Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
548/11.1TBCBT-D.G1
Relator: ANA CRISTINA DUARTE
Descritores: PROVA PERICIAL
PROVA DA ASSINATURA
SEGUNDA PERÍCIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/13/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 1 – Na prova pericial atribui-se a técnicos especializados a verificação/inspecção de factos não ao alcance directo e imediato do julgador, já que dependem de regras de experiência e de conhecimentos técnico-científicos que não fazem parte da cultura geral ou experiência comum que pode e deve presumir-se ser aquele possuidor.
2 – O requerente de 2.ª perícia tem que explicitar os pontos em que se manifesta a sua discordância do resultado atingido na primeira, com apresentação das razões por que entende que esse resultado devia ser diferente.
3 – Não chega, para tal, dizer que o método utilizado deveria ter sido diferente, quando a primeira perícia foi realizada por entidade credível (Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária), que explicou e justificou o seu método e a forma como chegou à conclusão final.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO
No processo de oposição à execução comum que P… move ao exequente A…, veio aquela executada interpor recurso do despacho que indeferiu a realização de segunda perícia por si requerida.
Apresentou alegações, onde formulou as seguintes
Conclusões:
a) Na verdade, o requerimento apresentado pela executada mostra-se fundamentado, no sentido de "fundadamente" se poderem apurar resultados diferentes da primeira perícia. Ou seja, a executada aduziu razões suficientes e motivação bastante para a eventual inversão do juízo pericial primitivamente emitido.
b) De facto, as perícias de escrita manual assentam na análise comparativa de diversas características, quer gerais, quer específicas da escrita, procurando determinar a sua autoria, autenticidade e escrita a partir de vincos.
c ) Cada pessoa deixa na sua escrita um rasto de movimento, que na sua singularidade e em condições normais, se apresenta de forma relativamente inconfundível no domínio interindividual, e, revela-se praticamente constante no plano intraindividual.
d) São as características acima referidas, que permitem incluir a escrita, mais especificamente, a assinatura nas características biométricas, que permite distinguir um indivíduo de outro.
e) Para identificar a autoria de manuscritos é necessário primeiro comparar os hábitos de escrita e depois avaliar o significado das semelhanças ou diferenças registadas.
f ) Na comparação de escritas são de relevo três formas de fiabilidade das características de escrita:
- A objectividade no seu levantamento,
- A consistência interna das características de escrita,
- A estabilidade dessas características.
g) São as características individuais, que se revestem de elevado valor identificativo, que nos presentes autos não foram levadas em conta.
h) A possibilidade, ou não, de se efectuar a perícia solicitada depende principalmente da qualidade da escrita questionada (condições físicas, extensão, complexidade da grafia e individualidade), mas também, da representatividade dos elementos de comparação ou dos autógrafos.
i ) Para que uma perícia forense de escrita possa ser realizada na sua plenitude, é fundamental o documento em causa se encontrar em original. Pois, apenas documentos originais permitem o estudo da escrita no seu todo, bem como, a análise das características de escrita.
j ) Para além disso, nenhuma fotocópia ou duplicado, por melhor qualidade que apresente, poderá revelar, mesmo quando submetidos a todas as técnicas laboratoriais existentes, os indícios que permitiriam detectar uma falsificação.
k ) A análise da veracidade da assinatura deve ser obtida e verificada a quatro dimensões (extensão, altura, pressão e velocidade), pois não é possível imitar a dinâmica da pressão, as variações das formas e dos movimentos da escrita de outra pessoa e em simultâneo utilizar a mesma velocidade.
l ) Constata-se do teor do Relatório Pericial que a execução do mesmo não teve em consideração o supra referido.
m) Efectivamente a perícia não foi efectuada com recurso a laser, o que não permitiu aferir a profundidade da escrita deixada no papel.
n) Baseou-se em fotocópias o que não é admissível, nem permite uma conclusão rigorosa, como se infere do sobredito, dado que não permite uma análise rigorosa e completa da assinatura.
o) Omitiu aquele relatório que a análise da veracidade da assinatura deve ser obtida e verificada a quatro dimensões (extensão, altura, pressão e velocidade), pois não é possível imitar a dinâmica da pressão, as variações das formas e dos movimentos da escrita de outra pessoa e em simultâneo utilizar a mesma velocidade.
p) Pelo que, em ordem a obter maior clarividência quanto à letra e assinatura constante do título executivo, requereu-se a realização de nova perícia, que deveria ser realizada pelo Departamento de Biologia da Faculdade da Universidade do Porto, que detém os meios técnicos adequados (comparativos e de laser) à análise da escrita em conformidade com todo o supra referido, para o que se formulou o mesmo quesito, ou seja:
_ “A letra e assinatura constante do título executivo (livrança), junto aos autos, foram feitas pelo punho da executada?”
Sem prescindir,
q) Nos presentes autos, estamos perante um despacho que rejeitou um meio de prova, ou seja, a prova pericial, na modalidade de segunda perícia. Atente-se, a propósito, que a segunda perícia vale tanto quanto a primeira.
r) O que a lei pretende com a realização da segunda perícia é que sejam dissipadas quaisquer dúvidas sérias que tenham ficado a subsistir da primeira perícia, sobre a percepção ou apreciação dos factos investigados, com relevância na decisão sobre o mérito da causa.
s) Assim, a não realização da segunda perícia é susceptível de influenciar a decisão da causa, o que constitui nulidade que inquina os termos subsequentes (artigo 195º, n. os 1 e 2 CPC), ou seja, afectará as respostas dadas aos quesitos e à sentença.
t) Subsidiariamente, e se se entender não ser pertinente a realização de segunda perícia, o que não se concede e apenas por mera cautela se alega, devem os senhores peritos ser notificados para esclarecer se a análise efectuada teve em consideração as quatro dimensões da mesma (extensão, altura, pressão e velocidade), pois tais esclarecimentos são essenciais à boa decisão da causa.
u) Pelo que, em face do sobredito a não admissão de realização de segunda perícia, ou subsidiariamente a não admissão do pedido de esclarecimentos, implica a violação do disposto nos artigos 195º, nºs 1 e 2, 485º, 486º e 487º do CPC.
Termina pedindo a revogação do despacho proferido e a sua substituição por outro em conformidade com o supra referido.

Não foram oferecidas contra alegações.
O recurso foi admitido como de apelação, a subir em separado e com efeito meramente devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.
A única questão a resolver traduz-se em saber se estão preenchidos os requisitos para a realização de segunda perícia.

II. FUNDAMENTAÇÃO
A decisão recorrida tem o seguinte teor:
«Notificadas as partes do relatório pericial, veio a executada requerer a realização de uma segunda perícia.
Alegou, para tanto e após dissertar sobre a escrita manual, que a perícia em causa não foi efectuada com recurso a laser e baseou-se em fotocópias.
O exequente, notificado, veio posicionar-se no sentido do indeferimento do requerido, por se tratar de diligência dilatória.
Apreciando.
O n.º1 do artigo 589° do CPC pretérito (ainda aplicável aos autos, por força do disposto no art. 6°, n.º 4 da Lei 41/2013, de 26/06) impõe que a parte que requeira a realização de uma segunda perícia alegue " .. .fundadamente as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado ".
Exige-se, assim, que o requerente da segunda perícia justifique fundadamente a necessidade de a ela se proceder. Ou seja, "quando a iniciativa desta é da parte, não lhe basta requerê-Ia: é-lhe exigido que explicite os pontos em que se manifesta a sua discordância do resultado atingido na primeira, com a apresentação das razões por que entende que esse resultado devia ser diferente" - Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, "Código de Processo Civil Anotado", voI. 2°, 2.ª ed., Coimbra Editora, pág. 554.
Como se afirma no acórdão da Relação de Lisboa de 28.09.2010 - processo n.º 7502/08-7, www.dgsi.pt. "O requerente da segunda perícia tem o ónus de:
a) - em primeira linha, especificar os pontos sobre que discorda do relatório da primeira perícia, por forma a delimitar o objecto da segunda;
b) - depois, indicar os motivos justificativos de tal discordância, para que se possa aferir da utilidade ou conveniência da diligência requerida".
Também o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25.11.2004, citado no supra mencionado refere, a propósito que "a expressão adverbial "fundadamente" significa precisamente que as razões tenham de ser claramente explicitadas, não bastando a apresentação de um simples requerimento de segunda perícia (. . .). Trata-se, no fundo, de substanciar o requerimento com fundamentos sérios, que não uma solicitação de diligência com fins dilatórios ou de mera chicana processual. E isto porque a segunda perícia se destina, muito lógica e naturalmente, a corrigir ou suprir eventuais inexactidões ou deficiências de avaliação dos resultados a que chegou a primeira".
E como se concluiu no acórdão da Relação de Coimbra de 12.10.2010 - processo n.º 675/0B.2TBCBR-A.C1, www.dgsi.pt.. "constitui uma alegação fundada das razões da discordância com o resultado dessa primeira perícia (. .. ) a crítica dirigida à fundamentação das asserções presentes na primeira perícia; Tal crítica pode traduzir-se numa imputação de falta, insuficiência, ou mesmo de pouca clareza ou de inconsistência, dirigida à fundamentação do juízo pericial expresso na primeira perícia, sendo que em qualquer destes casos, existindo uma alegação fundamentada de razões de discordância com a primeira perícia, haverá que realizar a segunda perícia".
Ora, como bem referem Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto (ob. cit.), "a segunda perícia não constitui uma instância de recurso. Visa, sim, fornecer ao tribunal novo elemento de prova relativo aos factos que foram objecto da primeira, cuja indagação e apreciação técnica por outros peritos pode contribuir para a formação duma mais adequada convicção judicia!", não se podendo olvidar a relevância deste meio probatório para alcançar a verdade material - cfr. ainda Acórdão da Relação do Porto de 26.09.2011, processo n.º 1019/10.9TBPVZ-B.PI, www.dgsi.pt.
Volvendo ao caso dos autos: realizado o exame e notificadas as partes do seu relatório, veio a executada formular pedido de realização de segunda perícia por outra entidade, indicando como razões o facto de se lhe suscitarem dúvidas sobre o material em que recaiu o exame, por se tratarem de fotocopias e ainda não ter sido utlizado o método laser com vista à analise da profundidade da escrita deixada no papel.
Ora, quanto ao primeiro dos fundamentos invocados, não assiste razão à executada, visto que a assinatura em crise consta de documento original, qual seja a letra dada à execução, sendo que a mesma foi objecto de comparação com os autógrafos recolhidos à executada, também em documentos originais, sendo que o único elemento que instruiu a perícia sob a forma de fotocópia se reconduz ao bilhete de identidade da executada e como, aliás, não podia deixar de ser.
Por outro lado, a executada, não conclui em que medida é que a utilização do laser influiria no resultado da perícia, imiscuindo-se nas opções técnicas a efectuar pelo perito sendo que é este, pelas suas qualificações técnicas, que se encontra melhor posicionado para, de entre várias técnicas existentes, optar por recorrer à que lhe oferece melhores e mais fiáveis resultados, sendo certo que determinadas técnicas, como o laser, serão subsidiárias de outras, que não oferecem resultados unívocos de imediato. Não foi esse o entendimento do perito.
Com efeito, com a motivação apresentada pela executada não se pode considerar preenchida a exigência fixada pelo n01 do artigo 5890 do Código de Processo Civil, isto é a alegação fundada das razões da sua discordância relativamente ao relatório apresentado, cujos fundamentos e conclusões, de resto, não impugna sequer, de forma a justificar a realização de uma segunda perícia.
Por conseguinte e em face do exposto, indefiro a realização de uma segunda perícia. Notifique».

Do relatório do exame à letra levado a cabo pelo Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária constata-se que:
- o material para exame era constituído pelo original da letra de câmbio onde constava a assinatura suspeita, pelo original do auto de recolha de autógrafos da executada, em vinte e quatro folhas e por fotocópia do bilhete de identidade onde consta a assinatura da mesma;
- a metodologia usada compreendeu quatro fases:
- análise das caraterísticas gerais e de pormenor das escritas;
- comparação das caraterísticas observadas;
- avaliação das semelhanças e diferenças encontradas;
- formulação da conclusão
- quanto às caraterísticas gerais da escrita, a análise incidiu, nomeadamente sobre as seguintes:
- graus de evolução e de ligação;
- legibilidade;
- formas de ligação e dos laços;
- dimensão;
- orientação;
- proporcionalidade;
- espaçamento;
- fluência/pressão;
- regularidade da linha de base;
- disposição da escrita
- quanto às caraterísticas de pormenor, as relativas a:
- forma individual das letras;
- proporcionalidade individual das letras;
- traçado individual das letras;
- combinação das letras;
- ligação das letras;
- outras particularidades caraterísticas de valor comparativo.
- face às comparações efetuadas, concluiu-se que “admite-se como muitíssimo provável que a escrita suspeita seja da autoria…” da executada.
- no anexo informativo sobre perícias de escrita manual enviado pelo Laboratório, explica-se mais detalhadamente como é feita a comparação das escritas e a que equipamentos técnicos se recorre, esclarecendo que na perícia intervêm sempre dois peritos, tendo ambos chegado a uma conclusão unânime.

Vejamos, então.
A questão em apreciação é simples, podendo desde já adiantar-se que foi corretamente decidida na 1.ª instância, nada havendo a opor ao bem fundamentado despacho objeto de recurso.
A prova pericial tem por fim, segundo o artigo 388° do Código Civil, a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objecto de inspecção judicial.
Atribui-se, pois, a técnicos especializados a verificação/inspecção de factos não ao alcance directo e imediato do julgador, já que dependem de regras de experiência e de conhecimentos técnico-científicos que não fazem parte da cultura geral ou experiência comum que pode e deve presumir-se ser aquele possuidor.
A força probatória das respostas dos peritos é fixada livremente pelo tribunal, nos termos do artigo 389.º do CC, ou seja, vigora o princípio da prova livre, devendo o juiz apreciar a perícia “segundo a sua experiência, a sua prudência, o seu bom senso, com inteira liberdade, sem estar vinculado ou adstrito a quaisquer regras, medidas ou critérios legais” (Pires de Lima e Antunes Varela, in CC Anotado, vol. I, 4.ª edição, revista e actualizada, pág. 340), por contraposição à prova legal que vigora no domínio da prova por documentos, por confissão e por presunções legais.
Na parte geral do código prevê-se a possibilidade de, a uma primeira perícia se suceder uma segunda, que terá por objeto a averiguação dos mesmos factos sobre que incidiu a primeira, e com a finalidade expressa de corrigir a eventual inexatidão dos resultados desta (n° 3 do arte. 589°).
Para o efeito, a parte inconformada com a primeira perícia, requererá a segunda perícia, expondo fundadamente as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado (nº 1 do art.º 589º).
O tribunal indeferiu a segunda perícia com o fundamento de que não assiste razão à executada quando diz que se lhe suscitam dúvidas sobre o material em que recaiu o exame, por se tratar de fotocópias, pois, ao contrário do que afirma, a letra dada à execução e os autógrafos recolhidos à executada (vinte e quatro folhas) são os originais, apenas tendo sido examinada a cópia do bilhete de identidade e, por outro lado, por a executada não concluir em que medida é que a utilização do laser influiria no resultado da perícia, “imiscuindo-se nas opções técnicas a efetuar pelo perito sendo que é este, pelas suas qualificações técnicas, que se encontra melhor posicionado para, de entre várias técnicas existentes, optar por recorrer à que lhe oferece melhores e mais fiáveis resultados, sendo certo que determinadas técnicas, como o laser, serão subsidiárias de outras, que não oferecem resultados unívocos de imediato. Não foi esse o entendimento do perito”
Quanto ao primeiro dos fundamentos, não há qualquer dúvida e verifica-se que a apelante incorre em erro quando refere que o material examinado era constituído por fotocópias, o que não é verdade, conforme decorre do Relatório pericial.
Quanto ao segundo fundamento, vejamos se cumpre os requisitos para que seja deferida a segunda perícia.
Como defende Lebre de Freitas, in “Código de Processo Civil anotado”, vol. II, 2ª edição, pág. 554, exige-se ao requerente que “…explicite os pontos em que se manifesta a sua discordância do resultado atingido na primeira, com apresentação das razões por que entende que esse resultado devia ser diferente” - no mesmo sentido, cf. acórdão da Relação do Porto de 5.12.2002, Colectânea de Jurisprudência, T. 5º, pág. 188.
“Trata-se, no fundo, de substanciar o requerimento com fundamentos sérios, que não uma solicitação de diligência com fins dilatórios ou de mera chicana processual. E isto porque a segunda perícia se destina, muito lógica e naturalmente, a corrigir ou suprir eventuais inexactidões ou deficiências de avaliação dos resultados a que chegou a primeira… É, no fundo, como decorre do art.º 591º do Cód. Proc. Civil, «uma prova a mais, que servirá ao tribunal para melhor esclarecimento dos factos» ou seja uma prova adicional facultada pela lei às partes” - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25.11.2004, proc. 04B3648, in www.dgsi.pt e em Colectânea de Jurisprudência do Supremo, T. III, pág. 123.
Alberto dos Reis, revertendo sobre o Código de Processo Civil de 1939, ensina que “o segundo arbitramento, …, destina-se à averiguação dos mesmos factos (segundo exame ou segunda vistoria) ou à determinação do valor dos mesmos bens (segunda avaliação) que foram objecto do primeiro. Quer dizer, o segundo arbitramento é a repetição do primeiro; pretende-se com o segundo exame ou com a segunda vistoria submeter à averiguação e apreciação dos peritos precisamente os mesmos factos que se tratou de averiguar e apreciar no primeiro; pretende-se com a segunda avaliação apurar o valor dos mesmos bens que foram avaliados na primeira. …O que justifica o segundo arbitramento é a necessidade ou a conveniência de submeter à apreciação doutros peritos os factos ou o valor aos bens que já foram apreciados. Parte-se da hipótese de que os primeiros peritos viram mal os factos ou emitiram sobre eles juízos de valor que não merecem confiança, que não satisfazem; porque se não considera convincente o laudo obtido no primeiro arbitramento, é que se lança mão do segundo” - Código de Processo Civil anotado, vol. IV, pág. 297 -, por outro perito para examinar os mesmos factos e os apreciar tecnicamente.
Refere-se, a propósito do art.º 589º, no acórdão da Relação do Porto de 26.9.2011, in www.dgsi.pt, citando J. Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado e Rui Pinto, que “a segunda perícia não constitui uma instância de recurso. Visa, sim, fornecer ao tribunal novo elemento de prova relativo aos factos que foram objecto da primeira, cuja indagação e apreciação técnica por outros peritos (art.º 590º, al. a)) pode contribuir para a formação duma mais adequada convicção judicial.
O próprio juiz pode, perante o resultado da primeira perícia, designadamente as contradições entre as posições dos peritos, quando ela tenha sido colegial, entender necessária a realização da segunda perícia. Quando a iniciativa desta é da parte, não lhe basta requerê-la: é-lhe exigido que explicite os pontos em que se manifesta a sua discordância do resultado atingido na primeira, com apresentação das razões por que entende que esse resultado devia ser diferente. Não era assim anteriormente: a parte não tinha de apresentar qualquer justificação e dificilmente a repetição da diligência podia ser considerada impertinente ou dilatória (nunca, segundo Alberto dos Reis, CPC anotado cit., II, pág.s 302-303)”.
Voltando ao caso dos autos, verifica-se que, discordando a apelante do resultado obtido com a primeira perícia, limita-se a insinuar que, caso tivesse sido utilizado um método de pesquisa científica diferente – o laser – os resultados obtidos teriam sido diferentes, sem contudo concretizar quais os fundamentos e conclusões da 1.ª perícia que estão errados, do seu ponto de vista. Ou seja, não “alega fundadamente as razões da sua discordância”.
Como já vimos supra, para que se possa realizar uma segunda perícia, temos que ter como condição que “os primeiros peritos viram mal os factos ou emitiram sobre eles juízos de valor que não merecem confiança, que não satisfazem; porque se não considera convincente o laudo obtido no primeiro arbitramento, é que se lança mão do segundo” e tal não sucede no caso dos autos.
Os peritos do Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária, oferecem credibilidade e, no seu relatório, expõem o método que seguiram, os ensaios realizados e o material que utilizaram, esclarecendo, ainda que a conclusão obtida (que, no caso, é a mais próxima da certeza científica, indicando o mais alto grau de semelhança) foi unânime entre os dois peritos que participaram no exame.
Não há, assim, qualquer razão para realização de uma segunda perícia, apenas porque o método utilizado seria outro, método esse que, não sabemos, se oferece mais fiabilidade nos resultados, sendo certo que os peritos que realizaram a perícia, com as qualificações técnicas que lhes são reconhecidas, utilizaram outro método, que consideraram o melhor para a realização da perícia requerida.
Como diria uma célebre personagem “métodos há muitos”, sendo que não há qualquer motivo para duvidar do utilizado pelos técnicos do Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária, nem a apelante apresenta razões fundadas para se crer que aquele não conduz a resultados fiáveis.
Não há, portanto, qualquer motivo para se proceder a uma segunda perícia, razão pela qual improcedem as conclusões do recurso, sendo de confirmar o despacho recorrido.

Sumário:
1 – Na prova pericial atribui-se a técnicos especializados a verificação/inspecção de factos não ao alcance directo e imediato do julgador, já que dependem de regras de experiência e de conhecimentos técnico-científicos que não fazem parte da cultura geral ou experiência comum que pode e deve presumir-se ser aquele possuidor.
2 – O requerente de 2.ª perícia tem que explicitar os pontos em que se manifesta a sua discordância do resultado atingido na primeira, com apresentação das razões por que entende que esse resultado devia ser diferente.
3 – Não chega, para tal, dizer que o método utilizado deveria ter sido diferente, quando a primeira perícia foi realizada por entidade credível (Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária), que explicou e justificou o seu método e a forma como chegou à conclusão final.

III. DECISÃO
Em face do exposto, decide-se julgar improcedente a apelação, confirmando-se o despacho recorrido.
Custas pela apelante.
***
Guimarães, 13 de março de 2014
Ana Cristina Duarte
Fernando Fernandes Freitas
Maria Purificação Carvalho