Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3702/20.1T8VCT.G1
Relator: LÍGIA VENADE
Descritores: CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
PRAZO PRESCRICIONAL
CAUSAS DE SUSPENSÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/03/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Não tendo sido suscitada nos autos em resposta à exceção de prescrição causas de suspensão do prazo por força da vigência de legislação Covid-19, o tribunal (recorrido e de recurso) não está impedido de aplicar a lei em apreço, antes se impondo essa aplicação, e deve retirar as competentes ilações.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

I RELATÓRIO.

F. A., veio propor ação declarativa de condenação contra A. P., L. L. e B. J., pedindo que sejam os R.R. condenados solidariamente a pagar ao Autor, as quantias a seguir discriminadas:

a) 149.639,32 € (cento e quarenta e nove mil seiscentos e trinta e nove euros e trinta e dois cêntimos) valor equivalente a 30.000.000$00 (trinta milhões de escudos) referente à
cláusula décima primeira;
b) 44.891,80 € (quarenta e quatro mil oitocentos e noventa e um euros e oitenta cêntimos,
valor equivalente a 9.000.000$00 (nove milhões de euros) a que se refere a cláusula Nona;
c) 38948,86€ (trinta oito mil novecentos e quarenta oito euros e oitenta seis cêntimos) relativo a juros de mora dos últimos cinco anos, à taxa de 4% ao ano, contabilizados até à presente data, acrescidos dos juros até à efectivo e integral pagamento das quantias peticionadas.
d) Serem os Réus condenados no pagamento das custas do processo e dos demais encargos legais.

Para o efeito alega que o A. e os R.R., em 29 de setembro de 2000, celebram um contrato, o qual na clausula terceira, acordam entregar ao Autor “os trabalhos de execução dos cálculos de estabilidade (betão armado), projetos de águas e esgotos, de um edifício a construir no prédio acima referido”. (…) Os R.R., apesar de se terem obrigado, na clausula Sétima do contrato, a “apresentar na Câmara Municipal de … o pedido de licenciamento de construção com vista à edificação do edifício acima referido, bem como o projeto de arquitetura no prazo de 60 dias a contar desta data.”, não o fizeram.
O A. interpelou os R.R., por carta registada datada de 12 de novembro de 2000, dando o prazo de 30 dias para cumprimento da clausula Sétima do contrato, ou seja, “apresentar na Câmara Municipal de ... o pedido de licenciamento de construção com vista à edificação do edifício acima referido, bem como o projeto de arquitetura.”; os R.R. nada disseram, pelo que o Autor, por carta registada datada de 22 de Março de 2001, denunciou “o incumprimento do contrato por parte dos Réus”. Nesse sentido, acionaram a cláusula penal de 30.000.000$00 acrescida de 9.000.000$00 a que se refere a cláusula Nona.
Acontece que em 1 de julho de 2008, o R. L. L., vende à empresa X, Lda, com sede em …, um terço indiviso; por sua vez os R.R. A. P. e B. J. permutaram dois terços indivisos por quatro fracções autónomas e treze lugares de garagem a construir pela empresa X, Lda.
A venda do imóvel pelos R.R., ocorrida em 2008, constitui incumprimento definitivo do contrato de 29 de setembro de 2000 celebrado com o A., conferindo a este o direito a resolver o contrato e, por sua vez, constituindo os R.R. na obrigação solidária de pagar ao A. o montante referido na cláusula nona, no valor de 44.891,80 euros, valor equivalente a 9.000.000$00, acrescido do valor de 149.639,32 euros, valor equivalente a 30.000.000$00, constante da cláusula décima primeira.
O A. pediu a citação urgente nos termos do artº. 561º do C.P.C., alegando que o incumprimento do contrato acontece em 12 de dezembro de 2000, e o prazo ordinário de prescrição para a responsabilidade civil contratual é de 20 anos, artº.309º do C.C..
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Este pedido foi deferido.
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Os R.R. A. P. e L. L. apresentaram contestação em que invocaram, além do mais, a prescrição, uma vez que forma citados para contestar em 2 e 22 de dezembro, e tendo em conta que o A. ficou ciente do direito que lhe assistia, o mais tardar, em 28 de novembro de 2000 (60 dias após 29/09/2000, data do alegado “contrato”). Alegam o pagamento do valor reclamado. Invocam ainda o disposto na alínea c) do artº. 317º do C.C. “os créditos pelos serviços prestados no exercício de profissões liberais e pelo reembolso das despesas correspondentes” “prescrevem no prazo de dois anos”.
Pedem a procedência da exceção e a sua absolvição do pedido.
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Notificado o A. para se pronunciar sobre a exceção ao abrigo do princípio do contraditório, dizendo que interpelou os R.R., por carta registada datada de 12 de novembro de 2000, dando o prazo de 30 dias para cumprimento da clausula Sétima do contrato, ou seja, “apresentar na Câmara Municipal de ... o pedido de licenciamento de construção com vista à edificação do edifício acima referido, bem como o projeto de arquitetura.” Os R.R. nada disseram, pelo que o Autor, por carta registada datada de 22 de março de 2001, vem denunciar o incumprimento do contrato por parte dos RR.. Por cautela de patrocínio, e salvo opinião em contrário, o Autor requereu citação urgente, justificando com a preclusão do seu direito a 12 de dezembro de 2000. Mais alega que não se aplica ao caso o artº. 317º, c). Conclui pela improcedência da exceção.
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Foi designada data para realização de audiência prévia, e, realizada a mesma e gorada a tentativa de conciliação, foi fixado à causa o valor de € 233.479,98.
Foi proferido despacho saneador e foi decida a exceção de prescrição, julgando a mesma procedente e absolvendo os R.R. dos pedidos contra si formulados.
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O A. não se conformando com a decisão proferida, apresentou recurso, terminando as alegações com as seguintes
-CONCLUSÕES-(que se reproduzem)

“1- A presente acção interposta pelo Recorrente foi julgada improcedente, porque foi julgada procedente a excepção da prescrição invocada pelos Réus.
2- O tribunal a quo na contagem do prazo de 20 anos, para efeitos de prescrição do direito do Recorrente, não teve em conta, que o prazo esteve suspenso entre 9 de Março e 3 de Junho de 2020, num total de 87 dias e entre 2 de Fevereiro e 6 de Abril de 2021, num total de 63 dias, isto por força da legislação Covid.
3- Em consequência, o direito do Autor só prescreveu no dia 8 de Junho de 2021.
4- A citação foi ordenada em 27 de Novembro de 2020.
5- Os Réus foram citados em 02.12.2020, 22.12.2020 e 08.07.2021.
6- De acordo com o disposto no artigo 323º, nº 2, do Código Civil, o prazo de prescrição encontra-se interrompido, decorridos que sejam 5 dias depois de requerida a citação, o que significa que o prazo da prescrição se interrompeu no dia 2 de Dezembro de 2020.
7- A decisão recorrida viola, por erro de interpretação, de aplicação do direito e erro de determinação das normas aplicáveis, o preceituado na Lei 1-A/2020 de 19 de Março, art.7º, nºs 3 e 4, Lei 16/2020 de 26 de Maio, art.6, Lei 4-B/2021 de 1 de Fevereiro de 2021, art.6-C, nº4, Lei 13-B/2021 de 5 de Abril e art.323, nº2 do Código Civil.”
Pede que se conceda provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida.
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Os R.R. contestantes apresentaram contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso, dizendo em suma que:

-o contrato em causa é de prestação de serviços aplicando-se a prescrição presuntiva de 2 anos, prevista no artº. 317º, c), que se mostra verificada à data da propositura da ação;
-não reconhecem o acordo relativo à cláusula penal e pagaram a contrapartida devida ao A. por força do contrato;
-o A. não alegou na resposta à exceção causas de suspensão do prazo de prescrição, fruto da legislação covid-19, e por força dos princípios da concentração da defesa e preclusão não o pode fazer por esta via de recurso.
Pedem a manutenção da decisão recorrida.
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O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito devolutivo, o que foi confirmado por este Tribunal.
Após os vistos legais, cumpre decidir.
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II QUESTÕES A DECIDIR.

Decorre da conjugação do disposto nos artºs. 608º, nº. 2, 609º, nº. 1, 635º, nº. 4, e 639º, do Código de Processo Civil (C.P.C.) que são as conclusões das alegações de recurso que estabelecem o thema decidendum do mesmo. Impõe-se ainda ao Tribunal ad quem apreciar as questões de conhecimento oficioso que se resultem dos autos.
Impõe-se por isso no caso concreto e face às elencadas conclusões decidir se a exceção de prescrição está verificada, verificando os argumentos do recorrente de depois os dos recorridos, por uma ordem que se nos afigura a mais correta lógica.
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III FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.

A matéria a considerar é a que consta do relatório supra, mormente o alegado na p.i..
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IV FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.

Dispõe o artº. 298º, nº. 1 do C.C. que estão sujeitos a prescrição pelo seu não exercício durante o lapso de tempo estabelecido na lei, os direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare isentos de prescrição, sendo de ordem pública o regime de prescrição.
A prescrição extintiva é o instituto por via do qual os direitos subjectivos se extinguem quando não são exercidos durante certo tempo fixado na lei.
O fundamento específico da prescrição, como referiu o Prof. Manuel de Andrade (“Teoria Geral da Relação Jurídica”, vol. II, Almedina, 1974, pags. 445-446), “reside na negligência do titular do direito em exercitá-lo”, negligência que “faz presumir ter ele querido renunciar ao direito, ou pelo menos o torna (o titular) indigno de protecção jurídica”, acrescentando ainda, a “certeza ou a segurança jurídica”; a protecção dos obrigados “especialmente os devedores, contra as dificuldades de prova”; e ainda “exercer uma pressão ou estímulo educativo sobre os titulares dos direitos no sentido de não descurarem o seu exercício ou efectivação, quando não queiram abdicar deles”. Obstando a que o titular do direito possa vir a exercê-lo sem limite de tempo, o instituto visa ainda a segurança do tráfego jurídico.
Completada a prescrição, tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito –artº. 304º, nº. 1, C.C.. Trata-se de um meio de defesa do devedor que só este tem legitimidade para invocar, não sendo do conhecimento oficioso –cfr. artºs. 301º e 303º, do C.C..
O prazo geral ou ordinário da prescrição é de 20 anos, conforme o artº. 309º do C.C.. Porém a lei estabelece prazos mais curtos. É o caso das situações mencionadas no artº. 310º, em que é de 5 anos; é o caso das prescrições presuntivas de 6 meses e de 2 anos, previsto respetivamente nos artºs. 316º e 317º, sendo neste último de destacar os créditos pelos serviços prestados no exercício de profissões liberais e pelo reembolso das despesas correspondentes.
Quanto ao seu início, o prazo de prescrição começa a contar-se quando o direito puder ser exercido; se, porém, o beneficiário da prescrição só estiver obrigado a cumprir decorrido certo tempo sobre a interpelação, só findo esse tempo se inicia o prazo da prescrição –artº. 306º, nº. 1. E interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o ato pertence e ainda que o tribunal seja incompetente nº. 1 do artº. 323º; e, se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias –artº. 323º, nº, 2, sempre do C.C..
Esta norma tem de ser compatibilizada com o disposto no artº. 561º do C.P.C. relativamente ao pedido de citação urgente, que no caso foi deferido. A citação prévia ou urgente é algo distinto da citação ficta prevista no artº. 323º, nº. 2, do C.C., sendo uma forma que o A. (titular do direito) tem para acautelar a prescrição, quando entre a propositura da ação e o termo do prazo de prescrição medeiam menos de 5 dias, o que não permite operar a citação ficta.
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Feitas estas considerações prévias sobre a exceção perentória de prescrição, restritas ao que para o caso pode relevar, passamos ao caso concreto.
Foi este o raciocínio feito pelo tribunal recorrido para operar o decurso do prazo e o efeito da prescrição: “No nosso caso, a causa de pedir alegada para fundamentar o direito invocado assenta na putativa violação da cláusula sétima do acordo celebrado entre as partes no dia 29 de Setembro de 2000 – cfr. fls. 16v a 18v dos presentes autos e artigos XIX a XXII da petição inicial. Nos termos da referida cláusula, “os segundos outorgantes obrigam-se a apresentar na Câmara Municipal de ... o pedido de licenciamento de construção com vista à edificação do edifício acima referido, bem como o projecto de arquitectura no prazo de 60 dias a contar desta data”.
Estamos perante uma obrigação de prazo certo – cfr. artigo 805º, nº 2, alínea a), do Código Civil –, prescindindo o legislador de qualquer actividade do credor para que se verifique o incumprimento. Ainda assim, no nosso caso e antes de terminado o prazo de 60 dias, o Autor remeteu aos Réus as missivas cujas cópias constam de fls. 20 e 21 (de 12 de Novembro de 2000), nas quais deu por certo o incumprimento dos Réus.
De qualquer modo, tendo presente a data da celebração do acordo em causa e o prazo de 60 dias constante da cláusula sétima, temos que o direito invocado pelo Autor poderia ser exercido no termo desse prazo, ou seja, em 29 de Novembro de 2000 – cfr. artigo 306º, nº 1, do Código Civil.
De acordo com o artigo 309º, do Código Civil, o prazo ordinário de prescrição é de 20 anos.
Esse prazo terminou no dia 29 de Novembro de 2020.
O Autor propôs a acção no dia 26 de Novembro de 2020 e requereu a citação urgente dos Réus. A citação foi ordenada em 27 de Novembro de 2020. Os Réus foram citados em 02.12.2020, 22.12.2020 e 08.07.2021.
Tendo presente o disposto no artigo 323º, nº 2, do Código Civil, o prazo de prescrição só se mostraria interrompido se o Autor tivesse requerido a citação dos Réus cinco dias antes do dia 29 de Novembro, ou seja, a 24 de Novembro de 2020. Só tendo requerido a citação no dia 26 de Novembro, a interrupção da prescrição só me mostraria interrompida, se ainda em curso, o que não é o caso, no dia 2 de Dezembro de 2020.
Ou seja, o direito do Autor prescreveu em 29 de Novembro de 2020.”
Correto o raciocínio com exceção da referência a 24/11/2020, que seria antes 23/11, dado que a interrupção verifica-se ao sexto dia.
Vejamos então os argumentos apresentados para rebater esta conclusão.
O primeiro apontamento tem que ver com a aplicação ao caso da legislação covid-19.
Efetivamente o artº. 7º, nº. 3, da Lei nº. 1-A/2020 de 19/3 determinou uma causa de suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os tipos de processos e procedimentos: a situação excecional; o que, segundo o nº. 4, prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, sendo os mesmos alargados pelo período de tempo em que vigorar a situação excecional. E diz o nº. 2 que “O regime previsto no presente artigo cessa em data a definir por decreto-lei, no qual se declara o termo da situação excecional.”
A suspensão do prazo significa que não corre no respetivo período.
Não obstante essa lei ter entrado em vigor no dia seguinte à sua publicação de acordo com o artº. 11º (precisamente 19/3, já que foi publicada a 18), o artº. 10 dispõe que “A presente lei produz efeitos à data da produção de efeitos do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março.”
De acordo com o artº. 37º deste último, o decreto-lei produz efeitos no dia da sua aprovação, ou seja, 12/3. Mas a Lei nº. 4-A/2020 que introduziu alterações à Lei nº. 1-A/2020, contêm uma norma interpretativa no artº. 5º explicitando que o artº. 10.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, devia ser interpretado no sentido de ser considerada a data de 9 de março de 2020 como a data de início de produção de efeitos das disposições do artº. 7.º da Lei nº. 1-A/2020, de 19 de março.
Assim sendo, em 9/3/2020 o prazo de prescrição efetivamente tem-se por suspenso.

E quando é que voltou a correr?

O artº. 7º foi revogado pela Lei nº. 16/2020 de 29/5 (artº. 8º, com entrada em vigor a 3/6 como resulta do artº. 10º); no seu artº. 6º diz-se que “Sem prejuízo do disposto no artigo 5.º, os prazos de prescrição e caducidade que deixem de estar suspensos por força das alterações introduzidas pela presente lei são alargados pelo período de tempo em que vigorou a sua suspensão.” (o artº. 5º refere-se a prazos administrativos).
Ora, isto dá um período de suspensão de 87 dias, o que no caso redunda na conclusão a que chegou o recorrente, ou seja, 5 dias após a propositura da ação o prazo de prescrição ainda corria e por isso tem-se por interrompido em 2/12, que aliás coincide com a data da citação do 1º R. que se logrou citar.
Conclui-se por isso que não se verificou a exceção de prescrição.
Se necessário fosse, mostrava-se também válido o segundo argumento do recorrente: com a publicação da Lei nº. 4-B/2021, e por força do aditamento do artº. 6º-B, nº. 3, à lei nº. 1/2020 voltou a suspender o(s) prazo(s) de (caducidade e) prescrição; cfr. ainda o nº. 4. Esse artigo produz efeitos a 22/1/2021 (cfr. artº. 4º da Lei) e até 6/4/2021, com a entrada em vigor da Lei nº. 13-B/2021 de 5/4 (cfr. artº. 7º) que revoga aquele artº. 6º-B (cfr. artº. 6º), mas acrescenta no seu artº. 5º que “Sem prejuízo do disposto no artigo anterior, os prazos de prescrição e caducidade cuja suspensão cesse por força das alterações introduzidas pela presente lei são alargados pelo período correspondente à vigência da suspensão.”. Porém este argumento não faz sentido no caso em que a ação já corria, conforme bem fazem notar os recorridos.

Assistindo razão ao recorrente, resta analisar os argumentos das contra-alegações de molde a verificar se está invalidado o efeito da verificação da improcedência da exceção, por força, em primeiro lugar:

- de não poder aqui ser invocada a legislação covid-19, nomeadamente causas de suspensão da prescrição, que não foi invocada em 1ª instância, e por força do princípio da concentração da defesa de que decorre o princípio da preclusão, este imanente das figuras da litispendência e caso julgado –cfr. artºs. 552º, nº. 1, d), e 573º, nº. 1, do C.P.C., e ainda o dever de lealdade e de litigância transparente e de boa fé;
- ou outro princípio que se nos afigure relevante.

Começando por aqui diremos que não têm aplicação à situação em apreço os princípios invocados.
De facto, os R.R. contestantes invocaram na sua peça a exceção de prescrição; o A. apresentou a sua contra-argumentação, com factos (interpelação em 12/11/2000; denúncia do incumprimento em 22/3/2001). O princípio da concentração da defesa e da preclusão tem por referência factos, e não a aplicação do direito aos mesmos. Ou seja, o que o A. não podia era apresentar outra versão dos factos; mas quanto ao direito, resulta do artº. 5º, nº. 3, do C.P.C. que “O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito.”
Portanto, fosse ou não levantada essa questão, cabia ao tribunal (recorrido e de recurso) aplicar a lei em apreço.
Por outro lado, e pelo mesmo ponto de vista, não estamos perante uma “questão nova”, que por não ter sido suscitada no tribunal recorrido, este tribunal não podia “apreciar”. Conforme é referido por António Abrantes Geraldes (“Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 4ª edição, pags. 107 a 110), o recurso, como meio de impugnação de uma anterior decisão judicial, em termos gerais, apenas pode incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo confrontar-se o tribunal ad quem com questões novas. Os recursos constituem mecanismos destinados a reapreciar decisões proferidas, e não a analisar questões novas, salvo quando estas sejam de conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha os elementos imprescindíveis. Seguindo a terminologia proposta por Miguel Teixeira de Sousa (“Estudos sobre o Processo Civil”, 2ª edição, pág. 395), não pode deixar de se ter presente que tradicionalmente seguimos, em sede de recurso, no âmbito do processo civil, um modelo de reponderação que visa o controlo da decisão recorrida e não um modelo de reexame que permita a repetição da instância no tribunal de recurso.
É questão nova uma questão não sujeita à discussão do tribunal recorrido; a questão aqui em causa é a prescrição; é essa a figura apreciada e não se extravasa do objeto da decisão; a lei aplicável não é uma questão, é matéria ao dispor do tribunal. Em suma, o tribunal é livre de identificar as normas que melhor se apliquem ao caso, em sede estritamente jurídica, qualificando as relações jurídicas estabelecidas e extraindo os resultados ou efeitos legais e adequados.
Isto posto, a matéria da aplicação da legislação covid-19 pode ser objeto de pronúncia por este Tribunal sem cometimento de nulidade processual por conhecimento de questões de que não podia tomar conhecimento (artº. 615º, nº. 1, d), do C.P.C.), nulidade que cometeria se se tratasse de uma questão nova.
De realçar ainda que o princípio do contraditório foi respeitado dado que no âmbito das contra-alegações de recurso o recorrido teve oportunidade de argumentar relativamente ao tema (artº. 3º, nº. 3, C.P.C.).
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Outro argumento das contra-alegações prende-se com o prazo de prescrição aplicável.
Alegam os recorridos que está em causa um contrato de prestação de serviços como veiculado pelo próprio A., e o “Autor é engenheiro civil, assumindo-se, nos serviços que se vinculou a prestar a favor dos Réus, como um profissional liberal, tendo-lhe tais serviços (de elaboração de projetos e de acompanhamento ou direção técnica de obra de construção civil) sido integralmente pagos.”
Entendem por isso que se aplica o prazo de prescrição presuntiva de 2 anos, previsto no artº. 317º, c), do C.C..
Ora, analisada a p.i. e a causa de pedir aí inclusa, o A. baseia-se na violação da cláusula sétima, bem como na venda do imóvel pelos R.R., para a resolução do contrato e para o acionamento da cláusula décima primeira; portanto o A. não está a pedir o pagamento de honorários, mas a invocar o incumprimento do contrato. Está por isso em causa a responsabilidade civil contratual dos R.R.. Nessa medida, o prazo de prescrição aplicável é o ordinário -20 anos-, não se aplicando a norma invocada pelos recorridos. Assim, o juízo feito a propósito da não verificação do prazo de prescrição não sai invalidado por este argumento que improcede.
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Por último referem-se os recorridos à (in)validade da cláusula penal, ao cumprimento do contrato e à falta de fundamento para o acionamento da mesma cláusula penal.
Essa matéria é, contudo, irrelevante para a apreciação da exceção. Para este efeito releva a causa de pedir invocada pelo A., nomeadamente a data que alega relativa ao momento mais longínquo que se pode ponderar do início do curso da prescrição (e que para esse efeito os R.R. aceitam, cfr. artºs. 8º e 19º da contestação), em confronto com as datas de propositura da ação e citação. Repara-se que para o efeito é despiciendo discutir-se se o prazo terminava a 28/11 ou 29/11 (consoante se inicie a contagem para os efeitos do artº. 306º do dia em que se consuma o incumprimento ou do dia a seguir, via seguida pelo tribunal recorrido, e com a qual concordamos pois só a partir de então o direito pode ser exercido).
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Não procedem por isso os contra-argumentos invocados pelos recorridos.
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Impõe-se a revogação do decidido, face à procedência da apelação.
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As custas no caso são a cargo da parte vencida de acordo com o critério de causalidade, segundo o qual, as custas devem ser suportadas, em regra, pela parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento, pela parte que tirou proveito do processo; entende-se que dá causa às custas a parte vencida, na proporção em que o for –artº. 527º, nºs. 1 e 2 do C.P.C..
No caso, as custas devem ser imputadas aos R.R., vencidos na matéria da exceção.
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V DISPOSITIVO.

Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação em julgar o recurso procedente e, em consequência, conceder provimento à apelação e consequentemente revogam a decisão recorrida que se substitui por pela presente, que julga improcedente a exceção de prescrição, devendo os autos prosseguir os seus termos.
Custas a cargo dos recorridos (artº. 527º, nº. 1, do C.P.C.).
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Guimarães, 3 de novembro de 2022.

Os Juízes Desembargadores
Relator: Lígia Paula Ferreira Sousa Santos Venade
1º Adjunto: Fernando Barroso Cabanelas
2º Adjunto: Eugénia Pedro