratados pela Insolvente; era a Insolvente quem lhes pagava os salários; era a Insolvente, através do seu gerente A. M., quem lhes dava ordens e instruções; sempre prestaram o seu trabalho nas instalações pertencentes à Insolvente; sempre prestaram o seu trabalho com os equipamentos e materiais que a Insolvente lhes facultava; desconheciam a contabilidade da Insolvente e as contas apresentadas por ela; desconheciam a existência da sociedade D. F., Lda., nunca lhes foi informado ou comunicada a existência da D. F., Lda.; nunca lhes foi informado ou comunicado que a sociedade D. F., Lda. exercesse a sua actividade no imóvel onde prestavam trabalho para a Insolvente; desconheciam os negócios realizados pela gerência da insolvente com entidades terceiras, designadamente com as sociedades BW ou D. F., Lda.
A confirmar esta versão e no que à prova documental se reporta temos os seguintes documentos:
▪ declarações de remunerações da Insolvente emitidos pela Segurança Social;
▪ mapas de vencimentos da Insolvente;
▪ Extractos de remunerações dos Trabalhadores;
▪ Declarações de remunerações da D. F., Unipessoal, Lda;
▪ Print informático emitido pela Segurança Social de onde consta a data de inicio e fim dos respectivos contratos de trabalho e descontos efectuados na sociedade T. – industria de malhas e confecções, Lda, na sociedade S – industria de malhas e confecções, Lda e na insolvente Empresa X Texteis, Lda;
▪ Declaração emitida pela Insolvente pela qual assume e garante todos os direitos laborais, incluindo antiguidade, dos Reclamantes oriundos da sociedade S.
▪ Declaração da segurança social enviada ao processo em 08 de Janeiro de 2014.
A Insolvente mantinha a sua actividade e laboração, tanto mais que resultou provado que, apesar da sua diminuição, a Insolvente teve em 2012 um volume de negócios/facturação de 38.965,00 euros.
Como bem sabem os recorrentes!!! De efeito estes após o gerente lhe ter dito que não laborava ali a devedora numa primeira tentativa de penhora insistiram no decurso da acção executiva que contra a insolvente intentaram para que fosse efectuada a penhora de bens sua pertença no imóvel aonde a mesma laborava, penhora que não foi efectuada porque a devedora já tinha sido declarada insolvente (conforme relatam no processo).
No que se reporta ao pagamento dos salários aos trabalhadores ao contrário do afirmado pelos Recorrentes, os comprovativos de pagamento dos salários não foram insistentemente solicitados aos credores reclamantes nem estes se recusaram a entregar o que quer que seja.
Pelo contrário ao email de 23-09-2013, no qual o Senhor Administrador de Insolvência solicitou ao mandatário dos credores reclamantes “que facultem ao processo comprovativos de pagamentos dos salários, nomeadamente cheque e/ou transferências bancárias, a fim de serem juntos aos autos de reclamação / impugnação de créditos” foi respondido que os salários eram pagos em numerário pelo que inexistiam os comprovativos desse pagamento.
Resposta que encontra apoio nos documentos juntos aos autos (recibos de pagamento da remuneração os quais indicam que o pagamento foi em numerário, mapas de remunerações e inscrição dos trabalhares na Segurança Social sendo a entidade patronal a insolvente).
Já assim acontecia no ano de 2010 como resulta do recibo de remunerações junta pela reclamante E. O. como doc. nº2 nos autos de reclamação de créditos, reclamação esta de cuja impugnação os ora recorrentes desistiram.
A proveniência do dinheiro para estes pagamentos foi explicada pelo gerente da insolvente que contou o seguinte “Quando a Insolvente recebia dos seus clientes, levantava no banco os cheques e depois pagava. Apesar das imensas dificuldades que a empresa teve nos últimos anos, sempre privilegiou honrar os compromissos com todos os trabalhadores que, na sua maior parte trabalhavam na empresa desde a sua fundação”. Operação justificada pelo facto de a Insolvente estar inibida de cheques e ter as contas bancárias penhoradas - ver fls. 1659 dos autos.
Nenhum elemento de prova directo foi indicado pelos recorrentes que levem à conclusão que os salários eram pagos pela sociedade D. F., Lda.
A circunstância de esta ser a arrendatária do imóvel não é só por si suficiente para presumir que faça o pagamento dos salários.
Outras sociedades foram arrendatárias do imóvel (ver F.P nº6 a 8) e nem por isso os recorrentes defendem que estão sociedades também pagaram salários.
Do que podemos concluir desta factualidade é que o espaço era partilhado por várias sociedades cujos sócios gerentes eram os mesmos ou familiares directos.
E não só. A confusão assinalada na sentença entre os sócios e as sociedades era tal que até uma outra sociedade “Empresa AB Lda” foi registada como tendo a sua sede no mesmo local da insolvente, sendo certo que a sua sede seria na rua … Golães como informou a sua sócia D. F. – ver auto de diligência elaborado pelo Sr. Administrador aos 22 de Maio de 2015 em sede de diligência solicitada neste processo.
É certo que dos documentos juntos aos autos – balancetes – resulta que era a D. F., Lda. quem pagava a electricidade do local.
A explicação dada pelo gerente da insolvente (ver contra-alegações) é que não tendo capacidade para fazer face a essa despesa, a Insolvente acordou com a D. F., Lda. que esta faria tal pagamento e imputava tal custo à Insolvente na prestação de serviços realizada por esta ultima àquela.
Com efeito, a Insolvente Empresa X produzia e a D. F. comercializava.
Daí que a D. F. com vista a garantir que a Insolvente mantivesse a produção das peças de vestuário, adquiriu a maquinaria e permitiu que aquela continuasse a servir-se dela, para trabalhar a feitio, prestando serviços a terceiros de entre os quais a D. F., Lda.- relato que se retirou das contra-alegações.
Trabalho este que a contabilidade da insolvente retrata facturando nos anos de 2010 a 2012 apenas prestação de serviços.
Também da prova documental (ver reclamação de crédito) resulta que alguns dos credores já provinham das sociedades T. e S e que foram admitidos pela Insolvente, com a garantia desta que mantinha todos os seus direitos laborais, incluindo a antiguidade.
Sendo que para legitimar tal acto, as sociedades participavam tal facto à Segurança Social e começavam a efectuar os devidos descontos em nome delas
E, a partir dessas datas, os trabalhadores passavam a prestar a sua força de trabalho sob as ordens, direcção e fiscalização da sociedade cessionária
Nestes casos, aos trabalhadores foi dado conhecimento da cessão, que aceitavam, existindo, portanto, um acordo de vontades nesse sentido.
Os recibos passaram a ser emitidos em nome da sociedade cessionária e os salários a serem pagos por esta, o que era do conhecimento dos trabalhadores
Assim, não há dúvidas que, nestes casos, foram comunicadas e aceites as cessões da posição contratual dos contratos de trabalho da T. para a S e desta para a Empresa X.
E se tivesse existido uma vontade da Insolvente e da D. F., Lda. na transmissão do estabelecimento daquela, esta ultima teria que assumir o cumprimento dos contratos de trabalho dos credores reclamantes em causa e teria o mesmo comportamento.
Não encontramos razões para que assim não fosse.
Aliás nem se percebe a impugnação em apreciação. Atente-se que se a estratégia montada pelos credores reclamantes para prejudicar os impugnantes fosse real cremos que viriam reclamar montantes mais avultadas indicando estarem em divida mais salários e não apenas os de Abril e Maio de 2013.
E assim ao contrário do pretendido pelos recorrentes dos factos provados recorrendo às presunções legais não é possível considerar provados os seguintes factos:
- Era a D. F., Lda quem pagava os salários aos credores reclamantes indicados sob os n.ºs 1, 2, 4, 5, 7, 9, 10,12,13, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 24 e 25 da lista apresentada a fls. 4 a 12
- Era a D. F., Lda. quem fazia os descontos para a Segurança Social
- Era a D. F., Lda. quem dava ordens e instruções aos credores reclamantes indicados sob os n.ºs 1, 2, 4, 5, 7, 9, 10,12,13, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 24 e 25 da lista apresentada a fls. 4 a 12
- Era a D. F., Lda. quem produzia na imóvel pertença da Insolvente
Perante o exposto, concluímos que bem andou a Sra. Juiz na decisão que proferiu acerca da matéria de facto.
Temos, pois, como assente e imodificável a matéria de facto apurada na 1ª instância.
Não sendo de alterar a matéria de facto na forma pretendida pelos apelantes, ficam prejudicadas as conclusões que os recorrentes pretendem extrair relativamente à matéria de direito, cuja interpretação estava dependente da alteração da matéria de facto.

***
C) Solução Jurídica

Questionam também os recorrentes a solução jurídica desta causa.
Contrariamente ao que é alegado pelos ora recorrentes, entendemos que em face da factualidade apurada, considerando o caso em apreço, outra não poderia ter sido a decisão daquele Tribunal.
De efeito, considerando os contornos concretos da situação descrita na matéria provada - prestação pelos reclamantes do trabalho nas instalações da EMPRESA X – TÊXTEIS, LDA., mediante retribuição paga pela mesma e sob o poder directivo e disciplinar de A. M.- constata-se que existe provado contrato de trabalho entre os reclamantes e a insolvente.
Afirmação esta que se apoia na definição legal de contrato de trabalho - artigo 11.º do Código do Trabalho: “ Contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas.”- e na subsequente verificação dos elementos essenciais de tal contrato - atividade laboral – caracteriza-se pela prestação de uma atividade produtiva e corresponde ao dever principal do trabalhador; retribuição e inserção organizacional traduzida na posição de domino do empregador e da posição de subordinação do trabalhador.
Existindo contrato de trabalho os trabalhadores têm direito aos créditos emergentes do mesmo, da sua violação ou cessão.
Também o não preenchimento das diversas alíneas do artº 12 do CT na versão sustentada pelos recorrentes assenta na interpretação e alteração que os mesmos pretendem da matéria de facto, pedido esse que pelas razões supra elencadas não foi atendido.
Considerou-se credível e realista a versão de que: Os reclamantes sempre trabalharam, mesmo que em máquinas de terceiro e em instalações arrendadas a terceiros em benefício da sociedade insolvente que era quem lhes dava ordens e lhes pagava a retribuição e respectivos subsídios.
Por fim referem os recorrentes que a transmissão de equipamentos e clientes da insolvente para a sociedade D. F., Lda. só por si, consubstancia transmissão de estabelecimento, e que a legislação codicística alargou as referências ao âmbito do fenómeno transmissivo, na medida em que qualificou como transmissão, não apenas a mudança da titularidade da empresa ou do estabelecimento por qualquer título, mas também a transmissão, cessão ou a reversão da exploração da empresa ou do estabelecimento sem alteração da respetiva titularidade, isto é, uma transmissão das responsabilidades de gestão, a título temporário.
Ora, conforme se salienta nas alegações e contra-alegações o artº 285º do CT, consagra um conceito lato de estabelecimento, decorrente da Directiva europeia que o mesmo transpõe – A Directiva 2001/237CE –, e abrange não só a transmissão da titularidade do estabelecimento, como também a da respectiva exploração (nº 1 e 3).
Como ensina Júlio Gomes, o conceito nuclear não é o de empresa, é o de entidade económica e “a entidade económica a que a directiva se refere surge, pois, como um conjunto de meios organizados, com o objectivo de prosseguir uma actividade económica, mesmo que acessória”. É “um complexo organizado de bens e/ou de pessoas” (Direito do Trabalho, Vol. I, Coimbra Editora, 810).
E, segundo Pedro Romano Martinez “é imperioso que exista um estabelecimento individualizado ou, pelo menos, uma unidade económica autónoma que continua apto a desenvolver a sua actividade produtiva, conservando, portanto, a identidade e mantendo-se em condições de continuidade produtiva” (Direito do Trabalho, 5ª Ed., Almedina, 829).
O regime que decorre do disposto no Artº 285º é, pois, como se assinalou, um regime particular, não só porque a cessão da posição contratual (da posição no contrato de trabalho) decorre de negócio distinto – a transmissão da empresa ou unidade económica –, como também porque é um negócio que opera sem dependência da vontade do trabalhador, ou seja, opera por força da lei. Significa isto que se o trabalhador não se manifestar, é cedido; se se manifestar contra, pode resolver o contrato, eventualmente invocando justa causa, desde que tenha motivo. E, opera mesmo sem dependência da vontade do transmissário. Posto é que se conserve a identidade do estabelecimento. Daí que seja irrelevante a ausência de conversações e acordos estabelecidos com vista à transmissão dos trabalhadores.
Como bem se refere no acórdão desta Relação datado de 05.11.2015 e proferido no processo nº 1706/14.2T8VCT.G1 (relator Antero veiga) O normativo deve e tem de ser interpretado à luz da diretiva tendo em atenção as finalidades desta.
Importa saber quais os atos ou factos que para efeitos do normativo, envolvem transmissão de estabelecimento:
Para tal abordagem, importa deixar referido que um
dos principais objetivos tidos em vista pelo normativo (considerado à luz da diretiva), foi proteger o trabalhador, garantindo o direito à segurança no emprego, que ficaria comprometido caso as transmissões de estabelecimentos não implicassem a transmissão do contrato.
Trata-se de uma transmissão automática, com as ressalvas da lei.
A transmissão abrange obviamente as situações tituladas, os atos jurídicos de transmissão. Mas abrange ainda todos os atos, ainda que não titulados juridicamente, que envolvam transmissão. No que importa ao caso em análise, importa que possa surpreender-se uma “transferência”, ainda que não titulado em documento. Assim podemos socorrer-nos como critério, da verificação de uma “passagem” de uma “entidade económica “– (pode ser uma empresa, um estabelecimento, parte de um estabelecimento, uma parte de uma empresa ou até de um setor, desde que se trate de “entidade económica “, de uma estrutura organizada e com um objetivo) - Vd. STJ de 18/2/2002, processo nº 02S4675, dgsi.pt. No Ac. STJ de 24/3/2011, processo nº 1493/07.0TTLSB.L1. S1, dgsi.pt, refere-se:

“…Em suma, a verificação da existência de uma transferência depende da constatação da existência de uma empresa ou estabelecimento (conjunto de meios organizados, com o objetivo de prosseguir uma atividade económica), que se transmitiu (mudou de titular) e manteve a sua identidade.
Tal como sublinha, neste conspecto, JÚLIO GOMES (Direito do Trabalho, vol. I, Relações Individuais de Trabalho, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p. 821), «[d]ecisiva, para o Tribunal de Justiça [da União Europeia], é sempre a manutenção da entidade económica e para verificar se esta entidade continuou a ser a mesma, apesar das várias vicissitudes, o tribunal destacou que há que recorrer a múltiplos elementos cuja importância pode, de resto, variar no caso concreto, segundo o tipo de empresa ou estabelecimento, a sua atividade ou métodos de gestão, sendo que estes elementos devem ser objeto de uma apreciação global, não sendo, em princípio, decisivo qualquer um deles. Numa indicação meramente exemplificativa — aliás, o próprio Tribunal não parece pretender apresentar uma lista exaustiva — podem ser relevantes elementos como a transmissão de bens do ativo da entidade, designadamente, bens imóveis ou equipamentos, mas também bens incorpóreos como a transmissão de know-how, a própria manutenção da maioria ou do essencial dos efetivos, a duração de uma eventual interrupção da atividade, a eventual manutenção da clientela e o grau de semelhança entre a atividade desenvolvida antes e a atividade desenvolvida depois da transferência».
É, assim, essencial que a transferência tenha por objeto um conjunto de elementos que permitam a prossecução, de modo estável, de todas ou de parte das atividades da empresa cedente e deve ser possível identificar essa entidade económica na esfera do transmissário…”
O conceito de unidade económica, remete para um conjunto organizado de pessoas e de elementos que permitem o exercício de uma atividade económica que prossegue um objetivo próprio, pouco importando que se trate de atividade acessória.
No processo nº C-463/09 (Clece) do TJ de 20//12011, Coletânea de Jurisprudência 2011 I-00095, pode ler-se:“…Para determinar se essa entidade mantém a sua identidade, há que tomar em consideração todas as circunstâncias de facto que caracterizam a operação em causa, entre as quais figuram, designadamente, o tipo de empresa ou de estabelecimento de que se trata, a transferência ou não de elementos corpóreos, como os edifícios e os bens móveis, o valor dos elementos incorpóreos no momento da transferência, a reintegração ou não do essencial dos efetivos pelo novo empresário, a transferência ou não da clientela, bem como o grau de similitude das atividades exercidas antes e depois da transferência e a duração da eventual suspensão destas atividades. Estes elementos constituem apenas aspetos parciais da avaliação de conjunto que se impõe e não podem, por isso, ser apreciados isoladamente (v., designadamente, acórdãos de 18 de março de 1986, Spijkers, 24/85, Colect., p. 1119, n.° 13; de 19 de maio de 1992, Redmond Stichting, C-29/91, Colect., p. I-3189, n.° 24; de 11 de março de 1997, Süzen, C-13/95, Colect., p. I-1259, n.° 14; e de 20 de novembro de 2003, Abler e o., C-340/01, Colect., p. I-14023, n.° 3.


Face ao exposto, que reputamos de extrema relevância para a resolução deste caso, vejamos agora o que apurou o tribunal recorrido:

A insolvente encontra-se em situação de falência técnica desde 2009, ano em que o passivo já era muito superior ao seu ativo.
No edifício que pertence à insolvente encontra-se a funcionar uma empresa designada “D. F., Unipessoal, Lda.”, a qual pertence e é representada pela cônjuge do gerente da insolvente, sociedade esta que tem o mesmo objecto social da insolvente.
No âmbito de uma execução instaurada pelos requerentes contra a insolvente, já em 06/02/2012, veio a realizar-se uma diligência de penhora de bens móveis no edifício pertencente à insolvente.
Tal diligência não se realizou em virtude de ter referido aos presentes que a insolvente actualmente não possui quaisquer bens, pelo facto dos mesmos terem sido objecto de penhora e posterior venda em sede de execução fiscal, tendo exibido comprovativo de penhora e título de adjudicação dos bens àquela sociedade que é gerida e de propriedade da sua cônjuge, ou seja, a referida “D. F., Unipessoal, Lda.”, que tem o mesmo objecto social da insolvente e que exerce actividade no edifício propriedade da insolvente.
O referido contrato de subarrendamento tem data de 01/07/2009, e o imóvel propriedade da insolvente havia sido arrendado já em 01/10/2002 a uma empresa denominada “BW – Comércio de Vestuário Para Criança, Unipessoal, Lda.”, de quem era gerente o Sr. J. M., que também era sócio e gerente da insolvente.
Empresa esta que (tendo sido já também declarada insolvente) deu o imóvel de subarrendamento (total) à empresa da cônjuge do gerente da insolvente (e mãe do gerente daquela “BW”), através do contrato apresentado à agente de execução.
Desde 2002 que a insolvente, representada pelo gerente Sr. J. M., deu de arrendamento total a uma outra sociedade (BW, Lda.), representada pelo mesmo Sr. J. M., o edifício da insolvente, que depois o deu de subarrendamento a uma outra empresa, representada por sua mãe (D. F.) e por seu irmão, A. F., o qual se declarou representante daquela empresa de que é gerente também sua mãe à Srª. Agente de Execução que ali se deslocou para fazer a penhora.
D. F. exerceu actividade na insolvente até 31/03/2009, altura em que constituiu aquela sociedade de que era gerente, que depois passou a ser subarrendatária do edifício da insolvente.
10º Em Janeiro de 2011, todos os bens móveis da insolvente foram adquiridos, em processo de execução fiscal, mediante uma proposta apresentada numa venda por negociação particular, por aquela empresa da cônjuge do gerente da insolvente (D. F. Unipessoal, Lda).
12º O volume de negócios da insolvente sofreu uma quebra significativa ao longo dos anos e, em 2012 teria sido de € 38.965,00.
13º O sócio gerente da BW- Comércio de Vestuário para criança, unipessoal, Lda era também sócio-gerente da insolvente e é filho de A. M. e D. F.
14º Pelo menos desde 2009 os sujeitos indicados sob os n.ºs 1, 2, 4, 5, 7, 9, 10,12,13, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 24 e 25 da lista apresentada a fls. 4 a 12 exerciam a sua actividade no prédio referido em 1);
15º Os sujeitos indicados sob os n.ºs 1, 2, 4, 5, 7, 9, 10,12,13, 17, 18, 19, 20, 21, 22, 24 e 25 da lista apresentada a fls. 4 a 12 exerciam a sua actividade por conta e sob as ordens da insolvente à data da declaração da insolvência, que desde o início do contrato (ou transmissão da posição) pagou os salários e descontou para a Segurança Social;
17º A sociedade D. F. Unipessoal, Lda labora com os mesmos equipamentos que laborava a Empresa X- Texteis Lda e trabalhava com os clientes que pertenciam àquela.
18º A insolvente não depositou as contas relativas ao exercício de 2011 e 2012.
19º A sociedade BW- Comércio de Vestuário para criança, Lda foi declarada insolvente por decisão de 6.1.2012.
20º A sociedade D. F. Unipessoal, Lda foi constituída em 30.3.2009 pelo AP 35/20090330, tendo por aumento de capital, alteração do contrato de sociedade para sociedade por quotas alterado a sua designação para D. F., Lda, pelo Ap 18/20140620, na pendência desta acção, tendo entrado como sócio, o filho A. F..
Eis, pois, o contexto facto relevante para se apreciar se houve ou não transmissão de estabelecimento.
Perante esta factualidade, não podemos deixar de considerar que a razão não está do lado dos Recorrentes, não tendo ocorrido transmissão do estabelecimento. Com efeito, dos factos provados, para além dessa aquisição dois anos depois da anotada situação da falência técnica – ver F.P nº 1- dos bens pertença da insolvente pela sociedade D. F. e da clientela nada mais resulta, designadamente quanto à (eventual) transferência de qualquer um ou outro(s) dos elementos ou meios organizados susceptíveis de configurarem uma unidade económica na definição acima apontada.
Acresce dizer que assentando o exercício de uma actividade essencialmente na mão-de-obra, determinante para considerar a existência da mesma unidade económica é saber se houve manutenção do pessoal ou do essencial deste, na medida em que é esse complexo humano organizado que confere individualidade à empresa, e não tanto se se transmitiram, ou não, activos corpóreos. Ora no caso em apreço o complexo humano não foi transmitido nos temos supra apurados (ver F. P 14 e 15).
Também não se pode afirmar uma identidade da unidade económica, antes e depois da transmissão, se falha o elemento teleológico que envolve e dá sentido ao conjunto organizado de bens, isto é, se o conjunto de bens já não está destinado a produzir, se já não produz, ele próprio perde todo o sentido.
Tem de se poder encontrar, no estabelecimento que existia antes da transmissão e no estabelecimento que existe depois, a mesma identidade. Se o estabelecimento não existe depois, por natureza, não é idêntico ao que existia antes.
No caso em apreço quer se considere o ano de 2009 como data da alegada transmissão quer o ano de 2011 (duvida esta que os recorrentes transmitem) em qualquer dessas datas a insolvente não era uma entidade económica estável, em razão de ao longo dos anos ter perdido diversos elementos que caracterizam uma empresa (ver F. P nº 1º, 3º, 4º, 10º 12º e 18º).
Os demais argumentos tecidos pelos recorrentes não têm qualquer fundamento e não passam de considerações genéricas.
Em suma, no que se refere à decisão de direito, não há qualquer justificação ou fundamento para alterar a decisão recorrida.
Assim sendo, pelos motivos que antecedem resulta que se deverá confirmar a douta sentença e julgar improcedente a apelação nos termos expostos.
É critério para atribuição do encargo das custas o da sucumbência e na respectiva proporção (artigo 527º, nºs 1 e 2, do código de processo).
Na hipótese o encargo das custas é, no total, vínculo dos apelantes.
***
Podendo, deste modo, concluir-se, sumariando (art. 663º, nº7 CPC), que:
●. O preceituado no artº 640 do CPC em conjugação com o que se dispõe no artº 662º do mesmo diploma legal permite a este Tribunal de instância julgar a matéria de facto.
●. Todavia a redacção de tais normativos não permite a repetição por este Tribunal do julgamento, tal como rejeita a admissibilidade de recursos genéricos contra a errada decisão da matéria de facto, tendo o legislador optado por abrir apenas a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas as divergências dos recorrentes.
●. Assentando o exercício de uma actividade essencialmente na mão-de-obra, determinante para considerar a existência da mesma unidade económica é saber se houve manutenção do pessoal ou do essencial deste, na medida em que é esse complexo humano organizado que confere individualidade à empresa, e não tanto se se transmitiram, ou não, activos corpóreos.
●. Também não se pode afirmar uma identidade da unidade económica, antes e depois da transmissão, se falha o elemento teleológico que envolve e dá sentido ao conjunto organizado de bens, isto é, se o conjunto de bens já não está destinado a produzir, se já não produz, ele próprio perde todo o sentido.
●. Se o estabelecimento não existe depois, por natureza, não é idêntico ao que existia antes.
***

III. DECISÃO

Considerado quanto acima se expõe, acordam os Juízes desta Relação em julgar totalmente improcedente o recurso interposto pelos recorrentes.
Custas em ambas as Instâncias pelos recorrentes
Notifique.

Guimarães, 14 de Setembro de 2017
(processado em computador e revisto)

(Maria Purificação Carvalho)
(Maria dos Anjos Melo Nogueira)
(José Cravo)

1- In Direito Processual Civil, 11ª Edição, Almedina, 2013, pág. 400.