Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
898/14.5T8BRG.G1
Relator: FRANCISCA MICAELA DA MOTA VIEIRA
Descritores: INCUMPRIMENTO DO CONTRATO
EXCEPÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO
CADUCIDADE DO CONTRATO
IMPOSSIBILIDADE PARCIAL DE PAGAMENTO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/25/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: Na vigência do contrato sinalagmático é legítimo que o credor perante um incumprimento parcial se recuse temporariamente a realizar a sua prestação enquanto a contraparte não cumprir em primeiro lugar ou em simultâneo a prestação que lhe cabe, ao abrigo do disposto no artigo 428º do CC.
Porém , se a parte não pretende a subsistência do contrato e se ocorre a caducidade do contrato, no caso, o encerramento do estabelecimento, já não faz sentido a invocação dessa excepção na acção, pelo que, a recusa de cumprimento do contrato pela ré nos termos por esta pretendidos só será legítima se se verificar que o incumprimento pela Autora da sua prestação legitima aquela recusa da Ré, convocando para o efeito o regime previsto no artigo 793º do CC para a impossibilidade parcial da prestação.
Decisão Texto Integral: I – RELATÓRIO

M, Administradora de Insolvência, em representação da insolvente A intentou contra MI a presente acção de processo comum pedindo a condenação da ré no pagamento da quantia de € 32.648,44 acrescida de juros vencidos e vincendos contados desde 1 de Setembro de 2011 até integral pagamento.

Para tanto e em suma alegou que em 17 de Junho de 2011 as partes celebraram um contrato de parceria e prestação de serviços no âmbito do qual a autora se obrigou a mobilar e equipar o salão de cabeleireiro que seria explorado no 1º andar do prédio sito no Largo Barão de S. Martinho, n.º …, que a ré tomara de arrendamento para o exercício dessa actividade, iniciar e desenvolver a actividade de cabeleireira no período compreendido entre Julho e Agosto de 2011 a fim de angariar clientela e entregar à ré o referido espaço, em pleno funcionamento e devidamente licenciado em nome desta, até ao dia 1 de Setembro de 2011.

Por força desse contrato a ré comprometeu-se, por seu turno, a pagar à autora a quantia de 39.000,00 € da seguinte forma: na data de assinatura do contrato de parceria e prestação de serviços a ré entregaria à autora 10.000.00 €; os restantes 29.000,00 euros seriam pagos até ao dia 1 de Setembro de 2011.

Sucede porém que a ré apenas procedeu ao pagamento do valor de 10.000,00 euros, nada mais tendo pago até ao momento, invocando perda de interesse no negócio.

Encontra-se assim em dívida da quantia de 29.000,00 euros.

A ré contestou, invocando a excepção de não cumprimento, porquanto, contrariamente ao alegado pela autora, esta não cumpriu a sua parte no contrato de parceria.

Termina pela improcedência da acção.

Proferido despacho de fixação do objecto do litígio e dos temas da prova, foi realizado o julgamento, com observância das formalidades legais e foi a presente acção julgada parcialmente procedente e consequentemente condenou a ré MI a pagar à autora a quantia de € 15.000,00 (quinze mil euros) acrescida de juros contados desde a data da prolação da decisão até integral pagamento.

Inconformada a Ré interpôs recurso de apelação e formulou as seguintes Conclusões :

1. Da prova produzida o tribunal deveria ter concluído que a Autora não colocou a totalidade dos focos de iluminação;

2. e deveria ter dado como provado que a pintura apresentava manchas e escorridos;

3. e que no dia 1 de Setembro o estabelecimento ainda se não encontrava concluído e apto a trabalhar.

4. A testemunha MA depôs de forma espontânea, demonstrando desagrado com a situação mas sem que daí se devesse retirar que faltou à verdade, ou que perdeu a objetividade.

5. Pelo contrário, a Autora faltou à verdade quando afirmou que pagou as contas de água e luz nos meses de Julho e Agosto o que foi contrariado por prova documental junta aos autos.

6. Por entender que o depoimento da testemunha MA, pai da Ré, deveria ter sido valorado doutra forma, a Ré defende que o tribunal deveria ter dado como provados os factos vertidos nas alíneas d) e f) dos factos não provados.

7. Do próprio texto do contrato celebrado ter-se-ía de concluir que a razão que determinou a vontade da Ré celebrar um contrato com a Autora assentou na promessa de clientela que viria pelos muitos conhecimentos que a mesma alegava ter enquanto professora numa escola profissional, e de que o estabelecimento comercial iria estar a funcionar em pleno quando a Ré começasse a trabalhar em 1 de Setembro.

8. Do “Contrato de parceria e de prestação de serviços” resultavam um leque de obrigações para a Autora que estiveram na base da decisão de contratar pela Ré e na fixação do preço do contrato, nomeadamente a de manter o estabelecimento aberto a fim de angariar clientela.

9. O preço acordado teve como base a dita parceria e prestação de serviços. Não tendo ocorrido a mesma, o preço teria de ser reduzido na exata proporção do incumprimento da Autora.

10. A Ré pagou à Autora, a quantia de € 10.000,00 (dez mil euros), o que corresponde a cerca de 25% do preço acordado, o que é proporcional ao incumprimento da Recorrida já que o contrato se traduzia numa parceria para inicio da atividade de cabeleireiro a desenvolver pela Ré com o apoio da Autora. – cfr. cláusula Segunda do contrato sob a epígrafe “Objeto”.

11. Foi este apoio ao início da atividade que a Autora não prestou e que figurava no contrato e na mente dos contratantes, como verdadeiro objeto do mesmo.

12. Das obrigações que resultavam para a Autora e que estão explicitas na cláusula terceira do documento, divididas em três alíneas, esta apenas cumpriu parcialmente com a prevista na alínea a), incumprindoas previstas nas alíneas b) e c).

13. O preço do contrato previa que quando a Ré iniciasse a atividade em Setembro, o estabelecimento estivesse a funcionar em pleno, o que ficou demonstrado que não ocorreu.

14. Por essa razão entende-se legitima a recusa de pagar a parte restante do preço do contrato, proporcional ao incumprimento da Autora.

15. É por referência ao momento da decisão de contratar e às razões que determinaram essa decisão que se aferirá a medida em que justamente poderá ser oposta a excepção de não cumprimento.

16. Da prova produzida, conclui-se que o “serviço de angariação de clientela” prometido pela Autora determinou que escolhessem este cabeleireiro e não outro. O próprio texto do contrato aponta neste sentido!

17. Na presente situação está-se perante um alegado e demonstrado cumprimento defeituoso de um contrato atípico denominado de “parceria e prestação de serviços” em que as obrigações de a) iniciar e desenvolver a atividade no estabelecimento a fim de angariar clientela e b) a entrega do mesmo em pleno funcionamento e devidamente licenciado até ao dia 1 e Setembro, não foram cumpridas.

18. Sobre a Ré impendia o ónus probatório dos factos impeditivos ou extintivos do direito de crédito da Autora, integradores da exceptio non adimpleticontratus e esta, no nosso modesto entender, cumpriu.

19. Está, assim, verificada a relação de sucessão, causalidade e proporcionalidade exigida para que a exceção de não cumprimento se contenha dentro dos limites da boa-fé.

20. Nestes termos, entende-se ser de proceder a exceção de não cumprimento invocada pela Ré.

Conclui pela procedência do recurso.

Foram apresentadas contra-alegações.

Colhidos os vistos cumpre decidir.

II -DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO.

As conclusões acima transcritas definem e delimitam o objecto do presente recurso – cfr. artigos 608º., nº. 2, exvi do artº. 663º., nº. 2; 635º., nº. 4; 639º., nºs. 1 a 3; 641º., nº. 2, b), todos do Código de Processo Civil (C.P.C.).

Porque assim, em primeiro lugar, importa saber se deve haver lugar à modificação da matéria de facto, pretendida pela Apelante, depois, urge apreciar e decidir se em face do acordo de vontades celebrado e perante os factos apurados ocorreu incumprimento por parte da autora e se este, a ter existido, autorizava a primeira a recusar a entrega da totalidade da prestação que lhe cabia e que não foi cumprida.

III – FUNDAMENTAÇÃO

3.1- Na 1ª instância foram considerados provados e não provados os seguintes factos:

1) Por escrito particular datado de 17 de Junho de 2011 a ora autora e a ora ré acordaram nos termos constantes do documento de fls. 12 ss., no qual consignaram, entre o demais, o seguinte:

a. “Considerando que a primeira contraente [ora ré] tomou de arrendamento do 1º andar do prédio sito no Largo Barão de S. Martinho, n.º …, para o exercício da actividade de cabeleireiro;

b. Considerando que a segunda contraente [ora autora] se dedica desde há vários anos à actividade de cabeleireiro e formação profissional na área;

c. Acordam as partes em celebrar o presente contrato de parceria e prestação de serviços com cedência de espaço que se regerá pelas cláusulas seguintes:

i. São obrigações da segunda outorgante (ora autora): a) Mobilar e equipar o espaço com os materiais descritos na cláusula seguinte [quarta]; b) Iniciar e desenvolver a actividade supra referida no período de Julho e Agosto a fim de angariar clientela, assumindo todas as despesas com o regular funcionamento do salão nesse período, incluindo o pagamento das rendas devidas; c) Entregar à primeira outorgante, em pleno funcionamento, e devidamente licenciado em nome da primeira o referido salão de cabeleireiro até ao dia 1de Setembro do corrente ano [2011].

2) As partes acordaram ainda que o mobiliário e os equipamentos a colocar no salão de cabeleireiro seriam os que constam da cláusula sexta do documento referido em 1).

3) Mais acordaram que o preço a pagar pela ora ré seria de € 39.000,00, sendo € 10.000,00 com a assinatura do contrato e € 29.000,00 até ao dia 1 de Setembro de 2011.

4) Acordaram também que a ora autora teria direito aos lucros correspondentes no período de Julho e Agosto de 2011.

5) Por conta das quantias referidas em 3) a ré procedeu ao pagamento de € 10.000,00.

6) A autora colocou o sofá referido na alínea a) do item do mobiliário da cláusula sexta, o armário, o balcão e as 3 penteadeiras referidas nas alíneas b), c) e e) do item do mobiliário da cláusula sexta.

7) A reparação dos móveis existentes ficou pronta no dia 25 de Julho de 2011.

8) O equipamento referido nas alíneas a), b), c), e) e f) foi colocado em finais de Julho de 2011.

9) Os bens descritos nas alienas d) e g) do item do equipamento foram colocados pela autora no dia 4 de Julho de 2011.

10) A autora manteve o painel publicitário pré-existente.

11) Nos inícios de Julho de 2011 todo o salão foi pintado de cor branca, tendo sido colocados os focos de iluminação.

12) Quanto à remoção dos toldos existentes, foi retirada a lona.

13) Após o referido em 1) a autora informou pessoas amigas e clientes que a ré iria abrir o salão de cabeleireiro.

14) Nos meses de Julho e Agosto a autora abriu o salão em várias alturas, consoante o tipo de obras que se iam efectuando.

15) Durante o período de Julho e Agosto de 2011 a autora prestou à ré informação sobre produtos, local de aquisição e preço de diversos produtos de cabeleireiro.

16) Quando procedeu ao encerramento do estabelecimento a ré levou consigo os equipamentos e o mobiliário que a autora ali colocara.

17) A ré exerce a profissão de cabeleireira, tendo residido até 2011 na cidade de Viana do Castelo ou em França, onde os seus pais foram emigrantes.

18) Por razões pessoais, no decurso do ano de 2011 veio residir para Braga, onde não tinha conhecimentos e onde nunca antes exercera a sua actividade.

19) A autora é formadora de cabeleireiros.

20) Aquando do referido em 1) a ré informou a autora que não conhecia ninguém em Braga e que, por essa razão, gostaria de ter a ajuda daquela para se implementar no mercado desta cidade.

21) Em Setembro de 2011 a rampa de lavagem colocada começou a verter água e teve que ser concertada.

22) Um dos capacetes que a autora colocou era usado.

23) A pintura do espaço foi realizada pelo marido da autora.

24) A energia eléctrica consumida entre 29.06.2011 e 25.08.2011, no valor de € 186,55, foi paga pela ré.

25) A água consumida entre Julho e Setembro de 2011, no valor de € 69,73, foi paga pela ré.

26) No dia 3 de Outubro de 2011 a ré enviou à autora a carta junta a fls. 51 dando conta de que não iria pagar o valor de € 29.000,00 por entender que havia incumprimento daquela.

27) A ré encerrou o salão em Dezembro, por falta de clientela.

Factos não provados:

Com pertinência para o mérito da causa não se provaram os demais factos, designadamente,

a) Que o referido em 12) tenha ocorrido porque as partes acordaram nesses termos posteriormente ao referido em 1).

b) Que a televisão não tenha sido colocada porque a ré informou a autora que estava a analisar a hipótese de colocar a ZON, pois pretendia ter mais do que os quatro canais, tendo a autora ficado a aguardar a decisão da ré sobre o que pretendia.

c) Que tenham sido realizadas diversas reuniões entre uma funcionária da escola de formação de que a autora era gerente e a ré no sentido de colocar no estabelecimento de cabeleireiro duas formandas em estágio.

d) Que a pintura das paredes as tenha deixado manchadas e irregulares em termos que determinaram uma nova pintura.

e) Que no início de Setembro ainda faltassem móveis necessários ao funcionamento do salão.

f) Que a autora tenha mantido o salão fechado em permanência nos meses de Julho e Agosto.

g) Que o estabelecimento não estivesse licenciado e que a autora não houvesse diligenciado pelo licenciamento.

3.2-Do Recurso sobre a Matéria de Facto.

Por estarem verificados os requisitos previstos no artigo 640º do CPC admito o recurso interposto sobre a matéria de facto.

A ré impugna a matéria de facto vertida no ponto 11 dos factos provados e aquela que foi vertida nas als d) e f) dos factos não provados.

Apreciando e decidindo:

Para tanto, no que toca ao ponto 11 dos factos provados, a Ré não concorda com inclusão da expressão “tendo sido colocados os focos de iluminação”e alega que a única testemunha que se referiu a este facto, foi a testemunha MV que, a instâncias da advogada da Ré afirmou: …e focos de iluminação colocou” “ focos de iluminaçãouns funcionavam outros não funcionavam e algumas lâmpadas fui eu que as meti…” minuto 7:17 a minuto 7:22 da gravação digital com início às 11:37.

A recorrente entende ainda com base nesse depoimento que o tribunal deveria ter dado como provados os factos vertidos nas alíneas d) e f) dos factos não provados.

Apreciando e decidindo:

Procedemos à audição do registo fonográfico do depoimento do pai da Ré, MV, e, por forma a sindicar esse depoimento ouvimos também as declarações de parte da autora.

Feita essa audição de forma atenta e conjugando-a com as declarações de parte das declarações da autora, contrariamente ao Tribunal recorrido, entendemos que aquele depoimento do pai da ré mereceu-nos mais credibilidade do que as declarações de parte da autora. Efectivamente, esta, pese embora estar insolvente, não nos convenceu que nos inícios de Julho de 2011 tendo sido colocados os focos de iluminação.E o depoimento do pai da ré, logrou criar neste Tribunal dúvida sobre a veracidade dos factos alegados nos artigos 17º e 18º da petição inicial cuja prova competia à Autora.( aí se alega a pintura do salão e a colocação dos focos de iluminação). Também a autora não logrou provar que no período de Julho e Agosto de 2011 esteve a desenvolver a actividade de cabeleireiro no citado estabelecimento, nem que pagou as rendas.Pelo contrário, o pai da Ré, convenceu-nos que efectivamente nos meses de Julho e Agosto de 2011 a autora não esteve a desenvolver a actividade de cabeleireiro no citado estabelecimento, o qual, não se encontrava acabado, e ainda não tinha a totalidade das obras acordadas e necessários ao seu funcionamento, e convenceu que a Autora não pagou as rendas.

A Autora também nada referiu nas suas declarações para justificar o facto de ter sido a Ré a pagar os consumos de luz e de água entre Julho e Setembro de 2011- vide fls 47 a 50- nem sentiu necessidade de o fazer.

A autora também não alegou na petição quais os valores que terá suportado com a parte da prestação que cumpriu, sendo que, nas suas declarações revelou ignorar os valores que suportou, não tendo logrado transmitir a este Tribunal qual era a qualidade dos móveis, nem do equipamento, limitando-se a invocar o preço global acordado no contrato para a totalidade das prestações a que se vinculou. É relevante também atentar que se a autora quisesse não seria tarefa difícil provar com testemunhas e com consumos de água e luz que no período de Julho e de Agosto de 2011 iniciou e desenvolveu a actividade de cabeleireiro no espaço arrendado pela Ré, local, o que, não fez.

De resto, não se acolheram as afirmações da autora quando afirmou que o salão estava aberto em funcionamento ( atendendo pessoas amigas) enquanto decorriam as obras. Nesta parte, a Autora deveria ter feito prova desse facto e não o fez, sendo que, não acolhemos a versão da autora de que atendia clientes no cabeleireiro enquanto decorriam obras ! Mesmo que fosse verdade, esse facto, isso não equivaleria a ter em pleno funcionamento o cabeleireiro de modo a angariar clientela, conforme se vinculou.

Por fim no que se refere à al d) dos factos não provados, pese embora o pai da ré tenha dito que a pintura feita pela autora não ficou em condições, entendemos que nesta parte, o depoimento não foi suficientemente convincente para nos convencer sobre a veracidade do facto vertido nessa alínea.

Em face do exposto, concluímos pelo provimento parcial do recurso sobre a matéria de facto e, assim, eliminamos do item 11 dos factos provados a parte final a partir de “ tendo sido colocados focos de iluminação” , eliminamos a al.f) dos factos não provados e alteramos a redacção do item 14 dos factos provados, não merecendo provimento o recurso relativamente à al. d) dos factos não provados.

Assim, a redacção do item 11 dos factos provados passa a ser a seguinte : Nos inícios de Julho de 2011 todo o salão foi pintado de cor branca.

Eliminamos a al. f) dos factos não provados e em consequência, para evitar uma contradição, determinamos que a redacção do item 14 dos factos provados passa a ser a seguinte:

14- Nos meses de Julho e Agosto de 2011, ainda decorriam obras no espaço onde iria funcionar o cabeleireiro e por isso durante esse período a autora não iniciou nem exerceu aí a actividade de cabeleireira .

Determinamos que à al. g) passa a ser a al. f).

3.3 Em face do resultado do recurso sobre a matéria de facto os factos a atender provados e não provados são os seguintes:

1) Por escrito particular datado de 17 de Junho de 2011 a ora autora e a ora ré acordaram nos termos constantes do documento de fls. 12 ss., no qual consignaram, entre o demais, o seguinte:

a. “Considerando que a primeira contraente [ora ré] tomou de arrendamento do 1º andar do prédio sito no Largo Barão de S. Martinho, n.º …, para o exercício da actividade de cabeleireiro;

b. Considerando que a segunda contraente [ora autora] se dedica desde há vários anos à actividade de cabeleireiro e formação profissional na área;

c. Acordam as partes em celebrar o presente contrato de parceria e prestação de serviços com cedência de espaço que se regerá pelas cláusulas seguintes:

i. São obrigações da segunda outorgante (ora autora): a) Mobilar e equipar o espaço com os materiais descritos na cláusula seguinte [quarta]; b) Iniciar e desenvolver a actividade supra referida no período de Julho e Agosto a fim de angariar clientela, assumindo todas as despesas com o regular funcionamento do salão nesse período, incluindo o pagamento das rendas devidas; c) Entregar à primeira outorgante, em pleno funcionamento, e devidamente licenciado em nome da primeira o referido salão de cabeleireiro até ao dia 1de Setembro do corrente ano [2011].

2) As partes acordaram ainda que o mobiliário e os equipamentos a colocar no salão de cabeleireiro seriam os que constam da cláusula sexta do documento referido em 1).

3) Mais acordaram que o preço a pagar pela ora ré seria de € 39.000,00, sendo € 10.000,00 com a assinatura do contrato e € 29.000,00 até ao dia 1 de Setembro de 2011.

4) Acordaram também que a ora autora teria direito aos lucros correspondentes no período de Julho e Agosto de 2011.

5) Por conta das quantias referidas em 3) a ré procedeu ao pagamento de € 10.000,00.

6) A autora colocou o sofá referido na alínea a) do item do mobiliário da cláusula sexta, o armário, o balcão e as 3 penteadeiras referidas nas alíneas b), c) e e) do item do mobiliário da cláusula sexta.

7) A reparação dos móveis existentes ficou pronta no dia 25 de Julho de 2011.

8) O equipamento referido nas alíneas a), b), c), e) e f) foi colocado em finais de Julho de 2011.

9) Os bens descritos nas alienas d) e g) do item do equipamento foram colocados pela autora no dia 4 de Julho de 2011.

10) A autora manteve o painel publicitário pré-existente.

11) Nos inícios de Julho de 2011 todo o salão foi pintado de cor branca.

12) Quanto à remoção dos toldos existentes, foi retirada a lona.

13) Após o referido em 1) a autora informou pessoas amigas e clientes que a ré iria abrir o salão de cabeleireiro.

14) Nos meses de Julho e Agosto de 2011, ainda decorriam obras no espaço onde iria funcionar o cabeleireiro e por isso durante esse período a autora não iniciou nem exerceu aí a actividade de cabeleireira .

15) Durante o período de Julho e Agosto de 2011 a autora prestou à ré informação sobre produtos, local de aquisição e preço de diversos produtos de cabeleireiro.

16) Quando procedeu ao encerramento do estabelecimento a ré levou consigo os equipamentos e o mobiliário que a autora ali colocara.

17) A ré exerce a profissão de cabeleireira, tendo residido até 2011 na cidade de Viana do Castelo ou em França, onde os seus pais foram emigrantes.

18) Por razões pessoais, no decurso do ano de 2011 veio residir para Braga, onde não tinha conhecimentos e onde nunca antes exercera a sua actividade.

19) A autora é formadora de cabeleireiros.

20) Aquando do referido em 1) a ré informou a autora que não conhecia ninguém em Braga e que, por essa razão, gostaria de ter a ajuda daquela para se implementar no mercado desta cidade.

21) Em Setembro de 2011 a rampa de lavagem colocada começou a verter água e teve que ser concertada.

22) Um dos capacetes que a autora colocou era usado.

23) A pintura do espaço foi realizada pelo marido da autora.

24) A energia eléctrica consumida entre 29.06.2011 e 25.08.2011, no valor de € 186,55, foi paga pela ré.

25) A água consumida entre Julho e Setembro de 2011, no valor de € 69,73, foi paga pela ré.

26) No dia 3 de Outubro de 2011 a ré enviou à autora a carta junta a fls. 51 dando conta de que não iria pagar o valor de € 29.000,00 por entender que havia incumprimento daquela.

27) A ré encerrou o salão em Dezembro, por falta de clientela.

Factos não provados:

Com pertinência para o mérito da causa não se provaram os demais factos, designadamente,

a) Que o referido em 12) tenha ocorrido porque as partes acordaram nesses termos posteriormente ao referido em 1).

b) Que a televisão não tenha sido colocada porque a ré informou a autora que estava a analisar a hipótese de colocar a ZON, pois pretendia ter mais do que os quatro canais, tendo a autora ficado a aguardar a decisão da ré sobre o que pretendia.

c) Que tenham sido realizadas diversas reuniões entre uma funcionária da escola de formação de que a autora era gerente e a ré no sentido de colocar no estabelecimento de cabeleireiro duas formandas em estágio.

d) Que a pintura das paredes as tenha deixado manchadas e irregulares em termos que determinaram uma nova pintura.

e) Que no início de Setembro ainda faltassem móveis necessários ao funcionamento do salão.

f) Que o estabelecimento não estivesse licenciado e que a autora não houvesse diligenciado pelo licenciamento.

3.4-Direito Aplicável

No caso dos autos as partes não se insurgem relativamente à qualificação do contrato celebrado entre as partes, pelo que, não existindo razões para nos afastarmos do entendimento do tribunal acolhendo o mesmo, reproduzimos nesta parte a sentença recorrida:

“Da matéria assente resulta que as partes celebraram um contrato atípico, que conjuga alguns elementos típicos de um trespasse (que se traduz na transmissão definitiva e onerosa da exploração do estabelecimento comercial, abrangendo máquinas, móveis, utensílios, ferramentas, mercadorias, alvarás e licenças de funcionamento e ainda o direito ao arrendamento) com um contrato de prestação de serviços, que se define como aquele em que «(…) uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição» - art. 1153º do CPC.

Quando se afirma que havia alguns elementos de um trespasse, não pretende dizer-se mais do que isso, já que a autora não mantinha naquele local um estabelecimento comercial.

Como ensina ORLANDO DE CARVALHO, em RLJ, ano 114º, nº 3699, p. 167, «[e]nquanto possível objecto de negócios, o estabelecimento mercantil é “uma organização concreta de factores produtivos como valor de posição no mercado”, organização, por conseguinte, que, concreta como é, se exprime e sensibiliza um certo número de bens com suficiente autonomia jurídico-económica para se imporem no tráfego como bens a se stantibus (local ou direito ao local, mobiliário, utensílios, máquinas, matérias-primas, mercadorias, contratos, firma, insígnia, nome do estabelecimento, direitos de patente, direitos de autor, etc.), mas que, até por isso mesmo, não são o estabelecimento. Esses bens, em que a organização se sensibiliza e exprime, variam, como é óbvio, não só com não só com o ramo do comércio e a dimensão e sentido que se atribuem à empresa, como com a possibilidade de, nas circunstâncias específicas, “aprisionarem” alguns deles a imagem do todo e espelharem essa imagem aos olhos do público. O público acredita, em presença desses bens, que ali está e subsiste determinado estabelecimento».

Não era esse, manifestamente, o caso: a autora não acordou em vender à ré um estabelecimento feito, de modo a que a ré pudesse inclusivamente ter alguma legítima expectativa em manter os clientes já conquistados, antes acordou na venda de um espaço apetrechado para o exercício da actividade de cabeleireiro, comprometendo-se a dar uma ajuda inicial (de dois meses, não mais) para o início do negócio”

Posto isto, a Autora reclama da Ré nesta acção o cumprimento por esta da totalidade da prestação que esta ficou de lhe pagar.

Por seu turno, a Ré na contestação veio alegar, invocando a excepção do não cumprimento do contrato, que se recusou a pagar a restante parte da sua contraprestação com fundamento no incumprimento parcial pela autora das obrigações a que esta ficou vinculada.

Feito o julgamento e analisada a factualidade apurada, resulta que por parte da Autora houve incumprimento,quer em parte do mobiliário (não colocado, ou colocado com algum defeito), quer, fundamentalmente, na parte relativa a esta ajuda inicial, já que o salão deveria ter funcionado em pleno nos meses de Julho e Agosto de 2011 e tal não sucedeu.

Tal como à ré, à autora incumbia a satisfação da sua prestação de forma pontual, ou seja, o cumprimento do contrato deveria coincidir, ponto por ponto, com a prestação a que estavam vinculados – art. 406º, nº 1 do CC -, devendo ainda actuar de boa-fé, ou seja, de acordo com o proceder honesto, correcto e leal - art. 762º, nº 2 do mesmo diploma.

Já quanto ao cumprimento pontual, claramente ele faltou, mormente na parte mais relevante para a ré que era a da manutenção do estabelecimento em funcionamento pleno pelo período de dois meses que antecedeu a sua ida.

E se é certo que esse incumprimento terá advindo do facto de em Julho ainda haver obras em curso, a verdade é que não foram alegados nem provados factos que afastem a culpa da ora autora nesse ponto – art. 799º.”- o que competia à autora.

Todavia, apesar de ser nosso entendimento que efectivamente no caso dos autos está provado o incumprimento pela autora da sua prestação, entendemos desde já acrescentar que no caso dos autos não faz sentido a invocação agora pela Ré- recorrente da excepção do não cumprimento do contrato para legitimar a falta de cumprimento integral da contra-prestação a que se vinculou.

Dispõe o art. 428º do Código Civil.

“1. Se nos contratos bilaterais não houver prazos diferentes para o cumprimento das prestações, cada um dos contraentes tem a faculdade de recusar a sua prestação enquanto o outro não efectuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo.

2. A excepção não pode ser afastada mediante a prestação de garantias.”

A Ré pretende prevalecer-se deste instituto, para não pagar à Autora o preço por esta reclamado, sustentando que houve incumprimento parcial da prestação de serviços que cabia à Autora.

A “exceptio non adimpleticontractus” constitui uma excepção peremptória de direito material, cujo objectivo e funcionamento se ligam ao equilíbrio das prestações contratuais, valendo – tipicamente – no contexto de contratos bilaterais, quer haja incumprimento ou cumprimento defeituoso.

“São pressupostos da excepção de não cumprimento do contrato: existência de um contrato bilateral, não cumprimento ou não oferecimento do cumprimento simultâneo da contraprestação; não contrariedade à boa-fé” – cfr. “A Excepção de Não Cumprimento do Contrato”, de José João Abrantes, 1986, 39 e segs.

O art. 429º do Código Civil faz excepção à regra da simultaneidade do cumprimento, estatuindo:“Ainda que esteja obrigado a cumprir em primeiro lugar, tem o contraente a faculdade de recusar a respectiva prestação enquanto o outro não cumprir ou não der garantias de cumprimento, se, posteriormente ao contrato, se verificar alguma das circunstâncias que importam a perda do beneficio do prazo.”

Como ensinam os Professores Pires de Lima e Antunes Varela, in” Das Obrigações em Geral”, 3ª edição, 2º, I vol. pág. 406:“A exceptuo não funciona como uma sanção, mas apenas como um processo lógico de assegurar, mediante o cumprimento simultâneo, o equilíbrio em que assenta o esquema do contrato bilateral.

Por isso ela vigora, não só quando a outra parte não efectua a sua prestação porque não quer, mas também quando ela a não realiza ou a não oferece porque não pode (…).

E vale tanto para o caso de falta integral do cumprimento, como para o de cumprimento parcial ou defeituoso, desde que a sua invocação não contrarie o princípio geral da boa-fé consa­grado nos artigos 227° e 762°, nº2 (vide, a este respeito, na RLJ, Ano 119°, págs. 137 e segs., e Acórdão do STJ., de 11 de Dezembro de 1984, com anotação de Almeida Costa).”

E como é sabido só é legítimo suscitar a excetio se a parte pretender a subsistência do contrato.

Trata-se, ainda, de uma excepção material, porque corolário do sinalagma funcional que a funda e legitima: ao autor que exige o cumprimento opõe o demandado o princípio substantivo do cumprimento simultâneo próprio dos contratos sinalagmáticos, em que a prestação de uma das partes tem a sua causa na contraprestação da outra. Por conseguinte, o excipiens não nega nem limita o direito do autor ao cumpri­mento; apenas recusa a sua prestação enquanto não for reali­zada ou oferecida simultaneamente a contraprestação, prevale­cendo-se do princípio da simultaneidade do cumprimento das obrigações recíprocas que servem de causa uma à outra.

É, portanto, uma excepção material dilatória: o excipiens não nega o direito do autor ao cumprimento nem enjeita o dever de cumprir a prestação; pretende tão-só um efeito dilatório, o de realizar a sua prestação no momento (ulte­rior) em que receba a contraprestação a que tem direito e (contra)direito ao cumprimento simultâneo...”. (sublinhámos).

Aparentemente, a exceptio só funcionaria quando ambas as partes fossem obrigadas a cumprir, simultaneamente, as obrigações emergentes do sinalagma contratual.

Contudo não é esse o entendimento mais correcto do regime do art. 428º, nº1, do Código Civil, na perspectiva do Prof. Vaz Serra, in RLJ, Ano 105º, pág. 238:

“ (...) A fórmula legal não é inteiramente rigorosa, pois o que a excepção supõe é que um dos contraentes não esteja obrigado, pela lei ou pelo contrato, a cumprir a sua obrigação antes do outro; se não o estiver pode ele, sendo-lhe exigida a prestação, recusá-la, enquanto não for efectuada a contraprestação...

Por conseguinte, a excepção pode ser oposta ainda que haja vencimentos diferentes [...] apenas não podendo ser oposta pelo contraente que devia cumprir primeiro...”

Para que a excepção possa ser invocada por aquele que recusa o cumprimento, importa que haja proporcionalidade entre a infracção contratual do credor e a recusa do contraente devedor que alega a excepção; esse equilíbrio de prestações é inerente ao sinalagma e se não se puder estabelecer esse nexo de correspectividade, é inoperante a invocação da excepção.

Exposto o quadro legal e vistos os ensinamentos da doutrina e da jurisprudência que relevam para a dilucidação do recurso da Ré, importa desde já afirmar queresulta desde logo do item 27º dos factos provados que a relação contratual que foi estabelecida entre as partes não logrou subsistir atento o encerramento do estabelecimento, e, consequentemente, não subsistindo o contrato não tem sentido a invocação da excepção do não cumprimento do contrato por parte da Ré.

Mais.

Da factualidade apurada resulta que se existiu incumprimento parcial pela autora da prestação que lhe cabia também existiu incumprimento parcial pela Ré da contra-prestação que lhe cabia.

Trata-se de incumprimento parcial da prestação da autora.E a tal consideração não obsta o facto de a Ré ter utilizado o cabeleireiro, o que vale por dizer que a prestação da Autora teve para a Ré algum préstimo, o que não invalida que se considere existir cumprimento defeituoso.

De resto, por carta de fls 51 dos autos, enviada a 3-10-2011 para a Autora a Ré informava que esta não tinha cumprido as suas obrigações, concretamente, tinha mantido encerrado o estabelecimento.

Ante o cumprimento defeituoso da Autora a Ré recusou o pagamento do remanescente do preço acordado.

Importa atentar na especificidade do contrato.

No caso, tratando-se de um contrato atípico, que no essencial, visava a prestação de serviços da autora no sentido de montar materialmente para a Ré um salão de cabeleireiro e ajudar a Ré a criar clientela, estando o estabelecimento encerrado, não faz sentido agora invocar a exceptio, sendo certo que o estabelecimento já foi encerrado.

Assim, e como acabou por admitir o Tribunal recorrido, os direitos da Ré só podem encontrar amparo, se for afirmada a legitimidade da recusa de cumprimento parcial do contrato por parte da ré em obediência ao princípio da proporcionalidade e equilíbrio das prestações nos contratos sinalagmáticos, por forma a afirmarmos que a ré perante o incumprimento parcial da prestação da Autora e perante o encerramento do estabelecimento, ficou desonerada de cumprir a restante parte da contra-prestaçãoacordada.

Efectivamente, pese embora em tese geral na vigência do contrato seja legal que o credor perante um incumprimento parcial se recuse temporariamente a realizar a sua prestação enquanto a contraparte não cumprir em primeiro lugar ou em simultâneo a prestação que lhe cabe, no caso, temos que apesar de ter invocado na carta de fls 51 a excepção de não cumprimento do contrato, devido ao encerramento do estabelecimento em Dezembro, já não faz sentido a invocação dessa excepção nesta acção, pelo que, a recusa de cumprimento do contrato pela ré nos termos por esta pretendidos só será legítima se se verificar que o incumprimento pela Autora da sua prestação legitima aquela recusa da Ré.

No fundo, trata-se de aplicar aqui o regime estabelecido no artigo 793º do CCivil para a hipótese de impossibilidade objectiva parcial da prestação , segundo o qual, havendo lugar ao simples cumprimento parcial da obrigação haverá lugar à redução proporcional da contraprestação a que a outra parte estiver vinculada.

A redução da contraprestação é feita nos termos prescritos no artigo 884º do CCivil, o qual, estabelece:Artigo 884.º - (Redução do preço)

1. Se a venda ficar limitada a parte do seu objecto, nos termos do artigo 292.º ou por força de outros preceitos legais, o preço respeitante à parte válida do contrato é o que neste figurar, se houver sido discriminado como parcela do preço global.

2. Na falta de discriminação, a redução é feita por meio de avaliação.

Ora, no caso dos autos verificamos que não houve discriminação de cada parcela do preço global por referência a cada uma das obrigações assumidas pela autora, o que, impossibilita que se faça automaticamente corresponder à parte da prestação da autora que foi cumprida uma parte do preço.

Por outro lado, nenhuma das partes alegou, nem ficou provado, qual o valor do mobiliário colocado, qual o valor da reparação do mobiliário, qual o valor do equipamento referido nas alíneas a), b), c), e), e f) da cláusula sexta, - ver itens 6, 7, 8 e 9 dos factos provados - qual o valor suportado pela autora por ter retirado a lona.- item 12 dos factos provados - sendo certo que ao encerrar o estabelecimento a Ré levou consigo os equipamentos e o mobiliário que a autora ali colocara- item 16 dos factos provados.

Acresce que resulta dos autos que no caso não existia um “ estabelecimento feito” que tenha sido transmitido, isto é, dos autos resulta que não existia qualquer estabelecimento de cabeleireiro montado naquele espaço anteriormente à celebração do contrato.

Na economia do acordo das partes era essencial que a Autora, além de mobilar e equipar o espaço com os materiais descritos na Cláusula Sexta do contrato “iniciasse e desenvolvesse no período de Julho e de Agosto de 2011 a actividade de cabeleireira, assumindo as despesas com o regular funcionamento do salão nesse período, incluindo o pagamento das rendas”, sendo que , quanto a esta última parte e relativamente às despesas de água e luz, resulta dos autos que a Autora também não cumpriu essa obrigação.

Mais. Nos autos não existem elementos que permitam fazer qualquer conjectura sobre os eventuais critérios que presidiram à fixação daquele preço de € 39 000,00 no contrato, ignorando-se o valor que as partes atribuíram à participação activa no salão a que a autora se vinculou durante o período de Julho e de Agosto de 2011 .

O que resulta da factualidade apurada é que as partes do contrato dos autos tinham por objectivo que a autora ( que se dedicava há vários anos à actividade de cabeleireiro e formação profissional na área) “ montasse” materialmente para a ré um estabelecimento de cabeleireiro, que no período de Julho e de Agosto de 2011 iniciasse e desenvolvesse nesse espaço a actividade de cabeleireiro a fim de angariar clientela e por forma a entregar à ré em pleno funcionamento o referido salão de cabeleireiro de 2011.

Assim, resulta dos autos que as partes sabiam que era essencial para a celebração desse contrato a intervenção activa da autora na montagem material do estabelecimento e sobretudo na angariação de clientela através da sua presença no cabeleireiro no período de Julho e de Agosto de 2011.

Ora, como resulta dos factos apurados a autora não cumpriu a sua obrigação correspondente a iniciar e desenvolver no imóvel arrendado pela ré a actividade de cabeleireiro no período de Julho e de Agosto de 2011, apesar da Ré ter estado à frente do estabelecimento entre Setembro e Dezembro de 2011, sendo que em Dezembro o cabeleireiro foi encerrado.

Assim sendo, coloca-se nos autos a questão de saber se os € 10 000,00 entregues pela Ré e recebidos pela Autora constituem uma contrapartida proporcional relativamente à parte da prestação que cabia à autora e que esta cumpriu, a saber : colocação de móveis e equipamento – item 6 dos factos provados ; reparação dos móveis – item 7 dos factos provados ; levantamento da lona – item 10 dos factos provados.

Logo, impunha-se agora que o tribunal procedesse à avaliação desses bens e serviços, tarefa que não é possível uma vez que o contrato não contém elementos para tanto, nem as partes trouxeram para o processo factos que permitam avaliar esses bens e serviços.

Assim, entendemos, acompanhando nesta parte a sentença recorrida, que não pode o Tribunal, em face da ausência de factos, como é o caso dos autos, afirmar que aquele estabelecimento teria tido algum sucesso se tivesse estado continuamente aberto nos meses de Julho e Agosto de 2011. De resto, esse período é objectivamente curto para que pudesse “fazer-se uma casa” e trata-se de uma época em que os residentes se costumam ausentar para férias de Verão, sendo mais difícil obter qualquer tipo de fidelização.Repare-se também que a autora não assumiu qualquer compromisso no sentido reunir clientes em quantidade suficiente para aguentar o estabelecimento.Também no caso perdeu-se a hipótese de o testar em virtude da manutenção das obras.

Todavia, já não acompanhamos a sentença recorrida quando acaba por afirmar que esse incumprimento da Autora durante aquele período de dois meses, representa, pelo menos, € 10.000,00 no contexto daquele contrato, onde outros factores, tais como a centralidade, os equipamentos e a própria envolvência da autora na fase da montagem (já que a mesma, na altura, era também formadora de cabeleireiros), terão influenciado o preço acordado.

Também não acompanhamos a sentença recorrida quando acaba por afirmar que a ausência do painel publicitário também poderá ter contribuído em parte para a fraca adesão do público, atribuindo –lhe uma representação até € 2000.00.

Igualmente, não acompanhamos a sentença recorrida quando afirma :

“Por fim, todos os demais aspectos, pequenos defeitos e vicissitudes, custos e despesas incluídos, não justificam uma “redução da contraprestação” da ré em valor superior a € 2000,00.Tudo somado, resta afirmar que excepcionar o não cumprimento parcial com um valor de ultrapasse os € 14.000,00 contraria o equilíbrio das prestações, sendo por isso ilícito”.

Estas afirmações feitas na sentença recorrida não estão suportadas em quaisquer factos apurados, pelo que, representam conjecturas, as quais, não podem servir para formular qualquer avaliação da parte da prestação que cabia à autora e que não foi cumprida.

Em face das considerações expostas, perante a escassez da factualidade apurada, perante os termos do contrato celebrado entre as partes, o qual, não contém discriminação de cada parcela do preço global, perante o carácter essencial que assumia a obrigação da autora, não cumprida, de no período de Julho e de Agosto de 2011 iniciar e desenvolver naquele espaço a actividade de cabeleireiro, ao abrigo do artigo 566º nº3, do CCivil, em sede de equidade, avaliamos a prestação já cumprida pela Autora- recorrida no valor de € 10 000,00, correspondente ao valor que a Ré já lhe entregou. Ver item 5 dos factos provados.

Consequentemente, porque a Autora já recebeu da Ré, por conta deste contrato o valor de € 10 000,00, o valor que a Autora teria direito a receber da ré como contrapartida da parte da respectiva prestação que foi cumprida já está saldado, e a Autora-recorrida nada tem a receber.

Em face do exposto, julgamos procedente o recurso de apelação e revogando a sentença recorrida, julgamos a acção totalmente improcedente, por não provada, absolvendo a ré do pedido.

Síntese Conclusiva.

Na vigência do contrato sinalagmático é legítimo que o credor perante um incumprimento parcial se recuse temporariamente a realizar a sua prestação enquanto a contraparte não cumprir em primeiro lugar ou em simultâneo a prestação que lhe cabe, ao abrigo do disposto no artigo 428º do CC.

Porém , se a parte não pretende a subsistência do contrato e se ocorre a caducidade do contrato, no caso, o encerramento do estabelecimento, já não faz sentido a invocação dessa excepção na acção, pelo que, a recusa de cumprimento do contrato pela ré nos termos por esta pretendidos só será legítima se se verificar que o incumprimento pela Autora da sua prestação legitima aquela recusa da Ré, convocando para o efeito o regime previsto no artigo 793º do CC para a impossibilidade parcial da prestação.

IV- DECISÃO:

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes desta Relação em, julgando procedente a apelação da Ré, revogar a decisão recorrida e, em consequência, absolver a Ré do pedido formulado pela autora.

Custas pela apelada, sem prejuízo do benefício de protecção jurídica de que beneficia.

Guimarães, 25-05-2017

(Processado e revisto com recurso a meios informáticos)

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(Francisca Micaela Fonseca da Mota Vieira)

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(Fernando Fernandes Freitas)

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( Lina Aurora R e Castro Bettencourt Baptista)