Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
585/12.9TBPRG.G1
Relator: FERNANDO FERNANDES FREITAS
Descritores: EXPROPRIAÇÃO
JUSTA INDEMNIZAÇÃO
MAIS VALIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/07/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I – Aplica-se ao recurso da decisão arbitral o princípio da proibição da reformatio in pejus, consagrado no n.º 5 do art.º 635.º, do C.P.C., que visa impedir que o recorrente seja prejudicado pelo recurso que interpôs, não lhe podendo, sequer, advir prejuízo da anulação do processo.

II – A expropriação constitui um acto ablativo da propriedade, justificado pela sobreposição do interesse comum ao interesse privado do proprietário que, como se sabe, tem o exclusivo do uso e fruição das coisas que lhe pertencem.

III – O direito à justa indemnização, em resultado de uma expropriação, configura um direito fundamental de natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias pelo que só pode sofrer as restrições previstas na Constituição, devendo, por isso, serem rejeitados, porque inconstitucionais, os critérios conducentes a uma indemnização meramente nominal, puramente irrisória ou simbólica.

IV – Assim, a justa indemnização há-de ter como ponto de referência o valor adequado que permita ressarcir o expropriado da perda do bem que lhe pertencia, com o respeito pelo princípio da equivalência de valores, podendo adoptar-se como critério da fixação da justa indemnização o valor real do mercado, ou seja, o preço resultante de um livre contrato de compra e venda.

V – Na determinação do valor dos bens expropriados não pode tomar-se em consideração a mais-valia que resultar de obras ou empreendimentos públicos concluídos há menos de cinco anos, se não tiver sido liquidado encargo de mais-valia.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

A) RELATÓRIO

I.- Por despacho de 14 de Fevereiro de 2011 do Secretário de Estado da Administração Local, publicado na II Série do Diário da República, n.º 40, de 25 de Fevereiro de 2011, a pedido da Câmara Municipal X, foi declarada a utilidade pública, com carácter de urgência, da expropriação, entre outras, das seguintes parcelas:

- N.º 1: com a área de 2.780 m², correspondente ao prédio rústico, inscrito na matriz da Freguesia X sob o artigo ... e descrito no registo predial com o n.º ...7.
- N.º 2: com a área de 96 m2, correspondente ao prédio urbano, inscrito na matriz da Freguesia X sob o artigo ... e descrito no registo predial com o n.º ...6.
- N.º 3: com a área de 123 m2, correspondente ao prédio urbano, inscrito na matriz da Freguesia X sob o artigo … e descrito no registo predial com o n.º ...7.
Após a realização da vistoria ad perpetuam rei memoriam, cujos relatórios constam de fls. 134 a 153, a entidade expropriante tomou posse administrativa das supra referidas parcelas, conforme resulta do auto de fls. 97.

Procedeu-se à arbitragem, tendo o respectivo acórdão (fls. 11 a 30) atribuído à parcela n.º 1 o valor de € 135.536,30, à parcela n.º 2 o valor de € 21.912,39 e à parcela n.º 3 o valor de € 42.996,58.

A propriedade das referidas parcelas foi adjudicada à entidade expropriante, a Câmara Municipal X, pelo despacho de 24 de Outubro de 2012, constante de fls. 399 e 400.

A fls. 422, o expropriado José interpôs recurso da decisão arbitral, considerando como valor da justa indemnização a atribuir à parcela n.º 1 o de € 260.298,00, à parcela n.º 2 o de € 29.048,00 e à parcela n.º 3 o de € 70.521,00.

A expropriada “JM – Sociedade Imobiliária Unipessoal, Lda.”, actualmente designada “Y Imobiliária Unipessoal Lda.”, interpôs igualmente recurso da decisão arbitral (fls. 438 e seguintes), considerando como valor da justa indemnização a atribuir à parcela n.º 1 o de € 307.382,84, à parcela n.º 2 o de € 29.721,43 e à parcela n.º 3 o de € 63.567,99.

A Entidade Expropriante apresentou igualmente, a fls. 465 e seguintes, recurso do acórdão arbitral, sustentando que o valor indemnizatório a atribuir pela parcela n.º 1 deveria ser de € 31.932,00, pela parcela n.º 2 deveria ser de € 4.492,80 e pela parcela n.º 3 deveria ser de € 5.756,40.

Os autos prosseguiram os seus termos, havendo-se procedido à peritagem, tendo sido apresentados três laudos. Assim, os Peritos nomeados pelo Tribunal concluíram a fls. 555 e seguintes, corresponder a justa indemnização da parcela n.º 1 a € 97.428,60, da parcela n.º 2 a € 5.779,04 e da parcela n.º 3 a € 40.698,02.

O Perito nomeado pela Entidade Expropriante apresentou laudo de peritagem próprio (fls. 595), no qual atribuiu à parcela n.º 1 o valor de € 19.495,00, à parcela n.º 2 o valor de € 8.279,00 e à parcela n.º 3 o valor de 10.608,00.

O Perito nomeado pelos Expropriados também apresentou laudo de peritagem próprio (fls. 596), no qual atribuiu à parcela n.º 1 o valor de € 260.212,10, à parcela n.º 2 o valor de € 16.568,64 e à parcela n.º 3 o valor de € 53.020,27.

Procedeu-se ao julgamento que culminou com a prolação de douta sentença que julgou totalmente improcedentes os recursos interpostos pelos Expropriados, e julgou parcialmente procedente o recurso interposto pela Entidade Expropriante, fixando a indemnização no valor global de € 143.905,66 (cento e quarenta e três mil, novecentos e cinco euros e sessenta e seis cêntimos), quantia que deverá ser actualizada desde 14 de Fevereiro de 2011 - a data da declaração de utilidade pública – “de acordo com o índice de preços no consumidor em vigor nesta região, com exclusão da habitação, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 24.º do Código das Expropriações”.

Inconformados com esta decisão, recorreram dela os Expropriados J. C. e “JM – Sociedade Imobiliária Unipessoal, Ld.ª” e a Entidade Expropriante Município X, esta subordinadamente, todos se insurgindo contra os critérios que foram considerados para fixar o valor da indemnização.
Apresentou contra-alegações apenas a Entidade Expropriante.
Os recursos foram recebidos como de apelação, com efeito devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre agora decidir.
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II.- O Apelante/ Expropriado J. C. formulou as seguintes conclusões:

I - Vai o presente recurso da douta sentença de 31 de Outubro de 2016, que julgou totalmente improcedentes os recursos interpostos pelos Expropriados e parcialmente procedente o recurso interposto pela entidade Expropriante, fixando a indemnização a pagar pela entidade Expropriante aos Expropriados em € 143.905,66 (cento e quarenta e três mil, novecentos e cinco euros e sessenta e seis cêntimos), quantia que deverá ser atualizada desde 14 de Fevereiro de 2011 - a data da declaração de utilidade pública, de acordo com o índice de preços do consumidor em vigor na região, com exclusão da habitação.
II - A indemnização fixada na decisão em apreço não é justa e equitativa, nem traduz o justo ressarcimento do prejuízo que para o Recorrente adveio da Expropriação.
III - Quanto ao coeficiente de transposição da área bruta em área útil, seguiu o Tribunal recorrido o entendimento dos senhores peritos nomeados pelo Tribunal no sentido de que o mesmo deverá situar-se em 0,85, tendo em conta o critério do aproveitamento económico normal, valor que se situa entre o avançado pela entidade expropriante e os expropriados.
IV - Sem razão, contudo, já que não é possível que o Tribunal "a quo" não leve em consideração a utilização de um critério sólido tal como o custo médio de construção de habitação por m2 de área bruta o que, como consta do laudo do perito dos Expropriados se cifra em 90% do valor constante na Portaria 1172/2010, de 20/11, relativo à zona II, aplicável ao Município X, valor referencial que cifra o custo médio de construção em 650,10 €/m2, índice de construção corroborado pelo Acórdão de Arbitragem que se encontra junto aos autos, pelo que o custo de construção deve ser fixado em 0,9 x 650,10 €/m2 = 585,09€/m2.
V - Ademais existindo, como existem, dois elementos valorativos - laudo do perito nomeado pelos Expropriados e Acórdão de Arbitragem - a considerar diferente solução da adotada pelo laudo maioritário e, consequentemente, pela Douta Sentença recorrida.
VI - Relativamente à não consideração na sentença em apreço da infraestrutura a que se refere a al. g) do n.º 7 do art.° 26° do C.E., o aqui Recorrente só o consegue vislumbrar como um erro dos senhores peritos e um erro de valoração do Douto Tribunal, porquanto tal infraestrutura existia nas parcelas expropriadas à data da Declaração de Utilidade Pública.
VII - A própria Entidade Expropriante reconheceu a existência dessa estação depuradora, de tal modo que a comunicou ao Tribunal, existência da estação depuradora com ligação a rede de coletores de saneamento, a fls. 517 e 536 dos autos, podendo ler-se, da informação enviada pela Câmara Municipal X ao Tribunal, que «à data de 14 de Fevereiro de 2011, a Rede de Saneamento existente na Rua …, possuía ligação à ETAR de X».
VIII - Mais, os próprios peritos autores do laudo maioritário consideram a sua existência, apenas não consideram que deva ser valorizada.
IX - Daqui se retira que tal estação depuradora existe, informação confirmada pela autoridade competente para certificar tal existência, a Câmara Municipal X, aqui entidade Expropriante.
X - Em momento algum referem os Senhores Peritos, nem teriam esse conhecimento, que não foi liquidado encargo de mais-valia e, muito menos que a estação depuradora apenas passou a existir há menos de 5 anos (pois existia já à data da expropriação como acima se disse) pelo que, reconhecendo a existência da estação depuradora no local, sempre teriam que a considerar.
XI - Neste sentido se manifestou o perito nomeado pelos Expropriados: "constata-se assim que objetivamente a rede de saneamento existente na Rua que confrontava com o conjunto predial estava, à data da DUP, ligada à Estação de Tratamento de Águas Residuais (ETAR). Assim, face a esta informação deverá ser considerada, entre as demais percentagens referentes às infra-estruturas constantes do laudo maioritário, a percentagem de 2% correspondente à alínea g) do n.º 7 do artigo 26.º do C.E."
XII - Só poderia ser desconsiderada a sua quantificação nos termos do art.° 26°, n.º 7 do CE, mas não a sua inexistência, se a entidade expropriante viesse provar que não tinha sido liquidado o encargo de mais-valia, única condição valorativa do art.° 23°, n.º 2, al. b) do C.E. XIII - Em suma, resulta claro que a estação depuradora existente na Rua que confrontava com as parcelas expropriadas e estava, à data da DUP, ligada à Estação de Tratamento de Águas Residuais, pelo que, tal facto "As parcelas expropriadas dispõem de estação depuradora em ligação com a rede de colectores de saneamento" deverá ser adicionado ao leque dos factos provados e, consequentemente, levado em conta na indemnização a fixar.
XIV - Não existindo qualquer elemento no processo que colida com a alínea b) do n.º 2 do art.° 23° do Código das Expropriações em que se estabelece que na determinação do valor dos bens expropriados não podem ser tomadas em consideração as mais-valias decorrentes de obras ou empreendimentos públicos há menos de 5 anos, no caso de não ter sido liquidado encargo de mais-valia, como não existe, esta deverá ser valorada como infraestrutura existente nas parcelas expropriadas.
XV - Interpretação contrária atenta claramente contra a letra da Lei, que é clara e objetiva – artº. 26° /7 /g) do Cód. Expropriações.
XVI - A percentagem total relativa a infraestruturas prevista no art.° 26°, n.º 7 do C.E., deve ser atualizada para 9% tal como consta no laudo de peritagem subscrito pelo perito dos Expropriados.
XVII - Deverá considerar-se para efeito de preenchimento das alíneas do n.º 7 do artigo 26.° do CE o coeficiente parcial de 2%, relativo à existência de estação depuradora com ligação à rede de saneamento, cifrando-se a percentagem total relativa a infraestruturas em 9%.
XVIII - Também é passível de censura a douta decisão em apreço na parte em que aplica um agravamento de 20% no custo de construção "tendo em conta as condições hidrológicas do local bem como as condicionantes especiais das construções da zona adjacente ao rio Douro haverá implicações diretas no agravamento do custo de construção".
XIX - É que, tal como preconiza o perito nomeado pelos expropriados, o risco associado à construção naquele local é um risco de construção em zona de cheias e que "não se justifica considerar uma percentagem superior a 10% pelo facto de o custo de construção ser agravado pela inserção em zona de cheia, concordando assim o Perito Signatário com a percentagem adotada na Arbitragem (10%).
XX - Temos, pois, duas avaliações independentes, que convergem para o mesmo fator de risco - 10% devendo esse ser o fator de risco fixado, ao invés do incompreensível risco de 20% (o dobro) estabelecido na Sentença recorrida.
XXI - Ademais, aplicou a Meritíssima Juiz a quo uma taxa de risco máxima de 15% associada à atividade construtiva na zona em questão, nos termos do art.º 26º, n.º 9, situação apenas prevista no caso de "o aproveitamento urbanístico que serviu de base à aplicação do critério fixado nos n.ºs 4 a 8 constituir, comprovadamente, uma sobrecarga incomportável para as infra-estruturas existentes, no cálculo do montante indemnizatório deverão ter-se em conta as despesas necessárias ao reforço das mesmas".
XXII - No entanto, não há sobrecarga incomportável para as infraestruturas existentes porque as mesmas são as que servem todas as demais construções existentes ao longo dos terrenos marginais da Rua ... (como se lê no laudo do perito nomeado pelos Expropriados), sendo suficientemente resistentes para suportar todas as construções ao longo da marginal, não sendo necessária a aplicação de uma percentagem de reforço de infraestruturas (entendimento perfilhado quer pelo perito nomeado pelos Expropriados quer no Acórdão de Arbitragem que não entendeu ser necessário atribuir nenhum valor à rúbrica inscrita no n.º 9 do art.° 26° C.E.)
XXIII - Por outro lado, não pode o aqui Recorrente concordar com uma taxa de risco de 15% (máxima) associada à atividade construtiva na zona em questão para efeitos do art.° 26°, n.º 10 CE, porquanto se trata de uma zona de elevado potencial turístico, em franco crescimento, sendo que, tal risco, a considerar-se, nunca poderia ser de 15%, mas, a considerar-se a sua existência, a percentagem que o Recorrente considera mais ajustada a este item é de 10% para a parte inserida em Solo Urbano - Estrutura Ecológica Urbana e de 5% para a parte do terreno inserida em "Solo Urbano - Espaços de Uso Urbano Geral, Área de X/W (Nível 1), concordando-se também aqui com os valores adoptados na arbitragem" tal como consta do Laudo do Perito nomeado pelos Expropriados.
XXIV - Como tal, a considerar-se a existência de risco na construção, impõe-se alterar tais percentagens de acordo com dois instrumentos de avaliação técnica juntos aos autos, nomeadamente para os valores constantes no Laudo do Perito nomeado pelos Expropriados.
XXV - No que concerne à valoração da área de 2230 m2 nos termos do preceituado no n.º 12 do artº 26º do CE, não pode o Recorrente concordar com o critério usado que atribui um índice de construção de 0,39.
XXVI – Porquanto o índice de construção alcançado pelo perito no seu laudo é de "0,68 m2/m2 na aplicação do critério definido no n.º 12 do artigo 26.°, devendo, porque devidamente justificado ser esse o índice de construção a ter em conta.
XXVII - Quanto à valorização das benfeitorias existentes na parcela n°. 1, recorrendo-se a critérios de sensatez e juridicidade, sempre terá de ser atribuído um valor às construções e árvores existentes na parcela e que eram propriedade do expropriado, que forçosamente terá de se integrar no valor indemnizatório da parcela, contribuindo assim, para uma justa e equitativa indemnização.
XXVIII - Daí que, o valor venal a atribuir nunca deve ser inferior a € 30.000,00 valor que se mostra muito abaixo do valor venal da pedra granítica que ficou no terreno.
XXIX - Quanto às benfeitorias existentes na parcela n.º 2, um prédio de utilização completamente independente, afeto à habitação, com dois pisos e seis divisões e a área bruta de 143m2, o qual, apesar do seu mau estado de conservação, sempre se mostraria possível de reconstrução, sendo que decidiu a douta Sentença que tal não só não devia ser valorado, como ainda deveria ser deduzido o custo da sua demolição.
XXX - Ora, existindo nos autos instrumentos de valoração em sentidos divergentes, considerando, pelo menos o Acórdão de Arbitragem a sua indemnização, sempre seria de, em sede de sentença efetuar operação comparativa e só aí tomar uma posição pela solução que apresentasse mais garantias de legalidade, o que salvo devido respeito por opinião diversa, não ocorreu, tendo a Meritíssima Juiz de Direito limitado a aderir ao Laudo dos peritos nomeados pelo Tribunal.
XXXI - Pelo que, é convicção do Recorrente que, de acordo, para além do mais, com Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 28-09-2010 citado, seria de atribuir o valor da benfeitoria implementada na parcela n.º 2, no valor de € 11.440,00 valor justo face à envolvência, localização, serviços e ambiente circundante.
XXXII - Ainda que tal não se entendesse, deveria ser retirada a verba atinente aos custos de demolição, uma vez que estes poderiam perfeitamente ter sido recuperados com matérias provenientes da mesma como justifica o perito nomeado pelos Expropriados.
XXXIII - Relativamente à valorização da benfeitoria localizada na parcela n.º 3, o aqui Recorrente concorda com a fundamentação apresentada na douta sentença, à exceção do valor unitário de construção, que, à semelhança do supra referido deverá ser apreciado de acordo com o índice de construção referido de 0,9 (ou 90% do custo médio de construção constante da portaria 1172/2010), pelo que seria avaliado em € 30.541,70.
XXXIV - Em suma, face à factualidade exposta, o quantum indemnizatório fixado pelo Tribunal a quo não respeita os princípios básicos subjacentes à expropriação, sendo a indemnização fixada injusta e desproporcionada, o que se diz com o maior respeito e a mais subida vénia.
XXXV - Tendo em conta tudo o alegado e a localização das parcelas a sua distância ao centro da cidade, os equipamentos e valências próximos, nomeadamente escolas, autocarros e estação de comboio a indemnização atribuída afigura-se-nos manifestamente injusta.
XXXVI - Para além do mais, a Meritíssima Juiz a quo sempre poderia, e deveria, salvo devido respeito por melhor opinião, afastar-se da posição adotada no relatório pericial dos Senhores Peritos nomeados pelo Tribunal e decidir de forma diferente, óbvia e necessariamente de acordo com os elementos constantes nos autos, já que não estava em definitivo, vinculada ao juízo dos peritos nomeados pelo Tribunal, sendo que poderia assumir a veste de peritus peritorum e demonstrar que, apesar de tudo, a indemnização a atribuir ao Recorrente teria que ser necessariamente fixada em montante superior ao referido pelos Senhores Peritos nomeados pelo Tribunal, tanto mais que tinha ao seu dispor inúmeros elementos que lhe permitiam (e impunham) decisão contrária, coincidente com a posição assumida pelo perito nomeado pelos Expropriados.
XXXVII - Devia, ainda, atender-se ao Plano Diretor Municipal de X, quer ainda tomando em consideração o disposto nos art.°s 25° e seguintes do Cód. das Expropriações, bem como a demais prova produzida nos autos, concluindo-se pela fixação de uma indemnização próxima dos valores referidos no recurso apresentado pelo Expropriado, a fls. , dos autos.
XXXVIII - Ao decidir como decidiu, o douto Tribunal "a quo" tomou apenas em consideração os benefícios alcançados pela Expropriante, e não os danos suportados pelo Expropriado.
XXXIX - Não respeitou a integridade do direito de propriedade do Expropriado/Recorrente, direito real máximo, uma vez que fixou uma indemnização que não representa para o mesmo a compensação devida, não repondo o Recorrente numa situação económica equivalente àquela em que se encontraria se não tivesse havido a expropriação, em termos que lhe permitisse, caso assim entendesse, adquirir outro bem de igual natureza e valor.
XL - Ainda que assim não se entendesse, o que não se aceita e apenas se equaciona por mera hipótese de raciocínio, nunca a indemnização atribuída aos Expropriados poderia cifrar-se em valor inferior a € 158.264,07 (cento e cinquenta e oito mil, duzentos e sessenta e quatro euros e sete cêntimos), que corresponde ao valor alcançado por acordo e atribuído aos Expropriados por douto despacho de 2 de Outubro de 2013, já transitado em julgado.
XLI - É que, tendo transitado em julgado o despacho que determinou a atribuição, por acordo, desse quantum indemnizatório aos Expropriados, o valor a fixar em sentença sempre terá que ser igual ou superior ao acordado e nunca o fixado na sentença de que se recorre.
XLII - Face ao disposto no artº. 635º, n°. 5 do Cód. Proc, Civil, a indemnização atribuída aos Expropriados pelo douto Tribunal, de harmonia com o disposto no artº. 52º, n°. 3 do Cód. das Expropriações, não pode ser inferior ao valor acordado de € 158.264,07 sendo esse o valor mínimo que poderia atribuir aos Expropriados, ou seja, não podia o Tribunal" a quo" ter fixado uma indemnização de valor inferior àquele que a própria entidade expropriante aceitou ser devido porque justo.
XLIII - Ao decidir como decidiu, violou o Meritíssimo Tribunal "a quo", o disposto nos art.°s 23° e 26° do Código das Expropriações, art.° 62°, n.º 2 da C.R.P. e artº. 635°, n°. 5 do Cód. Proc. Civil.
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III.-A Apelante/Expropriada “JM – Sociedade Imobiliária Unipessoal, Ld.ª” agora “Y Imobiliária Unipessoal, Ldª ” formulou as seguintes conclusões:

I. Entende a Recorrente que o Tribunal a quo não efetuou uma correta interpretação e aplicação das normas jurídicas aplicáveis, designadamente no que respeita aos critérios previstos no Código das Expropriações para cálculo do montante da indemnização.
II. A douta sentença acolheu o laudo maioritário da avaliação efetuada pelos peritos nomeados pelo tribunal, e em consequência, fixou a indemnização a pagar aos expropriados na quantia de € 143.905,66.
III. O valor indemnizatório, justo e equitativo deve ser fixado em € 329.801,01, correspondendo € 260.212,10 à parcela nº 1; € 16.568,64 à parcela nº 2 e € 53.020,27 à parcela nº 3.
IV. Os elementos constantes dos autos, apreciados à luz de uma correta interpretação dos preceitos legais e do conceito doutrinário e jurisprudencial da justa indemnização, teriam que conduzir à fixação do valor referido na conclusão anterior.
V. Efetivamente, a divergência entre a Decisão Arbitral e Relatório de Peritagem, situa-se quase exclusivamente e com relevo para a determinação do "quantum indemnizatório" nos itens relativos aos nºs 6°,7°, 8°, 9° e 10° do art° 26 do C.E., tendo o Tribunal "a quo" desconsiderado o acórdão arbitral e o laudo do Perito dos Expropriados, fazendo fé apenas no Laudo maioritário dos Peritos nomeados pelo Tribunal.
VI. O Tribunal Recorrido profere uma sentença seguidista, em que abertamente segue a posição dos Peritos nomeados pelo Tribunal onde é patente o erro na interpretação e aplicação da matéria estritamente jurídica, independentemente do acerto relativo a matérias técnicas.
VII. Discordamos dos Srs. Peritos do Tribunal quanto ao modo de cálculo do índice de construção na aplicação do critério estabelecido no nº 12 do art.º 26 do C.E., do custo de construção, da percentagem no que se refere ao nº 6 do art.º 26 do C.E., da irrelevância da infraestrutura a que se refere a al. g) do nº 7 do art.º 26 do C.E., da percentagem adotada para efeitos do nº 8 do art.º 26° do C.E., da necessidade do reforço da infraestrutura do nº 9 do art.º 26 do C.E., da percentagem adotada para efeitos do nº 10 do art.º 26 do C.E., da consideração dum custo para a demolição do edifício existente na parcela expropriada nº 2, do valor da edificação existente na parcela expropriada nº 3.
VIII. No que respeita do modo de cálculo do índice de construção na aplicação do critério estabelecido no nº 12 do art.º 26 do C.E., entendemos tal como acima fundamentamos, que o mesmo devia de ser de 0,68m2/m2 e não de 0,39 m2/m2.
IX. No que respeita ao custo de construção pelos fundamentos supra expostos o mesmo deverá corresponder a 90% do valor constante da Portaria nº 1172/2010 de 20/11, o qual se situa em 650,10 €/m2, atendendo à Zona II aplicável ao concelho de X.
X. No que respeita à percentagem no que se refere ao nº 6 do art.º 26 do C.E., entende-se ser ajustada uma percentagem de 14% dada a boa localização da parcela, muito próxima do centro da cidade, com boas acessibilidades rodoviárias e ferroviárias e próxima de importantes equipamentos públicos e inserida em zona com boa qualidade ambiental e com uma vista privilegiada sobre o rio Douro, precisamente entre as duas pontes que o atravessam.
XI. No que respeita à infraestrutura a que se refere a al. g) do nº 7 do art.º 26 do C.E., entende-se que a existência da mesma resulta inequívoca em face do teor do relatório pericial e informação carreada aos autos pela expropriante.
XII. Tendo o Tribunal dado como não provado a existência desta infraestrutura, deve alterar-se nesta parte a matéria de facto, passando a existência de tal infraestrutura para o rol dos factos provados.
XIII. Em consequência deve a referida infraestrutura ser tida em conta enquanto fator de valorização das parcelas expropriadas na percentagem de 2% tal como acima deixamos fundamentado.
XIV. No que respeita à percentagem adotada para efeitos do nº 8 do art.º 26° do C.E. atinente ao custo agravado da construção, dada a incongruência que resulta do relatório pericial (na medida em que considerou a parcela retangular e plana) parece-nos mais correta a percentagem de 10% do valor de terreno para custo da construção.
XV. No que respeita à necessidade do reforço das infraestruturas a que se refere o nº 9 do art.º 26 do C.E., deveria o Tribunal ter decidido não haver necessidade de reforço das infraestruturas e consequentemente não considerar qualquer percentagem para esse fim no cálculo do valor das parcelas.
XVI. No que respeita à percentagem adotada para efeitos do nº 10 do art.º 26 do C.E., atinente ao fator de risco, atento a que as parcelas se situam numa das zonas mais nobres da cidade, a percentagem a considerar deveria de ser de apenas 5% para a construção na área de 550 m2 e 10 % na restante.
XVII. No que respeita ao custo de demolição do edifício existente na parcela 2, não deverá tal obra ser considerada como custo a considerar na avaliação da parcela, quer pela sua insignificância quer por poder ser custeada através do aproveitamento de materiais.
XVIII. Para a avaliação do valor desta parcela nº 2, além de não ser de considerar qualquer custo com demolição a subtrair ao valor do solo, deverá sim, ao valor do solo somar-se o valor do próprio edifício, o qual deve ser avaliado em montante nunca inferior a 11.440,000.
XIX. Uma vez que o solo da parcela nº 2 é considerado como solo apto para construção, a reconstrução do edifício de habitação nela implantado consubstanciaria um aproveitamento economicamente normal, compatível com o índice máximo de construção previsto para o local, tal como os srs árbitros defenderam e fundamentaram no acórdão arbitral.
XX. Por último no que respeita ao calculo do valor da edificação existente na parcela 3, entende-se que o calculo do mesmo deveria ser efetuado tomando em consideração o custo médio de construção que será o correspondente a 90% do valor constante da Portaria nº 1172/2010 de 20/11, o qual se situa em 650,10 €/m2, atendendo à Zona II aplicável ao concelho de X encontrando-se o valor de €30.541,70.
XXI. A alteração pretendida pela Recorrente, está conforme o defendido e fundamentado no acórdão arbitral e no laudo do perito dos expropriados, formando-se uma maioria que não justifica que na sentença tenha sido seguido a posição dos Peritos nomeados pelo Tribunal.
XXII. A equidistância em relação às partes e isenção em relação ao objeto do litígio que gozam para o Tribunal os peritos por si nomeados, e que por isso justificam a prevalência sobre a posição dos peritos indicados pelas partes (tal como o expressou o meritíssimo juiz a quo na fundamentação da douta sentença), terá que ser sopesada com a posição dos árbitros que subscreveram o acórdão arbitral. Estes árbitros são também nomeados pelo Tribunal pelo que a equidistância e isenção tem que lhes ser igualmente atribuída.
XXIII. Quando os árbitros corroboram a posição do perito de uma das partes, esta posição maioritária, também isenta e equidistante, deverá ser a prevalente e aquela a ser tida em conta pelo julgador.
XXIV. Por tudo o exposto violou a douta sentença recorrida por erro de aplicação e interpretação o disposto nos artigos 1°, 23º, 26° do código das expropriações, artigo 607, nº 4 e 5 do CPC e 62, nº 2 da C.R.P.
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IV.- A Apelante/Entidade Expropriante, Município X, aduziu as seguintes conclusões:

1- A parcela identificada como n° 1 dos prédios expropriados foi adquirida em 5/Dez/2006, por € 25.000, conforme resulta da escritura de compra e venda apensa ao processo.
2 - Toda a parcela 1 se insere no POARC, aprovado por resolução do C. Ministros n° 62/2002, e publicada no D.R. Iª Série B de 23 de Março de 2002 em tal plano, condicionando, pelo menos desde 2002, o seu uso.
3 - Toda a parcela expropriada, está inserida na UOPG V prevista no artº 56° do referido regulamento como resulta da arbitragem, que refere: De acordo com o Plano de Ordenamento das Albufeiras da X (POARC)2, de Mar/2002, a parcela Nº 1 está inserida em:

"Espaços Urbanos" que, nos termos do art. 46.º do regulamento respectivo, obedecem ao regime regulamentar estabelecido no PDM, e na UOPG V - Parque Ribeirinho de X, descrita no art. 56° do regulamento, de natureza non aedificandi, a sujeitar à elaboração de um Pu4 ou PP5, com os seguintes termos de referência, entre outros:
Estes factos deveriam ter sido considerados como provados já que resultam dos documentos juntos aos autos e da legislação respectiva.
4 - Inserindo-se todo o prédio designado como parcela 1 na mesma área do plano urbanístico e sujeito às regras do mesmo instrumento de planeamento, concretamente ao POARC e, dentro deste a UOPG V, não há qualquer fundamento para dividir a parcela expropriada em duas áreas distintas para fins de determinação do respectivo valor, pelo que a avaliação e a sentença que nesta se funda parte de pressupostos de facto errados e cálculos infundados.
5 - Este PMOT (Plano Municipal de Ordenamento do Território) sem cuja elaboração toda a área se considera área non aedificandi, é balizado por termos de dos quais resulta a perspectiva de aproveitamento publico e particular dos prédios por ele a abranger.

Concretamente, nos termos do disposto no nº 2 do art° 56º Regulamento do POARC, os termos de referência do PMOT são os seguintes:

a) Consolidação da margem do Douro através de uma modelação em socalcos até à zona edificada, procurando a integração paisagística de espaços destinados a lazer e passeio;
b) Percurso pedonal desenvolvido longitudinalmente à margem da albufeira e localizado na proximidade da zona edificada;
c) Enquadramento paisagístico da área lúdico-desportiva e do parque de campismo previsto para o Clube de Caça e Pesca do Alto Douro para os seus terrenos junto à albufeira;
d) Criação de um parque de campismo com capacidade adequada;
e) Enquadramento de protecção à zona de Marsilea quadrifólia localizada no extremo nascente da unidade operativa;
f) Reabilitação das edificações da frente ribeirinha da X segundo parâmetros urbanísticos coerentes com o edificado tradicional;
g) Eventual construção na frente ribeirinha de equipamentos lúdico-recreativos relacionados com o plano de água;
h) Delimitação de áreas sujeitas a riscos de cheias e aplicação das disposições constantes no Decreto-Lei nº 364/98, de 21 de Novembro;
6 - Estas regras de aproveitamento dos prédios abrangidos pela UOPG, como é o caso dos prédios expropriados, não permitem considerar uma densidade superior a 0,2 m2/m2 para efeitos de cálculo de valor de construção possível.
7 - À data de aquisição da parcela Nº 1, que ocorreu em 5/Dez/2006, por € 25.000, (cfr. escritura de compra e venda apensa ao processo), o POARC já se encontrava em vigor desde 2002 e prevalecia sobre o PDM então vigente, condicionando o uso da mesma.
8 - Embora os terrenos expropriados se destinem a equipamento, a avaliação não pode recorrer ao número 12 do artigo 26º do C.Exp, já que o prédio expropriado foi adquirido em 2006, portanto após a aplicação limitações existentes nos planos.
Ao aplicar esta norma, a avaliação e a sentença violam a mesma por errada aplicação.
9 - Os expropriados adquiriram os prédios quando eles já estavam submetidos a regras urbanísticas que exigiam, para o seu aproveitamento a criação de planos específicos de pormenor que limitariam fortemente o seu aproveitamento para construção rentável, pelo que o valor de indemnização não deve ultrapassar um valor que represente a evolução do mercado relativamente ao preço de aquisição.
10 - Tendo sido adquirido um prédio por 25.000 euros, (valor que inclui outros dois) integrado em área de restrições urbanísticas então já em vigor, não é aceitável que tal prédio venha a ser avaliado em 97.428,60 euros para fins de expropriação sem que tenham sido alterados os regulamentos urbanísticos aplicáveis, sob pena de ser ultrapassado o valor justo ou de mercado.
A valorização excessiva e infundada do prédio, sem fundamentos concretos que a justifiquem, constitui valor especulativo e viola as regras previstas no art° 23º do Código das expropriações
11 – Nos termos do n.º 2 do art.º 26º do Código das expropriações, sendo conhecido em concreto o valor de aquisição recente, será esse o valor de mercado que um comprador prudente daria pelo prédio, nas circunstâncias em que o mesmo se insere não se tornando necessário recorrer á média que esta norma prevê.

Assim, deveria a indemnização ter em conta esta regra, o que iria originar o valor apontado pelo expropriante e que seria o valor justo ou de mercado.
Ao calcular o valor do prédio sem estas restrições, e ficcionando uma densidade de ocupação possível com o limite máximo previsto no PDM, a avaliação, e a sentença que nelas se funda violaram este pressuposto urbanístico e, consequentemente o disposto no artº 23° do C. Ex. que manda atender às circunstâncias e condições de facto existentes, que incluem as regras urbanísticas então aplicáveis.
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V.- Como resulta do disposto nos art.os 608.º, n.º 2, ex vi do art.º 663.º, n.º 2; 635.º, n.º 4; 639.º, n.os 1 a 3; 641.º, n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil, (C.P.C.), sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.

Como se extrai das conclusões acima transcritas, cumpre:

a) no recurso principal dos Expropriados:
i) reapreciação da decisão e facto quanto ao segmento impugnado (facto julgado não provado);
ii) cálculo do valor da justa indemnização a atribuir aos Apelantes/ Expropriados;
b) no recurso subordinado da Expropriante:
- cálculo do valor da justa indemnização.
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B) FUNDAMENTAÇÃO

VI.- O objecto destes autos é o da fixação da indemnização que deverá ser atribuída aos Expropriados pela ablação do seu direito de propriedade decorrente da expropriação por utilidade pública.

MARCELLO CAETANO define a expropriação de coisas como “a relação jurídica pela qual o Estado, considerando a conveniência de utilizar determinados bens imóveis em um fim específico de utilidade pública, extingue os direitos subjectivos constituídos sobre eles e determina a sua transferência definitiva para o património da pessoa a cujo cargo esteja a prossecução desse fim, cabendo a esta pagar ao titular dos direitos extintos uma indemnização compensatória” (in “Manual de Direito Administrativo”, Almedina, 1980, pág. 1020).

Todos os elementos constituintes desta definição estão vertidos no art.º 1.º do Código das Expropriações (C.Exp.), que impõe “às entidades expropriantes e demais intervenientes” no procedimento e no processo expropriativos uma actuação, na prossecução do interesse público, que respeite “os direitos e interesses legalmente protegidos dos expropriados e demais interessados”, observando os princípios da legalidade, da justiça, da igualdade, da proporcionalidade, da imparcialidade e da boa fé – cfr. art.º 2.º.
Estamos, pois, perante um acto ablativo da propriedade, justificado pela sobreposição do interesse comum ao interesse particular do proprietário que, como se sabe, tem o exclusivo do uso e fruição das coisas que lhe pertencem.

O art.º 17.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (que o Tratado de Lisboa integrou na nossa ordem jurídica interna, atribuindo-lhe o mesmo valor dos tratados), consagra o jus fruendi e o jus utendi como integrantes do direito de propriedade, reconhecendo que ninguém pode ser privado da sua propriedade senão por razões de utilidade pública, e mediante “uma justa indemnização pela sua perda, em tempo útil”.

O artº. 62º. da nossa Constituição, consagrando o direito universal à propriedade privada, reconhece aos proprietários o direito a transmiti-la “em vida ou por morte”, e, bem assim, o direito a receberem uma “justa indemnização” em caso de requisição ou expropriação por utilidade pública.

Na interpretação deste preceito constitucional, o Tribunal Constitucional (T.C.) vem entendendo que o direito à justa indemnização, em casos de expropriação, se traduz num direito fundamental de natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias pelo que só pode sofrer as restrições previstas na Constituição, as quais devem limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos (cfr., por todos, o Ac. nº. 194/97, Consº. Messias Bento, Procº. 225/96, in www.tribunalconstitucional.pt).

Como refere o Ac. n.º 231/2008, de 21/04/2008, do mesmo T.C., “o direito à justa indemnização é a concretização do princípio da igualdade de todos perante os encargos públicos princípio este que resulta, por seu turno, da aplicação ao domínio do património privado daqueles valores gerais que exigem a criação de um direito que seja igual, proporcional e não arbitrário. Todos juntos estes princípios geram uma regra que pode ser enunciada do seguinte modo: sempre que o bem comum exigir que certo ou certos particulares sofram sacrifícios patrimoniais que sejam de índole grave e especial, por excederem em natureza e intensidade os encargos normais que são impostos a todos pelas necessidades da vida colectiva, fica o Estado obrigado a compensar a perda anormal que infligiu.” (ut Proc.º 337/06, in www.dgsi.pt).

Ainda no mesmo Ac., escreveu-se que “no conceito da justa indemnização vai implícito o sentido de que devem ser rejeitados por inconstitucionais os critérios conducentes a uma indemnização meramente nominal, a uma indemnização puramente irrisória ou simbólica ou a uma indemnização simplesmente aparente”.

Está incluído ainda no conceito constitucional de justa indemnização o respeito pelo princípio da igualdade de encargos, que se desdobra em duas dimensões: “no âmbito da relação interna” e “no domínio da relação externa”, comparando-se neste os expropriados com os não expropriados, devendo a indemnização ser fixada “num montante tal que impeça um tratamento desigual entre os dois grupos” e naquele os vários expropriados dos terrenos confinantes de modo a evitar que uns sejam mais beneficiados que outros, em termos de valores da indemnização, já que estarão em igualdade de circunstâncias.
Este princípio da igualdade dos cidadãos perante os encargos públicos exige que a expropriação por utilidade pública “seja acompanhada de uma indemnização integral ou de uma compensação integral do dano infligido ao expropriado”.

Refere o Ac., ainda, do mesmo T.C. nº. 11/2008 (tirado em Plenário) “a “justa indemnização” há-de tomar como ponto de referência o valor adequado que permita ressarcir o expropriado da perda do bem que lhe pertencia, com o respeito pelo princípio da equivalência de valores. O valor pecuniário arbitrado, a título de indemnização, deve ter como referência o valor do bem expropriado.

Se é admissível que na fixação deste montante interfiram razões de interesse público que justifiquem a introdução de cláusulas de correcção do puro valor de mercado, de modo a evitar avaliações que não se enquadrariam na ideia do valor “justo” já não devem ser admitidas operações redutoras do valor real do bem expropriado, visando apenas uma diminuição oportunista do valor a pagar, ou com fundamentos estranhos à equidade desse valor” (ut Procº. 584/07, disponível in www.tribunalconstitucional.pt).

Por sua vez, referem GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA que a ideia de justa indemnização comporta “duas dimensões importantes: (a) uma ideia tendencial de contemporaneidade, pois, embora não sendo exigível o pagamento prévio, também não existe discricionariedade quanto ao adiamento do pagamento da indemnização; (b) justa indemnização quanto ao ressarcimento dos prejuízos suportados pelo expropriado, o que pressupõe a fixação do valor dos bens ou direitos expropriados que tenha em conta, … … as circunstâncias e as condições de facto” (in “Constituição da República Portuguesa Anotada”, vol. I, 4.ª ed., revista, pág. 809).
Considera-se que o critério mais adequado para a fixação da indemnização aos expropriados é o do valor de mercado, entendido em sentido normativo, ou seja, “o valor de mercado normal ou habitual, não especulativo” (Cfr. FERNANDO ALVES CORREIA, in “A Jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre Expropriações por Utilidade Pública e o Código de Expropriações de 1999”, na “Revista de Legislação e Jurisprudência” (R.L.J.), ano 132, págs. 232 a 241 e SALVADOR DA COSTA, in “Código das Expropriações e Estatuto dos Peritos Avaliadores”, Almedina, 2010, págs. 143 a 146).

Os critérios para o cálculo do montante da indemnização constam dos nos. 1 e 5 do artº. 23º., do Cód. Exp.: a indemnização não visa compensar o benefício alcançado pela entidade expropriante mas ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, e há-de corresponder “ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efectivo ou possível numa utilização económica normal, à data da publicação da declaração de utilidade pública, tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes naquela data”, princípio este que, segundo ALVES CORREIA, “constitui uma refracção do interesse público da indemnização por expropriação, que vai implicado no conceito constitucional de “justa indemnização” (in R.L.J., ano 134, n.os 3924 e 3925, pág. 99).

Valor que deve ser calculado de acordo com os critérios referenciais constantes do n.º 5 daquele art.º 23.º, devendo corresponder, como acima ficou referido, ao valor real e corrente do bem numa situação normal de mercado.

De acordo com J. A. SANTOS, o critério “do valor venal ou do justo preço resultante de um livre contrato de compra e venda é também o adoptado na generalidade das legislações estrangeiras e aí defendido pela respectiva doutrina” (in “Código das Expropriações”, Anotado e Comentado, 5ª. edição, pág. 306).
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VII.- Nas conclusões XL e sgs., formuladas pelo Apelante J. C., invocando o disposto no n.º 5 do art.º 635.º do C.P.C., afirma este que o valor da indemnização a pagar aos Expropriados não poderá ser inferior a € 158.264,07, que “corresponde ao valor alcançado por acordo” e que lhes foi atribuído “por douto despacho de 2 de Outubro de 2013, já transitado em julgado”.

A Entidade Expropriante apresentou requerimento nos autos alegando que só agora, alertada pelas alegações daquele Expropriado, reparou ter incorrido num erro de soma, e ao invés de escrever o montante de “€42.181,20”, escreveu “158.264,07”. Dado se tratar de um erro manifesto, entende ser passível de correcção a todo o tempo, vindo, por isso, corrigi-lo.
Não recaiu despacho sobre este requerimento, sendo certo que nas suas contra-alegações a referida Expropriante retoma a alegação da existência do erro e a sua correcção.
A Expropriada não se pronunciou.
Posto que se trata de uma questão que interfere na fixação do montante da indemnização, cumpre apreciá-la.
Como é entendimento pacífico, a decisão arbitral tem carácter e natureza jurisdicional, funcionando o colégio dos árbitros como tribunal arbitral necessário.

Deste modo, os árbitros julgam as questões que lhes são colocadas.
Aplicam-se-lhe, por isso, as regras e disposições de direito adjectivo que regem a impugnação das decisões judiciais pela via do recurso.
As instâncias de recurso - in casu o Tribunal Judicial, que funciona como 2ª. instância e o Tribunal da Relação, que é a 3ª. instância - estão limitadas pelas questões que lhes foram suscitadas nas conclusões, que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.

E, por outro lado, quer a decisão arbitral, quer a decisão do tribunal judicial, transitam em tudo quanto seja desfavorável para a parte não recorrente já que a falta de recurso legitima o juízo de que se aceitou a decisão (cfr., dentre outros, os Acs. do S.T.J. 26/11/2009, in Procº. 2416/04.4TJVNF.S1 e de 12/12/2010, in Procº. 4925/07.4TBGMR.G1.S1, ambos em www.dgsi.pt), o que constitui manifestação do princípio da proibição da reformatio in pejus, consagrado no nº. 5 do artº. 635º., do C.P.C., que visa impedir que o recorrente seja prejudicado pelo recurso que interpôs, não lhe podendo, sequer, advir prejuízo da anulação do processo, ou seja, a sua posição não poderá ser agravada, tornando-a pior do que se não tivesse recorrido.

Na situação sub judicio resulta dos autos (cfr. fls. 543) que o Expropriado, de facto, requereu que lhe fosse entregue metade (correspondente à sua quota-parte) da quantia que a Expropriante escreveu nas suas alegações de recurso da decisão arbitral - € 158.264,07, o que lhe foi deferido por despacho proferido a fls. 547, reiterado a fls. 650.

Não se extrai que tal despacho tivesse sido notificado à Expropriante, nem o referido Expropriado juntou o comprovativo de ter feito a notificação do seu requerimento aos demais Mandatários Judiciais constituídos no processo, sendo, por isso, credível a “surpresa” agora manifestada por aquela.

De acordo com o disposto no art.º 249.º do Código Civil “o simples erro de cálculo ou de escrita, revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita, apenas dá direito à rectificação desta.

Como é entendimento pacífico esta norma é aplicável a todas as situações em que o erro é cognoscível, e portanto, também nos articulados e requerimentos dos processos.
E o erro de soma em que incorreu a Expropriante salta à vista pela simples leitura e pelo contexto em que se insere.

Com efeito, a fls. 478, escreveu ela: “O valor encontrado para as parcelas 1, 2 e 3 será pois a soma dos valores apontados, concretamente: ___ Parcela 1 = 31.932,00€, + Parcela 2 = 4.492,80€, + Parcela 3 = 5.756,40€ no total de 158.264,07”, sendo que a soma daquelas três importâncias é antes de € 42.181,20.
E este valor sai ainda demonstrado de toda a argumentação desenvolvida nas referidas alegações de recurso, designadamente dos cálculos parciais aí efectuados.
Reconhece-se, pois, a existência do erro e defere-se o pedido de rectificação.
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VIII.- O Tribunal a quo proferiu a seguinte decisão de facto:

i) julgou provado que:

1. Por despacho de 14 de Fevereiro de 2011 do Secretário de Estado da Administração Local, publicado na II Série do Diário da República, n.º 40, de 25 de Fevereiro de 2011, a pedido da Câmara Municipal X, foi declarada a utilidade pública, com carácter de urgência, da expropriação, entre outras, das seguintes parcelas, tendo em vista a execução dos projectos “Acesso ao Rio desde a Ponte, Arruamento até ao Interface de Transportes Rodoviários/Parque de Caravanismo e Interface de Transportes Rodoviários/Parque de Caravanismo”, inseridos no plano de acção “Frente Douro – Parcerias para a Regeneração Urbana da Zona Ribeirinha de X”:
2. - N.º 1: com a área de 2.780 m², correspondente ao prédio rústico, inscrito na matriz da Freguesia X sob o artigo … e descrito no registo predial com o n.º ...7.
3. - N.º 2: com a área de 96 m2, correspondente ao prédio urbano, inscrito na matriz da Freguesia X sob o artigo ... e descrito no registo predial com o n.º ...6
4. - N.º 3: com a área de 123 m2, correspondente ao prédio urbano, inscrito na matriz da Freguesia X sob o artigo … e descrito no registo predial com o n.º ...7.
5. O prédio correspondente à parcela n.º 1 confronta a nascente e a sul com estrada, a poente com a parcela n.º 4 e a norte com caminho de ferro.
6. A parcela n.º 1 constitui um prédio de características agrícolas de regadio, praticamente plano e de configuração rectangular.
7. Na altura da vistoria, encontrava-se ocupado com mato, silvas, 150 laranjeiras, 5 marmeleiros, 2 oliveiras e 1 figueira.
8. Na parcela n.º 1 existia um reservatório de água de 1,8 m x 2,7 m x 1,70 m3, muro degradado em alvenaria com 4,2 m x 11 m e uma escadaria em ruínas.
9. Existiam ainda dois anexos em alvenaria de tijolo em ruínas e quatro muros de suporte de, respectivamente, 60 m x 2,5 m, 60 m x 1,2 m, 20 m x 1,2 m e 50 m x 1,5 m.
10. A parcela n.º 1 tem acesso pela referida escadaria em ruínas a partir da estrada nacional n.º 108 ou Rua …, pavimentada a betuminoso, dispondo de rede de abastecimento domiciliário de água, rede de saneamento, rede de telefone, rede de drenagem de águas pluviais, rede de iluminação pública, rede de electricidade e passeios.
11. De acordo com o Plano de Ordenamento das Albufeiras da X e do Carrapatelo (POARC), a parcela n.º 1 insere-se em “Espaços Urbanos”, estando classificada pelo PDM:
12. - Como Solo Urbano, de Uso Urbano Geral, Estrutura Ecológica Urbana, quanto a subparcela de 2.230 m2;
13. - Como Solo Urbano, de Uso Urbano Geral, Nível 1 – Área Urbana de X/W Nível 1.
14. O prédio correspondente à parcela n.º 2 confronta a norte, sul, nascente e poente com proprietário.
15. À data da vistoria, nele existia edifício totalmente em ruínas.
16. O acesso à parcela n.º 2 é feito pela parcela n.º 1.
17. De acordo com o Plano de Ordenamento das Albufeiras da X e do Carrapatelo (POARC), a parcela n.º 2 insere-se em “Espaços Urbanos”, estando classificada pelo PDM como solo urbano, espaços de uso urbano geral, nível 1 – área urbana de X/W nível 1.
18. O prédio correspondente à parcela n.º 3 confronta a norte com estrada nacional e a sul, nascente e poente com proprietário.
19. Na parcela n.º 3, à data da vistoria, existia edifício em relativo bom estado de conservação com dois pisos, com área de implantação de 58 m2.
20. Existia ainda um poço com cabine de 1 metro por 1 metro construído em manilhas.
21. O acesso à parcela n.º 3 é feito pela parcela n.º 1.
22. De acordo com o Plano de Ordenamento das Albufeiras da X e do Carrapatelo (POARC), a parcela n.º 3 insere-se em “Espaços Urbanos”, estando classificada pelo PDM como solo urbano, espaços de uso urbano geral, nível 1 – área urbana de X/W nível 1.
23. As vias públicas com as quais as parcelas expropriadas confinam, pavimentadas e betuminosas, dispõem de passeio para peões.
24. Próximo das parcelas expropriadas existe estação de caminho-de-ferro, paragem de autocarros, heliporto, escolas e supermercados.
25. Mais em particular, as parcelas expropriadas distam, em linha recta, aproximadamente 400 m da Estação Ferroviária de X e aproximadamente 1 km da Rotunda que dá acesso à A24.
26. As parcelas expropriadas têm boas vistas para o rio Douro.
27. As parcelas expropriadas localizam-se na cidade de X, tendo na zona mais próxima edifícios de habitação unifamiliar maioritariamente com dois pisos e habitação multifamiliar com cinco pisos acima do solo, com o comércio e serviços ao nível do rés-do-chão.

ii) julgou não provado que:

a. As parcelas expropriadas dispõem de estação depuradora em ligação com a rede de colectores de saneamento.
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VII.- Como resulta das conclusões dos Expropriados pretendem estes que o facto acima transcrito seja, também ele, julgado provado.
Fundamentam alegando que a existência desta estrutura consta do relatório pericial e de informação da própria Expropriante.
Resultando cumpridos os ónus impostos pelo art.º 640.º do C.P.C., cumpre reapreciar a decisão no exercício do poder vinculado que o art.º 662.º do C.P.C. veio conferir à Relação.

Muito embora os Senhores Peritos tenham referido, em sede de prestação de esclarecimentos, não haverem tido em consideração a “estação depuradora” por terem obtido a informação dos Serviços Técnicos do Município que “as infra-estruturas relacionadas com o sistema de águas residuais apenas passaram a estar disponíveis para o prédio em causa, na sequência de obras de reforço realizadas pela empresa Águas de Trás-os-Montes, em 2011” (cfr. fls. 659), o certo é que é deste ano, mais concretamente de 14/02/2011, a data do despacho de declaração de utilidade pública da expropriação, e são os próprios Serviços da Expropriante a informar que, a esta data “a Rede de Saneamento existente na Rua …, possuía ligação à ETAR de X” (cfr. fls. 534).

Assiste, pois, a razão aos Expropriados pelo que se altera a decisão de facto no segmento impugnado, julgando provado que:
28.- As parcelas expropriadas dispõem de estação depuradora em ligação com a rede de colectores de saneamento.
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VIII.- O que têm de comum os três recursos é a sua discordância quanto aos critérios de avaliação e aos valores a que chegaram os Senhores Peritos nomeados pelo Tribunal a quo, cujo laudo acolheu.
Como resulta evidente, os Apelantes/Expropriados pretendem ver subir aqueles valores (ultrapassando em muito os atribuídos na decisão arbitral, que já são superiores aos do referido laudo) e a Apelante/Expropriante pretende vê-los reduzidos.

Como é jurisprudência uniforme, a indemnização deve fundamentalmente basear-se nos valores apurados nos laudos e relatórios dos peritos escolhidos pelo tribunal, quando haja disparidade entre eles e os dos restantes peritos, porque se lhes exige total imparcialidade, sendo que a sua competência técnica, pelo menos, não há-de ser inferior à dos nomeados pelas partes.

No Ac. desta Rel. de Guimarães de 14/12/2010 oferece-se ainda outro critério: entendendo-se que a arbitragem funciona também como primeira avaliação, sendo divergentes os valores apurados pelos árbitros e pelos peritos nomeados pelo tribunal, o valor da indemnização pode obter-se pela média aritmética entre eles (ut Procº. 3213/06.8TBFLG.G1, in www.dgsi.pt).

É entendimento comum o de que, sendo a perícia um meio de prova, que está sujeito à livre apreciação pelo tribunal, conquanto tradicionalmente o juiz seja considerado o peritus peritorum, deve, em princípio, acolher as respostas dadas pelos peritos, atentos os seus conhecimentos, científicos e técnicos, específicos sobre a matéria em discussão, salvo se elas forem eficazmente contrariadas por outros elementos de prova de que disponha ou se revelarem totalmente desadequadas à situação concreta aprecianda, ou manifeste erros de apreciação.

Como se sabe, a vistoria ad perpetuam rei memoriam (v.a.p.r.m.), destina-se a perpetuar as características do prédio expropriado, antes de sofrer as obras que, inelutavelmente, lhe vão alterar a morfologia. Deve, por isso, o respectivo relatório traçar um retrato o mais fiel possível, quer do prédio quer da envolvente, para permitir aos árbitros, aos peritos e ao próprio tribunal reconstituir o quadro que existia antes da intervenção, para bem o avaliar e daí a sua importância para se saber, por exemplo, da existência de benfeitorias que devam ser tidas em consideração.

Como já se referiu, no que concerne à indemnização, os princípios essenciais são os que constam do art.º 23.º do C.Exp. (como o serão todas as disposições legais infra citadas sem menção do Diploma respectivo) e os critérios de cálculo constam do art.º 26.º no que se refere ao solo apto para a construção, e no art.º 27.º quanto ao solo para outros fins, e ainda no art.º 28.º quanto aos edifícios ou construções e respectivas áreas de implantação e logradouros.

Funcionando como verdadeira cláusula de salvaguarda, o n.º 5 do art.º 23.º, estabelecendo o princípio de que o valor a calcular de acordo com os critérios referidos nos art.os 26.º e sgs., há-de ser igual ao seu valor real e corrente no mercado, à data da publicação da declaração de utilidade pública da expropriação (in casu, 25/02/2011 – cfr. fls. 179) dá liberdade ao tribunal para atender a outros critérios que não aqueles, ou em complemento daqueles, para alcançar este valor.

Sem desconsiderar as restantes parcelas, pode dizer-se que os maiores dissensos dos Apelantes incidem sobre a parcela n.º 1, que é um prédio rústico que a v.a.p.r.m. descreve com a área de 2.780 m2, sendo que a área constante do registo é de 2.990 m2, totalmente abrangida pela expropriação.

O “Plano de Ordenamento das Albufeiras da X” (POARC), integra esta e as outras duas parcelas (e ainda uma quarta, que fica na marginal) na UOPG (Unidade Operativa de Planeamento e Gestão) V, à qual o art.º 56.º atribui a natureza non aedificandi, e determina que deve ser sujeita a um PMOT (Plano de Urbanização e de Pormenor) cuja execução impôs a expropriação, o que a decisão arbitral considerou, como expressamente ficou a constar de fls. 12v.º a 14 (volume I), e igualmente foi considerado pelos Senhores Peritos, como consta de fls. 563 e sgs. (volume II).

Quer a decisão arbitral, quer os Senhores Peritos, à excepção do nomeado pela Apelante/Expropriante, classificaram o terreno como “solo apto para a construção”, sendo que 2.230 m2, à data da declaração de expropriação integravam, no PDM, a zona designada por “Estrutura Ecológica Municipal” ou “Estrutura Ecológica Urbana”, e os restantes 550m2 integravam zona designada por “Espaços de Uso Urbano Geral, Área Urbana de X/W (Nível 1).

Quer a decisão arbitral quer os Senhores Peritos tiveram em consideração o valor médio das construções existentes numa área envolvente até 300 metros do limite da parcela, nos termos do n.º 12 do art.º 26.º, atendendo ao fim da expropriação.

Os Expropriados dissentem do laudo maioritário no valor das percentagens que vêm referidas no n.º 7 daquele art.º 26.º, e pretendem que se tenha em consideração o factor de 2% referido na alínea g) do n.º 7 – existência de estação depuradora em ligação com a rede de colectores de saneamento com serviço junto da parcela.

Dispõe, porém, a alínea b) do n.º 2 do art.º 23.º que na determinação do valor dos bens expropriados não pode tomar-se em consideração “a mais-valia que resultar de obras ou empreendimentos públicos concluídos há menos de cinco anos, no caso de não ter sido liquidado encargo de mais-valia e na medida deste”.

Acerca desta alínea FERNANDO ALVES CORREIA manifestou a convicção de que ela configura “uma acção incompleta do legislador” o que afirma ser relevante “em sede de violação do princípio da igualdade”, enfermando, por isso de inconstitucionalidade, porquanto a referida norma não prevê “como condição ou requisito da dedução no montante da indemnização” a sujeição a encargos de mais-valias os proprietários de prédios “contíguos ou vizinhos não expropriados” (in “Revista de Legislação e Jurisprudência”, ano 2000/2001, n.º 3913-3914, págs. 115-116).

Já, porém, SALVADOR DA COSTA afirma que se as obras e os melhoramentos foram realizados “com recursos públicos, ou seja, com meios do Estado ou de outra pessoa colectiva de direito público” não deve ser considerada a mais-valia deles resultantes, já que ela “derivou de circunstâncias externas” aos proprietários (in “Código das Expropriações e Estatuto dos Peritos Avaliadores”, Almedina, 2010, pág. 147-148).

Aderindo a esta posição, sobretudo porque os donos dos prédios vizinhos se também forem expropriados terão de efectuar igual pagamento, e pagarão outras taxas se alterarem o uso do solo do seu prédio ou ampliarem as construções que nele existam, daqui resultando a igualade de tratamento, dir-se-á que resulta dos autos que os Apelantes/Expropriados já eram donos destas parcelas há mais de quatro anos relativamente à data da expropriação pelo que o pagamento da mais-valia era um acto seu. Não o demonstraram nos autos e, por isso, não poderão beneficiar, como pretendem, do referido factor por não se mostrar preenchida a condição imposta pela supramencionada alínea a) do n.º 2 do art.º 23.º.

E acerca da valorização dos demais factores, reconhecendo, embora, que na sua quantificação poderá ter contribuído alguma carga de subjectividade de quem avaliou, o certo é que a presunção da maior independência dos Senhores Peritos nomeados pelo Tribunal, e a experiência que decorre de outras avaliações, que lhe permitirão estabelecer padrões de comparação, não permitem sobrelevar a avaliação do Senhor Perito dos Apelantes/Expropriados, assim como da Apelante/Expropriante, à daqueles que, de resto, constituíram maioria.

As divergências mais evidentes entre a decisão arbitral e o laudo pericial que constituiu maioria, residem na percentagem do agravamento do custo da construção (n.º 8 do art.º 26.º), que para a primeira é de 10% e para o segundo é o dobro; no factor de risco (n.º 10), que a primeira quantifica em 10% e o segundo em 15%, e este acrescenta o factor de 15% para o reforço das infraestruturas (n.º 9).
Ora, os Árbitros e os Peritos foram nomeados pela lista oficial, o que, à partida, dá a garantia de possuírem conhecimentos técnicos do mesmo nível e igual grau de experiência, não se conseguindo vislumbrar as razões técnicas que alicerçaram os valores que encontraram, sem embargo do laudo pericial conter explicações mais pormenorizadas que a decisão arbitral.

Contudo, e até pelas explicações fornecidas pelo Senhor Perito nomeado pelos Expropriados, crê-se não haver justificação para considerar os valores apresentados pelo laudo maioritário no que se refere às percentagens a que aludem os n.os 8 (agravamento do custo da construção), e 10 (factor de risco) do art.º 26.º.

Outrossim quanto à percentagem referida no n.º 9 dado que o laudo maioritário não fundamenta a sua conclusão e para que se possa aplicar este factor é necessário que se “comprove” que o aproveitamento urbanístico constitui uma sobrecarga para as infra-estruturas existentes, e que estas não conseguem suportar essa sobrecarga, obrigando (necessariamente as Entidades Públicas) a reforça-las – e daí que se deva ter em conta o valor “das despesas necessárias ao reforço”.
Isto considerado, entende-se mais justo e adequado o valor da decisão arbitral.
Termos em que se fixa para a parcela n.º 1 o valor de € 135.536,30, constante daquela decisão.

Relativamente à parcela n.º 2, à consideração dos supramencionados factores, que determinou uma diferença no valor do solo de € 6.483,35, a decisão arbitral atribuiu à construção (que considerou ser ruína) o valor de € 7.150,00, enquanto que o laudo maioritário calculou o valor da parcela aplicando o critério definido pelo n.º 3 do art.º 28.º, por entender que, “dado o estado de ruína evidenciado pela construção”, o aproveitamento económico normal daquela área depende da demolição integral do edifício, contabilizando em € 2.500 o custo da demolição e o transporte dos resíduos para vazadouro.

Concorda-se com o laudo pericial maioritário que os critérios de avaliação devam ser os referidos no n.º 3 do art.º 28.º, e não os do n.º 2, seguidos pela decisão arbitral, atento o estado de ruína da construção. Concorda-se igualmente que a fraca qualidade dos materiais, evidenciada pelas fotografias juntas aos autos, os torna imprestáveis na construção nova a erigir. O custo de € 2.500 relativo à demolição e transporte para o vazadouro dos materiais inutilizáveis tem-se por equilibrado.

Assim, ao valor do solo constante da decisão arbitral - € 14.762,39 – abate-se aquele custo - € 2.500 -, assim se obtendo o valor indemnizatório para esta parcela, que se fixa em € 12.262,39 (doze mil duzentos e sessenta e dois euros e trinta e nove cêntimos).

No que se refere à parcela n.º 3, o valor mais elevado do solo, constante da decisão arbitral, é “compensado” pelos valores mais elevados da construção e das benfeitorias, constantes do laudo maioritário, reduzindo, assim, a diferença entre aquela e este.
Coerentemente com o que acima se deixou referido quanto ao apuramento do valor do solo relativamente à parcela n.º 1, decide-se manter o que consta da decisão arbitral.
Quanto ao valor da construção, assim como ao valor das benfeitorias crê-se que o obtido pelo laudo maioritário é o que melhor corresponde ao preço do mercado, atento o estado de conservação da primeira (que estava a ser habitada à data da v.a.p.r.m.), e levando-se em consideração que o valor atribuído ao poço e cabine não foi questionado pelos Apelantes.

Assim, fixa-se o valor indemnizatório correspondente a esta parcela em € 49.136,50 (quarenta e nove mil cento e trinta e seis euros e cinquenta cêntimos).
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C) DECISÃO

Atendendo a tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar:

- parcialmente procedente o recurso de apelação interposto pelos Expropriados, fixando no valor de € 196.935,19 (cento e noventa e seis mil novecentos e trinta e cinco euros e dezanove cêntimos) a indemnização a pagar pela Expropriante, no mais mantendo a decisão impugnada;
- totalmente improcedente o recurso de apelação interposto pela Expropriante.
Custas pelos Apelantes na proporção do vencido.
Guimarães, 07/06/2018
(escrito em computador e revisto)

(Fernando Fernandes Freitas)
(Alexandra Rolim Mendes)
(Maria Purificação Carvalho)