Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1570/17.0T8VCT.G1
Relator: EDUARDO AZEVEDO
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO LABORAL
RECURSO
ADMOESTAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/16/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
1- Nos processos de contra-ordenação laboral, na avaliação da admissibilidade do recurso para o Tribunal da Relação deve-se ter em consideração o artº 49º da Lei nº 107/2009, de 14/09.

2- Na contra-ordenação laboral a admoestação só é aplicável à contra-ordenação leve.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães

Por decisão da ACT - Autoridade Para as Condições de Trabalho foram condenados FA, Lda e, solidariamente, cabeça de casal da herança de M. M., pela prática da primeira de uma contra-ordenação pª e pª pelo artº 263º, nºs 1, 2 e 3 do CT, na coima de 3.500,00€, de uma contra-ordenação pª e pª no artº 264º, nºs 2, 3 e 4 do CT, na coima de 3.500,00€, de uma contra-ordenação pª e pª no artº 202º, nºs 1 e 5 do CT na coima de 785,00€, de uma contra-ordenação pª pª no artº 213º, nº 2 do CT e clª 20, nºs 2 e 4, do CCT entre AIPAN e FESAHT, BTE nº 15 de 22.04.2010, na coima de 450,00€, e de uma contra-ordenação pª e pª no artº 276º, nºs 3 e 4 do CT, na coima de 225,00€, e, em cúmulo jurídico, na coima única de 5.600,00€, acrescida da sanção acessória da publicidade, bem como no pagamento das quantias de 12.714,58€ à SS e 32.563,95€ a trabalhadores.
A arguida sociedade impugnou-a.
Procedeu-se à realização da audiência de julgamento.
Foi proferida sentença com o dispositivo:
“Absolver o cabeça de casal do pagamento solidário das coimas;
Condenar a arguida no pagamento da coima única de €5.600,00, acrescida da sanção acessória da publicidade da decisão condenatória, bem como no pagamento das quantias de €12.714,58 à 5. Social e €32.563,95 aos trabalhadores identificados a fls. 67, pela prática das seguintes contra ordenações:
contra-ordenação p.p. no artº. 263, nº. 1, 2 e 3, do C. Trabalho (não pagamento do subsídio de Natal do ano de 2015) - coima de €3.500,00;
contra-ordenação p.p. no artº. 264, nºs. 2, 3 e 4, do C. Trabalho (não pagamento do subsídio de férias do ano de 2015) - coima de €3.500,00;
contra-ordenação p.p. no artº. 202, n°. 1 e 5, do C. Trabalho (não proceder ao registo dos tempos de trabalho) - coima de €785,00;
contra-ordenação p.p. no artº. 213, n°. 2, do C. trabalho e cláusula 20, n°s. 2 e 4, do CCT entre AIPAN e FESAHT, BTE nº. 15 de 22/4/20 10 (não respeitar o intervalo de descanso, de modo a que os seus trabalhadores não prestassem mais do seis horas consecutivas de trabalho) - coima de €450,00;
contra-ordenação p.p. no artº. 276, no. 3 e 4, do C. Trabalho (não entrega aos seus trabalhadores do recibo de vencimento) - coima de €225,00”.

A arguida recorreu, concluindo:

1.º - A, aliás, douta decisão proferida pelo M.mo Juiz “a quo” não formula, quanto à medida da coima e sanção acessória, um adequado e ajustado juízo de censura, sendo excessiva para os factos em causa e para a degradante situação económico financeira da Recorrente, demonstrado que está no Ponto 7 dos Factos Provados que a Recorrente a partir de 2014 passou a ter grandes dificuldades financeiras.
2.º - Por isso, atenta a reduzida gravidade da infracção - por se verificar que pelo menos duas das contra-ordenações são classificadas como leves - ao que acresce o facto de se constatar a existência de um reduzido grau de culpa – a empresa arguida agiu apenas com negligência – entende-se, salvo melhor e douta opinião de Vossas Excelências, que nos termos do disposto no artigo 48º da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro, à Recorrente deveria ter sido apenas aplicada uma admoestação por escrito.
3.º - Com efeito, nos termos do artigo 51º do Regime Geral das Contra-ordenações, também se prevê, de uma forma genérica, a aplicação da pena da admoestação por escrito.
4.º - O mencionado Regime Geral das Contra-ordenações é aplicável, por via do estatuído no artigo 60 da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro, sempre que o contrário não resulte deste.
5.º - Ora, da Lei n.º 107/2009 não resulta que as infracções graves e/ou muito graves não possam ser alvo de admoestação.
6.º - Pelo que, não tendo sido aplicada a pena de admoestação por escrito à Recorrente, foi violado a letra e o espírito do disposto no art. 48º da Lei n.º107/2009, de 14 de Setembro, pelo que a, aliás, douta sentença que ora se impugna deve ser revogada e substituída por douta decisão de Vossas Excelências que lhe aplique a pena de admoestação por escrito, assim aderindo ao conceito plasmado no Código Penal de 1982, de que o direito deve ser mais reeducador, do que sancionador.”.
O MºPº contra-alegou e sem articula conclusões termina:
“- não deve ser admitido o recurso quanto às contra-ordenações pelo pelo art. 202º, nº 1 e 5 CT; p.p. pelo art. 213º nº 2 CT e cláusula 20ª nº 2 e 4 do CCT entre a AIPAN e a FESAHT, BTE nº 15/2010; e p.p. pelo art. 276º, nº 3 e 4 do CT;
- deve ser negado provimento ao recurso e, em consequência, manter-se a douta sentença recorrida.”.
Nesta instância foi emitido parecer, nos termos do artº 416º do CPP, no sentido da improcedência do recurso.
Efectuado o exame preliminar e corridos os vistos legais, cumpre decidir.
O âmbito do recurso é definido pelas conclusões formuladas pelo recorrente que culminam as suas motivações e é por elas delimitado.
As questões a apreciar são a não admissibilidade do recurso relativamente a três contra-ordenações e a aplicação de pena de admoestação.

Os fatos em que se baseou a decisão recorrida:

1 - A arguida apresentou em 2014 um volume de negócios de €1.220.323,00.
2 - No dia 31 de Janeiro de 2016, a arguida mantinha ao seu serviço, sob a sua ordem e autoridade, os trabalhadores identificados no quadro de fls. 219 a fls. 220, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
3 - A arguida não procedeu ao pagamento dos subsídios de Natal e subsídio de férias do ano de 2015 àqueles seus trabalhadores, bem como não efectuou as correspondentes entregas à S. Social, nos montantes indicados nos quadros de fls. 219 a 220 e fls. 221-verso a 222, que aqui se dão por integralmente reproduzidos.
4 - Naquela data, a arguida não dispunha de qualquer registo (em livro de ponto, registo mecanográfico ou digital) onde constasse a indicação das horas de início e termo do tempo de trabalho dos seus funcionários, bem como as interrupções ou intervalos, de forma a poder-se apurar o número de horas prestadas em cada dia e semana por cada um dos trabalhadores.
5 - As jornadas de trabalho dos seus trabalhadores D. C. e M. S. era, respectivamente, das 3,30 horas às 11,30 horas e das 5,00 às 12,00 horas, sem qualquer interrupção ou intervalo para descanso.
6 - A arguida, naquela data, já não entregava os recibos de vencimento aos seus trabalhadores há vários meses.
7 - A partir de 2014, a arguida passou a ter grandes dificuldades financeiras resultantes de constrangimentos bancários”.
Vejamos.
Destarte, na resposta ao recurso, o MºPº questiona pertinentemente a admissibilidade do recurso da sentença quanto às contra-ordenações e respectivas cominações de 785,00€, de 450,00€ e de 225,00€.
Refere, com o que se concorda:
“Atentos os montantes das coimas aplicadas, não é admissível recurso da sentença proferida nos autos quanto à contra-ordenação p.p. pelo art. 202º, nº 1 e 5 CT (não proceder ao registo dos tempos de trabalho), à contra-ordenação p.p. pelo art. 213º nº 2 CT e cláusula 20ª nº 2 e 4 do CCT entre a AIPAN e a FESAHT, BTE nº 15/2010 (não respeitar o intervalo de descanso de modo a que os trabalhadores não prestassem mais de seis horas consecutivas de trabalho e à contra-ordenação p.p. pelo art. 276º, nº 3 e 4 do CT (não entrega do recibo de vencimento aos trabalhadores).
Pela prática destas contra-ordenações não foi aplicada sanção acessória, atendendo a que se trata de uma contra-ordenação grave praticada por negligência e duas contra-ordenações leves, pelo que nunca poderia ser aplicada sanção acessória, nos termos do art. 562º CT.
Dispõe o art. 49º, nº 1, als. a) e b) da Lei nº 107/2009 de 14/09 que é admissível recurso para o Tribunal da Relação, da sentença ou do despacho proferido ao abrigo do disposto no art. 39º, quando for aplicada ao arguido uma coima superior a 25 UC ou valor equivalente ou a condenação abranger sanções acessórias.
É certo que, foi aplicada à recorrente/arguida a sanção acessória de publicidade da decisão.
Porém, essa sanção acessória foi aplicada pela prática das contraordenações muito graves, pelas quais foi condenada nas coimas de €3,500,00 – art. 562º CT.
E nos termos do nº 3 art. 49º, nº 1, als. a) e b) da Lei nº 107/2009, se a sentença ou despacho recorrido diz respeito a várias infracções e se apenas quanto a algumas infracções se verificam os pressupostos necessários, o recurso sobe com esses limites.
As situações previstas nas restantes alíneas do nº 1 do art. 49º não têm interesse para o caso em apreciação. Trata-se de casos de absolvição, de rejeição da impugnação ou decisão através de despacho.
A recorrente também nada alegou ou requereu para efeitos do nº 2 do citado art. 49º, nem o caso o justificaria.
Pelo exposto, só é admissível recurso da sentença proferida nos autos, quanto à contra-ordenação p.p. pelo art. 263º, nº 1, 2 e 3 CT (não pagamento do subsídio de Natal de 2015) e à contra-ordenação p.p. pelo art. 264º, nº 2, 3 e 4 CT (não pagamento do subsídio de férias de 2015), uma vez que as coimas são de €3.500,00 e pelas quais foi aplicada a sanção acessória de publicidade da sentença - art. 49º, nº 1, als. a) e b) da Lei nº 107/2009 de 14/09.
Não devendo ser admitido o recurso quanto às três ultimas contraordenações.”.
A singeleza da questão e o bem fundado que se transcreveu tornam qualquer outra consideração desnecessária, pelo que a final se decidirá em conformidade.
A recorrente pugna pela aplicação de admoestação.
Independentemente das justificações que apresenta certo é que esta pretensão não tem qualquer fundamento legal.
Mais uma vez citamos o MºPº nas suas contra-alegações, com as quais se concorda igualmente na íntegra:
“A recorrente/arguida recorre apenas por não concordar com a coima aplicada, pugnando pela aplicação de uma admoestação por escrito nos termos do disposto no art. 48º da Lei nº 107/2009.
De acordo com o disposto no art. 18º, nº 1 do DL nº 433/82, a medida da coima é determinada em função da gravidade da contra-ordenação, da culpa, da situação económica do agente e do benefício económico que este retirou da prática da contra-ordenação.
Dispõe o art. 51º do DL nº 433/82 que quando a reduzida gravidade da infracção e da culpa do agente o justifique, pode ser aplicada uma admoestação por escrito.
Porém, o art. 48º do Regime Processual aplicável às Contra-Ordenações Laborais e de Segurança Social, aprovado pela Lei nº 107/2009, estabelece que a admoestação só é aplicável no caso contra-ordenação leve: “Excepcionalmente, se a infracção consistir em contra-ordenação classificada como leve e a reduzida culpa do arguido o justifique, pode o juiz proferir uma admoestação”.
Assim, as contra-ordenações laborais têm regime próprio – a Lei nº 107/2009 – e só, subsidiariamente, é que é aplicável o regime geral das contra-ordenações previsto no DL nº 433/82, nos termos do art. 60º da Lei nº 107/2009.
Pelo que, no caso de contra-ordenação laboral a admoestação só é aplicável às contra-ordenações leves – art. 48º da Lei nº 107/2009.
E conforme supra referido, atento o montante das coimas aplicadas pela prática das contra-ordenações leves, não é admissível recurso.
Mas ainda no âmbito do art. 51º do DL nº 433/82, é entendimento jurisprudencial de que é exemplo o Ac. TRE de 11/09/2012, Proc. nº 29/12.6TBARL.E1 que a admoestação é reservada a contra-ordenações leves:
“A admoestação, prevista no artigo 51º do R.G.C.O., tem em vista casos de reduzida gravidade da infracção e da culpa do agente, encontrando-se, por isso, reservada para contra-ordenações leves ou simples.”
De qualquer forma, atentas as características, a gravidade e o número das contra-ordenações em causa, o número de trabalhadores, dimensão da empresa e volume de negócios da arguida, e atendendo a que, conforme consta da matéria provada e não provada e da condenação, a arguida ainda nem regularizou o pagamento dos subsídios aos trabalhadores e contribuições à Segurança Social, nunca seria justa e adequada a aplicação de uma admoestação.
A arguida praticou duas contra-ordenações muito graves, uma grave e duas leves, por não ter pago os subsídios de férias e de Natal a 30 trabalhadores, nem ter pago as respectivas contribuições à Segurança Social, não dispor de qualquer registo de indicação das horas de início e termo do tempo de trabalho dos trabalhadores, bem como as interrupções ou intervalos e não entregar os recibos de vencimento aos trabalhadores.
Pelo que, não se encontram preenchidos os pressupostos da reduzida gravidade da infracção e culpa do agente previstos no art. 48º da Lei nº 107/2009 ou art. 51º do DL nº 433/82, para aplicação de uma admoestação.”.
Deste modo não procede o recurso.

Sumário, da única responsabilidade do relator

1- Nos processos de contra-ordenação laboral, na avaliação da admissibilidade do recurso para o Tribunal da Relação deve-se ter em consideração o artº 49º da Lei nº 107/2009, de 14/09.

2- Na contra-ordenação laboral a admoestação só é aplicável à contra-ordenação leve.

Decisão

Pelo exposto, rejeita-se o recurso da sentença relativamente às contra-ordenações e respectivas cominações de 785,00€, de 450,00€ e de 225,00€, e, no mais, julga-se o mesmo improcedente, confirmando-se a sentença.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça pelo mínimo.
Após trânsito em julgado comunique à ACT com cópia certificada do acórdão.
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O acórdão compõe-se de 7 folhas, com os versos não impressos.
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16.11.2017