Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2020/15.1T8VCT.G1
Relator: HELENA MELO
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO
DENÚNCIA PELO SENHORIO
OBRAS DE REMODELAÇÃO E RESTAURO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/15/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Constituem obras de remodelação profundas as obras que consistam na demolição parcial do prédio com total demolição da compartimentação interior do edifício e de alguns dos seus elementos estruturais, nomeadamente das estruturas dos pisos e das escadas de acesso aos pisos superiores e também ao nível da estrutura da cobertura com substituição parcial de alguns dos seus elementos.
Decisão Texto Integral:
Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Guimarães:

I – Relatório

Lia M., Olga M., Sofia M., Joana M., Lara M. por si e na qualidade de representantes da Herança Ilíquida e Indivisa aberta por óbito de Filipe M. instauraram a presente acção declarativa de processo comum contra João P., Maria F., Maria P., por si e na qualidade de representantes da Herança Ilíquida e Indivisa aberta por óbito de Maria M.

Alegaram os autores, em síntese, que o prédio identificado no artigo 6º da petição inicial, pertencente à herança que representam, necessita de obras que implicam a demolição total do seu interior , aproveitando-se apenas as paredes exteriores e a desocupação do rés-do-chão, tendo para o efeito procedido à denúncia do contrato de arrendamento para fins não habitacionais celebrado com o antecessor dos réus, com efeitos a partir de 1.04.2015.
Mais alegaram que os réus se recusam a desocupar o rés-do-chão do imóvel o que lhes vem causando prejuízos e danos não patrimoniais.

Terminaram pedindo que a presente acção seja julgada procedente por provada e por via dela:

- seja declarado denunciado o contrato de arrendamento incidente sobre o rés-do-chão do prédio urbano sito na Rua …, Viana do Castelo (também com entrada pelo nº … da Rua de …), inscrito na matriz respectiva sobre o artigo nº ..., da União de Freguesias de Viana do castelo (Santa Maria Maior e Monserrate) e Meadela e descrito na Conservatória do Registo Predial de Viana do Castelo sob o artigo ... de Santa Maria Maior;
- ou caso assim não se entenda, seja declarado cessado o contrato de arrendamento por caducidade;
- em consequência, sejam os réus condenados a despejarem imediatamente o referido imóvel e a entregá-lo aos autores livre de pessoas e coisas;
- sejam os réus condenados, solidariamente, a pagar aos autores a quantia de € 500,00, acrescida de juros de mora, por cada uma das fracções destinadas à habitação e por cada um dos espaços comerciais que integram o edifício, a título de privação do uso por cada mês que tardem a entregar a parte que ocupam, com efeitos reportados a 1.04.2015; ou subsidiariamente, a pagar a quantia de € 500,00, acrescida de juros de mora, a título de privação do uso da parte do imóvel que ocupam ou a título de enriquecimento sem causa, por cada mês que tardem a entregar a parte do rés-do-chão em questão, livre de pessoas e bens, com efeitos reportados a 1.04.2015; e
- sejam os réus condenados, solidariamente, a pagar à primeira autora a quantia de € 5.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida dos juros de mora sobre esta, à taxa legal de 4% a contar da citação e até efectivo e integral pagamento.
Os réus contestaram, invocando a errada qualificação das obras, a ineficácia da denúncia do contrato de arrendamento e o abuso do direito e deduziram reconvenção.

Em sede de reconvenção, alegaram que a desocupação pretendida pelos autores os vai impedir de desenvolver a sua actividade comercial e que a conduta dos autores tem causado sofrimento ao primeiro réu e afectado negativamente a reputação do negócio explorado pelos réus no locado.

Concluiram, pedindo a improcedência da acção e ainda que:

- sejam os autores condenados a pagar aos réus a quantia de € 131.000,00, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, por via do encerramento do estabelecimento comercial, nos termos dos artigos 116º e 117º, da reconvenção;
- sejam os autores condenados a pagar aos réus a quantia de € 10.000,00, acrescido de juros vencidos e vincendos, a título de danos não patrimoniais nos termos do artigo 124º da contestação; e
- sejam os autores condenados a pagar aos réus a quantia a título de danos patrimoniais que vier a liquidar-se em execução de sentença no termos do artigo 125º da contestação.
Os autores apresentaram réplica, na qual pugnaram pela improcedência das excepções invocadas e pediram a improcedência da reconvenção.
Foi realizada audiência prévia, no âmbito da qual foi proferido despacho saneador, tendo sido julgada improcedente a excepção de ineficácia da denúncia do contrato de arrendamento e improcedentes os pedidos de indemnização formulados pelos autores nas alíneas d) a g) do petitório e pelos réus da quantia de € 131.000,00. Foi ainda proferido despacho ao abrigo do disposto no art.º 596º, do NCPC.
Após, procedeu-se a julgamento e a final foi proferida sentença com o seguinte teor quanto ao segmento decisório:
A - julgo a acção parcialmente procedente e em consequência:

- declara-se denunciado o contrato de arrendamento incidente sobre o rés-do-chão do prédio urbano sito na Rua … Viana do Castelo (também com entrada pelo nº … da Rua de …), inscrito na matriz respectiva sobre o artigo nº ..., da União de Freguesias de Viana do castelo (Santa Maria Maior e Monserrate) e Meadela e descrito na Conservatória do Registo Predial de Viana do Castelo sob o artigo ... de Santa Maria Maior e, em consequência, condena-se os réus a despejarem imediatamente o referido imóvel e a entregá-lo aos autores livre de pessoas e coisas;
- absolvo os réus do restante peticionado.
Custas da acção pelos autores e pelos réus, na proporção de 1/3 e 2/3 respectivamente (art.º 527º, nºs 1 e 2, do NCPC).
B – julga-se totalmente improcedente o pedido reconvencional e, em consequência, absolvo as autoras do pedido.
Custas da reconvenção a cargo dos réus (art.º 527º, nºs 1 e 2, do NCPC).
C - julgo improcedente o pedido de condenação das autoras como litigantes de má-fé. “

Os RR. não se conformaram e interpuseram o presente recurso de apelação, concluindo do seguinte modo:

O presente recurso versa sobre matéria de facto e de direito da douta sentença do Tribunal a quo, que julgou:

1º conclusão:“(…) A – a ação parcialmente procedente, por provada e em consequência:
- declara-se denunciado ao contrato de arrendamento incidente sobre o rés-do- chão do prédio urbano sito na Rua … Viana do Castelo (…) e, em consequência condena-se os réus a despejarem imediatamente o referido imóvel e a entregá-lo aos autores livre de pessoas e coisas;
- absolvo os réus do restante peticionado.
Custas da ação pelos autores e pelos réus, na proporção de 1/3 e 2/3 respectivamente (art.º 527, nºs 1 e 2, do NCPC)

B - julga-se totalmente improcedente o pedido reconvencional e, em consequência, absolvo os autores do pedido.
Custas da reconvenção a cargo dos réus (art.º 527, nºs 1 e 2, do NCPC).
C - julgo improcedente o pedido de condenação dos autores como litigantes de má-fé
Registe e notifique”.
Conclusão: Decidiu a MMª. Juiz em sede de despacho saneador sobre a invocada exceção “INEFICÁCIA DA DENUNCIA DO CONTRATO DE ARRENDAMENTO” que “(…) analisados os documentos junto aos autos pelos autores com a petição inicial, temos necessariamente que concluir que estes com a denúncia enviaram aos réus todos os documentos acima elencados e exigidos por lei para a eficácia da denuncia (…)”
“(…) Pelo exposto e sem necessidade de outras considerações julgamos improcedente a exceção em análise(…)”
Conclusão: Andou mal a MMª. Juiz a quo, ao decidir da forma exposta porquanto, importa sublinhar que os ora apelantes, na contestação que apresentaram, invocaram a exceção relativa à INEFICÁCIA DA DENÚNCIA DO CONTRATO DE ARRENDAMENTO, tendo a tal propósito alegado que nos termos do nº. 2 alínea b) do artigo 1103º do Código Civil, “quando a denúncia tiver o fundamento previsto na alínea b) do artigo 1101º, a comunicação referida no número anterior é acompanhada, sob pena de ineficácia, dos seguintes documentos (…) e as razões que obrigam à desocupação do locado”.
Conclusão: Não pode bastar afirmar-se, tal como o fizeram os recorridos que “(…) a operação urbanística supra citada devido à sua natureza de intervenção e ao tipo de execução subjacente obriga à desocupação dos locados em todos os pisos existentes do edifício em questão”.
Conclusão: Os autores, ora recorridos, em momento algum cuidaram de cumprir com o disposto no normativo supra referido e, em consequência, os réus, ora recorrentes desconhecem, quais as razões objetivas e circunstanciadas que assistem aos autores e que lhe permitem impor aos apelantes, a denúncia do contrato de arrendamento e a consequente desocupação do locado.
Conclusão: Os apelados ao não comunicarem, aos ora recorrentes, as razões objetivas e circunstanciadas que os obrigam à desocupação do locado, colocam irremediavelmente em crise direitos fundamentais constitucionalmente consagrados, nomeadamente, o direito à defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, plasmados no artigo 20º da CRP., e peticionaram que tal falta, nos termos do nº.2 e alínea b) do artigo 1103º do Código Civil ocasionasse que a denúncia do contrato de arrendamento levada a cabo pelos apelados fosse considerada ineficaz e, em consequência não pudesse produzir qualquer efeito legal.
Conclusão: HÁ INEFICÁCIA DA DENÚNCIA DO CONTRATO DE ARRENDAMENTO, por não ter sido respeitado o conteúdo imperativo da norma ínsita, na parte final do nº.2 e alínea b) do artigo 1103º do Código Civil que impunha a procedência da exceção invocada.
DOS CONCRETOS PONTOS DE FACTO DADOS COMO PROVADOS CONSIDERADOS INCORRECTAMENTE JULGADOS (artigo 640º, n.º 1 alínea a) do CPC)
Conclusão: O Excelentíssimo Tribunal a quo deu como provado:

I. a matéria de facto descrita no ponto 22 - “No dia 1.04.2011, o aludido Filipe M., deu entrada na Câmara Municipal, de um requerimento destinado a obter a aprovação de um projecto que prevê a total demolição da compartimentação interior do edifício e de alguns do seus elementos estruturais, nomeadamente da estrutura dos pisos e escadas de acesso aos pisos superiores, sendo que ao nível da estrutura da cobertura está prevista uma intervenção de substituição parcial de alguns elementos”;
II. a matéria de facto descrita no ponto 24 – As obras previstas obrigam à desocupação do espaço pelos réus.;
Conclusão: No modesto entendimento dos recorrentes tais matérias descritas nos pontos dos factos identificados com os números 22 e 24 foram incorretamente julgadas, como do mesmo modo a MMª Juiz a quo não poderia ter extraído as conclusões referidas supra em III e IV, porque, claramente, e mais uma vez com o devido respeito por opinião diversa, tais conclusões não resultam e são contrárias entre si; aos depoimentos produzidos em audiência de julgamento, bem como não resistem à análise do teor dos documentos junto aos autos.

CONCRETOS MEIOS PROBATÓRIOS CONSTANTES DO PROCESSO E DO REGISTO OU GRAVAÇÃO REALIZADA QUE IMPÕE DECISÃO DIVERSA DA RECORRIDA (artigo 640º, n.º 1 alínea b))
10ª Conclusão: Resulta da leitura e análise dos documentos que foram junto aos autos pelos autores, ora recorridos ,que em 01 de Abril de 2011, Filipe M. deu entrada na Câmara Municipal de um PROJECTO DE REABILITAÇÃO DE EDIFÍCIO, e para o qual requereu licenciamento.
11ª Conclusão: O projeto em apreço apenas poderia ter como escopo a REABILITAÇÃO DO EDIFICIO, atentos os condicionalismos existentes e questões de enquadramento legal a que está sujeito e demais legislação aplicável.
12ª Conclusão: O edifício encontra-se inserido de acordo com a Planta de Ordenamento do Plano Director Municipal de Viana do Castelo em Zona Urbana sujeito às normas do Regulamento do Plano de Pormenor do Centro Histórico de Viana do Castelo atenta a Declaração nº 248/2002 publicada no DIÁRIO DA REPÚBLICA — II SÉRIE — de 09 de Agosto de 2002.
13ª Conclusão: O Regulamento referido no parágrafo anterior estabelece, entre outras normas, os tipos de intervenção admitidos nos diversos edifícios, sendo que aqueles estão dependentes da classe em que estes se integram:
14ª Conclusão: O Autor do Pojecto apresentou e requereu o licenciamento do projecto assumindo, desde logo no capitulo “Do Contexto ao Conceito” da MEMÓRIA DESCRITIVA do PROJECTO DE REABILITAÇÃO DE EDIFICIO (cfr pag 2/10 do doc 5 junto à petição inicial) que
“(…) sentia clara e determinada a ideia de manter a essência funcional do edifício, de carácter eminentemente residencial” (negrito e sublinhado nossos)
15ª Conclusão: O Autor do Projecto reiterou o desiderato descrito na conclusão anterior,no capítulo “adequação da edificação à utilização pretendida” (cfr. pág. 3/10 do documento em apreço), afirmando:
“(…) a proposta assenta principalmente na reformulação e caracterização do interior do edifício, alterações que não deverão descurar a estrutura atual (…)”(negrito e sublinhado nossos)
16ª Conclusão: Face às duas conclusões anteriores é evidente, que quer a actual estrutura física, quer a actual estrutura funcional do prédio, é replicada no projecto de reabilitação do edifício, conforme também se retira da leitura da já citada MEMÓRIA DESCRITIVA,
17ª Conclusão: O prédio em apreço, após concluídas que estejam as obras que os autores, ora recorridos, se propõem efectuar, conservará intactas a sua estrutura física e funcional e manterá a mesma natureza de ocupação que hoje cumpre.
18ª Conclusão: Afirma o Autor do projecto, no capítulo “Programa Funcional”, (cfr. pag. 4/10 do doc 5 já junto aos autos) que:

1. “As necessidades funcionais e premissas programáticas do projeto distribuem-se ao longo de 4 níveis (…)”(negrito e itálico nossos) (rigorosamente os mesmos pisos que existem actualmente no prédio).
2. “(…) sendo que o nível 1 (piso 0) albergará apenas função de Comércio e Serviços mantendo assim as características actuais de ocupação(…)”-.(negrito e itálico nossos) (destino igual ao que actualmente é dado ao nível 1 piso 0, do prédio onde se encontra o locado e cujo contrato de arrendamento se pretende denunciar!).
3. “(…) o nível 2, piso 1; nível 3, piso 2 e nível 4, piso 3, servirão na sua maioria para habitação sobre regime de propriedade horizontal.” -.(negrito e itálico nossos) (natureza e destino iguais aos que hoje são atribuídos ao nível 2, piso 1; nível 3, piso 2 e nível 4, piso 3,do prédio).
19ª Conclusão: Atento o conteúdo da conclusão anterior, retira-se :

a) que o prédio não será sujeito a uma nova organização funcional e estrutural;
b) que o prédio não será afectado a um qualquer destino diferente daquele que actualmente cumpre;
c) que o prédio manterá, no futuro, um uso com total correspondência àquele que é dado actualmente;
d) que no prédio, após as obras, está previsto um espaço que corresponde ao arrendado de que nos ocupamos e com igual destino ao que hoje lá existe, - o comércio -;
e) que após as obras a levar a cabo no prédio não se verificarão quaisquer alterações ao nível da área , da dimensão e da sua estrutura;
20ª Conclusão: Como do mesmo modo se pode concluir que o prédio após a realização das obras, manterá “incólume a sua personalidade”, porquanto não se verificarão quaisquer alterações à sua autonomia funcional após a operação urbanística, preservará e conservará o arrendado onde os ora apelantes, exercem a sua actividade comercial, com todas as características equivalentes às actualmente existentes.
21ª Conclusão: O resultado final das obras no edifício não se traduzirá na perda da sua autonomia funcional; não se verificarão alterações ao nível da sua área, dimensão e estrutura, e manterá todas as característica equivalente às que existem atualmente “
22ª Conclusão: Assim só pode concluir-se que as obras que os autores, ora recorridos. Pretendem efectuar no prédio, correspondentes à operação urbanística sub judice, e contrariamente ao que afirmam, - e porque também não o demonstram - , não preenchem, nem de facto, nem de direito o conceito de “obras de remodelação ou restauro profundo”, conforme o espírito e a letra da alínea b) do artigo 1101º, do Código Civil.
23ª Conclusão: Considerou a MMª. Juiz a quo , como provado no ponto 20 dos factos dados como provados, que “ o estabelecimento comercial a funcionar no rés do chão (leia-se o locado ocupado pelos ora recorrentes) apresenta um estado de conservação razoável”
24ª Conclusão: O estado de conservação a que se refere a conclusão anterior, resulta do facto, também dado como provado pela MMª. Juiz , no ponto 21 que os antecessores dos réus , ora recorrentes, há cerca de 30 anos “(…) procederam à substituição do pavimento do arrendado, rebocaram e pintaram as paredes do locado, retiraram o teto em madeira e colocaram um teto falso, construíram uma casa de banho, procederam à ligação das águas residuais à rede de saneamento público, dotaram o locado de água canalizada, procederam à remodelação da rede da instalação eléctrica e substituíram as portas e as montras do arrendado.”
25ª Conclusão: Atento o afirmado na conclusão anterior o locado que os recorrentes trazem arrendados “ficará fora” das tais obras que os recorridos pretendem levar a efeito no restante edifício, porquanto não só não estão previstas e, em boa verdade, delas não necessita.
26ª Conclusão: Razões pelas quais a MMª. Juiz a quo, sempre com o devido respeito que é muito, nunca poderia ter concluído como concluiu no ponto 22 da matéria de facto dada como provada, da, aliás, douta sentença que o aludido Filipe M., deu entrada na Câmara Municipal, de um requerimento destinado a obter a aprovação de um projeto que prevê a total demolição da compartimentação interior do edifício e de alguns do seus elementos estruturais, nomeadamente da estrutura dos pisos e escadas de acesso aos pisos superiores, sendo que ao nível da estrutura da cobertura está prevista uma intervenção de substituição parcial de alguns elementos”; (sublinhado e itálico nossos)
27ª Conclusão: Como do mesmo modo, andou mal a MMª. Juiz a quo quando concluiu, nos factos não provados na aliás, douta sentença que após as obras, não se verificarão quaisquer alterações no prédio ao nível da área e da dimensão e da sua estrutura.
28ª Conclusão: A MMª. Juiz a quo deveria ter atentado em todo o teor do documento junto aos autos pelos autores como doc 5 (Memória Descritiva) e ter considerado como facto provado que após as obras não se verificarão quaisquer alterações no prédio ao nível da área e da dimensão e da sua estrutura.
29ª Conclusão: Do extrato do depoimento da testemunha Tiago C., supra resulta claro que as obras de reabilitação que os Autores pretendem levar a cabo são possíveis executar, sem que para tal os réus tenham obrigatória e necessariamente de desocupar o locado.
30ª Conclusão: O depoimento da testemunha Arquitecto Tiago C. teve a virtualidade de explicar de forma perfeitamente entendível, os procedimentos técnicos a adotar e que suprem a necessidade obrigatória da desocupação do locado, durante a execução das obras, sendo que do depoimento também se retira que a segurança de pessoas e bens fica assegurada, bem assim como os custos associados à adoção dos procedimentos adequados, são irrelevantes.
31ª Conclusão: Pelo que e uma vez mais se reitera, com o devido respeito, que é muito, andou mal a MMª. Juiz a quo, ao ter dado como provado o facto constante do ponto 24 da, aliás, douta sentença, quando afirma que “As obras previstas obrigam à desocupação do espaço pelos réus”;
32ª Conclusão: De igual modo os depoimentos dos técnicos da Câmara Arquitecto José L.; Engª. Ana M. e Arquitecta B. N. que a MMª. Juiz considerou terem-se pautado pela isenção e imparcialidade, e que recorreram ao conhecimento e experiência profissionais que detêm, identificando situações concretas bem pode concluir-se, tal como se concluiu do depoimento da testemunha Arquitecto G. C. que as obras de reabilitação do edifício que os autores pretender executar, podem concretizar-se com a permanência dos réus no locado que ocupam no rés do chão do aludido edifício.
33ª Conclusão: Assim, ao ter concluído que os técnico da Câmara”(…) não conseguiram afirmar de forma segura que as obras necessárias fazer não implicariam de qualquer forma a desocupação do espaço(…)”e do mesmo modo ao ter dado como provado o facto constante do ponto 24 da, aliás, douta sentença, quando afirma que “As obras previstas obrigam à desocupação do espaço pelos réus”; cometeu a MMª. Juiz erro na apreciação da prova.
34ª Conclusão: Em suma, não podem aceitar-se conclusões vertidas na douta sentença pela MMª, Juiz, especialmente quando afirma;

a) as obras previstas e aprovadas pelo município são obras de alteração e correspondem a obras de remodelação profunda;
b) resultou apurado que as obras em causa obrigam à desocupação do locado;
c) não ficou demonstrado que as mesmas, (leia-se as obras), não provocam alteração na estrutura e áreas do edifício .
35ª Conclusão: Em consequência não podia a MMª. Juiz, face à prova produzida, ter decidido como decidiu e ter declarado denunciado o contrato de arrendamento incidente sobre o rés do chão do prédio urbano sito na Rua … Viana, do Castelo.
36ª Conclusão: Mostrou-se suficientemente provado supra, através dos depoimentos claros, fundamentados e imparciais das testemunhas Arquitetos Tiago C., José L., Adriana B. N. e Engenheira Ana M., conjugados com os documentos junto aos autos, que as obras de reabilitação do edifício pertencente aos ora recorridos e objeto da presente ação, não implicam, imperativa e inequivocamente a desocupação, pelos recorrentes, do rés do chão do aludido edifício e do qual são locatários.
38ª Conclusão: Assim sendo, deve a norma constante da alínea b) do artigo 1103º do Código Civil, ser julgada inconstitucional quando interpretada sem que fique demonstrado, clara, inequivocamente e sem subsistência de quaisquer dúvidas, que “(…) a realização de obra de remodelação ou restauro profundo OBRIGUEM À DESOCUPAÇÃO DO LOCADO, por ofender o direito do arrendatário a permanecer no locado, por violação dos princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança , integrantes do Principio do Estado de Direito Democrático contido no artigo 2º. da Constituição da Republica Portuguesa.
39ª Conclusão: Face ao exposto, deve a presente sentença ser considerada nula por violação do disposto nas alíneas . c) e d) do nº1 do artigo 615º do NCPC.
40ª Conclusão: Para o caso de se admitir que os recorrentes têm de abandonar o locado durante a execução das obras, ficou demonstrado e provado à saciedade , nos autos,”mutatis mutandis” não haver a “perda” do edifício, e muito menos do locado, tratando-se, quando muito de uma “perda temporária”, que não determina a “caducidade” do arrendamento, mas apenas a suspensão da execução contratual enquanto durarem as obras.
41ª Conclusão: Não ficou demonstrado que para que a reabilitação do edifício se consumasse, se impunha a “intrusão” no locado dos recorrentes e a obrigatória desocupação do mesmo.
42ª Conclusão: Somente foram determinadas pela Câmara Municipal, pequenas obras de consolidação do edifício, cfr depoimentos dos técnicos camarários supra transcritos
43ª Conclusão: A denuncia do contrato de arrendamento, ”mutatis mutandis” a “caducidade” do contrato de locação que está em causa, encontra-se enunciada no artigo. 1051º, nº1, alínea e) do Código .Civil, nos termos do qual o contrato de locação caduca “pela perda da coisa locada”.
44ª Conclusão: Face à factualidade supra e dada como provada, que no caso sub judice .e como bem ensina ROMANO MARTINEZ não se trata propriamente de um caso de “caducidade” em sentido estrito, ntes de uma impossibilidade superveniente que implica a privação temporária da fruição do locado, o que determina a simples suspensão da vida do contrato porquanto, o espaço físico do arrendado continua a existir, rigorosamente com a mesma “personalidade” que sempre deteve, mas que por alguma razão não é possível temporariamente exercer nesse mesmo espaço, a finalidade contratada.
45ª Conclusão: In casu a necessidade de realização das obras no edifício, que obriguem eventualmente os recorrentes a desocupar o locado, não o tornam .inapto para o fim do contrato, isto é, realizadas que sejam as obras, o locado “sobreviverá” mantendo as mesmas características que detinha antes das aludidas obras, o que permitirá aos recorrentes a retoma da sua utilização para os fins que lhe são próprios.
46ª Conclusão: Não estão, verificadas as condições para que se opere a denuncia do contrato de arrendamento (ope legis) conforme decido na douta sentença proferida,
47ª Conclusão: Violou pois a douta sentença as alíneas . c) e d) do nº1 do artigo 615º do NCPC e ainda os artigos 1101º alínea b) e o nº. 2 , alínea b) do artigo 1103º ambos do CC e o artigo 2ª da Constituição da República Portuguesa.

Termos em que,
Deve o presente recurso ser julgado procedente e provado e, em consequência, ser revogada a, aliás, douta sentença do Tribunal a quo e substituída por Acordão que atento a matéria constante dos autos invocada nas presentes alegações decida, pela sua procedência,
A parte contrária apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção da decisão recorrida, mas não formulou conclusões.

II – Objecto do recurso

Considerando que:

. o objeto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações dos recorrentes, estando vedado a este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso; e,
. os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu acto, em princípio delimitado pelo conteúdo do acto recorrido,
as questões a decidir são as seguintes:
. se a sentença é nula;
. se a matéria de facto deve ser alterada, dando-se como não provados os factos constantes dos pontos 22 e 24 dos factos provados e como provados, os factos constantes do parágrafo 4º dos factos não provados;
. se a denúncia efectuada pelo locador, observa o disposto no artº 1103º, nº 1 do CC;
. se é inconstitucional, por violação dos princípios da protecção da confiança e da segurança jurídica ínsitos no artº 2º da CRP, a interpretação do artº 1101º, b) do CC, no sentido de permitir a denúncia do senhorio, sem que tenha ficado demonstrado, clara e inequivocamente e sem subsistência de quaisquer dúvidas, que a obra de remodelação ou restauro profundo obriga à desocupação do locado;
. se as obras que as AA. pretendem efectuar no prédio não são obras de remodelação e de restauro profundos.
.
III – Fundamentação

Na 1ª instância foram considerados provados e não provados os seguintes factos:

A. Factos Provados

1. No dia 8.09.2013, faleceu Filipe M., no estado de casado, em primeiras e únicas núpcias de ambos e no regime da comunhão geral de bens com a autora Lia M., conforme certidão de fls. 22v a 23v e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os legais e devidos efeitos.
2. Em 14.10.2013, por procedimento simplificado de habilitação de herdeiros nº 15755/2013, realizado na Conservatória do Registo Civil de Viana do Castelo, foram declaradas herdeiras de Filipe M., as autoras Lia M., Olga M., Sofia M., Joana M. e Lara M., conforme certidão de fls. 22v a 23v e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.
3. Encontra-se inscrito na matriz predial urbana sob o artigo nº ..., da União de Freguesias de Viana do Castelo (Santa Maria Maior e Monserrate) o prédio urbano sito na Rua … (também com entrada pelo nº … da Rua de …), União de Freguesias de Viana do Castelo (Santa Maria Maior e Monserrate) e Meadela, concelho de Viana do Castelo – edifício composto de rés-do-chão destinado a comércio, com espaço para a instalação de dois estabelecimentos comerciais e de mais três pisos destinados à habitação, conforme documento de fls. 247v a 249 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.
4. Por si e seus antepossuidores os autores, há mais de 20 anos, detém e fruem de forma ininterrupta o aludido imóvel, dando-o de arrendamento, recebendo as rendas, procedendo nele a pequenas obras e pagando as respectivas contribuições e impostos, praticando todos estes actos à vista de toda a gente, de forma contínua, sem oposição de quem quer que seja e na plena convicção de que o mesmo lhes pertence.
5. Por contrato de arrendamento, datado de 15.07.1960, o falecido Filipe M. declarou dar de arrendamento a António M. que declarou tomar de arrendamento, por tempo indeterminado, um dos dois espaços comerciais sitos no rés-do-chão do imóvel supra aludido, para fins não habitacionais/comerciais, mediante o pagamento de uma renda, no montante de 200$00.
6. Esta renda foi sendo actualizada, ascendendo, à data da propositura da acção, à quantia de € 111,50.
7. Na sequência, aquele António M. ocupou o referido espaço, instalando o estabelecimento comercial denominado “Casa M.”.
8. O referido António M. veio a falecer e o estabelecimento comercial passou a ser explorado pela sua filha Maria M., a qual passou a ocupar a posição de arrendatária.
9. Após a morte da aludida Maria M., o aludido estabelecimento continuou a ser explorado no mesmo local pelos réus, enquanto sucessores da falecida.
10. O prédio urbano descrito em 3. fica situado na área abrangida pelo Plano de Pormenor do Centro Histórico de Viana do Castelo, tendo mais de uma centena de anos.
11. Ao longo dos anos, os autores e antecessores realizaram intervenções e obras pontuais no referido imóvel.
12. Todavia, o mesmo encontra-se em mau estado de conservação, sobretudo, ao nível dos andares superiores, os quais se encontram devolutos há cerca de 15 anos.
13. Os beirados do dito imóvel encontram-se degradados e apresentam risco de queda.
14. Os pisos, as paredes divisórias, os interiores e a cobertura são em madeira, taipa ou tabique, apresentando sinais de degradação.
15. As placas que separam os pisos são de madeira, necessitando de substituição.
16. As caixilharias encontram-se apodrecidas, permitindo a entrada da água da chuva.
17. As escadas apresentam abatimentos e cedências, indiciando risco de colapso.
18. O revestimento dos tectos indicia perigo de queda.
19. Tal como está construído, o edifício apresenta incompatibilidades com disposições construtivas regulamentares actuais, nomeadamente no que respeita à eliminação das barreiras arquitectónicas à sua utilização por pessoas de mobilidade reduzida.
20. O estabelecimento comercial a funcionar no rés-do-chão apresenta um estado de conservação razoável.
21. Há cerca de 30 anos, os antecessores dos réus procederam à substituição do pavimento do arrendado, rebocaram e pintaram as paredes do locado, retiraram o tecto em madeira e colocaram um tecto falso, construíram uma casa de banho, procederam à ligação das águas residuais à rede de saneamento público, dotaram o locado de água canalizada a partir do estabelecimento, procederam à remodelação da rede da instalação eléctrica e substituíram as portas e as montras do arrendado, tendo tais obras implicado a desocupação daquele espaço.
22. No dia 1.04.2011, o aludido Filipe M., deu entrada na Câmara Municipal, de um requerimento destinado a obter a aprovação de um projecto que prevê a total demolição da compartimentação interior do edifício e de alguns dos seus elementos estruturais, nomeadamente da estrutura dos pisos e escadas de acesso aos pisos superiores, sendo que ao nível da estrutura da cobertura está prevista uma intervenção de substituição parcial de alguns elementos.
23. No conteúdo programático das obras pretendidas encontra-se previsto que o rés-do-chão continuará a destinar-se ao comércio, podendo para o efeito albergar dois estabelecimentos comerciais, e que nos três restantes pisos, passarão a existir três fogos de habitação (tipo T2, distribuídos por o 1º, 2º e 3º pisos).
24. As obras previstas obrigam à desocupação do espaço pelos réus.
25. Em sequência do requerimento aludido e uma vez apresentados todos os elementos necessários para o efeito, a Câmara Municipal, por despacho de 24.06.2013, deferiu o aludido processo de obra nº 5392/13, conforme documento de fls. 41 e 41v que se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos.
26. Os autores procederam à liquidação das taxas devidas por conta do aludido deferimento, no valor total de € 163,62, conforme documento de fls. 42 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos.
27. Os autores solicitaram a prorrogação do prazo para a emissão do alvará, pelo prazo de um ano, o que foi deferido, conforme documento de fls. 42v e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos.
28. A 1ª autora, assumindo a posição de requerente no processo de obra em causa (antes ocupada pelo falecido Filipe M.), promoveu que fossem realizados os necessários trabalhos arqueológicos no edifício (atenta a sua idade).
29. Por entendimento da Direcção Regional de Cultura do Norte, foi decidido que as escavações a empreender se deveriam também estender para a área do rés-do-chão do imóvel, conforme documento de fls. 44 a 46v e que se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.
30. As partes encetaram negociações com vista a alcançar um acordo com vista à transferência do estabelecimento comercial dos réus para outro local durante o período em que as obras decorressem.
31. Todavia, as autoras e os réus não lograram obter consenso quanto a tal questão.
32. Por cartas registadas com aviso de recepção, remetidas a 17.09.2014, as autores comunicaram aos réus que procediam à denúncia justificada do contrato de arrendamento relativo ao rés-do-chão do aludido prédio urbano para assim possibilitar que sobre o locado se realizassem obras de reconstrução que, devido à sua natureza e ao tipo de intervenção subjacente a realizar, tornavam obrigatória a sua desocupação; que o locado deveria ser desocupado até à data limite de 1.04.2015 e que se disponibilizavam a pagar ao inquilino o montante indemnizatório correspondente a um ano de renda, anexando o comprovativo de que havia sido iniciado, junto da entidade competente, o procedimento de controlo prévio da operação urbanística a efectuar no locado, o termo de responsabilidade do técnico autor do projecto legalmente habilitado onde declara que a operação urbanística obriga à desocupação do locado e o despacho de deferimento do processo de obras para o locado, conforme documentos de fls. 48 a 52 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os legais e devidos efeitos.
33. Por cartas registadas com aviso de recepção, datada de 9.03.2015, as autoras comunicaram aos réus que procediam à confirmação da denúncia do contrato de arrendamento e fizeram acompanhar esses escritos do comprovativo de deferimento de processo de obra e de prorrogação de prazo para emissão de alvará e da certidão emitida pela Câmara Municipal a atestar que a operação urbanística a realizar no locado constitui uma obra de alteração, sujeita a controlo prévio, conforme documentos de fls. 55v a 68 e que se dão por integralmente reproduzidos para os devidos efeitos legais.
34. Os réus recusam-se a desocupar o locado.

B. Factos Não Provados:

Não resultou provado qualquer outro facto com interesse para a boa decisão da causa, designadamente:

- que, atento o actual estado de degradação do prédio, o mesmo ameaça ruína eminente e total;
- que a única solução para o recuperar é a demolição total do interior do edifício;
- que, em consequência da conduta e dos obstáculos criados pelos réus, a 1ª autora sinta nervosismo, inquietação e angústia, dificuldade em adormecer, fazendo com que ande muito cansada, sem paciência para nada nem ninguém e apresenta um quadro ansioso acentuado;
- que, após as obras, não se verificarão quaisquer alterações no prédio ao nível da área e da dimensão e da sua estrutura;
- que os autores nunca procederam a quaisquer obras de manutenção, conservação ou reparação do prédio, apesar dos réus terem interpelado por diversas vezes os autores, alertando-os para os sinais de degradação do prédio;
- que a conduta dos autores afectou a saúde do réu João P.;
- que o 1º réu, em consequência da conduta dos autores, sinta sofrimento, angústia e ansiedade e dificuldades em adormecer;
- que a circunstância de se ter tornado conhecida a possibilidade do estabelecimento comercial dos réus vir a encerrar afectou negativamente a reputação dos negócios, tendo os réus perdido clientes e de necessidade de negociar margens de lucro menores.

Da nulidade da sentença

Alegam os apelantes que a sentença é nula por violação do disposto nas alíneas c) e d) do nº 1 do artº 615º do CPC.
Em abono da sua tese alegam os apelantes que não estão verificadas as condições para a cessação do contrato de arrendamento pois que, ainda que se obrigue os apelantes a desocupar o locado, sempre poderão retomar a sua utilização, uma vez que realizadas as obras.
Nos termos das mencionadas alíneas a sentença é nula quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível ou quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questão que devesse apreciar ou, inversamente, conheça de questões de que não podia conhecer.
Ora, em momento algum os apelantes apontam qualquer contradição entre os fundamentos e a decisão, nem qualquer obscuridade ou ambiguidade à sentença, assim como não apontam qualquer questão que o tribunal não conheceu ou que conheceu, não o devendo.
O que resulta do alegado pelos apelantes é que estes não se conformam que o tribunal tenha entendido que havia necessidade de desocupação do locado, e que há fundamento para julgar o contrato cessado por denúncia. Mas tais questões devem ser apreciadas em sede de erro de julgamento impugnável por via da impugnação da matéria de facto e por via da impugnação de direito, e em nada se confundem com a nulidades apontadas às sentenças.
Improcede assim a alegada nulidade.

Da impugnação da matéria de facto

Nos termos do artº 662º, nº 1 do CPC, deve a Relação alterar a matéria de facto se a prova produzida impuser solução diversa.
Os apelantes deram de modo satisfatório cumprimento ao disposto no artº 640º do CPC.
Entendem os apelantes que ocorreu erro de julgamento relativamente aos pontos 22 e 24 que deveriam ter sido dado como não provados e relativamente aos factos dados como não provados com a seguinte redação “após as obras não se verificarão quaisquer alterações no prédio ao nível da área e da dimensão da sua estrutura” que deveriam ter sido considerados provados.
Fundamentam-se os apelantes no projecto de reabilitação do edifício junto aos autos e nos depoimentos das testemunhas Gaspar, Tiago C., José L., Ana M. e Adriana B. N..
Por sua vez, as apeladas pugnam pela manutenção dos factos dados como provados e não provados e alicerçam-se no depoimento das testemunhas Paulo A. e António R..
Procedeu-se à audição dos depoimentos das testemunhas referidas pelas partes.
A Mma Juíza fundamentou a sua decisão quanto a estes pontos da matéria de facto do seguinte modo:
“Relativamente à factualidade inserta nos pontos 21 a 24 do elenco dos factos provados teve o tribunal em especial consideração a informação vertida nos autos a fls. 264 e respectivo anexo em suporte digital, a qual foi devidamente escrutinada pelas testemunhas Paulo A. e António R., responsáveis pela elaboração dos projectos de arquitectura e de engenharia em questão e pelos técnicos camarários acima referenciados, sendo que o depoimento destes últimos pautou-se pela isenção e imparcialidade. De todo o modo, todas as referidas testemunhas, quando confrontadas, nomeadamente, com as peças a amarelo e a vermelho, referiram e confirmaram que a estrutura do prédio, a disposição interna do edifício e as áreas vão sofrer alterações, ainda que não significativas, devido a estar previsto no projecto a instalação de um elevador, o que implica a alteração da localização do vão de escadas e uma diminuição da área que ficará afecta aos espaços comerciais previstos para o rés-do-chão. Explicaram ainda estas testemunhas que, tal como o projecto está previsto e aprovado, a execução do mesmo implica necessariamente a desocupação do espaço.
Não se pode deixar de referir ainda que, muito embora os mencionados técnicos camarários tenham dito que, no seu entender e atento o estado do edifício, o mesmo não carecia necessariamente de ser objecto de demolição, os mesmos não conseguiram afirmar de forma segura que as obras necessárias fazer não implicariam de qualquer forma a desocupação do espaço. E, colocado perante a hipótese de realização de obras de recuperação do edifício sem a desocupação do rés-do-chão, a testemunha José M. afirmou que não podia garantir que tal fosse possível por questões de segurança e que caso a mesma fosse tecnicamente viável seria uma solução muito mais dispendiosa. Diga-se, aliás, que o depoimento da testemunha Gaspar C., arrolada pelos réus, não divergiu na substância dos ora descritos, nem teve a virtualidade de o colocar em crise, desde logo, porquanto esta testemunha afirmou que desconhecia o projecto apresentado pelo antecessor das autoras e o interior do prédio em causa.”
A testemunha Gaspar C. é arquitecto e foi arrolada pelos RR. Esta testemunha referiu, designadamente que, se as vigas estiverem em bom estado, era possível manter a loja em funcionamento enquanto fossem realizadas as obras nos pisos superiores. Declarou também que a loja se poderia manter a funcionar se fosse colocada uma placa de madeira por debaixo do tecto para impedir a queda de objectos no piso térreo. Também referiu que não conhece o processo camarário nem o projecto de reabilitação do prédio das AA.
Esta testemunha foi confrontada com as fotografias juntas aos autos relativas ao prédio, tendo considerado que o prédio se encontrava em muito mau estado, tendo caído a parte de cima.
As testemunhas José L., Ana M. e Adriana B. N., cuja inquirição foi requerida pelos RR., trabalham para a Câmara Municipal e foram ouvidas em simultâneo. A testemunha José M. e a testemunha Adriana são arquitectos e a testemunha Ana M. é engenheira civil. A testemunha José M. e Ana M. intervieram na perícia ao imóvel em causa, realizada em 22.01.2009, juntamente com o engenheiro civil, a também testemunha Paulo A., arrolada pelas AA. e que na altura interveio na perícia como perito indicado pelo proprietário.
Pela testemunha José M. foi referido que deixou de acompanhar o processo relativo a este imóvel quando foi transferido, em 2014, tendo sido a arquitecta Adriana que o foi substituir. Esta não interveio na perícia realizada ao edifício porque na ocasião não exercia funções relativamente aos edifícios que integram centro histórico, como é o caso do prédio das AA.

Esclareceram que na altura a Câmara Municipal interveio na sequência de ter sido alertada pelos bombeiros de que tinha havido queda de telha para a via pública. Procederam a uma perícia ao exterior do edifício e foram tiradas fotografias e foi proposta a realização de obras.

Mais referiram que o senhorio foi realizando pequenas intervenções para evitar a queda de peças para a via pública porque pretendia vir a realizar uma intervenção mais profunda. Sempre com a promessa do senhorio de vir a realizar obras, a Câmara Municipal foi concedendo sucessivas prorrogações de prazo.

Declararam ainda que o estado de conservação do edifício é mau e que as anomalias detectadas no auto de vistoria não obrigavam à desocupação do prédio. Se o obrigassem, tal constaria do auto.

A testemunha Paulo A., já supra referida, arrolada pelas AA. e que interveio como perito das AA. na perícia levada a cabo pela Câmara Municipal, disse ter estado envolvido num dos projectos de reabilitação do edifício e que é sogro da A. Lara ... Foi também ouvida, arrolada pelas AA., a testemunha António R., arquitecto que subscreveu o projecto de reabilitação do edifício junto aos autos.

A Mma Juíza efectuou diligências com vista ao esclarecimento da matéria em discussão, tendo ordenado à Câmara Municipal (CMVC) que informasse “se o projecto que foi aprovado e que se encontra referenciado dos autos contempla a demolição do interior do edifício, nomeadamente dos seus elementos estruturais”.

Na sequência do ordenado, a CMVC veio informar, por ofício de 30 de Setembro de 2016, que depois de consultado o projecto de arquitectura aprovado por despacho do Vereador do Planeamento Urbano, Gestão Urbanística, Desenvolvimento Económico e Mobilidade, de 23 de Março de 2013, verificou que “está prevista a demolição da compartimentação interior do edifício e de alguns dos seus elementos estruturais, nomeadamente da estrutura dos pisos e escada de acesso aos pisos superiores.” E “ao nível da estrutura de cobertura está prevista uma intervenção de substituição parcial de alguns elementos” (pag. 264).

A Mma. Juíza a quo baseou-se na informação de fls 264 da Câmara Municipal e que teve por base o projecto entregue na Câmara para dar como provados os factos constantes do ponto 22. Estes factos foram também corroborados pela testemunha autora do projecto.

Nas fotografias juntas pelas AA. e nas que acompanham o CD com informação remetida pela Câmara Municipal é patente a necessidade de intervenção e a falência de algumas partes do prédio. Trata-se de um prédio que integra o centro histórico, classificado como classe 2, o que impõe limitações às intervenções a efectuar. As paredes exteriores não podem ser demolidas, os caixilhos das janelas têm de se manter em madeira, as guardas das varandas em ferro e devem ser mantidas a clarabóia e a cobertura em telha.
As testemunhas Paulo A. e António R. foram unânimes na necessidade de demolição do interior, mantendo-se a “casca” com escoramento e construção de uma nova estrutura, idêntica à que estava, replicando-se o que estava feito e que está actualmente degradado.
É certo que a testemunha Gaspar disse ter conhecimento de um restaurante que se manteve em funcionar, enquanto os pisos superiores eram alvo de demolição, mas esta testemunha não conhece o edifício em causa nem o projecto de reabilitação, pelo que não pode esclarecer se no caso concreto é possível esta solução.
E também os técnicos da Câmara Municipal não demonstraram conhecimento aprofundado do interior do edifício. Na perícia que efectuaram fora do âmbito deste processo judicial, a sua preocupação e o que foram analisar foi a estrutura exterior, para aquilatar da possibilidade de queda de parte da estrutura exterior (reboco e cobertura) para a via pública.
Sendo necessário proceder à demolição de alguns elementos estruturais, das escadas, da compartimentação interior, de parte da cobertura ou totalidade conforme o estado de conservação da mesma na altura, afigura-se como adequada a necessidade de desocupação do rés-do-chão onde funciona o estabelecimento comercial explorado pelos RR. “A Casa M.”.
E tal conclusão não colide com o projecto apresentado, como defendem os apelantes. E tanto não colide que é a própria Câmara Municipal que informa o que foi dado como provado no ponto 22.
A circunstância de se ter dado como provado no ponto 20 que o estabelecimento comercial a funcionar no rés-do-chão apresenta um estado de conservação razoável e que há cerca de 30 anos, os antecessores dos réus procederam à substituição do pavimento do arrendado, rebocaram e pintaram as paredes do locado, retiraram o tecto de madeira e colocaram um tecto falso e realizaram ainda outras obras no locado (cfr. ponto 21), não permite por si só a conclusão de que nenhuma obra irá ser realizada na loja. O facto de, o rés-do-chão, onde se situa o estabelecimento comercial, se encontrar em melhores condições que os demais pisos do prédio, não significa que não se pretenda intervir também ao nível deste piso. Pelo contrário tratando-se de um projecto de reabilitação total do prédio, como decorre dos projectos juntos aos autos, faz sentido uma intervenção global, de modo a que todo o prédio apresente o mesmo estado de recuperação. As obras que foram efectuadas no estabelecimento já contam com 30 anos e não poderá deixar de se notar o contrataste entre a loja e os demais pisos, se o estabelecimento não for também alvo de reabilitação.

Como a Mma Juíza refere na motivação da decisão, “os técnicos camarários não conseguiram afirmar de forma segura que as obras necessárias fazer não implicariam de qualquer forma a desocupação do espaço” e ainda que “colocado perante a hipótese de realização de obras de recuperação do edifício sem a desocupação do rés-do-chão, a testemunha José M. afirmou que não podia garantir que tal fosse possível por razões de segurança e que caso a mesma fosse tecnicamente viável seria uma solução muito mais dispendiosa”.

Assim, da conjugação dos depoimentos das testemunhas que melhor conhecem o projecto e da informação prestada pela Câmara Municipal, de acordo com as regras da experiência e da lógica, não se afigura ter ocorrido qualquer erro de julgamento no que respeita aos pontos 22 e 24 da matéria de facto.
A Mma Juíza foi uma julgadora atenta que procurou averiguar os factos, tendo inclusive procedido a diligências com vista a melhor se esclarecer.
A circunstância do prédio, após a realização das obras propostas, poder voltar a ser utilizado para o exercício do comércio, como resulta dos desenhos juntos, onde está prevista a existência de duas lojas, não afasta a necessidade da desocupação da loja existente para a realização de obras.
E do depoimento das testemunhas também não resulta a prova dos factos dados como não provados no parágrafo 4º dos factos não provados. Desde logo porque foi referido que em função da colocação de novas escadas, as presentes são muito estreitas e de um elevador, a área dos pisos vai necessariamente diminuir, sendo também alterada a compartimentação, pelo que não resultou provado que após as obras não se verificarão quaisquer alterações do prédio ao nível da dimensão da área. Relativamente à estrutura, as testemunhas referiram que a estrutura existente em madeira terá de ser substituída por outra também em madeira e eventualmente com aço (cfr. foi referido no decurso do depoimento das testemunhas que trabalham na Câmara Municipal), pelo que não se pode concluir que não se verificarão quaisquer alterações.
A testemunha em que os apelantes se fundamentam essencialmente no que concerne à necessidade de desocupação do locado (o arquitecto Tiago), não conhece o projecto da obra, nem conhece o processo, pelo que, o seu conhecimento da realidade da obra é necessariamente inferior à que dele detém os autores dos projectos, também ouvidos em tribunal e em quem a Mma Juíza a quo se fundamentou.
O documento nº 5 em que os apelantes se fundamentam tem de ser interpretado em concordância com a demais informação constante do processo e que conduziu à informação junta a fls 264 em que o tribunal também se fundamentou.
Mantém-se assim também como não provados os factos em causa, por não se verificar a ocorrência de qualquer erro de julgamento.
A matéria de facto a considerar é pois apenas a que foi considerada provada pelo tribunal a quo.

Do Direito

Da ineficácia da denúncia

Na contestação os RR. vieram alegar que não foi dado cumprimento ao disposto no nº 1 do artº 1103º do Código Civil, porque não consta da comunicação que lhes foi remetida “as razões que obrigam à desocupação do locado”, pois que os AA. não comunicaram as razões objectivas e circunstanciadas que impõem a desocupação.
No despacho saneador a Mma Juíza entendeu que a comunicação reunia os requisitos para ser eficaz, sem prejuízo de se relegar para final a pronúncia sobre se as obras a efectuar preenchiam a previsão do artº 1101º, alínea b) do CC, ou seja se eram obras de remodelação ou restauro profundos que obrigassem à desocupação do locado.
As apelantes começam por pôr em causa a decisão constante do despacho saneador na parte em que, pronunciando-se sobre a eficácia da denúncia do contrato de arrendamento, julga improcedente a exceção de ineficácia da denúncia do contrato de arrendamento, “sem prejuízo do que se vier a apurar relativamente à natureza das obras projectadas pelos autores, relegando o conhecimento desta última questão para sede de sentença”.
Os apelantes não interpuseram, na ocasião em que foi proferido, recurso do despacho saneador. Ora, nos termos do artº 644º, nº 1, al. b) do CPC cabe recurso do despacho saneador que, sem por termo ao processo, decida do mérito da causa ou absolva da instância o R. ou alguns dos RR. quanto a algum ou alguns dos pedidos”.
Pode dizer-se que o despacho saneador decide do mérito da causa quando nele se julgue procedente ou improcedente algum ou alguns dos pedidos relativamente a todos ou algum dos interessados e também quando, independentemente da solução dada ou da posterior evolução processual, nele se apreciem exceções peremptórias, como a caducidade, a prescrição, a compensação, a nulidade , a anulabilidade (cfr. Defende José Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, pag. 691, Novo Regime) e também a ineficácia, como no caso dos autos.
Ora, não tendo os RR. interposto na altura recurso deste segmento do despacho saneador, não podem agora requerer a apreciação dessa questão, uma vez que a mesma transitou em julgado.
Ainda que assim não se entendesse e se considerasse que o despacho saneador não tinha apreciado concretamente esta questão e como tal não estaria a coberto do trânsito em julgado, ainda assim se nos afigura que as apeladas deram cumprimento às exigências legais.
Dispõe o artº 1101º, alínea b) do CC que o senhorio pode denunciar o contrato de duração indeterminada “para demolição ou realização de obra de remodelação ou restauro profundos que obriguem à desocupação do locado”.
E o artº 1103º, nº 1 do CC, na redação vigente (da Lei 31/2012, de 14 de Agosto) à data do envio da carta datada de 17 de Setembro de 2014(fls 48 e 49) a denunciar o contrato, estabelecia o seguinte:
A denúncia pelo senhorio com qualquer dos fundamentos previstos nas alíneas a) e b) do artº 1101º é feita mediante comunicação ao arrendatário com antecedência não inferior a 6 meses sobre a data pretendida para a desocupação e da qual conste de forma expressa, sob pena de ineficácia, o fundamento da denúncia, devendo nos termos das alíneas a) e b) ser acompanhada da documentação aí referida.
Na carta junta a fls 48 a 1ª A. fez constar que era sua “intenção realizar no referido imóvel, obras de reconstrução que, devido à sua natureza e ao tipo de intervenção subjacente a realizar, tornarão obrigatória a desocupação daquele – cfr. atesta o Termo de Responsabilidade outorgado pelo Autor do Projeto de reabilitação do edifício, que ora se junta sob doc. nº 1 e que se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.”
Se bem que se reconheça que as AA. não forneceram pormenorizada descrição das obras, não deixaram de referir que pretendiam iniciar obras de reconstrução com necessidade de desocupação do locado e completaram ainda esta menção com a referência ao termo de responsabilidade para o qual remeteram e que acompanhou a comunicação. Afigura-se-nos que deste modo a exigência legal se mostra cumprida, não exigindo a lei uma descrição mais circunstanciada.

Da inconstitucionalidade da alínea b) do artº 1101º do Código Civil

Vieram as apelantes pugnar pela inconstitucionalidade desta norma sem que tenha ficado demonstrado, clara e inequivocamente e sem subsistência de quaisquer dúvidas, que a obra de remodelação ou restauro profundo obrigue à desocupação do locado, por violação dos princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança, integrantes do princípio do Estado de Direito Democrático, contido no artº 2º da Constituição da República Portuguesa (na conclusão os apelantes aludem ao artº 20º do CRP, mas trata-se decerto de um lapso, face aos princípios que aludem ter sido violados).

Ora, não tendo sofrido alteração a matéria de facto, ficou demonstrada a necessidade de desocupação do locado, sem dúvidas, pelo que os pressupostos em que as apelantes assentavam a inconstitucionalidade da norma não se verifica.

Da verificação dos pressupostos exigidos pelo artº 1101º, alínea b) – obras de remodelação ou restauro profundo

Alegam os apelantes que as obras a efectuar no prédio não são obras de remodelação ou restauro profundo, pois que efectuadas as obras o edifício manterá incólume a sua autonomia funcional, podendo os apelados a exercer no mesmo a sua actividade comercial, pelo que não assistia às AA. o direito de denunciarem o contrato de arrendamento, nem o mesmo caducou, pois que a coisa locada não se perdeu.
Não suscita dúvidas que em 1960, entre Filipe M. e António M., foi celebrado um contrato de arrendamento comercial tendo por objecto um dos espaços comerciais situados no rés-do-chão do prédio em causa nestes autos, tendo AA. e RR. sucedido na posição contratual, respectivamente, do locador e do locatário.
Ao tempo da denúncia já estava em vigor o novo regime do arrendamento urbano (NRAU), aprovado pela Lei 6/2006, de 27.02, o qual se aplica aos contratos que se mantinham à data da sua entrada em vigor (artº 26º, nº 4).
Nos termos do nº11 do artº 1103º do CC a denúncia para demolição ou realização de obra de remodelação e restauro profundos é objecto de legislação especial, sendo essa legislação o DL 157/2006, de 8.08 (artº 1º, nº1, alínea a)) que estabelece o regime jurídico das obras em prédios arrendados e sucessivas alterações. Efectivamente, da reforma do regime jurídico do arrendamento operada em 2006 fez parte o Dec. Lei nº 157/2006, de 8.08.
Posteriormente, a Lei nº 31/2012, de 14.08 operou assinável reforma no regime do arrendamento urbano, tanto no plano do direito substantivo, como no plano do direito processual, alterando normas do Código Civil, do Código de Processo Civil e da Lei nº 6/2006, de 27/2. E a Lei nº 30/2012, da mesma data, alterou também o DL nº 157/2006, republicando-o, no seguimento da nova redação que deu a algumas das suas normas e da revogação de outras.
À luz do artº 4º, nº1 do DL 157/2006, na redação da Lei 30/2012, em vigor à data da denúncia, as obras de demolição ou de remodelação ou restauro profundo, são as que obrigam, para a sua realização, à desocupação do locado.

Posteriormente, o artº 4º veio a ser alterado pela Lei 79/2014, de 19/12, estabelecendo que são obras de remodelação ou restauro profundos:

a) As obras de reconstrução, definidas na alínea c) do artigo 2.º do regime jurídico da urbanização e da edificação, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de dezembro; ou
b) As obras de alteração ou ampliação, definidas respetivamente nas alíneas d) e e) do artigo 2.º do regime jurídico da urbanização e da edificação, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de dezembro, em que:
i) Destas resulte um nível bom ou superior no estado de conservação do locado, de acordo com a tabela referida no n.º 3 do artigo 6.º da Portaria n.º 1192-B/2006, de 3 de novembro; e
ii) O custo da obra a realizar no locado, incluindo imposto sobre valor acrescentado, corresponda, pelo menos, a 25 /prct. do seu valor patrimonial tributário constante da matriz do locado ou proporcionalmente calculado, se este valor não disser exclusivamente respeito ao locado.
Nos termos da alínea c) do artº 2º do DL 555/99 são obras de reconstrução as obras de construção subsequentes à demolição total ou parcial de uma edificação existente, das quais resulte a manutenção ou a reconstituição da estrutura das fachadas, da cércea e do número de pisos.
À luz do artº 4º, nº 1 na redação em vigor à data da denúncia, as obras a efectuar têm de ser consideradas como obras de remodelação ou restauro profundo porque se apurou que obrigam à desocupação do locado, nada mais exigindo a lei à data da denúncia.
Mas ainda que se considerasse aplicável a redação dada ao artº 4º pela Lei 79/2014, de 19/12, tendo sido apurado que as obras consistem na demolição parcial do prédio com total demolição da compartimentação interior do edifício e de alguns dos seus elementos estruturais, nomeadamente das estruturas dos pisos e das escadas de acesso aos pisos superiores e também ao nível da estrutura da cobertura com substituição parcial de alguns dos seus elementos, também à luz da actual redação e da alínea c) do artº 2º do DL 555/99, não podem as obras que as apeladas pretendem realizar no prédio deixar de ser consideradas como obras de remodelação profundas.
A pretensão dos apelantes pressupõe a alteração da matéria de facto, o que não se verificou por não se ter detectado qualquer erro de julgamento. E ainda que, após a realização das obras, se mantenha o número de pisos e o destino dos pisos, tal não afasta a qualificação das obras como de remodelação ou restauro profundos, como já referimos, sendo irrelevante o destino do prédio.

Assim, tendo as AA. comunicado a denúncia com a antecedência prevista na lei (artº 1103º, nº1 do CC) e tendo posto à disposição dos locatários a indemnização a que alude a alínea a) do nº 6 do artº 1103º do CC, a denúncia é valida.
Tendo o contrato cessado por denúncia do locador, prejudicada fica a questão da sua cessação por caducidade.

IV – Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
Custas pelos apelantes.
Notifique.
Guimarães, 15 de fevereiro de 2018

Helena Melo
João Peres Coelho
Pedro Damião e Cunha