Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3601/22.2T8GMR-A.G1
Relator: LÍGIA VENADE
Descritores: RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS (CIRE)
SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
QUESTÃO PREJUDICIAL
CRÉDITO CONDICIONAL
NULIDADE PROCESSUAL
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
PRESCRIÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/30/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I A pendência de uma ação declarativa em que se discute um crédito relativo a honorários devidos pelo insolvente não tem qualquer repercussão na reclamação de créditos apresentada no processo de insolvência por esse credor, não a influencia, nem a dispensa ou substitui, não sendo causa prejudicial da reclamação nem determinando a sua suspensão.
II O crédito condicional a que se refere o artº. 50º, nº. 1, do CIRE, não é o crédito controvertido.
III No caso da reclamação de créditos no processo de insolvência a causa de pedir situa-se desde logo na alegação do fundamento ou proveniência do crédito reclamado, daí decorrendo a sua existência e valor (cfr. artº. 128º, nº. 1, a), do CIRE), pelo que esta não pode ser alterada na resposta à impugnação, fora do circunstancialismo legal que o permite.
IV O artº. 10º da Lei nº. 23/96 de 23/7 consagrou uma prescrição extintiva ou liberatória, e não meramente presuntiva.
V O início do decurso do prazo de prescrição ocorre logo que termine cada período sujeito a faturação autónoma.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

I RELATÓRIO.
           
Nos presentes autos veio o Sr. Administrador de insolvência (AI) apresentar a lista de créditos reconhecidos ao abrigo do artº. 129º CIRE, mais declarando não haver créditos não reconhecidos.
No que ao caso interessa, consta da lista o crédito da M... como comum no valor de € 1 184,51. E quanto ao fundamento consta “Contrato de prestação de serviços de comunicações electrónicas”.
Consta também o crédito de AA, L... e Associados, S.P no valor de € 11.891,11 como comum, a que acresce € 20,38 a título de juros como subordinado (artº. 48º CIRE), e como fundamento “Honorários de advocacia devidos pela representação nos processos n.ºs 179/15.... e 1170/18....”.
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O insolvente veio impugnar a lista apresentada, por incorretos os montantes dela constantes. Designadamente quanto ao crédito reclamado e reconhecido a AA, L... e Associados, S.P, R.L. alude à pendência do processo nº 668/22.... em fase de contestação que apresentará, e da qual resultará o valor do crédito. Sendo a ação prejudicial à presente, o crédito terá essa condição.
E quanto ao crédito reclamado e reconhecido a M..., S.A., com base em alegadas facturas emitidas em Fevereiro de 2019 e Maio e Junho de 2022, os valores devidos foram liquidados, e a credora não alegou e comprovou os elementos constitutivos do seu alegado direito de crédito, como lhe competia. “Não basta alegar, com a ligeireza com que a credora o fez, que celebrou com o insolvente “um contrato de prestação de serviços de comunicações electrónicas” que nem sequer identifica ou junta, apenas juntando um documento denominado “saldos em aberto” com identificação de alegadas facturas de pretensos serviços que não especifica devidamente nem descrimina.” “Com efeito, a mera alusão a pretensas facturas, não satisfaz a exigência de exposição sucinta dos factos, pois nada de concreto diz acerca dos pretensos serviços que foram objeto do pretenso fornecimento, nem das suas características.” “O que impossibilita o insolvente de se pronunciar sobre tais documentos, aferir da sua conformidade, estando impedido de arguir capazmente qualquer ilegitimidade, caducidade, prescrição e o mais que se suscitasse.”. Sem prejuízo, relativamente a faturas emitidas em fevereiro de 2019 os respetivos serviços terão sido prestados em data anterior pelo que, muito embora não os deva, tais créditos encontram-se prescritos.
Juntou (apenas) prova documental: as reclamações apresentadas por estas duas credoras e documentos pelas mesmas juntos.
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AA, L... e Associados, S.P pugnou pela manutenção do seu crédito nos termos reconhecidos –o que suscitou nova resposta por parte do insolvente reiterando a sua posição.
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O AI apresentou resposta mantendo a sua posição no que concerne a este crédito, e quanto ao crédito da M... acrescenta que: “3. Por seu turno, e conforme faturas que ora se juntam para os devidos e legais efeitos, o montante de 1.088,54€ corresponde à aquisição de um equipamento em prestações (iphone XS 512mb), cujo plano de pagamento foi incumprido. 4. Assim, e salvo melhor opinião, não lhe é aplicável a Lei 23/96 de 26 de julho, porquanto não se trata de comunicações eletrónicas, mas sim aquisição de um equipamento, aplicando-se assim o disposto no artigo 309.º do CC. 5. Por fim, e em relação às restantes faturas no montante global de 95,97€, as mesmas correspondem a prestação de serviços de comunicações eletrónicas, contudo, as mesmas venceram-se em junho e julho de 2022, motivo pelo qual não se mostram prescritas, nos termos do artigo 100.º do CIRE.”. E juntou faturas desta credora.
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Quanto à M... também apresentou resposta referindo que “A ora requerente é credora do montante supra referido, pois no exercício da sua atividade, prestou diversos serviços de comunicações eletrónicas ao insolvente cujas faturas reclamadas e que se juntam dos documentos nº. ... e ... e se dão por reproduzidos para todos os efeitos legais, se encontram ainda em divida, assim como o Insolvente adquiriu, em 20/02/2019, uma IPHONE XS 512GB, pelo valor de €1.579,99 cujo pagamento do preço ficou de efetuar em prestações conforme condições do plano que se junta sob documento nº. ... e se dá por reproduzido para todos os efeitos legais, plano que incumpriu permanecendo em divida €1.088,58, mantendo-se em dívida as faturas indicadas na reclamação de créditos. “. Mais impugna o alegado pagamento. E quanto à prescrição ou não passou o prazo de 6 meses, ou este não se aplica (€ 1.088,58). Juntou documentos -faturas.
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O insolvente apresentou novo requerimento em que veio dizer que “a credora vem agora alterar os factos e fundamentos da sua reclamação de créditos, dizendo que afinal parte das facturas não se referem a serviços mas a um “contrato de compra e venda”. Reitera o pagamento e diz que não pode deixar de ser aplicada a prescrição presuntiva.
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Lograda a tentativa de conciliação, foi proferida a decisão sob recurso, que, no ao caso interessa, decidiu:
“Do crédito de AA, L... e Associados, S.P:

O n.º 5 do art. 129º do CIRE dispõe que: “A verificação tem por objecto todos os créditos sobre a insolvência, qualquer que seja a sua natureza e fundamento, e mesmo o credor que tenha o seu crédito reconhecido por decisão definitiva não está dispensado de o reclamar no processo de insolvência, se nele quiser obter pagamento.”
Os credores da insolvência apenas poderão exercer os seus direitos, durante o processo de insolvência, o que significa que, para obterem a satisfação dos seus direitos, terão que reclamar o seu crédito, nos termos do art.º 128º do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas [CIRE], donde a ausência de qualquer interesse no prosseguimento das acções declarativas que se encontrem pendentes do reconhecimento de eventuais direitos de crédito, uma vez que os mesmos sempre terão de ser objecto de reclamação no processo de insolvência,
A reconhecida ausência de interesse no prosseguimento das acções declarativas que se encontrem pendentes do reconhecimento de eventuais direitos de crédito, foi declarado no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 1/2014, de 8 de Maio de 2013.
Assim e porque na impugnação deste crédito nenhum outro argumento é aduzido, a não ser a pendência de outra ação, julga-se improcedente a referida impugnação, mantendo-se o crédito nos termos reconhecidos pelo Sr. A.I.
Notifique.
Do crédito de M....
No caso em apreço são alegados dois tipos de presunção a de curto prazo e prescrição presuntiva, atenta a origem dos créditos reclamados.
Ora, conforme faturas juntas, o montante de 1.088,54€ corresponde à aquisição de um equipamento em prestações (iphone XS 512mb), cujo plano de pagamento foi incumprido.
Segundo Antunes Varela, a prescrição presuntiva destina-se a proteger o devedor contra o risco de satisfazer duas vezes dívidas de que não é usual exigir recibo ou guardá-lo durante muito tempo (RLJ, ano 103, pág. 254, apud, anot. ao artº 312 do CC Pires de Lima e Antunes Varela). Mas, por outro lado, como ensina Almeida Costa (op. cit) ao contrário do que se passa com a prescrição propriamente dita, a lei admite, em certa medida, aliás limitada, que as prescrições presuntivas sejam afastadas mediante prova da dívida. Na verdade, “a presunção do cumprimento pelo decurso do prazo só pode ser ilidida por confissão do devedor originário ou daquele a quem a dívida tiver sido transmitida por sucessão” (artº 313, nº 1). Acrescenta ainda o mesmo ilustre professor que a confissão tácita …dá-se apenas em dois casos: a) se o devedor se recusa a depor ou a prestar juramento no tribunal - trata-se de uma confissão ficta; - b) se o devedor pratica em juízo actos incompatíveis com a alegação da presunção de cumprimento – discutindo a existência da dívida, invocando a compensação, etc. Complementam Pires de Lima e Antunes Varela, em anot. ao artº 313: exige-se, por isso, que os meios de prova do não pagamento provenham do devedor.
Ora tratando-se de um pagamento em prestações não pode aquela presunção operar e inverter o ónus de prova sobre o facto extintivo, porquanto o pagamento era necessariamente faseado não se mostrando decorrido o prazo legal e sendo o pagamento em prestações contrário à presunção de cumprimento.
Por fim, e em relação às restantes faturas no montante global de 95,97€, as mesmas correspondem a prestação de serviços de comunicações eletrónicas, contudo, as mesmas venceram-se em junho e julho de 2022, motivo pelo qual não se mostram prescritas, nos termos do artigo 100.º do CIRE e da Lei 23/96 de 26 de julho.
Por todo o exposto, indefere-se a impugnação apresentada quanto a este crédito também, mantendo-se o mesmo nos termos reconhecidos pelo Sr. A.I.
Notifique.”
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O insolvente não se conformando com a sentença proferida, apresentou recurso, terminando as alegações com as seguintes
-CONCLUSÕES-(que se reproduzem)

“a) A fls. dos autos foi proferido despacho saneador, com o qual o ora recorrente não se conforma por entender que é infundado e contrário aos princípios processuais que devem nortear a justa composição do litígio e a produção da prova, além de conter irregularidades que o ferem do vício de nulidade.
b) Não concorda nem se conforma, desde logo, com a decisão que recaiu sobre a impugnação que apresentou quanto ao crédito reclamado pela “AA, L... e Associados, S.P”, no valor total de €11.911,49 a título de honorários pelos serviços jurídicos prestados ao insolvente;
c) Crédito esse que se encontra a ser discutido judicialmente em acção de honorários a correr termos no Guizo Local Cível de ... sob o Proc. nº668/22.....
d) Pelo que, apenas a procedência ou improcedência, total ou parcial, daquela acção, decidirá da existência de tal crédito e do seu montante. Resultando, assim, o reconhecimento do valor do crédito daquela credora sociedade, dependente do resultado da acção judicial em curso.
e) Sendo, inegavelmente, a decisão a proferir naquela acção, prejudicial à decisão a proferir quanto à lista de créditos apresentada pelo sr. Administrador de Insolvência, pelo que sempre deveria aquele crédito ter como condição o resultado da primeira.
f) No douto despacho saneador em causa, de forma simplista e por referência ao Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 1/2014, de 8 de Maio de 2013, foi julgada improcedente a impugnação apresentada, fundamentado no facto de que haveria perda de interesse no prosseguimento da acção declarativa.
g) Despacho com o qual o insolvente não concorda nem se conforma.
h) Porquanto, ao contrário do que sucede com as acções executivas (art. 88º CIRE), não contém aquele código nenhuma disposição legal sobre os efeitos processuais nas acções declarativas.
i) O facto de se encontrar previsto um processo para reconhecimento e impugnação de créditos reconhecidos (art.º 129.º e segs.), não significa que os créditos não possam - ou não tenham - que ser reconhecidos em processo autónomo.
j) Situação que sempre deveria ser devidamente ponderada caso a caso mediante o grau de complexidade em causa.
k) O princípio “par conditio creditorum” não é abalado pelo prosseguimento de eventuais acções declarativas em curso, em conjugação com a imposição de reclamação dos créditos na insolvência para aí obterem satisfação dos mesmos.
l) Na situação concreta dos presentes autos, a natureza célere e urgente do processo de insolvência é incompatível com a tramitação e a necessária ponderação dos direitos litigiosos que se encontram a ser discutidos na referida acção judicial já pendente e que têm natureza complexa.
m) A assim não se entender, sairia lesada a própria defesa do devedor insolvente, com prejuízo para a justiça e violação do princípio constitucional de um processo justo e equitativo (art.º 20.º da Constituição).
n) Resultando prejudicado (porque manifestamente encurtado) o prazo processual para o insolvente organizar e apresentar da sua defesa. Pois, dos 30 dias de que dispunha para contestar a acção judicial em curso (suspensos em férias judicias aliás) passaria a dispor de 10 dias para analisar toda a extensa documentação e argumentos da credora reclamante, impugna-los fundadamente e organizar a sua prova.
o) “Sendo o processo de insolvência um processo de execução universal, é natural que as acções executivas se suspendam ou se extingam, mas esta solução não é extensível às acções declarativas. Mesmo nos processos a decorrer nos tribunais arbitrais, o art. 37º, nº2 manda prosseguir os seus termos, não obstante declarar a suspensão da eficácia das convenções arbitrais (art. 37º, nº1)Certamente, por maioria de razão, as acções a decorrer nos tribunais judiciais deverão prosseguir os seus termos. “ – António Pereira de Almeida, Efeitos da Insolvência nas acções Declarativas, in www.revistadedireitocomercial.com
p) Reclamando o credor o seu crédito no processo de insolvência, não há lugar a qualquer apensação, suspensão ou extinção da instância das acções declarativas de condenação a correr contra o devedor insolvente.
q) Devendo, nesse caso, o seu crédito ser contemplado e devidamente graduado e acautelado no processo de insolvência, nomeadamente como crédito sujeito a condição suspensiva.
r) Dispõe o art.º 50.º, na actual redacção, que “consideram-se créditos sob condição suspensiva e resolutiva, respetivamente, aqueles cuja constituição ou subsistência se encontrem sujeitos à verificação ou à não verificação de um acontecimento futuro e incerto, por força da lei, de decisão judicial ou de negócio jurídico.”
s) Nada obstando a que um crédito fique graduado, sob condição suspensiva, até ao trânsito em julgado da acção declarativa subjacente.
t) Com esta nova redacção do n.º 1 do art.º 50.º, o legislador tomou posição clara sobre o assunto, considerando expressamente as decisões judiciais como condição suspensiva, até ao trânsito em julgado da decisão.
u) Pelo que, o Acórdão Uniformizador citado no douto despacho saneador sob apelação (Acórdão do STJ datado de 18/05/2013), no domínio do actual quadro legislativo, salvo o devido respeito, perdeu actualidade e validade.
v) Acórdão esse que teve desde logo os votos vencidos de 13 Conselheiros e que, ao contrário dos anteriores Assentos, não é vinculativo.
w) Sem prescindir, sempre se dirá que, tendo o crédito da sociedade de advoga- dos “AA, L... e Associados, S.P.” sido impugnado pelo insolvente, recaía sobre aquela credora o ónus da prova dos direitos por si reclamados.
x) Assim, salvo o devido respeito, mas mal andou o Tribunal a quo ao julgar improcedente a impugnação apresentada pelo insolvente, mantendo o crédito nos termos reconhecidos pelo senhor Administrador de Insolvência.
y) Reiterando-se que, tendo em conta a importância e complexidade da matéria em discussão, a tramitação da acção cível pendente se mostra necessária e imprescindível ao apuramento da existência ou não de crédito por parte da credora reclamante.
z) Ainda que assim não entendesse o Mº Juiz, sempre poderia, e deveria notificar o insolvente para, apresentar os seus fundamentos nos autos de insolvência, concedendo-lhe um prazo justo e razoável para tal, sob pena de, não o fazendo, ser coarctado o direito de defesa do insolvente, levando a que seja reconhecimento um valor que não é devido, em prejuízo até dos demais credores. Mais se violando o direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva do insolvente, que tem assento constitucional (art. 20º, nº1, e respectiva epigrafe, da C.R.P.)
aa) Devendo assim o douto despacho saneador ser revogado e substituído por outro que determine que o crédito em causa seja reconhecido, quando muito, sob condição suspensiva até ao transito em julgado da acção cível.
bb) Por outro lado, quanto ao crédito reclamado pela credora M... e também ele impugnado pelo insolvente, também não pode o mesmo conformar-se com a decisão que sobre aquele recaiu no despacho saneador.
cc) Mormente na parte em que conclui não se verificar a invocada prescrição presuntiva, atendendo a que a factura em questão diz respeito à aquisição de um equipamento com plano de pagamentos.
dd) Ora, face aos elementos constantes dos autos, e tudo quanto foi alegado, impunha-se outra e diferente solução, não se admitindo nem se compreendo que o douto Tribunal a quo tenha feito tábua rasa de tudo quanto foi alegado, não se pronunciando sobre questões que deveria ter apreciado.
ee) Na verdade, a credora M... S.A, reclamou nos autos créditos no montante total de € 1.184,51, com base em alegadas facturas emitidas em Fevereiro de 2019 e Maio e Junho de 2022, e na seguinte factualidade: “ O devedor BB, CC, NIF ..., celebrou com a Requerente um contrato de prestação de serviço de comunicações eletrónicas; Desde então e, no âmbito deste contrato, os serviços acordados foram prestados e, em consequência, emitidas e enviadas mensalmente faturas correspondentes a essa utilização para a morada indicada pelo requerido.” (negrito e sublinhado nosso)
ff) Impugnado o fundamento do crédito, a mesma credora, em resposta, veio alterar os factos e fundamentos da sua reclamação de créditos, dizendo que afinal parte das facturas não se referem a serviços mas a um “contrato de compra e venda”.
gg) Porque tal situação não pode ser processualmente admitida, o insolvente opôs-se, alegando que não poderia a credora, nesta fase, dar o dito pelo não dito e pretender alterar os factos que alegadamente fundamentam o seu pedido de reconhecimento de um qualquer crédito, alterando a causa do pedir do reconhecimento do seu crédito.
hh) Situação que foi devidamente alegada, mas que o Tribunal a quo não curou de sindicar, nem sequer se pronunciando sobre a mesma. E que consubstancia nulidade do despacho saneador por omissão de pronuncia.
ii) Nos termos do disposto no art. 668º nº1, al. d) do Código de Processo Civil, aplicável ex vi art. 17º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, é nula a sentença quando “o juiz deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar (…)”.
jj) Face à alegação da credora que em relação à factura ...47, a mesma diria respeito ao pagamento de um equipamento telefónico, o insolvente alegou a prescrição presuntiva, porquanto o equipamento telefónico em questão, adquirido pelo insolvente, para seu uso pessoal, à credora, fora oportunamente e integralmente pago pelo mesmo, numa loja M..., no ....
kk) Volvidos mais de 3 anos, o insolvente não logrou localizar o respectivo comprovativo, sendo que nunca imaginou que lhe viessem a imputar a sua falta de pagamento e a sua tentativa de cobrança em duplicado.
ll) Atenta a factualidade constante dos autos, não se percebe nem se admite que o douto Tribunal a quo tenha, simplesmente, afastado a aplicação do instituto da prescrição presuntiva, com base no fundamento de que o “pagamento em prestações (é) contrário à presunção de cumprimento.”, partindo do pressuposto e premissa que o insolvente não pagou as prestações de uma só vez.
mm) O insolvente pagou duas ou três prestações, e deslocou-se posteriormente à loja da M... no ..., pagando aí integralmente o valor em divida.
nn) Conforme melhor resulta do documento junto pela credora reclamante intitulado “saldos em aberto”, as prestações em causa venceram-se integralmente no dia 5 de Março de 2020.
oo) Assim, carece em absoluto de fundamento fáctico e jurídico a decisão constante do douto despacho saneador quanto a esta parte do crédito reclamado.
pp) Pelo que, também neste ponto mal andou o Tribunal a quo no despacho sob censura, que não poderá deixar de ser revogado, substituindo-se por outro que julgue procedente excedente a excepção da prescrição invocada pelo insolvente quanto ao crédito em causa, quer porque o peticionado crédito resulta de uma alteração, não admissível, da causa do pedir, quer porque o mesmo além de não ser devido por ter sido pago, e, em todo o caso, estar prescrito por aplicação do instituto da prescrição presuntiva.
qq) O Tribunal a quo, com a decisão proferida, violou além do mais o disposto nos artigos312º do Código Civil, 6º, 410º, 411º e 668º do Código de Processo Civil e artigo 50º do CIRE.”
Pede por isso que seja dado integral provimento ao recurso de apelação, e, consequentemente, revogado o despacho ora impugnado, o qual deve ser substituído por outro que decida em conformidade com o aqui alegado.
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Apenas a recorrida AA, L... e Associados, S.P, apresentou contra-alegações pugnando pela improcedência do recurso.
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Recebidos os autos na Relação pela relatora foi proferido despacho determinando a baixa dos autos à 1ª instância a fim de fixar o valor da ação e de se pronunciar sobre a nulidade de sentença invocada no recurso ao abrigo do artº. 617º, nº. 5, C.P.C..
Pelo Tribunal a quo foi proferido o seguinte despacho: “Fixa-se o valor da causa para efeitos de recurso em € 13.096,00.
Não se verifica qualquer nulidade por omissão de pronúncia, tendo o Tribunal decidido
questões de natureza exclusivamente jurídica e que em face da sua procedência tornaram inúteis o prosseguimento da lide.
Tendo ainda sido realizada a tentativa de conciliação nos termos do art. 136º do CIRE que permitia deduzir qualquer requerimento ou exercício de contraditório o que não sucedeu.
Notifique e remeta os autos ao TRG.”
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O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito devolutivo, o que foi confirmado por este Tribunal.
Após os vistos legais, cumpre decidir.
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II QUESTÕES A DECIDIR.

Decorre da conjugação do disposto nos artºs. 608º, nº. 2, 609º, nº. 1, 635º, nº. 4, e 639º, do Código de Processo Civil (C.P.C.) que são as conclusões das alegações de recurso que estabelecem o thema decidendum do mesmo. Impõe-se ainda ao Tribunal ad quem apreciar as questões de conhecimento oficioso que se resultem dos autos.

Impõe-se por isso no caso concreto e face às elencadas conclusões decidir:
-quanto ao crédito de AA, L... e Associados, S.P, se há motivo de suspensão da presente instância, ou se o crédito deve ser considerado condicional; ou se estamos perante algum caso de inconstitucionalidade;
-quanto ao crédito da M... S.A., se a sentença é nula por não ter apreciado questão suscitada; na afirmativa, se este Tribunal pode suprir a nulidade; suprindo a nulidade, se o(s) crédito(s) está prescrito.
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Por uma questão de método, analisaremos separadamente a situação de cada credor.
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Crédito de AA, L... e Associados, S.P
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III –A- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.

Para além dos trâmites descritos no relatório, temos por assente face às posições das partes que:
.Encontra pendente em juízo a ação n.º 668/22...., em que a credora AA, L... e Associados, S.P peticiona o pagamento dos honorários em causa na presente reclamação de créditos.
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IV –A- MÉRITO DO RECURSO.

Na medida em que vamos iniciar pela apreciação do crédito de AA, L... e Associados, S.P, passamos nesta parte do recurso à

-DECISÃO DE DIREITO.
Em causa está apenas uma questão: se a reclamação deve ficar suspensa à espera da decisão da ação nº. 668/22.... que diz respeito ao crédito aqui reclamado.
E enunciamos apenas uma questão porque efetivamente e muito embora o insolvente comece a sua impugnação por anunciar que se insurge contra o montante do crédito reclamado, na verdade, lida a peça, não invoca qualquer facto que colida com o montante do mesmo. Assim, esta é uma “não questão” na medida em que não se alicerça em qualquer facto ou argumento que esteja apresentado.
Discute-se então a pendência de duas ações tendo em vista o mesmo fim: o reconhecimento e pagamento de um mesmo crédito.
E apela-se ao Ac. Uniformizador de Jurisprudência nº. 1/2014 de 8/5/2013 (DR 39, 1ª série, 25/2/2014), que tratou a questão sob um determinado ponto de vista, bem como o regime do artº. 85º, nº. 1, do CIRE.
Da conjugação de ambos resulta a posição segunda a qual as ações não abrangidas pelo artº. 85º, nº. 1 (nem pelo artº. 88º que respeita apenas às ações executivas, não se podendo daí extrair o impedimento do raciocínio que faremos) e desde logo as ações declarativas pendentes em que está em causa a condenação do insolvente no pagamento de um crédito, devem ser julgadas extintas por inutilidade superveniente da lide. Esta é a posição que teve vencimento, muito embora o voto de vencido apresentado no acórdão, de pendor mais restrito.
Sucede que não cabe aqui verificar se a ação declarativa, o processo nº. 668/22...., deve ou não ser declarado extinto (em que se poderia colocar a opção pelo respeito do sentido do acórdão), mas antes se a reclamação deve esperar e ter como decidido o crédito naquela outra ação.
Ora, nesta vertente a questão coloca-se noutros moldes.
Como temos vindo a defender e no seguimento do Ac. desta Relação de 20/01/2022, em que foi relator José Alberto Moreira Dias e em que a relatora do presente foi 2ª adjunta, proferido no processo nº. 588/21.... e não publicado e que passamos a citar: “Deste modo, independentemente dos credores da insolvência terem ou não visto o seu crédito sobre o devedor/insolvente reconhecido, por sentença transitada em julgado, proferida em ação instaurada fora do processo de insolvência, uma vez declarada a insolvência do devedor, os mesmos não se encontram dispensados do ónus de reclamação dos seus créditos e apenas poderão obter pagamento, caso estes venham a ser julgados verificados e graduados, na sentença de verificação e graduação de créditos, devidamente transitada em julgado.
Destarte, o trânsito em julgado de sentença que reconheça direitos de crédito e as respetivas garantias a determinado credor ou credores sobre o devedor/insolvente em ações intentadas fora do processo de insolvência, não opera caso julgado material quanto aos demais credores do devedor/insolvente, não ficando estes dispensados do ónus de reclamar os seus créditos, no âmbito do processo de insolvência, caso pretendam obter o pagamento, o que se compreende, dado que não tendo esses credores da devedora, entretanto declarada insolvente, sido partes na ação que culminou com a prolação da sentença, transitada em julgado, que reconheceu ao credor determinado crédito sobre o devedor/insolvente, sendo a insolvência uma execução universal, que tem por objetivo satisfazer os direitos de todos os credores da devedora/insolvente, de acordo com as regras enunciadas no CIRE, se esses restantes credores do insolvente que não foram partes nessa ação eram, em princípio, terceiros juridicamente indiferentes em relação ao discutido e decidido naquelas anteriores ações, uma vez declarada a insolvência do devedor, estes passam a ser terceiros juridicamente interessados em relação ao que nelas foi discutido e decidido, e daí que, o trânsito em julgado da decisão de mérito proferida no âmbito dessas anteriores ações, não lhes possa ser oponível. (…).
Antes de mais, dir-se-á que estatuindo o n.º 1 do art 128º do CIRE que, “dentro do prazo fixado para o efeito na sentença declaratória da insolvência, devem os credores da insolvência, incluindo o Ministério Público na defesa dos interesses das entidades que representa, reclamar a verificação dos seus créditos por meio de requerimento, acompanhando de todos os documentos probatórios de que disponham, no qual indiquem: (…)”, e acrescentando-se no seu n.º 3 que, “a verificação tem por objeto todos os créditos sobre a insolvência, qualquer que seja a sua natureza e fundamento, e mesmo o credor que tenha o seu crédito reconhecido por decisão definitiva não está dispensado de o reclamar no processo de insolvência, se ele quiser obter pagamento”,  em que, consequentemente, conforme infra melhor se desenvolverá, todos os credores da insolvência, incluindo aqueles que tenham visto o seu crédito reconhecido, por sentença já transitada em julgado, por razões de segurança e de equidade de todos os credores da insolvência, e por forma a possibilitar que o pagamento desses seus créditos seja efetuado de acordo com as regras estabelecidas o CIRE, não havendo favorecimento no pagamento de determinados credores em relação aos restantes, têm de reclamar o seu crédito no âmbito do processo de insolvência, dentro do prazo estabelecido para o efeito na sentença declaratória de insolvência, em que a sentença, transitada em julgado, que lhes reconheça esse seu crédito, antes proferida num outro processo, não opera caso julgado em relação aos demais credores da insolvente, e daí, que estes possam questionar, impugnando os créditos reclamados pelos respetivos credores, incluindo, reafirma-se, aqueles que já tinham sido reconhecidos, por sentença transitada em julgado, proferida antes da declaração da insolvência do devedor. 
Com efeito, todos os credores da insolvência, incluindo os que disponham de sentença, transitada em julgado, que lhes reconheça o crédito sobre aquela, têm de reclamar o seu crédito, onde terão de alegar (e em caso de impugnação, provar) os factos constitutivos do crédito reclamado, isto sem prejuízo de também, conforme infra se verá, independentemente dessa reclamação, em determinadas condições, o A.I. poder reconhecer créditos não reclamados pelos respetivos credores, os quais, contudo, em caso de impugnação desses créditos, não ficam dispensados do ónus da prova dos factos constitutivos dos mesmos.
Deste modo, é no próprio processo de insolvência, mais concretamente, no âmbito do apenso de verificação e graduação de créditos, que se forma o título (sentença de verificação e graduação de créditos, devidamente transitada em julgado), e é esse título que permite o pagamento dos créditos devidos aos credores da insolvência.
Qualquer título que esses credores já disponham, incluindo, sentença transitada em julgado, proferida em anterior ação, que lhes reconheça os créditos reclamados sobre o insolvente, é totalmente irrelevante para esse efeito, na medida em que não os dispensa do ónus de reclamar esses créditos no âmbito do processo de insolvência e de nela terem de alegar os factos constitutivos desses créditos que reclamam e, em caso de impugnação, do ónus da prova desses factos constitutivos.”
A referência ao nº. 3 do artº. 128º reporta-se antes ao nº. 5.
Nesse sentido podemos ver Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência”, pags. 270 a 272 da 2ª edição.
Significa isto, e lendo o AUJ, que o seu fundamento –com o qual concordamos, independentemente da discussão sobre o seu carater não obrigatório (e note-se que ao caso não importa a “divergência” de amplitude que deu causa ao voto de vencido)- é o que determina a razão da improcedência da pretensão do recorrente.
Assim sendo, independentemente do destino da ação declarativa pendente que lá terá de ser suscitado se assim as partes entenderem, a sua pendência não tem qualquer repercussão na presente reclamação, não a influencia, nem a dispensa ou substitui –daí o fundamento do acórdão UJ quanto à sua inutilidade superveniente.
Uma ação só é causa prejudicial de outra quando o seu resultado daquela pode influenciar esta outra.

Conforme se sintetizou no Ac. da Rel. do Porto de 18/12/2018 (relator Jorge Seabra, www.dgsi.pt, como todos os indicados sem referência a outra fonte), “I- A razão de ser da suspensão por causa prejudicial é a economia e a coerência dos julgamentos entre duas acções pendentes que apresentem entre si uma especial conexão. II- Para efeitos de decretamento da suspensão da instância por causa prejudicial nos termos do artigo 272º do Código de Processo Civil, entende-se como causa prejudicial aquela onde se discute e pretende apurar um facto ou situação que é elemento ou pressuposto da pretensão formulada na causa dependente, de tal forma que a resolução da questão que está a ser apreciada e discutida na causa prejudicial irá interferir e influenciar a causa dependente, destruindo ou modificando os fundamentos em que esta se baseia.”
Resulta do supra exposto que não é o caso, logo não há qualquer causa prejudicial da presente reclamação que deve prosseguir os seus ulteriores termos como prosseguiu, e nada mais havendo a discutir, culminando com o reconhecimento do crédito da apelada.
Face ao teor das alegações de recurso, cabe ainda esclarecer que o artº. 50º do CIRE, quando se refere aos créditos sob condição, nada tem que ver com os créditos que estejam a ser discutidos, não se tratando de condição que diga respeito à aferição da sua prova, mas antes a créditos cuja existência em si mesmo depende da verificação de um evento futuro e incerto, nomeadamente que decorra de uma ação judicial (que não a que dirime/apura a existência do crédito entre credor e devedor insolvente).
Ou seja, o artº. 50º reporta-se a créditos cuja constituição ou subsistência esteja por apurar por dependerem de determinada realidade, e não ao crédito cuja demonstração/prova esteja por fazer.
Não estamos manifestamente perante o primeiro caso. Arroga-se titular de um crédito vencido que está a reclamar em sede de ação declarativa de condenação –ação de honorários.
O Ac. da Rel. de Lisboa de 7/3/2017 (relatora Carla Câmara) esclarece, interpretando a norma, essa situação, sintetizando desta forma: “i) O 50º do CIRE equipara os créditos cuja constituição ou subsistência se encontrem sujeitos à verificação ou à não verificação de um acontecimento futuro ou incerto, por força da lei ou de negócio jurídico, aos que estejam sujeitos a condição por força de decisão judicial, o que é questão diversa dos créditos sujeitos à prolação de decisão judicial. ii)A interpretação seguida no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 1/2014, de 08.05.2013, mantém actualidade, apesar da alteração introduzida na redacção do artigo 50º do CIRE.”
Assim como aí se diz, aquele preceito trata de equiparar os créditos cuja constituição ou subsistência se encontrem sujeitos à verificação ou à não verificação de um acontecimento futuro ou incerto, por força da lei ou de negócio jurídico, aos que estejam sujeitos a condição por força de decisão judicial, o que é questão diversa dos créditos sujeitos à prolação de decisão judicial.
Também o Ac. da mesma Relação de 7/3/2017 (relator Luís Filipe Pires de Sousa) esclareceu as questões aqui colocadas: “Os apelantes confundem um crédito controvertido com um crédito condicional. Dispõe o Artigo 50º, nº1, do CIRE, que «Para efeitos deste Código consideram-se créditos sob condição suspensiva e resolutiva, respetivamente, aqueles cuja constituição ou subsistência se encontrem sujeitos à verificação ou à não verificação de um acontecimento futuro e incerto, por força da lei, de decisão judicial ou de negócio jurídico».
O segmento atinente à menção da decisão judicial foi introduzido pela Lei nº 16/2012. Conforme referem Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3ª Edição, 2015, pp. 306-307, «Em boa verdade, a inserção da decisão judicial entre os títulos geradores da condição, tendo, embora, um sentido esclarecedor, em nada contende com o regime do preceito. / Com efeito, já na redação primitiva, onde se pudesse constatar que a sujeição do crédito a condição suspensiva ou resolutiva, no sentido e com o alcance do nº1, derivava de decisão judicial, o crédito não poderia deixar de ser havido como condicional, para os efeitos do Código, quando menos por aplicação analógica, e por manifesta identidade de ratio decidendi.»
A alteração da redação ocorrida no nº1 do Artigo 50º visou, pois, esclarecer que fonte da condição poderá provir de uma decisão judicial (a par da lei e do negócio jurídico), realidade diversa de afirmar- conforme pretendem os apelantes – que a decisão judicial constitui em si uma condição suspensiva. Para efeitos do nº1 do Artigo 50º do CIRE, a decisão judicial não constitui um acontecimento futuro e incerto porquanto o crédito invocado pelos apelantes assenta em factos passados prévios à revogação da autorização para o exercício da atividade bancária pelo Banco 1.... Tratando-se de uma ação declarativa de condenação, a proceder a mesma, o tribunal emite um juízo declarativo ( e não constitutivo) sobre a (in) existência do direito alegado pelos autores (que, a existir, se constituiu no passado) e, em conformidade, pode condenar os Réus na prestação duma coisa ou facto – cf. Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil, 3ª edição, p. 31. De forma alguma, a prolação de uma sentença condenatória com os referidos moldes integra, de per si, uma condição suspensiva.
Não colhe também a interpretação que os apelantes fazem do Artigo 128º do CIRE. Conforme referem Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3ª Edição, 2015, p. 520, «Da articulação do nº1 com o nº3, primeira parte, do artigo em anotação resulta que todos os credores da insolvência, qualquer que seja a natureza e fundamento do seu crédito, devem reclamá-lo no processo de insolvência, para aí poderem obter satisfação. / A formulação ampla da primeira parte do nº3 é corroborada pela sua segunda parte que, à semelhança do que estatuía o nº3 do art. 188º do CPEREF, não dispensa a reclamação dos créditos que tenham sido reconhecidos por decisão definitiva, se os seus titulares pretenderam ser pagos no processo, à custa da massa insolvente.»”.
Em idêntico sentido e da mesma Relação, o Ac. de 25/6/2019 (relatora Rosário Gonçalves).
É verdade que estes acórdãos tratam de questão diversa, que é a da inutilidade da ação declarativa, mas, como já avançamos, os argumentos apresentados são os que servem para afastar a pretendida suspensão da presente ação.
Mais próximo da presente situação, mas inversa, pois reporta-se a um pedido de suspensão da ação declarativa pendente, veja-se o Ac. da Rel. de Lisboa de 11/5/2017 (relator António Valente.)
Resta o argumento da inconstitucionalidade, que também acaba por ter referência no AUJ, referindo-se: “1.1 - A todos é assegurado o acesso ao Direito e aos Tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos.
Para defesa dos direitos, liberdades e garantias processuais[2], a Lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efectiva e em tempo útil contra a ameaça ou violação desses direitos – art. 20.º, n.ºs 1 e 5, da C.R.P., sob a epígrafe ‘Acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva’.
Observando estes princípios programáticos, o direito de acção concretiza-se no art. 2.º, n.º 2, do C.P.C., em cujos termos a todo o direito corresponde, por via de regra, a acção adequada a fazê-lo reconhecer em Juízo, a prevenir ou reparar a sua violação, bem como os procedimentos necessários para acautelar o efeito útil da acção.
Esse direito[3] (de acesso e tutela jurisdicional efectiva) mais não é, no essencial, do que o direito a uma solução jurisdicional dos conflitos, em prazo razoável, e com garantias de imparcialidade e independência, como está pacificamente firmado há muito na Jurisprudência do Tribunal Constitucional.
[O exercício desse direito requer naturalmente a existência (…e constância), dentre outros pressupostos, do chamado interesse processual (interesse em agir, na linguagem dos autores italianos), que consiste - na definição usada por Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio Nora[4] - na necessidade de usar do processo, de instaurar e fazer prosseguir a acção.
Não se confundindo com a legitimidade – não obstante esta assentar no interesse directo em demandar e em contradizer – a necessidade de recorrer à via judicial, enquanto concretização do interesse processual, não tem que ser uma necessidade absoluta, a única ou última via aberta para a realização da pretensão formulada, mas também não bastará para o efeito o puro interesse subjectivo de obter um pronunciamento judicial.
O interesse processual/interesse em agir constitui – ainda nas palavras dos referidos Autores – um requisito a meio termo entre os dois tipos de situações: exige-se, por força dele, uma necessidade justificada, razoável, fundada, de lançar mão do processo ou de fazer prosseguir a acção, mas não mais do que isso].
Apela-se à extensão material da competência do juiz de insolvência (paralela ao disposto no artº. 91º, nº. 1, do C.P.C.), e ao facto da garantia constitucional de acesso ao direito respeitar ao exercício do direito no âmbito de um processo judicial equitativo, com respeito pelo princípio do contraditório, sujeito às regras que lhe são próprias e iguais para todos os litigantes, mas também que seja um processo necessário. É isso mesmo que é assegurado pelos artºs. 90º, 128º e 146º e segs. do CIRE.
Assim se respeita integralmente o princípio da igualdade dos credores, sujeitando todos eles ao mesmo procedimento e facultando um amplo contraditório, sendo pedra basilar da execução universal que constitui o processo de insolvência.
O Ac. da Rel. do Porto de 4/10/2021 (relator Mendes Coelho) ilustra de forma linear esta posição.
Não colhe o argumento relativo à diminuição de garantias processuais, ou à exigência de notificação da recorrente para “melhor” se defender, uma vez que essa oportunidade é-lhe dada através da via da impugnação dos créditos, direito que exerceu na medida e com o âmbito que entendeu –apenas suscitando a necessidade de suspensão do incidente, ou consideração da condição a que o crédito deveria ficar sujeito.
Improcede por isso esta questão recursiva, devendo manter-se o reconhecimento do crédito de pela AA, L... e Associados, S.P, nos termos que consta da decisão sob recurso e nada mais vindo questionado quanto ao mesmo.
***
Crédito da M... S.A
-NULIDADE DE SENTENÇA.

No que respeita ao crédito da M..., o recorrente alude à nulidade da decisão, face ao teor da sua “resposta” à resposta da M... à impugnação que apresentou ao crédito, uma vez que, perante a mesma, suscitou a alteração dos factos que a credora fez relativamente ao suporte da fatura nº. ...47: de contrato de prestação de serviços passou a reportar-se a contrato de compra e venda de equipamento; esta questão, que consubstancia a sua oposição a uma pretendida alteração da causa de pedir, não foi apreciada na decisão sob recurso, daí a sua nulidade por omissão de pronúncia –artº. 615º, nº. 1, d), C.P.C., ex vi artº. 17º, nº. 1, CIRE.

Cumpre apreciar.

Dispõe o artº. 615º, nº. 1, do C.P.C., que é nula a sentença quando (com destaque nosso):

a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.

As nulidades da sentença são vícios formais e intrínsecos de tal peça processual e encontram-se taxativamente previstos no normativo legal “supra” citado.
De acordo com o artº. 613º, nº. 3, C.P.C., essas determinações aplicam-se aos despachos.
Os referidos vícios, designados como error in procedendo, respeitam unicamente à estrutura ou aos limites da sentença.
As nulidades da sentença, como seus vícios intrínsecos, são apreciadas em função do texto e do discurso lógico nela desenvolvidos, não se confundindo com erros de julgamento (error in judicando), que são erros quanto à decisão de mérito explanada na sentença, decorrentes de má perceção da realidade factual (error facti) e/ou na aplicação do direito (error juris), de forma que o decidido não corresponde à realidade ontológica ou normativa, com a errada aplicação das normas jurídicas aos factos, erros de julgamento estes a sindicar noutro âmbito (cfr. Acórdão desta Relação de 4/10/2018, relatora Eugénia Cunha, e do STJ de 17/10/2017).
Conforme Acórdão desta Relação relatado pela Exmª Srª desembargadora Drº Maria João Matos com a mesma data “As decisões judiciais proferidas pelos tribunais no exercício da sua função jurisdicional podem ser viciadas por duas distintas causas (qualquer uma delas obstando à sua eficácia ou validade): por se ter errado no julgamento dos factos e do direito, sendo então a respectiva consequência a sua revogação; e, como actos jurisdicionais que são, por se ter violado as regras próprias da sua elaboração e estruturação, ou as que balizam o conteúdo e os limites do poder à sombra do qual são decretadas, sendo então passíveis de nulidade, nos termos do art. 615.º do C.P.C. (neste sentido, Ac. do STA, de 09.07.2014, Carlos Carvalho, Processo nº 00858/14, in www.dgsi.pt, como todos os demais citados sem indicação de origem).”
O vício da sentença decorrente da omissão de pronúncia relaciona-se com o dispositivo do art. 608º do C.P.C., designadamente, com o seu nº 2, que estabelece as questões que devem ser conhecidas na sentença/acórdão.
Da conjugação das normas decorre que a nulidade da decisão com fundamento na omissão de pronúncia apenas se verifica quando uma questão que devia ser conhecida nessa peça processual não teve aí qualquer tratamento, apreciação ou decisão, sem que a sua resolução tenha sido prejudicada pela solução, eventualmente, dada a outras (cfr. Ac. desta Relação de 5/4/2018, www.dgsi.pt).
Porém questões não são factos, argumentos ou considerações. A questão a decidir está intimamente ligada ao pedido da providência e à respetiva causa de pedir. Relevam, de um modo geral, as pretensões deduzidas e os elementos integradores do pedido e da causa de pedir.
Neste sentido, veja-se o Acórdão do STJ, de 9/2/2012, segundo o qual “a nulidade resultante de omissão de pronúncia verifica-se quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (...), sendo certo que não se tem por verificada quando o tribunal deixa de apreciar algum ou alguns dos argumentos invocados pela parte tendo em vista a decisão da questão ou questões que a mesma submete ao seu conhecimento, só ocorrendo quando o tribunal deixa de se pronunciar sobre a própria questão ou questões que lhe são colocadas ou que tem o dever de oficiosamente apreciar, entendendo-se por questão o dissídio ou problema concreto a decidir e não os simples argumentos, razões, opiniões ou doutrinas expendidos pela parte na defesa da sua pretensão.
Dúvidas não há porém que o tribunal só pode apreciar questões que lhe forem suscitadas pelas partes (salvo as que forem de conhecimento oficioso) sob pena de, assim não sendo, cometer a nulidade no segmento inverso, ou seja, conhece de questões que não foram suscitadas.
Nesse sentido, o Tribunal tem de conhecer de “todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que oficiosamente lhe cabe conhecer” (Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, “Código de Processo Civil Anotado”, 2º, 2ª edição, pág. 704).
Dúvidas também não há atualmente que para estarmos perante esta nulidade é necessário que ocorra omissão absoluta de conhecimento relativamente a cada questão não prejudicada, e não perante uma fundamentação meramente deficiente.
Ora, é absolutamente evidente que o Tribunal recorrido não apreciou essa questão, que foi levantada em requerimento apresentado na sequência da resposta da credora –como não apreciou a admissibilidade desse requerimento, nos termos em que foi apresentado, o que já é outra questão.
Note-se que o facto da decisão recorrida se socorrer na fundamentação de direito de matéria alegada que corresponde a essa alteração não significa para nós uma “decisão implícita”, no sentido afirmativo. O juiz tem de tomar posição expressa e clara sobre as pretensões, os requerimentos, as questões, que lhe são suscitadas pelas partes nos processos.
Ora, a alegada alteração da causa de pedir, com oposição da parte contrária, é matéria que exigia ao Tribunal a quo uma tomada de posição –artº. 265º, nº. 1, do C.P.C..
Não tendo sido apreciado o requerimento apresentado, tal configura uma nulidade secundária face ao artº. 195º, nº. 1, do C.P.C.. A sua influência no exame e decisão da causa resulta desde logo do facto da recorrente ter tido a necessidade de, face à alteração, apresentar nova “defesa”.
Assim a nulidade teria de ser arguida, como foi, e na medida em que se projeta na decisão sob recurso (momento que pressupunha a sua apreciação), é analisada sob o prisma da nulidade de sentença por omissão de pronúncia.
A nulidade processual decorre da omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, e só produz nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa –artº. 195º, nº. 1, C.P.C., importando a declaração de nulidade dos atos posteriormente praticados –designadamente a nulidade da sentença-e a prática do ato omitido pelo Tribunal recorrido –artº. 199º, nº. 1, C.P.C.. Em causa está uma nulidade secundária, invocável pelo interessado nos termos e prazo legais.
Mantém atualidade e pertinência o brocardo segundo o qual dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se. Conforme explicava Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, 2º Vol., pags. 507 e 508, “a arguição da nulidade só é admissível quando a infração processual não está ao abrigo de qualquer despacho judicial; se há um despacho a ordenar ou autorizar a prática ou a omissão do ato ou formalidade, o meio próprio para reagir, contra a ilegalidade que se tenha cometido, não é a arguição ou reclamação por nulidade, é a impugnação do respetivo despacho pela interposição do recurso competente.
Eis o que a jurisprudência consagrou nos postulados: dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se.
É fácil justificar esta construção. Desde que um despacho tenha mandado praticar determinado acto, por exemplo, se porventura a lei não admite a prática desse acto é fora de dúvida que a infracção cometida foi efeito do despacho; por outras palavras, estamos em presença dum despacho ilegal, dum despacho que ofendeu a lei do processo. Portanto a reacção contra a ilegalidade traduz-se num ataque ao despacho que a autorizou ou ordenou; ora o meio idóneo para atacar ou impugnar despachos ilegais é a interposição do respectivo recurso (...)”.
Anselmo de Castro (“Direito Processual Civil Declaratório”, III Vol., 1982, pag. 134) afirma que “Tradicionalmente entende-se que a arguição da nulidade só é admissível quando a infracção processual não está, ainda que indirecta ou implicitamente, coberta por qualquer despacho judicial; se há um despacho que pressuponha o acto viciado, diz-se, o meio próprio para reagir contra a ilegalidade cometida, não é a arguição ou reclamação por nulidade, mas a impugnação do respectivo despacho pela interposição do competente recurso, conforme a máxima tradicional – das nulidades reclama-se, dos despachos recorre-se. A reacção contra a ilegalidade volver-se-á então contra o próprio despacho do juiz; ora o meio idóneo para atacar impugnar despachos ilegais é a interposição do respectivo recurso (…), por força do princípio legal de que, proferida a decisão, fica esgotado o poder jurisdicional do juiz (art. 666.º)”.
Vem-se entendendo que a nulidade processual que só é evidenciada pela prolação do despacho, torna a reação da recorrente tempestiva, pois só agora a mesmo soube que o Tribunal não adotou determinada conduta prévia que se impunha. Isto é, estando em causa uma nulidade processual e não uma nulidade do despacho ou sentença (artºs. 615º,nº1 al.d) aplicável aos despachos ex vi nº3 do art. 613º do C.P.C.), ocorrida antes de ter sido proferido o despacho (ou sentença), mas que só com a prolação desta é que aquela se evidenciou, o que torna tempestiva a sua arguição em sede de recurso (cfr. artº. 199º, nº.1, do C.P.C.).
Vide por todos ao nível das decisões jurisprudenciais, o Ac. da Rel. de Lisboa de 14/7/2020 (relator Diogo Ravara).
Admitimos que esta nulidade pode ser invocada como integrando o vício de omissão de pronúncia do artº. 615º, nº. 1, d) -cfr. nº. 4 (Ac. do STJ de 13/10/2022, relator Nuno Ataíde das Neves).
Verificada a nulidade, o que se declara, cabe a este Tribunal supri-la –artº. 665º, nº. 1, C.P.C., apreciando a questão.
*
Após a declaração de insolvência abre-se no processo uma fase de verificação do passivo; essa fase assume um processo declarativo, a correr por apenso ao processo de insolvência.

Este processo desdobra-se em cinco fases:
-a reclamação de créditos segundo os artºs. 128.º e segs. (sem prejuízo da verificação ulterior prevista no artº. 146º);
-o saneamento, conforme o artº. 136º;
-a instrução, conforme o artº. 137º;
-a discussão e julgamento, de acordo com o previsto nos artºs. 138º e 139º;
-e finalmente a prolação de sentença –artº. 140º.
A reclamação é feita mediante requerimento dirigido ao administrador da insolvência, acompanhado de todos os documentos probatórios disponíveis.

Dispõe o artº. 128º que o requerimento deve indicar (destaque nosso): “a) a sua proveniência, data de vencimento, montante de capital e de juros; b) as condições a que estejam subordinados, tanto suspensivas como resolutivas; c) a sua natureza comum, subordinada, privilegiada ou garantida, e, neste último caso, os bens ou direitos objecto da garantia e respectivos dados de identificação registral, se aplicável; d) a existência de eventuais garantias pessoais, com identificação dos garantes; e) a taxa de juros moratórios aplicável; f) O número de identificação bancária ou outro equivalente.”
Passaremos a um resumo dessas fases.
As reclamações apresentadas são apreciadas pelo administrador da insolvência, o qual deve, nos 15 dias subsequentes ao termo do prazo das reclamações, entregar duas listas na secretaria, organizadas por ordem alfabética, sendo uma respeitante aos créditos por si reconhecidos e outra relativa aos créditos não reconhecidos. O reconhecimento pode ter por base quer a reclamação, quer o facto de os direitos constarem dos elementos de contabilidade do devedor ou serem por outra forma do conhecimento do administrador.
Sendo reconhecido o crédito é indicado na lista correspondente, com identificação do credor, do montante de capital e juros à data do termo do prazo das reclamações, das garantias pessoais e reais, dos privilégios, da taxa de juros moratórios aplicável e das eventuais condições suspensivas ou resolutivas. Não sendo reconhecido, o crédito é indicado na respetiva lista com indicação dos motivos justificativos do não reconhecimento.
Nos 10 dias seguintes ao termo do prazo para o administrador da insolvência apresentar relação de créditos reconhecidos e não reconhecidos, qualquer interessado pode impugnar a lista de credores reconhecidos através de requerimento dirigido ao juiz, com fundamento na indevida inclusão ou exclusão de créditos, ou na incorrecção do montante ou da qualificação dos créditos reconhecidos.
Se não houver impugnações, o juiz deve proferir de imediato sentença de verificação e graduação de créditos, a qual, salvo erro manifesto, se limita a homologar a lista dos credores reconhecidos elaborada pelo administrador da insolvência e a graduar os créditos em atenção ao que conste dessa lista.
Podem responder às impugnações o administrador da insolvência e qualquer interessado que assuma posição contrária, incluindo o devedor. Se, porém, a impugnação se fundar no facto de a um crédito ter sido atribuído um montante excessivo, só pode responder o próprio titular do crédito impugnado.
Havendo impugnações seguem-se o saneamento do processo, a eventual tentativa de conciliação, e a elaboração do despacho saneador.
Seguindo agora as ponderações efetuadas no Ac. da Rel. do Porto de 7/12/2018 (relator Aristides Rodrigues de Almeida) que por sua vez cita o Ac. da mesma Relação de 20/4/2017, diríamos: “O artigo 131.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas não dispõe sobre o conteúdo possível da resposta à impugnação, razão pela qual se aplica o disposto no artigo 17.º que manda aplicar aos «processos regulados no presente diploma» as disposições do «Código de Processo Civil, em tudo o que não contrarie as disposições do presente Código».
À partida seríamos levados a equiparar, por força dessa remissão, a reclamação de créditos à petição inicial e resposta à impugnação à réplica. Todavia, como bem se refere no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 20-04-2017, proc. 2116/14.7T8VNG-E.P1, in www.dgsi.pt: «Se não é pacífico nem linear a qualificação processual do processo de insolvência, é ao menos consensual que envolve uma fase de pendor declarativo, que visa a declaração de insolvência, com a consequente alteração na situação jurídica do devedor e o despoletar dos efeitos que lhe são inerentes, e uma fase de pendor executivo de natureza concursal, em que são chamados a intervir no processo todos os credores do devedor. A reclamação de créditos constituirá neste enquadramento o exercício do direito de execução por cada um dos credores, com a particularidade de que não está dependente da apresentação de título executivo. Tanto podem reclamar o seu crédito os credores que estão munidos de título executivo, como os que o não estão, ainda que o reconhecimento do crédito reclamado dependa dos elementos de prova produzidos – cfr. artº 128º do CIRE. Apesar de a reclamação de créditos não estar subordinada à condição que é exigida para a propositura da ação executiva não obstará a que seja considerada como configurando um verdadeiro requerimento executivo [..] em que o acertamento positivo (necessariamente provisório) da existência do crédito e das garantias ou privilégios de que beneficia resulta da apreciação feita pelo administrador da insolvência – cfr. artº 129º do CIRE - compreendendo-se assim que a impugnação seja dirigida contra a lista dos credores reconhecidos, e não contra as reclamações, e legitimando-se por outro lado o entendimento de que a impugnação da lista de credores reconhecidos configura, em termos processuais, uma oposição por embargos [..], iniciada precisamente pelo requerimento de impugnação, e em que a decisão será proferida com base no que vier alegado nesse requerimento e na resposta a essa impugnação, já que os requerimentos de reclamação de créditos, que são dirigidos ao administrador da insolvência, nem sequer são presentes ao juiz – cfr. artºs 128º/2) e 132º do CIRE. Dentro deste enquadramento surge evidente que a exigência em termos de alegação (da inexistência do crédito ou da sua qualificação) recai em primeiro lugar sobre o impugnante, que, nos termos do disposto no nº 1 do artº 130º do CIRE haverá de alegar os factos em que se consubstancia a indevida inclusão ou exclusão de créditos, ou a incorrecção do respetivo montante, e/ou da qualificação dos créditos reconhecidos. Só depois, e em face do que tiver sido alegado no requerimento de impugnação, recairá sobre o reclamante o ónus da resposta previsto no artº 131º, nº 1, do CIRE.»
Concordamos com esta interpretação, a qual parece implícita na circunstância de o requerimento de reclamação de créditos ser dirigido ao administrador da insolvência e não ao juiz, ao contrário das impugnações e das respostas às reclamações. Bem como na circunstância de o artigo 134.º mandar aplicar às impugnações e às respostas a obrigação de «oferecer todos os meios de prova de que disponha», a qual constitui um verdadeiro ónus desencadeador de consequências processuais, ao invés da reclamação que, podendo ser acompanhada de «documentos probatórios» (sic), não impede o administrador de reconhecer o crédito com base em «elementos da contabilidade do devedor ou sejam por outra forma do seu conhecimento».”
Iniciando o nosso caso com essa abordagem, ela tem porem de se ajustar ao caso concreto.
Ora, tendo o reclamante de indicar ao AI a proveniência, data de vencimento, montante do capital e juros ao apresentar-lhe a sua reclamação, e sendo perante estes elementos que o AI assume a sua posição, cremos que estes factos são factos essenciais que compõe a causa de pedir da reclamação, e que estes factos só podem ser completados ou concretizados pelo credor na sua resposta à impugnação; mas já não poderão ser alterados. Doutro modo, toda a defesa apresentada na impugnação podia perder sentido, e a lei não prevê a possibilidade de ser apresentada ainda outra resposta (como teve necessidade de fazer neste caso o recorrente), salva a necessidade de fazer observar em termos gerais o princípio do contraditório.

Este coletivo já se debruçou sobre o tema no Ac. de 22/9/2022, proferido no processo nº. 4054/20...., não publicado, e cujo teor do sumário é:
“I A causa de pedir consiste nos factos essenciais que sustentam juridicamente a pretensão formulada.
(…)
III No caso da reclamação de créditos no processo de insolvência a causa de pedir situa-se desde logo na alegação do fundamento ou proveniência do crédito reclamado, daí decorrendo a sua existência e valor (cfr. artº. 128º, nº. 1, a), do CIRE).”
IV Estando excluída a possibilidade de introduzir diferente causa de pedir na ação, por força do trânsito de despacho que não o admitiu e que também indeferiu a apresentação de pedido subsidiário, o Tribunal aprecia e decide conforme a causa de pedir e pedido iniciais.

De facto, fazendo uma aproximação com a causa de pedir na execução, também no requerimento inicial tem de constar a causa de pedir, e, havendo embargos, a resposta tem de se manter na mesma linha.
A causa de pedir é o “o facto jurídico concreto, simples ou complexo, de que decorre o efeito jurídico pretendido pelo autor” –artº. 581º nº. 4, C.P.C..
Tem-se discutido a qualificação da causa de pedir na ação executiva; é o título executivo, como defendeu Lopes Cardoso (na senda de Alberto dos Reis e Anselmo de Castro), em “Manual da Acção Executiva”, Imprensa Nacional Casa da Moeda, Lisboa, 1987, pag. 27? É o incumprimento, como referem Teixeira de Sousa e Lebre de Freitas? Veja-se nesta sequência as posições expressas nos Acs. da Rel. de Lisboa de 5/7/2018 (relator Carlos Marinho), e de 6/12/2007 (relatora Teresa Soares).
Lebre de Freitas, a propósito da causa de pedir na ação executiva, frisa que “…a causa da obrigação deve ser invocada na petição executiva e pode ser impugnada pelo executado; mas se o exequente não a invocar, ainda que a título subsidiário, no requerimento executivo, não será possível fazê-lo na pendência do processo (...) sem o acordo do executado (art.º 272.º do CPC), por tal implicar alteração da causa de pedir” (“A Acção Executiva, depois da Reforma”, 5ª., pags. 62 e 63 e 156).
Se o exequente apresenta como título executivo uma letra de câmbio que não reúna os requisitos previstos na lei ou que esteja prescrita, terá de alegar no requerimento executivo e provar os factos constitutivos do seu crédito, ou seja, os que integram a obrigação fundamental subjacente, não podendo fazê-lo apenas em sede de resposta e perante os embargos apresentados em que por exemplo se invoca a dita prescrição.
Cremos que o mesmo se passa aqui: se o credor invoca junto do AI que o seu crédito provém de uma prestação de serviços, não pode depois da impugnação apresentada e nomeadamente perante a invocação da prescrição, especificar que uma das faturas respeita antes a uma compra e venda, estando desse modo a introduzir uma diferente causa de pedir.
Melhor concretizando o caso, temos que o AI na relação de créditos reconhecidos que apresentou indicou como fundamento do crédito da M... um contrato de prestação de serviços de comunicações eletrónicas.
Com base nessa factualidade, o devedor invocou desenhou e invocou a exceção de prescrição, ou seja, delineou a sua defesa. Alude à conta corrente junta pela M... junto do AI, com saldos em aberto, e aos pretensos serviços prestados.
Sucede que apenas após esta posição o AI vem concretizar que “…conforme faturas que ora se juntam para os devidos e legais efeitos, o montante de 1.088,54€ corresponde à aquisição de um equipamento em prestações (iphone XS 512mb), cujo plano de pagamento foi incumprido. 4. Assim, e salvo melhor opinião, não lhe é aplicável a Lei 23/96 de 26 de julho, porquanto não se trata de comunicações eletrónicas, mas sim aquisição de um equipamento, aplicando-se assim o disposto no artigo 309.º do CC. 5. Por fim, e em relação às restantes faturas no montante global de 95,97€, as mesmas correspondem a prestação de serviços de comunicações eletrónicas…”. E nessa sequência junta faturas, designadamente com indicação de um equipamento e de comunicações.
Igualmente o credor M... em resposta refere que “ A ora requerente é credora do montante supra referido, pois no exercício da sua atividade, prestou diversos serviços de comunicações eletrónicas ao insolvente cujas faturas reclamadas e que se juntam dos documentos nº. ... e ... e se dão por reproduzidos para todos os efeitos legais, se encontram ainda em divida, assim como o Insolvente adquiriu, em 20/02/2019, uma IPHONE XS 512GB, pelo valor de €1.579,99 cujo pagamento do preço ficou de efetuar em prestações conforme condições do plano que se junta sob documento nº. ... e se dá por reproduzido para todos os efeitos legais, plano que incumpriu permanecendo em divida €1.088,58, mantendo-se em dívida as faturas indicadas na reclamação de créditos.” E Acrescenta, defendendo-se da exceção de prescrição “Assim, a fatura ...47 diz respeito ao pagamento do equipamento telefónico supra melhor identificado, entregue pela Credora ao Insolvente, tratando-se, portanto, da exigência de um preço atinente a um contrato de compra e venda, o qual constitui um contrato devidamente individualizado e com objeto autónomo e não cabe no âmbito de proteção da LSP, por não corresponder ao recebimento do preço das prestações periódicas, mas antes a um negócio com autonomia e termos próprios.”. E junta novamente faturas.
Parece-nos ainda ser de introduzir aqui uma outra questão aflorada na impugnação, e que seria, a verificar-se uma nulidade de conhecimento oficioso e ainda em tempo de ser conhecida, respeitante à ineptidão da reclamação apresentada por falta de alegação de factos integrantes da causa de pedir –artºs. 186º, nºs 1 e 2 a), 196º e 200º, nº. 2, todos do C.P.C. (ex vi artº. 17º, nº. 1, CIRE).
Do que já fomos dizendo decorre que entendemos que tal vício não se verifica. No caso, feitas as devidas adaptações, os factos essenciais que têm de ser alegados como integradores da causa de pedir (cfr. artº. 5º, nº. 1, C.P.C.), são aqueles que já frisamos por referência ao artº. 128º do CIRE, nº. 1, a) a d) –já que a e) é uma menção de direito, e a f) meramente procedimental, aliás já se tendo levantado a sua eventual inconstitucionalidade.
No caso a credora invocou junto do AI, e reportado ao seu amplo objeto social, a celebração de um contrato de prestação de serviços de comunicações eletrónicas, o que, a nosso ver, não se trata de um mero enquadramento jurídico do contrato, situação que conferiria liberdade ao julgador –cfr. artº. 5º, nº. 3, C.P.C.. Na verdade, não se trata aqui de um mero enquadramento de direito já que essa menção e essas expressões são também fatuais, sendo usadas de forma corrente e não apenas em sentido jurídico. O facto é a prestação daquele concreto serviço, donde decorre o contrato respetivo. Tal como se for mencionada a celebração de um contrato de arrendamento, estamos a classifica-lo, mas estamos também a alegar um facto, uma determinada realidade com sentido comum.
Por isso, analisada a peça que a M... apresentou perante o AI e que o devedor juntou com a sua impugnação, resulta que alegou a proveniência do crédito -contrato de prestação de serviço de comunicações eletrónicas; alega o montante do capital e desde quando são devidos juros, embora não os liquide, mas que não afeta a peça já que tal decorre de uma operação aritmética; igualmente alega a natureza do crédito e a taxa de juro aplicável. Ignoramos se apresentou nessa fase e estavam disponíveis para consulta as faturas entretanto juntas aos autos, mas de qualquer modo isso não terá relevância na medida em que a junção de documentos não supre a necessidade de alegação dos factos essenciais.
Não obstante a reclamação não ser dirigida ao devedor mas ao AI, nos termos do artº. 128º, nº. 2, CIRE, e segs., a impugnação faz-se perante a lista que este elabora e apresenta ao tribunal conforme artº. 130º, sendo com base na reclamação e elementos documentais apresentados ao AI que o reclamante organiza a sua defesa nos termos do artº. 133º, todos do CIRE.
Não se verifica por isso qualquer falta relevante, não estando cogitada a ineptidão.
Vigora por isso o princípio da estabilidade da instância também em sede objetiva, tal como consignado no artº. 260º do C.P.C. e aqui devidamente adaptado, e só suscetível de interferência nos casos que a lei permita –cfr. artºs. 264º e 265º do C.P.C. (cfr. artº. 17º, nº. 1, CIRE). Essa estabilidade é que permite ao réu defender-se, dando-lhe a possibilidade/oportunidade de, nomeadamente, apresentar matéria de exceção.
Face ao que fica dito, trazer para o caso, em sede de resposta, um contrato de compra e venda a prestações de um equipamento, não pode, a nosso ver, deixar de se considerar como algo novo e diverso (igualmente não só em sentido jurídico, mas também uma realidade fatual) do inicialmente delineado.
Pelos fundamentos exposto, e porque não se trata de um daqueles casos de admissão legal, não se admite a alteração da causa de pedir.
Por isso, tudo terá de se passar como se estivéssemos sempre perante prestação de serviços de comunicações eletrónicas, e é perante essa factualidade que a prescrição, tal como invocada na impugnação, tem de ser apreciada. Igualmente a modalidade de pagamento em prestações, por desde logo estar nessa sequência, não é de atender (-também porque contraria/altera frontalmente o alegado inicialmente quanto á data de emissão e de vencimento da fatura). Nessa medida, no requerimento em que o recorrente se insurge contra a alteração dos factos, não é também “de aproveitar” o que acrescenta quanto à prescrição.
Vejamos então a factualidade relevante para apreciação da impugnação do crédito da M... S.A.
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III –B- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.

Assente que, para além do que consta do relatório e face aos elementos dos autos:

.A M... reclamou junto do AI um crédito no valor de € 1.184,51, alegando um contrato de prestação de serviços de comunicações eletrónicas (cfr. documentos juntos com a impugnação de créditos).
.Concretiza deste modo:
Nº. da fatura ...47, datada de 20-02-2019, com vencimento a 20-08-2019, no valor de € 35,11;
Nº. da fatura ...47, datada de 20-02-2019, com vencimento a 20-09-2019, no valor de € 35,11;
Nº. da fatura ...47, datada de 20-02-2019, com vencimento a 05-03-2020, no valor de € 1.018,32;
Nº. da fatura ..., datada de 14-05-2022, com vencimento a 02-06-2022, no valor de € 49,59;
Nº. da fatura ..., datada de 15-06-2022, com vencimento a 06-07-2022, no valor de € 46,38.
.A sentença de declaração da insolvência do devedor foi proferida a 5/7/2022 e na mesma foi fixado em 30 dias o prazo para a reclamação de créditos (consulta eletrónica dos autos principais).
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IV –B- MÉRITO DO RECURSO.

Passamos nesta parte do recurso à

-DECISÃO DE DIREITO.

Alega o recorrente na sua impugnação que os créditos estão prescritos porque os serviços sempre dirão respeito a momento (de prestação) anterior à sua data de emissão, aplicando-se o prazo de 6 meses. Mas alega também o seu pagamento.
Vejamos.
No artº. 10º da Lei nº. 23/96 de 26 de julho, aplicável à prestação de serviços públicos essenciais onde se integra, por força da alínea d) do seu artº. 1º, o serviço de comunicações eletrónicas, consagra-se a propósito da prescrição no seu nº. 1 que “O direito ao recebimento do preço do serviço prestado prescreve no prazo de seis meses após a sua prestação.” Veja-se ainda o seu artº. 14º que ressalva todas as disposições legais que, em concreto, se mostrem mais favoráveis ao utente.
De atender também ao artº. 100º do CIRE que impõe uma causa de suspensão do prazo de prescrição ao dizer que “A sentença de declaração da insolvência determina a suspensão de todos os prazos de prescrição e de caducidade oponíveis pelo devedor, durante o decurso do processo.”
Há ainda que entrar em linha de conta com a Lei nº. 1-A/2020, de 19/3 (Sarcov-2), que no seu artº. 7º, nº. 3, previa que 3 - A situação excecional constitui igualmente causa de suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os tipos de processos e procedimentos. Cfr. ainda os artºs. 10º e 11º quanto à produção de efeitos -produz efeitos à data da produção de efeitos do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março- e entrada em vigor –dia seguinte à sua publicação.
Em 6 de abril de 2020 foi publicada a Lei n.º 4-A/2020, que alterou o artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020 em diversos pontos, contendo um novo conjunto de normas aplicáveis aos prazos e atos processuais (artº 2º da Lei 4º-A/2020), mas que manteve aquele nº. 3.
A Lei nº. 16/2020, de 29/5, revogou o artigo 7º da Lei nº. 1-A/2020 (artº. 8º) e no seu nº. 2 aditou um artigo – o 6º-A – a essa mesma lei, contendo um «Regime processual transitório e excecional» (artº. 2º), e deixou de prever a suspensão de quaisquer prazos. Esta lei entrou em vigor no quinto dia seguinte ao da sua publicação, pelo que tendo sido publicada em 29 de maio, o início da vigência aconteceu a 3 de junho (artº. 10º).
Em 2021, devido a novo agravamento da crise pandémica, a lei 4-B/2021, de 1 de fevereiro, aditou novos artigos à Lei nº. 1-A/2020, designadamente o artº. 6º B.
Foram também suspensos os prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os processos e procedimentos identificados no nº. 1 do artº. 6º-B (nº. 3 do artº. 6º-B), prevalecendo o disposto no número anterior sobre quaisquer regimes que estabelecessem prazos máximos imperativos de prescrição, aos quais acrescia o período de tempo em que a suspensão vigorasse (nº. 4 do artº. 6º-B).
A Lei nº. 4-B/2021 entrou em vigor no dia a seguir ao da sua publicação (artº. 5º), em 2 de fevereiro e veio retroagir a produção de efeitos a data anterior, determinando a produção de efeitos a 22 de janeiro de 2021, sem prejuízo das diligências e atos processuais entretanto realizados e praticados (artº. 4º).
O artº. 6º B da Lei nº. 1-A/2020 foi depois revogado pela Lei nº. 13-B/2021, de 05/04 (artº. 6º) que entrou em vigor em 06.04.2021 (artº 7º) e que introduziu o artº. 6º-E.
Dispõe o artº. 6º-E, nº. 7, d) que os prazos de prescrição e de caducidade relativos aos processos e procedimentos referidos nas alíneas anteriores ficam suspensos no decurso do período de vigência do regime excecional e transitório previsto no presente artigo; as alíneas a) e b) referem-se aos processos de insolvência, num entendimento que deve ser tido como abrangente e abarcando o apenso relativo à reclamação de créditos.
O entendimento que pensamos ser maioritário defende que esta norma não está ainda revogada –cfr. por todos o Ac. da Rel. de Lisboa de 9/2/2023 (relatora Laurinda Gemas).
Por último, a consideração do artº. 323º do C.C..
*
A primeira questão que aqui se coloca é se aquela prescrição é presuntiva ou extintiva.
Distinguem-se dois tipos de prescrição, a extintiva e a presuntiva.
Os artºs. 300º e segs. regulam a matéria relativa à prescrição.
Nos termos do artº. 304º, completada a prescrição, tem o respetivo beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito. Estamos então perante a prescrição extintiva, a qual configura exceção perentória e determina a absolvição do pedido.
Os termos do artº. 312º referem-se à prescrição presuntiva que se funda na presunção de cumprimento da obrigação cuja satisfação se pretendia. Visa-se deste modo proteger o devedor contra o risco de satisfazer em duplicado uma dívida em relação à qual não é usual exigir ou guardar durante muito tempo o respetivo recibo. Conforme o Prof. Vaz Serra (Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 109, página 246), «as prescrições presuntivas são presunções de pagamento, fundando-se em que as obrigações a que se referem costumam ser pagas em prazo bastante curto e não é costume exigir quitação do seu pagamento; decorrido o prazo legal presume, pois, a lei que a dívida está paga, dispensando assim o devedor da prova do pagamento, prova que lhe poderia ser difícil, ou até impossível, por falta de quitação».
Neste caso dá-se uma inversão do ónus da prova, porquanto, cabendo geralmente ao devedor fazer a prova do cumprimento – artº. 342º, nº. 2, do C.C. –passa a caber ao credor provar que foi omitido o pagamento; os meios de prova admissíveis para o efeito são restritos, apenas podendo provir do próprio devedor, por confissão judicial e extra judicial – artºs. 313º e 314º do C.C.
A invocação da prescrição é incompatível com a discussão da própria natureza, validade ou montante da obrigação e, genericamente, com tudo o que possa pôr em causa a presunção que se invoca. Conforme Ac. da Rel. do Porto de 27/4/2015 (dgsi.pt) “Entre os exemplos pacíficos de incompatibilidade com a presunção de cumprimento salientam-se a negação, pelo devedor, da existência da dívida, a discussão do seu montante ou a invocação de compensação.” Cfr. Também o Ac. da Rel. de Lisboa de 20/12/2017 (dgis.pt).
Em suma, sendo precisamente uma presunção, liberta o devedor da prova do pagamento; todavia, esse pagamento tem de ser alegado; e é, sem dúvida, incompatível com a confissão da dívida ou negação da mesma, pois que estas posições do devedor afastam a presunção de que beneficiava.
Pronunciou-se sobre esta matéria em concreto Calvão da Silva, na RLJ 132º, pags. 138 e segs.
Seguindo a sua exposição, tendo em atenção que antes da publicação da Lei nº. 23/96 de 26/7, as dívidas relativas à prestação do serviço telefónico prescreviam no prazo de 5 anos por força da aplicação ao caso do artº. 310º g), do C.C., sendo certo que o prazo aí previsto era um prazo de prescrição extintiva. Ora, nas palavras do autor “…a nova lei não pretende estabelecer uma presunção de pagamento, mas determinar que a obrigação civil se extingue (…). A prescrição propriamente dita é só uma - a extintiva ou liberatória. E ela, a prescrição extintiva, é que constitui a regra, por razões de interesse e ordem pública como a certeza do direito e a segurança do comércio jurídico. Já a chamada prescrição presuntiva não passa de excepção, sujeita ao regime especial do art.º 312 e segs. CC” –pag. 152.
Assim, por força das regras de interpretação da lei previstas no artº. 9º, do C.C., atenta finalidade e o texto da Lei nº. 23/96 de 23/7, o artº. 10º consagrou uma prescrição extintiva ou liberatória, e não meramente presuntiva –nesse sentido, Acs. STJ de 9/11/96, 6/7/2006 e 18/5/2004, e de Lisboa de 12/3/2019 (relator Rui Vouga), e de 26/01/2023 (relatora Carla Mendes).
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A questão que se coloca de seguida é saber-se desde quando se inicia a contagem do prazo de prescrição.
Nesta matéria, a jurisprudência citada dá conta de três entendimentos:
Calvão da Silva, no texto citada (pag. 156 verso) defende que o prazo de prescrição de 6 meses inicia-se a partir da prestação dos serviços. Tratando-se de serviços reiterados e periódicos, o prazo de 6 meses conta-se a partir de cada um dos serviços prestados, ou seja, desde a prestação mensal do serviço, data da exigibilidade da obrigação e da possibilidade de exercício do direito, e tal assim tanto quanto à apresentação da fatura, como no que se refere à invocação do direito em juízo –cfr. artº. 9º, nº. 2, da Lei nº. 23/96 quanto á periodicidade mensal da fatura, acrescentamos nós.
Outros defendem que o prazo de 6 meses é o prazo para a apresentação da fatura; com a apresentação da fatura o prazo prescricional interrompe-se; consideram também ser de 6 meses o prazo consentido entre a apresentação da fatura e a instauração da ação, sob pena de extinção do direito de pagamento. Todavia esta posição tem vindo a ser afastada por não se coadunar com o artº. 323º do C.C. que exige um acto de natureza jurisdicional para a interrupção da prescrição; a apresentação da fatura funciona como interpelação para pagamento – artº. 805º do C.C., constituindo o devedor em mora, mas não acarretando a interrupção do prazo prescricional.
Menezes Cordeiro restringe a aplicação do prazo de 6 meses à apresentação da fatura, acolhendo a partir daí o prazo geral de prescrição de 5 anos –artº. 310º, g), do C.C. –até ser intentada a ação.
Da nossa parte, seguimos a via dos dois acórdãos da Relação de Lisboa citados, por nos parecer que são os que respeitam o teor literal do artigo em apreço, bem como os princípios que se visam salvaguardar.
E nessa medida, aderimos à exposição do mais recente deles, que vem na sequência da posição do também citado Ac. do STJ 6/7/2006 (relator Oliveira Barros), em que se diz: “A lei 23/96 visa a defesa do consumidor – atalhar, numa sociedade de consumo, um endividamento excessivo, prevenir uma acumulação de dívidas que o utente deve pagar periodicamente, mas terá dificuldade em fazê-lo se for excessivamente protelada a exigência do seu pagamento -, por isso estabeleceram um prazo novo, especial, mais curto do que o estabelecido no art.º 310 g) CC; As empresas que prestam estes serviços são empresas que têm ao seu serviço uma tecnologia muito desenvolvida, não sendo de prever ou admitir que se atrasem ou demorem no envio das facturas dos serviços prestados. Como referimos supra, a Lei 23/96 (DL 381-A/97 de 30/12, já revogado), estatui que o direito de exigir a prestação do serviço prescreve no prazo de 6 meses, ou seja, este prazo, é o prazo que se considera exigível para que se efectue o pagamento, com a apresentação de cada factura; Uma vez que os serviços são prestados continuadamente, sendo facturados mensalmente, o início do decurso do prazo ocorre logo que termine cada período sujeito a facturação autónoma. Aí se impõe não só um ónus, mas também um dever correlativo ao direito conferido para protecção dos consumidores. O atraso ou eventual negligência no cumprimento desse dever não podem acarretar a dilatação desse prazo de prescrição, que se pretendeu ser muito curto, tendo em vista a protecção dos direitos dos consumidores. As empresas de telecomunicações são dotadas de tecnologia avançada e de sistemas informáticos desenvolvidos o que lhes permite uma grande eficiência nos seus serviços pelo que, podem intentar uma acção contra o consumidor relapso, num curto espaço de tempo”.
Isto posto, não vindo alegada a concreta data da prestação de serviços, mas face à regra da periodicidade mensal da faturação ela ter de se reportar ao mês da mesma faturação, e atendendo ao último dia do mês respetivo, temos que os valores respeitantes às faturas emitidas em 20/2/2019 mostram-se prescritos em agosto de 2019, dado que nesse lapso de tempo de 6 meses não ocorreu qualquer causa de interrupção ou suspensão da prescrição das enunciadas. A legislação covid operaria já depois da prescrição ocorrida (12/3/2020), pelo que não releva.
Já relativamente às faturas emitidas em 14/5/2022 e 15/6/2022 a situação é diferente.
Neste caso, seja por força do artº. 6º-E, nº. 7, d) citado se o atendermos como aplicável, fosse por força da declaração de insolvência em 5/7/2022, o prazo de prescrição encontra-se suspenso, o que se mantém no decurso do processo.
Assim sendo, quando a estas faturas, não operou a prescrição.
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Por último, é certo que o recorrente alegou o pagamento, mas parece dirigir essa alegação apenas no que respeita às faturas que se consideraram aqui prescritas. Nessa medida está prejudicada a sua apreciação. Ainda que a alegação fosse mais ampla, o que é certo é que não faz parte do objeto deste recurso qualquer questão atinente a essa matéria, pelo que nada mais cumpre apreciar.
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V DISPOSITIVO.

Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação em julgar o recurso do insolvente/devedor parcialmente procedente, mantendo o reconhecimento do crédito de pela AA, L... e Associados, S.P nos termos decididos em 1ª instância; quanto à credora M... S.A., julgam-se prescritos os créditos relativos à fatura nº. ...47, datada de 20-02-2019, com vencimento a 20-08-2019, no valor de € 35,11; à fatura nº. ...47, datada de 20-02-2019, com vencimento a 20-09-2019, no valor de € 35,11; e á fatura nº. ...47, datada de 20-02-2019, com vencimento a 05-03-2020, no valor de € 1.018,32; no mais mantém-se o reconhecimento nos termos apresentados pelo AI.
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Custas a cargo do devedor e da credora M... na proporção do decaimento, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário concedido ao primeiro (artº. 527º, nºs. 1 e 2, do C.P.C.).
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Guimarães, 30 de março de 2023.
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Os Juízes Desembargadores
Relator: Lígia Paula Ferreira Sousa Santos Venade
1º Adjunto: Fernando Barroso Cabanelas
2º Adjunto: Eugénia Pedro
(A presente peça processual tem assinaturas eletrónicas)