Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
24/15.3T9AVV.G1
Relator: FÁTIMA BERNARDES
Descritores: CRIME DE DANO
CORTE DE ARAME EM VEDAÇÃO ALHEIA
CONFISSÃO INTEGRAL E SEM RESERVAS
CONSEQUÊNCIAS PROBATÓRIAS
ARTº 212º Nº 1 DO CPP
ART.º 344º N.º 2 A) DO CPP
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/25/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I) A confissão, integral e sem reservas, da arguida, abrange quer a materialidade dos factos referentes à conduta assumida, quer a factualidade referente aos elementos subjetivos do crime, designadamente, a consciência da ilicitude da sua conduta.

II) No caso dos autos, atento o disposto no artº 344, nº 2, al. a), do CPP, não poderiam deixar de ser dados como provados os factos alegados na acusação, que foram confessados pela arguida, designadamente, os atinentes aos elementos subetivos do tipo, sob pena de incoerência e contradição lógica entre a prova produzida e a decisão proferida sobre a matéria factual apurada.

III) Sendo a vedação de arame, cujo corte a arguida/recorrente efetuou, indiscutivelmente do assistente, sem que se provem factos passíveis de poder integrar qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da culpa, estando a arguida ciente da natureza alheia da dita vedação, independentemente, de poder existir controvérsia quanto à propriedade do terreno onde a dita vedação foi implantada e de a arguida reivindicar para si a propriedade de parte desse terreno, o que releva, para o preenchimento do crime de dano, é que a recorrente sabia que a vedação era coisa alheia e que agiu com a intenção dolosa de lhe causar estragos, impedindo que desempenhasse a função a que se destinava.

IV) Daí que se mostrem verificados todos os elementos típicos, designadamente, os elementos subjetivos do crime de dano do artº 212º, nº 1, do Código Penal, não se verificando qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da culpa.
Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, na Secção Penal, do Tribunal da Relação de Guimarães:

1 - RELATÓRIO

Neste processo comum, com intervenção do Tribunal Singular, nº 24/15.3T9AVV.G1, do Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo – Juízo Local Criminal de Ponte de Lima, foi submetida a julgamento a arguida Hortênsia, melhor identificada nos autos, acusada da prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso real, de quatro crimes de dano p. e p. pelo artigo 212º, nº. 1, do Código Penal.
Realizado o julgamento, foi proferida sentença, em 09/02/2017, depositada nessa mesma data, com o seguinte dispositivo:
«Pelo exposto, e ao abrigo dos citados normativos, julgo a acusação procedente e, em consequência, decido:

Quanto à instância criminal:

A) Condenar a arguida Hortênsia pela prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso real, de 4 (quatro) crimes de dano, p. e p. pelo artigo 212.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 100 (cem) dias de multa por cada um dos 4 (quatro) crimes;
B) Em cúmulo jurídico, nos termos do artigo 77.º, n.os 1 e 2 do Código Penal, condeno a arguida Hortênsia na pena única de 300 (trezentos) de multa, à taxa diária de 7 € (sete euros), o que perfaz o montante global de 2100 € (dois mil e cem euros), ao que corresponde 200 (duzentos) dias de prisão subsidiária, nos termos do artigo 49.º, n.º 1 do Código Penal, caso a arguida não proceda ao pagamento da pena de multa ou esta não seja substituída por trabalho a favor da comunidade a pedido da arguida.
C) Condenar a arguida nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC (três unidades de conta), nos termos do artigo 8.º, n.º 9 do Regulamento das Custas Processuais e tabela III anexa ao mesmo.
D) Declarar cessada, após trânsito, qualquer medida de coação imposta à arguida, à exceção do termo de identidade e residência que só se extinguirá com a extinção da pena (artigo 214.º, n.º 1, al. e), do Código de Processo Penal).

Quanto à instância cível conexa:

A) Julgo procedente o pedido de indemnização civil deduzido pelo demandante Manuel contra a demandada Hortênsia e, em consequência:
1.- condeno a demandada no pagamento da quantia de 1575 € (mil e quinhentos e setenta e cinco euros) a título de indemnização por danos patrimoniais;
2.- condeno a demandada no pagamento da quantia de 1500 € (mil e quinhentos euros) a título de indemnização por danos não patrimoniais.
B) Custas da instância cível conexa a cargo da demandada – cfr. artigo 527.º do Código de Processo Civil ex vi artigo 523.º do Código de Processo Penal e artigo 4.º, n.º 1, al. n), a contrário, do Regulamento das Custas Processuais.
(…)»

Inconformado com o assim decidido, recorreu a arguida para este Tribunal da Relação, extraindo da motivação de recurso apresentada as conclusões que seguidamente se transcrevem:
1. No final de 2014 Manuel vedou o prédio (…).
2. a arguida Hortência não obstante saber que as redes lhes não pertenciam e que haviam sido colocadas pelo assistente Manuel (…), por volta das 18:15/18:30 e munida de um objeto cortante efetuou vários cortes em número não concretamente apurado (mas não inferior a três) na vedação (…) cortando malha sol e rede sombra de cima para baixo, numa extensão de 32,55 metros; no dia 19 de Fevereiro de 2015 entre as 16:00 e as 17:00 horas, a arguida cortou a malha sol e rede sombra de cima para baixo, numa extensão de 13,95 metros; no dia 24 de Abril de 2015, entre as 17:00 e as 18:00 horas, a arguida cortou a malha sol e rede sombra de cima para baixo, numa extensão de 08,06 metros; no dia 16 de Junho de 2015, entre as 21:00 e as 21:45 horas, a arguida cortou a malha sol e rede sombra de cima para baixo, numa extensão de 4,94 metros;
3. A arguida confessou integralmente e sem reservas os factos que lhe são imputados pelo Ministério Público
4. Como se extrai da motivação da douta sentença, os factos provados no número anterior, tiveram como suporte o depoimento da arguida dado que quase ou nenhuma prova foi feita pelo assistente e pelas testemunhas de acusação que apenas presenciaram em dois momentos.
5. Quanto aos documentos particulares de fls 507 e 508, nenhuma prova foi produzida quanto à veracidade dos mesmos e à reparação da empresa V…, Ldª e, por isso não deveriam criar qualquer convicção quanto á sua veracidade.
6. Um orçamento apenas pode corresponder a um pedido e a um valor para esse pedido e nunca demonstram qualquer prejuízo suportado ou a suportar.
7. Na confissão integral da totalidade dos factos, a arguida, tal como veio plasmado na douta sentença de que recorre, “a arguida tal como claramente demonstrou em julgamento não ter interiorizado a gravidade da conduta que empreendeu” o que é mesmo assim a arguida cortou a rede, tal como referiu, na extrema do seu prédio na parte em que confina com o assistente por entender que o poderia fazer por estar a ser vedada parte da sua propriedade. Nessa conformidade, agiu sem o conhecimento da gravidade dos factos e da ilicitude da sua conduta.
8. Ora, a verdade é que cortou, na totalidade, 59,50 metros de rede e malha sol (32,55+13,95+8.06+4,94) que se encontrava a vedar a sua propriedade e que por isso entendeu poder cortar, tal como cortou e admitiu.
9. Ora, a verdade é que a arguida tem uma condenação por desobediência mas, é uma pessoa ordeira que em 54 anos de vida não teve outras situações semelhantes e, um ato não define a sua personalidade. Foi empresária, mãe, esposa e socialmente aceite. É arrojada e impulsiva e responde pelos atos que comete, confessa-os de livre vontade e quando toma consciência arrepende-se. Hoje não praticaria tais cortes.
10. Daí que, considerando os factos, a sentença proferida é excessiva e tem pune excessivamente a conduta da arguida que, danificou bens materiais mas não praticou qualquer crime contra as pessoas nem teve a consciência de que eram de natureza criminosa aqueles atos.
11. Ao decidir como decidiu o Tribunal recorrido agiu mal e decidiu mal, também quanto aos danos não patrimoniais que nenhuma prova foi feita quer quanto aos danos materiais. Na verdade, cortar e danificar, na sua totalidade 59,50 metros de rede e malha sol e recolocar das quatro vezes nunca poderia atingir os valores peticionados nem tal deveria ter convencido o Tribunal que, aceitou como verdadeiros os valores peticionados por nenhuma prova ter sido feita e tal constar de meros orçamentos.
12. Dado o que ficou exposto, a sentença é desadunada e viola grosseiramente a mais elementares regras do direito penal
13. Há evidentemente coincidências nos depoimentos mas também nas incertezas e nas dúvidas referidas em cada um dos depoimentos, nas incongruências e ainda na superficialidade dos mesmos.
14. Salvo melhor opinião, o depoimento da assistente de acordo com a experiência comum, pouco consistentes, superficiais e, em consequência terão que ser considerados não provados os factos que se baseiam nos seus depoimentos
15. O princípio da livre apreciação de prova tem de se basear num raciocínio lógico, motivável com base na experiência e na razão. O Tribunal não pode presumir tem de possuir provas concretas e sérias que fundamentem a sua convicção.
16. Decidindo como decidiu violou o Tribunal recorrido o disposto no artigos 17º e 71º do Código Penal.

A arguida/recorrente termina pugnando para que seja concedido provimento ao recurso, revogando-se a sentença recorrida substituindo-se a mesma por outra, que absolva a arguida da prática do crime de dano e do pedido de indemnização civil, ou, caso assim se não entenda substituindo-se a pena por outra mais adequada.
O recurso foi admitido, por despacho de fls. 565.
O Ministério Público, junto da 1ª Instância, apresentou resposta ao recurso interposto pela arguida, nos termos constantes de fls. 583 a 587, que aqui se dão por reproduzidos, formulando as seguintes conclusões:
1 – A confissão integral e sem reservas da arguida abarca os elementos objectivos e subjectivos do crime do qual foi acusada pelo Ministério Público, compreendendo, dessa forma, a consciência da ilicitude da sua conduta, pelo que as objecções da mesma relativamente à prova deste elemento não têm qualquer fundamento;
2 – No caso dos autos a sentença recorrida não enferma de um erro de julgamento;
3 – O Tribunal, entidade que decide, considerou de forma diversa daquela que o recorrente entende ser a adequada em função da sua convicção;
4 – Sendo a convicção do Tribunal a que vale e constando da sentença um raciocínio lógico a adequado tendo por referência as regras da experiência comum, nada justifica a sindicância da decisão tanto mais que o Tribunal decidiu tendo por base os princípios da oralidade e da imediação;
5 – Atendendo à moldura penal abstracta do crime de dano e às necessidades de prevenção geral e especial subjacentes à ratio da sanção penal, considera-se que bem andou o Tribunal a quo, ao condenar a recorrente em cem dias de multa, por cada um dos crimes, e em cúmulo jurídico na pena única de 300 dias de multa, pois tal condenação é a que se mostra justa e adequada às finalidades de punição;
6 – Pelo que a sentença não merece qualquer censura.
Termos em que o recurso deve ser julgado improcedente e a sentença recorrida deve ser mantida na íntegra por ter feito uma correcta interpretação dos factos e aplicação do direito.

O assistente/demandante Manuel também respondeu ao recurso, nos termos que constam a fls. 569 a 579, que aqui se dão por reproduzidos, apresentando as seguintes conclusões:

1. O recorrido entende que a douta decisão do Tribunal recorrido é justa e reflete, fundamentadamente, a prova irrefutável produzida em audiência de julgamento, uma vez que não fossem apenas algumas precisões que se entende necessárias e limitar-se ia, o recorrido a oferecer o merecimento dos autos.
2. Salvo o devido respeito e apesar de doutas, as alegações da recorrente não mais refletem do que um novo exercício de interpretação da prova produzida com base num entendimento que não sufragamos e que, de modo nenhum, encontra sustentáculo nos factos provados, uma vez que nada do que alega é sustentado por qualquer facto concreto que tenha sido dado como assente.
3. A recorrente alega que os factos provados tiveram como suporte o depoimento da arguida dado que quase ou nenhuma prova foi feira pelo assistente e pelas testemunhas de acusação que apenas presenciaram em dois momentos.
4. A recorrente alega ainda que quanto aos documentos particulares de fls 507 e 508 “nenhuma prova foi produzida quanto à veracidade dos mesmos e à reparação da empresa V..., Lda e por isso não deveriam criar qualquer convicção quanto à sua veracidade. Um orçamento apenas pode corresponder a um pedido e a um valor para esse pedido e nunca demonstram qualquer prejuízo suportado ou a suportar.”
5. Apesar de admitir que praticou os factos descritos na acusação, uma vez que confessou integralmente e sem reservas os factos que lhe são imputados pelo Ministério Público, e que cortou, danificou na sua totalidade 59,50 metros de rede e malha sol que tiveram de ser recolocadas das quatros vezes, afirma a recorrente que nunca poderia atingir os valores peticionados nem tal deveria ter convencido o Tribunal que aceitou como verdadeiros os valores peticionados, por no seu entender nenhuma prova ter sido feita e tal constar de meros orçamentos.
6. e conclui a recorrente que a sentença é desadunada e viola grosseiramente as mais elementares regras do direito penal, e que o depoimento do assistente de acordo com a experiência comum é pouco consistente, superficial e em consequência terão que ser considerados não provados os factos que se baseiam nos seus depoimentos, referindo que o tribunal não pode presumir tem de possuir provas concretas e sérias que fundamentam a sua convicção.
7. Ora, na sua motivação, o Tribunal recorrido demonstrou ter feito uma correcta aplicação das regras de interpretação e valoração da prova, estando os factos provados, devidamente fundamentados e alicerçados nos meios de prova produzidos em audiência, encontrando-se a matéria de facto fixada de acordo com um raciocínio lógico e coerente, não existindo pois, qualquer insuficiência para a decisão da matéria de facto dada como provada.
8. Da douta decisão consta em pormenor, a fundamentação que contribui para considerar os factos provados bem como os factos não provados, tornando perfeitamente inteligível a convicção do tribunal, que está perfeitamente exteriorizada e objectivada, pelo que a decisão proferida cumpre integralmente o comando contido no n.º 2 do artigo 37 do C.P.P ao efectuar o exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
9. Na verdade, o tribunal não se limitou a indicar os meios de prova ou a transcrever o essencial dos depoimentos que foram prestados em sede de julgamento bem como a confissão integral e sem reservas da arguida.
10. A fundamentação da sentença cumpre todos os requisitos nesta matéria, não enfermando de qualquer objectividade ou subjectividade que comprometa o raciocínio lógico dedutivo em função dos factos provados e não provados.
11. Por outro lado, sempre se dirá que a recorrente não cumpre minimamente o ónus que sobre si recai para que possa ser apreciada a questão levantada, conforme dispõe a alínea a) n.º 3 do artigo 412 do CPP.
12. Com efeito para atingir tal desiderato é necessário especificar os concretos pontos de facto que consideram incorrectamente julgados, as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, e as provas que devem ser renovadas.
13. Dispõe ainda o n.º 4 da mesma norma que quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 364, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.
14. A recorrente limita-se a referir que o Tribunal não deveria limitar-se a aceitar os valores peticionados por nenhuma prova ter sido feita, e que terão que ser considerados não provados os factos que se baseiam no depoimento do assistente, não se encontrando pois qualquer transcrição da prova produzida, pelo que é totalmente inoperante o que a recorrente alega neste capítulo, afigurando-se intocável a subsunção dos factos provados ao direito, contrariamente ao pretendido pela recorrente.
15. Entende a recorrente que demonstrou que não tinha consciência da ilicitude da sua conduta e por isso deverá ser improcedente a acusação penal e o pedido cível formulado,
16. A douta sentença recorrida fez o correcto enquadramento do ponto de vista penal da conduta da arguida, afigurando-se muito correcta, ponderada e acertada a pena aplicada à arguida.
17. Ora considerando que a arguida confessou de forma integral e sem reserva os factos que lhe eram imputados, mostrando-se as suas declarações coerentes com a demais prova constante dos autos, quer documental, quer testemunhal, e que ficaram provados os elementos do tipo legal de crime (elementos objectivo e subjectivo), não ocorrendo qualquer circunstância que exclua a ilicitude da culpa, sempre se dirá que a Arguida teria que ser sempre condenada pela prática dos crimes de que vem acusada, bem como no pedido cível formulado pelo aqui recorrido.
18. Por tudo o exposto e sem mais considerandos, se entende que o vertido nas doutas alegações da recorrente não é suficientemente consistente para pôr em causa a conformidade da decisão do Tribunal recorrido com toda a matéria provada nos autos e o Direito.
Termina o assistente/demandante no sentido de dever ser mantida a sentença recorrida.
Neste Tribunal, o Exmº. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, a fls. 603 a 605, pronunciando-se no sentido de dever ser dado parcial provimento ao recurso, no que à medida da pena respeita, defendendo que as penas parcelares se deverão aproximar um pouco mais do limite mínimo, com inevitável reflexo no cúmulo jurídico de penas e na medida da pena única dele resultante.
Foi cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, tendo o assistente/demandante exercido o direito de resposta, nos termos que constam a fls. 610 e 611, reiterando o entendimento de que a sentença recorrida deverá ser mantida.
Efetuado exame preliminar, foi proferido despacho decidindo-se rejeitar o recurso interposto pela arguida/demandada, no referente à parte cível, por inadmissibilidade legal.
Colhidos os vistos, vieram os autos à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.

2 – FUNDAMENTAÇÃO

2.1. Delimitação do objeto do recurso:

Em matéria de recursos, que ora nos ocupa, importa ter presente as seguintes linhas gerais:
O Tribunal da Relação tem poderes de cognição de facto e de direito – cfr. artigo 428º do C.P.P.
As conclusões da motivação do recurso balizam ou delimitam o respetivo objeto – cfr. artºs. 402º, 403º e 412º, todos do C.P.P.
Tal não preclude o conhecimento, também oficioso, dos vícios enumerados nas als. a), b) e c), do nº. 2 do artigo 410º do C.P.P., mas tão somente quando os mesmos resultem do texto da decisão recorrida por si só ou em sua conjugação com as regras da experiência comum (cfr. Ac. do STJ nº. 7/95 – in DR I-Série, de 28/12/1995, ainda hoje atual); bem como das nulidades principais, como tal tipificadas por lei.
Tendo presentes as considerações que se deixam enunciadas e atentas as conclusões extraídas pelo recorrente das motivações apresentadas, são as seguintes as vertentes do recurso e as questões a decidir:
– Falta de consciência da ilicitude;
– Da excessividade da pena aplicada.

*
Para que possamos apreciar as questões elencadas, importa ter presente a sentença recorrida, que se transcreve:
2.2. Sentença recorrida
«(…)

III. - Fundamentação

A) De facto
1. Factos provados
Discutida a causa provaram-se os seguintes factos com relevo para a decisão:

1.1. – No dia 11 de Outubro de 2013 Manuel adquiriu a Laurinda o prédio rústico composto por terreno e cultura arvense, com a área de 1231 metros quadrados, a confrontar a norte com a Avenida …, a Sul com caminho público, a nascente com caminho público e do poente com a rua Dr. …, sito no lugar de …, Arcos de Valdevez.
1.2. – Em data não concretamente apurada, mas no final do ano de 2014 Manuel vedou o prédio identificado em 1, em toda a sua extensão com cerca de 80 metros de comprimento com rede malha-sol e com rede-sombra com cerca de 2,40 metros de altura.
1.3. – Ao tomar conhecimento desta situação, a arguida Hortênsia, não obstante saber que as redes não lhes pertenciam e que haviam sido colocadas pelo assistente Manuel, descontente com o facto de Laurinda ter vendido o terreno em causa ao assistente e não a si, no dia 11 de Fevereiro de 2015 por volta das 18:15horas/18:30 horas e munida de um objeto cortante que se assemelhava a uma tesoura/alicate efectuou vários cortes (em número não concretamente apurados, mas não inferiores a três) na vedação do referido terreno junto à Avenida Dr. … cortando a rede malha-sol e a rede-sombra de cima para baixo numa extensão de 32,55 metros causando um prejuízo de 861 €.
1.4. – Na manhã e início da tarde do dia 19 Fevereiro de 2015, a empresa V... – Vedações, Lda por ordem do assistente reparou e recolou a vedação que havia sido destruída pela arguida.
1.5. – Ao aperceber-se que o assistente havia reparado a vedação, nesse mesmo dia, no dia 19 de Fevereiro de 2015, entre as 16:00 horas e as 17:00 horas, a arguida decidiu deslocar-se novamente ao prédio identificado em 1.º, e munida de um objecto cortante que se assemelhava a uma tesoura/alicate efectuou vários cortes (em número não concretamente apurados) na vedação do referido terreno junto à Avenida Dr. … e à Avenida Dr. F…, cortando a malha-sol e a rede-sombra de cima para baixo numa extensão de 13,95 metros causando um prejuízo de 369 €.
1.6. – Continuando insatisfeita e inconformada com a venda do prédio em questão ao assistente, no dia 24 de Abril de 2015, entre as 17:00 horas e as 18:00 horas, a arguida decidiu deslocar-se novamente ao prédio identificado em 1.º, e munida de um objecto cortante que se assemelhava a uma tesoura/alicate efectuou vários cortes (em número não concretamente apurados) na vedação do referido terreno junto à Avenida Dr. …, cortando a malha-sol e a rede-sombra de cima para baixo causando numa extensão de 8,06 metros um prejuízo de 213,90 €.
1.7. – Motivada ainda por aquela insatisfação, no dia 16 de Junho de 2015, entre as 21:00 horas e as 21:45 horas, a arguida decidiu deslocar-se novamente ao prédio identificado em 1.º, e munida de um objecto cortante que se assemelhava a uma tesoura/alicate efectuou vários cortes (em número não concretamente apurados) na vedação do referido terreno junto à Avenida Dr. …, cortando a malha-sol e a rede-sombra de cima para baixo numa extensão de 4,94 metros causando um prejuízo de 131,10 €.
1.8. – Em tudo a arguida agiu sem autorização do assistente Manuel e contra a vontade deste.
1.9. – A arguida ao actuar da forma supra descrita e em cada uma das vezes - ao efetuar os referidos cortes nas redes malhas-sol e redes sombra existentes na vedação do prédio identificado em 1.º pertença do ofendido Manuel - agiu sempre de modo voluntário, livre e consciente, e com a intenção de cortar aquelas redes, como efetivamente cortou, e de danificar a vedação causando um prejuízo ao ofendido, bem sabendo que as redes e a vedação do muro não lhe pertenciam e que estava a atuar contra a vontade do seu proprietário e a causar-lhe aquele prejuízo.
1.10. – A arguida bem sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei, e não obstante não deixou de agir da forma supra descrita.
1.11. – Os factos praticados pela arguida, pela sua persistência e reiteração causaram ainda ao assistente ansiedades angústias e incertezas sobre o presente e futuro comportamento da arguida.
Mais se provou que:
1.12. – A arguida confessou integralmente e sem reservas os factos que lhes são imputados pelo Ministério Público.
1.13. – Considera-se aqui integralmente reproduzido o resultado das consultas na base de dados de registo de bens móveis, na Repartição de Finanças, na Segurança Social e na Conservatória do Registo Predial de fls. 372-373, 380-398, 408-469; e o relatório do Órgão de Polícia Criminal quanto à situação económico-financeira da arguida e dos seus encargos pessoais de fls. 502.
1.14. – A arguida está divorciada; é empresária; reside em casa própria; tem dois filhos mas já estão independentes; recebe 260 euros mensais de duas rendas (120 + 140); tem 54 anos de idade e o 12.º ano de escolaridade.
1.15. – Por sentença proferida em 18/11/2015, transitada em julgado em 18/11/2015, nos autos de Processo Especial Sumaríssimo n.º 484/13.7GBAVV, na Secção Criminal de Ponte da Barca do Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo, foi a arguida condenada pela prática, em 05/02/2013, de um crime de desobediência, previsto e punido pelo artigo 348.º, n.º 1, al. b) do Código Penal, na pena de 55 dias de multa, à taxa diária de 8 euros, o que perfaz o total de 440 euros.

2. Factos não provados

Não se provaram quaisquer outros factos com interesse para a decisão (note-se que o Tribunal não se pronuncia quanto a juízos conclusivos e/ou de direito e/ou repetidos), designadamente:
2.1. − Angústias e ansiedades que ainda hoje perduram, pois o assistente continua preocupado com toda esta situação.
2.2. – A rede cortada encontrava-se a fechar parte do terreno propriedade da arguida.

3. Motivação da convicção do Tribunal

Nos termos do disposto no artigo 127.º do Código de Processo Penal, a prova é apreciada segundo as regras da experiência comum e a livre convicção do julgador.
A convicção do Tribunal fundou-se em todos os meios de prova produzidos e examinados em audiência de julgamento, nomeadamente, nas declarações da arguida Hortênsia, do assistente/demandante Manuel e nos depoimentos das testemunhas Manuel A., Franclim, Oliveiros, Mariana, Carlos, Martinho, Dantas e Gualdino.
Não foi feita prova bastante que afaste a genuinidade dos documentos juntos aos autos, pelo que relativamente aos documentos não autênticos (cfr. artigo 169.º do Código de Processo Penal, o qual refere que “consideram-se provados os factos materiais constantes de documento autêntico ou autenticado enquanto a autenticidade do documento ou a veracidade do seu conteúdo não forem fundadamente postas em causa”), o seu teor pode ser valorado livremente pelo Tribunal, conjugando os mesmos com a demais prova produzida e as regras de experiência. Assim sendo, o Tribunal teve em consideração os documentos juntos aos autos (designadamente, fotografias de fls. 18 a 23 dos autos principais e fls. 33 a 41 dos autos apensos B; certidão matricial de fls. 46 e 47 dos autos apensos B; fotocópia da caderneta predial de fls. 112; fotocópia da escritura de compra e venda de fls. 113 a 123; facturas de fls. 268 a 271 e 274 e 275; levantamentos topográficos de fls. 287 dos autos; aditamento de fls. 8 dos autos apensos B e aditamento de fls. 16 dos autos apensos C; fotografias de fls. 299-320; o teor das consultas na base de dados de registo de bens móveis, na Repartição de Finanças, na Segurança Social e na Conservatória do Registo Predial de fls. 372-373, 380-398, 408-469, cujo teor que considera aqui integralmente reproduzido; o relatório do Órgão de Polícia Criminal quanto à situação económico-financeira da arguida e dos seus encargos pessoais de fls. 502; e o certificado do registo criminal junto aos autos a fls. 503-505; orçamentos de fls. 507-508, fotografia de fls. 509).
Note-se que a prova produzida deve ser analisada atenta a segurança oferecida por cada elemento probatório (considerado individualmente, nomeadamente, quanto à sua credibilidade, isenção e fundamentação da razão de ciência), e bem assim ponderada de acordo com o seu confronto com os demais elementos de prova constantes nos autos (v.g., prova documental, pericial e testemunhal), por forma a que o resultado final não produza uma decisão injusta, insuficientemente segura em termos de corroboração factual, ou incoerente com a realidade e o normal acontecer dos factos.
Assim sendo, compreende-se que uma testemunha contribua ativamente para alicerçar o Tribunal na formação da convicção da realidade de um facto pela mesma relatado, atenta a sua isenção e fundamentação da razão de ciência quanto a esse mesmo facto, mas também pode acontecer que essa mesma testemunha transmita ao Tribunal outros factos que, quando confrontados com os demais elementos de prova produzida (e legalmente admissíveis), não sejam bastantes para fundamentar a resposta em determinado sentido dada pelo Tribunal à matéria factual em análise nos autos.
Cumpre salientar que tendo a prova testemunhal sido gravada, de modo algum se deve aqui reproduzir o teor da mesma, por tal não corresponder à letra e ao espírito da lei e ser inexequível na prática, mas sim frisar os pontos essenciais (nomeadamente no que respeita à fundamentação da razão de ciência, isenção, coerência, segurança e emotividade que pautaram em concreto cada depoimento) que determinaram que a convicção do julgador (relativamente ao qual a prova se produziu presencialmente) se formasse no sentido em que consta do elenco dos factos provados.
De referir ainda que a lei não exige que em relação a cada facto se autonomize e substancie a razão de decidir, como também não exige que em relação a cada fonte de prova se descreva como a sua dinamização se desenvolveu em audiência, sob pena de se transformar o ato de decidir numa tarefa impossível (cfr. Ac. do Tribunal Constitucional n.º 258/2001: “não é inconstitucional a norma do n.º 2 do art. 374.º do CPP, quando interpretada em termos de não determinar a indicação individualizada dos meios de prova relativamente a cada elemento de facto dado por assente”).
Quanto à arguida Hortênsia, a mesma confessou integralmente e sem reservas os factos que lhe foram imputados pelo Ministério Público, sendo as suas declarações sérias e coerentes com a demais prova constante dos autos.
De salientar que a arguida claramente demonstrou em julgamento não ter ainda interiorizado a gravidade da conduta que empreendeu e as consequências que da mesma resultaram, nem mesmo quando o julgador lhe referiu que havia sempre formas menos conflituosas e mais conforme ao Direito para resolver o assunto, ainda que provisoriamente (chamar a polícia; instaurar uma providência cautelar; pedir ao ora ofendido para retirar a rede; enrolar a rede que supostamente estava a vedar o acesso a um alegado prédio rustico da arguida e colocar a mesma sem estragar na propriedade do ofendido, etc.).
Quanto a Manuel (casado, residente em …, Arcos de Valdevez) o mesmo logrou auxiliar o Tribunal a captar a realidade dos factos, uma vez que prestou o seu depoimento de forma credível, porque objetivo, pormenorizado e baseado no conhecimento direto dos mesmos e foi congruente com a demais prova produzida e as regras de experiência e do normal acontecer dos factos.
Assim, confirmou, nomeadamente, as circunstâncias (elencadas nos factos provados) de tempo, modo e local de ocorrência dos factos e as suas consequências patrimoniais e não patrimoniais. Falou da empresa que contratou para reparar os estragos e os custos que teve de suportar (referidos nas facturas juntas aos autos).
Quanto às testemunhas Manuel A. (solteiro, residente em …, Arcos de Valdevez; disse conhecer a arguida), Franclim (casado, reformado, residente em …, Arcos de Valdevez; disse conhecer a arguida), Oliveiros (residente em Praça …, Arcos de Valdevez; disse ser filho do demandante e conhecer a arguida), as mesmas lograram auxiliar o Tribunal a captar a realidade dos factos, uma vez que prestaram os seus depoimentos de forma credível, porque objetivos, pormenorizados e baseados no conhecimento direto dos mesmos e foram congruentes com a demais prova produzida e as regras de experiência e do normal acontecer dos factos. Assim, confirmaram, nomeadamente, as circunstâncias (elencadas nos factos provados) de ocorrência dos factos (que na audiência de julgamento a arguida confessou). Falaram dos cortes nos dois tipos de redes e que as mesmas foram reparadas.
Mariana (solteira, estudante, residente em …, Arcos de Valdevez; disse não conhecer a arguida) pouco sabia do assunto em análise, não sabendo valores nem se o ofendido ficou aborrecido.
Carlos (casado, tratorista, residente em …, Arcos de Valdevez; disse conhecer a arguida) referiu que viu a rede cortada e que na sua opinião a mesma foi emendada, viu uns postes (caibros) partidos mas acha que estavam podres apesar de dizer que foram colocados há cerca de um ano. Também de forma nada credível disse que terá sido o vendo a “deitar abaixo os caibros”. O depoimento desta testemunha não foi valorado positivamente pelo tribunal pois o por si declarado foi pouco verosímil de acordo com as regras e experiência.
Martinho (aposentado, residente na Rua D. …, Arcos de Valdevez; disse conhecer a arguida) referiu que conhece alguns dos terrenos propriedade da arguida; viu as redes cortadas em vários sítios “de cima a baixo”, acha que as redes foram reparadas; e que viu “alguns indivíduos a reporem aquilo”; raramente vê a arguida (com quem já esteve zangado mas que agora dá-se bem).
Dantas (divorciado, ajudante técnico de arquitetura e engenharia, residente na Rua …, Arcos de Valdevez; disse que foi casado com a arguida até Dezembro de 2013) referiu que viu as redes cortadas em vários sítios; a acha que as redes foram emendadas pois para si a idade das redes é a mesma; não viu ninguém a reparar; disse que arguido “é um bocadinho impulsiva”; não reparou se haviam “postes podres”.
Gualdino (casado, condutor de máquinas, residente em …, Arcos de Valdevez; disse conhecer a arguida) disse que foi o seu filho que “andou lá a trabalhar com a máquina” e que a propriedade estava toda vedada com rede azul; não sabe se foi reparada pois “há muito tempo que não passo lá”.
A comprovação da situação pessoal, familiar e profissional da arguida decorreu das declarações desta; do relatório do Órgão de Polícia Criminal quanto à situação económico-financeira da arguida e dos seus encargos pessoais, e do teor das consultas na base de dados de registo de bens móveis, na Repartição de Finanças, na Segurança Social e na Conservatória do Registo Predial.
A respeito da existência de antecedentes criminais averbados, foi determinante o teor do certificado do registo criminal junto aos autos.
Finalmente, na parte em que os factos não resultaram provados, tal circunstância deve-se quer à inexistência ou insuficiência de prova produzida, quer à circunstância de se terem provado factos contrários.

B) De Direito

1. Enquadramento jurídico-criminal
O Ministério Público e o assistente acusaram a arguida Hortênsia pela prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso real, de 4 (quatro) crimes de dano, p. e p. pelo artigo 212.º, n.º 1 do Código Penal.
Estabelece o artigo 212.º, n.º 1 do Código Penal, que “Quem destruir, no todo ou em parte, danificar, desfigurar ou tornar não utilizável coisa alheia, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa”.
A destruição de coisas configura uma das formas mais frequentes de expressão da agressividade humana. O crime de dano surge como uma espécie de delito fundamental de um grupo de incriminações derivadas, pré-ordenadas à tutela de objectos específicos (vejam-se os seguintes exemplos retirados do Código Penal: destruição de monumentos, artigo 242.º; profanação de cadáver ou de lugar fúnebre, artigo 254.º, sabotagem contra a defesa nacional, artigo 315.º; descaminho ou destruição de objectos colocados sob o poder público, artigo 355.º).
O bem jurídico protegido por esta norma é a propriedade alheia, ou seja, a incriminação do dano protege a propriedade alheia contra agressões que, na expressão de Arzt/ Weber, constituem “o atentado mais intensivo. A incriminação do Dano protege a propriedade (alheia) contra agressões que atingem directamente a existência ou a integridade do estado da coisa (Wolff)”, apud Manuel da Costa Andrade, in Comentário Conimbricense ao Código Penal, Tomo II, Coimbra Editora, 1999, págs. 206 e 207.
Objecto do crime de dano previsto neste artigo é uma coisa (que tem de ser corpórea) alheia (a expressão coisa alheia abrange não só a propriedade plena, mas também os direitos de gozo, fruição e guarda, cfr. Ac. do TRL de 9/04/97, in CJ, ano XXII, tomo II, pág. 146), seja móvel ou imóvel, nisto se distinguindo dos crimes de furto e de roubo, que só podem ter como objecto coisas móveis.
O tipo objectivo de ilícito consiste em destruir, no todo ou em parte, danificar, desfigurar ou tornar não utilizável coisa alheia”.
O preenchimento subjetivo do tipo de crime de dano demanda o dolo como é regra geral em Direito Penal (cfr. artigo 13.º do Código Penal), que pode aqui assumir qualquer das suas modalidades previstas no artigo 14.º do Código Penal (dolo directo, necessário ou eventual). O dano negligente não é punível.
De salientar ainda que a Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro (que introduziu a 23.ª alteração ao Código Penal, e que entrou em vigor no dia 15 de Setembro de 2007, nos termos do artigo 13.º da Lei n.º 59/2007), não modificou a redacção do artigo 212.º, n.º 1 do Código Penal.

2. Subsunção dos factos ao direito

Da análise dos elementos factuais provados supra enunciados, considerando que a arguida Hortênsia confessou de forma integral e sem reservas os factos que lhe são imputados pelo Ministério Público, mostrando-se as suas declarações sérias e coerentes com a demais prova constante dos autos, e tendo em conta o que exarou supra quanto ao ilícito em questão, depreende-se que se provaram os elementos do tipo legal de crime (elementos objetivo e subjetivo) supra referidos e que não ocorre qualquer circunstância que exclua a ilicitude ou a culpa, de forma que o arguido terá de ser condenado pela prática dos crimes de que vem acusada.

3. Escolha e medida da pena principal

Importa agora determinar a natureza e medida da sanção a aplicar à arguida pela prática do referido crime, atenta a subsunção dos factos pela mesma praticados ao enquadramento jurídico, acabada de efetuar.
O crime de dano é punido com pena de prisão de 1 mês até 3 anos ou com pena de multa de 10 até 360 dias (cfr. artigos 41.º, n.º 1, 47.º, n.º 1 e 212.º, n.º 1, todos do Código Penal).
De acordo com o n.º 1, do artigo 40.º, do mesmo diploma legal, “a aplicação de penas e medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”. A pena justifica-se sempre pela finalidade prosseguida, estando assim superadas, na atualidade, as conceções que faziam dela um fim em si mesmo.
Quanto às finalidades da punição, devemos ter em consideração quer razões de prevenção geral (considerada sob um ponto de vista de prevenção geral positiva para a tutela da confiança e das expectativas da comunidade na manutenção - ou mesmo reforço da vigência da norma violada, conceito que decorre do princípio político-criminal básico da necessidade da pena, cfr. artigo 18.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa -, que, in casu, são médias atenta a sensibilidade da comunidade manifestada relativamente ao cumprimento do preceito legal violado pela arguida), quer razões de prevenção especial (que obedece à necessidade de reintegração do agente do crime na sociedade, note-se que, in casu, a arguida tem antecedentes criminais registados, mas pela prática de outro tipo de crime).
No dizer de Fernanda Palma (inAs Alterações Reformadoras da Parte Geral do Código Penal na Revisão de 1995: Desmantelamento, Reforço e Paralisia da Sociedade Punitiva”, nas “Jornadas sobre a Revisão do Código Penal”, ed. 1998, AAFDL, pág. 25), “a protecção de bens jurídicos implica a utilização da pena para dissuadir a prática de crimes pelos cidadãos (prevenção geral negativa), incentivar a convicção de que as normas penais são válidas e eficazes e aprofundar a consciência dos valores jurídicos por parte dos cidadãos (prevenção geral positiva). A protecção de bens jurídicos significa ainda prevenção especial como dissuasão do próprio delinquente potencial”. Em jeito de síntese, e como refere Figueiredo Dias (inDireito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, Editorial Notícias, ed. 1993, pág. 214), “culpa e prevenção são assim os dois termos do binómio com auxílio do qual há-de ser construído o modelo da medida da pena (em sentido estrito ou de determinação concreta da pena)”.
O ordenamento jurídico-penal português assenta na concepção de que a pena privativa da liberdade deve constituir a ultima ratio da política criminal, numa homenagem e, utilizando as palavras de Figueiredo Dias, “em medida não facilmente ultrapassável no momento presente, aos princípios político criminais da necessidade, da proporcionalidade e da subsidiariedade da pena de prisão” (Jorge de Figueiredo Dias, “Direito penal português. Parte geral II. As consequências jurídicas do crime”, Aequitas Editorial Notícias, Coimbra, 1993, pág. 53).
No caso concreto, concluímos que as razões de prevenção ficam satisfeitas com a escolha de pena não privativa de liberdade, entendendo-se assim estar afastada a aplicação de uma pena de prisão à arguida, apesar da existência de antecedentes criminais registados mas pela prática de outro tipo de crime, o período de tempo entretanto decorrido sem que haja conhecimento da prática de outros crimes e os efeitos criminógeno e estigmatizante que a aplicação de uma pena de prisão teria na arguida (efeitos que se devem evitar).
Dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva – entre o ponto óptimo e o ponto ainda comunitariamente suportável – podem e devem actuar pontos de vista de prevenção especial de socialização, sendo eles que vão determinar, em último termo, a medida da pena.
A determinação da medida concreta da pena será efectuada nos termos equacionados no artigo 71.º, n.º 1 do Código Penal, em função da culpa do agente que constitui limite inultrapassável, nos termos do artigo 40.º, n.º 2 do Código Penal e tendo ainda em conta as exigências de prevenção de futuros crimes, devendo o Tribunal atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor dele ou contra ele (nomeadamente: a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; b) A intensidade do dolo ou da negligência; c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica; e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena – cfr. artigo 71.º, n.º 2 do Código Penal).
As exigências de prevenção geral apresentam-se de média importância no tipo legal em causa (dano), porquanto a verificação destes crimes é média, causando relativa inquietude social.
Uma pena de multa que for fixada em termos de representar, a final, um valor insignificante, ou quase, não tem quaisquer potencialidades para lograr as finalidades da punição, tal como elas estão legalmente fixadas: nem o lesado ou a comunidade sentirão que a ordem jurídica tutela adequadamente os seus interesses, nem a arguida sentirá que o crime, de facto, «não compensa», podendo mesmo sentir-se reconfortado a repetir a sua conduta, confiado na permanente suavidade da Justiça Criminal.
In casu, deve atender-se: ao grau médio de ilicitude dos factos praticados pela arguida por cada crime (considerando o modo de execução da conduta ilícita e as suas consequências); ao dolo intenso (directo) que pautou a sua conduta; à existência de antecedentes criminais registados mas pela prática de outro tipo de crime; à confissão dos factos; ao período de tempo entretanto decorrido sem que haja notícia da prática de novos crimes.
Não se pode valorar um arrependimento porquanto o mesmo não foi manifestado em audiência de julgamento (o que agrava as exigências de prevenção especial).
Tendo em consideração os factores de determinação da medida da pena que já foram postos em evidência decide-se aplicar à arguida Hortênsia a pena de 100 (cem) dias de multa, pela prática de cada um dos quatro crimes de dano.

4. Cúmulo jurídico das penas aplicadas

Nos termos do artigo 77.º (Regras da punição do concurso), n.ºs 1, 2 e 3 do Código Penal, “1 - Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente. 2 - A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes. 3 - Se as penas aplicadas aos crimes em concurso forem umas de prisão e outras de multa, a diferente natureza destas mantém-se na pena única resultante da aplicação dos critérios estabelecidos nos números anteriores.
Cumpre, então, efetuar o cúmulo jurídico das penas parcelares de multa ora fixadas. De acordo com os critérios enunciados no n.º 2 do citado artigo 77.º, a pena a aplicar terá como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.
Assim, o limite máximo será de 400 (quatrocentos) dias de multa, e o limite mínimo é a pena mais grave aplicada, que, no caso concreto, é de 100 (cem) dias de multa. Considerando, em conjunto, os factos e a personalidade da arguida (que se extraem dos elenco dos factos assentes e tendo em conta o que já se referiu supra quanto à medida concreta da pena), julgamos adequado punir a conduta da arguida com a pena única de 300 (trezentos) dias de multa.
5. Taxa diária da multa
Nos termos do disposto no n.º 2, do artigo 47.º, do Código Penal, a taxa diária da multa é fixada de acordo com a situação económico-financeira do condenado e dos seus encargos pessoais, entre os montantes diários de 5 € e 500 €.
No caso em análise, tendo em conta o que se apurou em audiência de julgamento, quanto à situação económico-financeira da arguida e dos seus encargos pessoais (cfr. elenco dos factos provados, dos quais resulta que consta como titular e co-titular de muitos prédios), e considerando que o mínimo legal se deve reservar para aquelas situações em que se prova que a arguida nada tem, julgo adequado fixar a taxa diária da multa em 7 € (sete euros).
(…).»

2.3. Apreciação do recurso

Passando a apreciar as questões suscitadas:

1ª – Da falta de consciência da ilicitude
Entende a arguida/recorrente ter agido com falta de consciência da ilicitude, tendo, ao praticar os factos, atuando no convencimento de que estava a defender a sua propriedade e de que o podia fazer e que o seu comportamento não configuraria qualquer ilícito criminal. Reconduz a situação ao erro sobre a ilicitude previsto no artigo 17º do Código Penal, pugnando, por isso, pela sua não punição, nos termos do disposto no nº. 1 ou, subsidiariamente, pela atenuação especial da pena, nos termos previstos no nº. 2 do mesmo artigo.
Vejamos:
Conforme vem sendo entendimento da jurisprudência e que perfilhamos, constitui matéria de facto saber se o arguido agiu em erro e sem a consciência da ilicitude do facto e integra matéria de direito a questão se saber se o erro é ou não censurável ao arguido – cfr. Ac. do STJ de 18/12/1996, proc. 048495, Ac. da R.P. de 25/02/2015, proc. 120/08.3GCBGC-A.G1.P1 e Ac. da R.L. de 15/12/2015, proc. 200/15.9PBOER.L1.5, todos acessíveis no endereço www.dgsi.pt. –, com as consequências daí decorrentes, nos termos do disposto no artigo 17º, nºs. 1 e 2, do C.P.P.
Ou seja, a existência de erro sobre a ilicitude e a falta de consciência da ilicitude têm de resultar dos factos provados.
Ora, no caso vertente a arguida/recorrente, pese embora, denotando pretender impugnar a matéria de facto dada como provada, no que concerne, no ponto que agora apreciamos, a ter a sua atuação sido empreendida com a consciência de que era proibida e punida pela lei penal e, numa outra vertente, no tocante ao valor dos prejuízos patrimoniais causados ao ofendido/assistente, em consequência da sua atuação (tendo esta matéria relevância, sobretudo, ao nível da indemnização civil, sendo o recurso rejeitado nessa parte, ainda que o valor do prejuízo causado não possa também deixar de ser considerado, na ponderação do grau de ilicitude dos factos, para efeitos da determinação da medida concreta da pena), acaba por não lançar mão de qualquer dos meios de impugnação da matéria de facto, quais sejam, a invocação dos vícios previstos no artigo 410º, nº. 2, do C.P.P. [a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; e c) Erro notório na apreciação da prova] e a invocação do erro de julgamento, nos termos previstos no artigo 412º, nº.s 3 e 4, do C.P.P.
Neste último caso, sempre teria a recorrente de observar o ónus de impugnação especificada, designadamente, enunciando as concretas provas que imponham decisão diversa da recorrida, com referência às concretas passagens/excertos das declarações ou depoimentos que, no entendimento da recorrente, alicerçariam a sua posição (cfr. nºs. 3 e 4 do artigo 412º), o que a recorrente não fez, limitando-se a criticar a valoração a que o Tribunal a quo procedeu, da prova produzida e em que fundou a sua convicção, pelo que, nunca poderia esta Relação conhecer da impugnação da matéria de facto, com fundamento no erro de julgamento.
E lido o texto da sentença recorrida, resulta manifesto que a mesma não enferma de qualquer dos vícios previstos no nº. 2 do artigo 410º do C.P.P., que também são de conhecimento oficioso.
De referir, ainda, que no concernente à alegada falta de consciência da ilicitude, tendo o tribunal a quo dado como provado, na sentença recorrida, que «A arguida ao atuar da forma supra descrita e em cada uma das vezes – ao efetuar os referidos cortes nas redes malha-sol e redes sombra existentes na vedação do prédio identificado em 1º pertença do ofendido Manuel - agiu sempre de modo voluntário, livre e consciente, e com a intenção de cortar aquelas redes, como efetivamente cortou, e de danificar a vedação causando um prejuízo ao ofendido, bem sabendo que as redes e a vedação do muro não lhe pertenciam e que estava a atuar contra a vontade do seu proprietário e a causar-lhe aquele prejuízo» - cfr. ponto 1.9. da matéria factual provada - e que «A arguida bem sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei, e não obstante não deixou de agir da forma supra descrita» - cfr. ponto 1.10 da matéria factual provada -, tendo a prova de tais factos assentado nas declarações da arguida, que, conforme consta da sentença recorrida e ficou exarado na ata da audiência de discussão e julgamento, (cfr. fls. 516), confessou integralmente e sem reservas os factos por que foi acusada pelo Ministério Público.
Ora, a confissão, integral e sem reservas, da arguida, abrange quer a materialidade dos factos referentes à conduta assumida, quer a factualidade referente aos elementos subjetivos do crime, designadamente, a consciência da ilicitude da sua conduta.
Assim, e atento o disposto no artigo 344º, nº. 2, al. a), do C.P.P., não poderiam deixar de ser dados como provados os factos alegados na acusação, que foram confessados pela arguida/recorrente, designadamente, os atinentes aos elementos subjetivos do tipo, sob pena de incoerência e contradição lógica entre a prova produzida e a decisão proferida sobre a matéria factual provada.
De referir que sendo a vedação de arame, cujo corte a arguida/recorrente efetuou, indiscutivelmente do assistente, sem que se provem factos passíveis de poder integrar qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da culpa, estando a arguida/recorrente ciente da natureza alheia da dita vedação, independentemente, de poder existir controvérsia quanto à propriedade do terreno onde a dita vedação foi implantada e de a arguida/recorrente a reivindicar para si a propriedade de parte desse terreno, o que releva, para o preenchimento do crime de dano, é que a arguida/recorrente sabia que a vedação era coisa alheia e que agiu com a intenção dolosa de lhe causar estragos, impedido que desempenhasse a função a que se destinava.
Em situações em que seja controvertida a propriedade do terreno onde a vedação foi implantada, «existem meios próprios ao alcance das pessoas para discutir a propriedade dos terrenos, mas nada autoriza que se destrua coisa alheia, e nem os Tribunais têm que considerar qualquer questão prejudicial sobre a propriedade dos terrenos, pois, pertença o terreno a quem pertencer, se a coisa destruída era coisa alheia, a tanto se resume o enquadramento jurídico do crime em apreço.» - cfr. Ac. da RG de 27/03/2006, proferido no proc. 237/06-1 e, ainda, entre outros, Ac.s da RC de 17/12/2008, proc. 3103/06.4TALR.C2, de 21/03/2012, proc. 471/09.9PBTMR-A.C1 e de 09/12/2010, proc. 347/08.8GCVIS.C1 e Ac. RE de 26/04/2016, 90/13.6TASRP.E1, todos acessíveis no endereço www.dgsi.pt.
Perante o exposto, e considerando os factos que foram dados como provados nos pontos 1.9. e 1.10., que supra transcrevemos, dos quais decorre que a arguida, ora recorrente agiu com consciência da censurabilidade jurídico-penal da sua conduta, há que concluir que a arguida/recorrente não agiu em erro sobre a ilicitude da sua conduta.
Mostram-se, pois, preenchidos todos os elementos típicos, designadamente, os elementos subjetivos, do crime de dano, p. e p. pelo artigo 212º, nº 1, do Código Penal, não se verificando qualquer causa de exclusão da ilicitude ou da culpa.
Constituiu-se, assim, a arguida/recorrente, através das suas condutas que resultaram apuradas, como autora material da prática, em concurso real, de quatro crimes de dano p. e p. pelo artigo 212º, nº. 1, do Código Penal.
Consequentemente, improcede esta vertente do recurso.

Da excessividade da pena aplicada

Na sentença recorrida, a arguida/recorrente foi condenada na pena de 100 (cem) dias de multa, por cada um dos quatro crimes de dano que praticou e em cúmulo jurídico de tais penas parcelares, foi cominada na pena única de 300 dias de multa, à taxa diária de €7,00, perfazendo a multa global de €2.100,00 (dois mil e cem euros).
Sustenta o recorrente que a pena aplicada é excessiva e viola o disposto no artigo 71º do Código Penal.
Nada mais alega a recorrente para justificar a sua afirmação.
A Digna Procuradora-Adjunta, na resposta ao recurso, pugna pena manutenção da medida das penas parcelares e da pena única aplicadas à arguida/recorrente, na sentença recorrida, por entender que se mostra justa e adequada às finalidades da punição.
Por sua vez, o Exmº. PGA, no parecer emitido, pronuncia-se no sentido de que, «à luz dos critérios definidos nos artigos 70º e 71º, do Código Penal, bem como das finalidades das penas (artigo 40º do mesmo Código), tendo, sobretudo em conta a existência de confissão, o período de tempo entretanto decorrido sem que haja notícia da prática de novos crimes, o diminuto passado criminal e o circunstancialismo concreto que rodeou o caso, se justificaria reação criminal de cariz mais benevolente, quiçá aproximando as penas parcelares um pouco mais do limite mínimo, com inevitável reflexo no cúmulo jurídico» de penas a efectuar.

Vejamos:
No que concerne às finalidades das penas dispõe o artigo 40º, do C.P., que a aplicação de penas visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração social do agente (nº 1) e que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa (nº 2).
E estatui o nº. 1 do artigo 70º, que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
A função primordial da pena consiste, assim, na proteção de bens jurídicos, ou seja, consiste na prevenção dos comportamentos danosos dos bens jurídicos, sem prejuízo da prevenção especial positiva e tem sempre, como limite a culpa do agente.
Culpa e prevenção são, pois, os dois termos do binómio com o auxílio do qual se construirá a medida da pena.
A culpa jurídico-penal vem traduzir-se num juízo de censura, que funciona, ao mesmo tempo, como um fundamento e limite inultrapassável da medida da pena (cf. Prof. Figueiredo Dias, Direito Penal Português – Das Consequências Jurídicas do Crime, pág. 215), sendo tal principio expressamente afirmado no nº. 2 do artº. 40º do C.P.
Com recurso à prevenção geral procurou dar-se satisfação à necessidade comunitária da punição do caso concreto, tendo-se em consideração, de igual modo a premência da tutela dos respetivos bens jurídicos.
Com o recurso à vertente da prevenção especial almeja-se responder às exigências de socialização do agente, com vista à sua integração na comunidade.
E de harmonia com o disposto no artigo 71º, nº 2, do C.P., na determinação concreta da pena o tribunal deverá atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, nomeadamente: a) O grau de ilicitude do facto, modo de execução deste, gravidade das suas consequências, grau de violação dos deveres impostos ao agente; b) A intensidade do dolo ou da negligência; c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e fins ou motivos que o determinaram; d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica; e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este; f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando esta deva ser censurada através da aplicação da pena.
Tendo o tribunal a quo optado pela aplicação da pena de multa, a moldura penal abstrata aplicável ao crime de dano p. e p. pelo artigo 212º, nº. 1, do Código Penal, é a de 10 a 360 dias (cfr. quanto ao limite mínimo da moldura penal, o artigo 47º, nº. 1, do C.P.).
Cumpre, pois, apreciar se a medida concreta da pena de multa aplicada à arguida, por cada um dos crimes que praticou, se mostra excessiva.
Para fundamentar a pena concreta parcelar aplicada, o tribunal “a quo” invocou os seguintes fundamentos:
«(…)
As exigências de prevenção geral apresentam-se de média importância no tipo legal em causa (dano), porquanto a verificação destes crimes é média, causando relativa inquietude social.
Uma pena de multa que for fixada em termos de representar, a final, um valor insignificante, ou quase, não tem quaisquer potencialidades para lograr as finalidades da punição, tal como elas estão legalmente fixadas: nem o lesado ou a comunidade sentirão que a ordem jurídica tutela adequadamente os seus interesses, nem a arguida sentirá que o crime, de facto, «não compensa», podendo mesmo sentir-se reconfortado a repetir a sua conduta, confiado na permanente suavidade da Justiça Criminal.
In casu, deve atender-se: ao grau médio de ilicitude dos factos praticados pela arguida por cada crime (considerando o modo de execução da conduta ilícita e as suas consequências); ao dolo intenso (directo) que pautou a sua conduta; à existência de antecedentes criminais registados mas pela prática de outro tipo de crime; à confissão dos factos; ao período de tempo entretanto decorrido sem que haja notícia da prática de novos crimes.
Não se pode valorar um arrependimento porquanto o mesmo não foi manifestado em audiência de julgamento (o que agrava as exigências de prevenção especial).
Tendo em consideração os factores de determinação da medida da pena que já foram postos em evidência decide-se aplicar à arguida Hortênsia a pena de 100 (cem) dias de multa, pela prática de cada um dos quatro crimes de dano.»
Relativamente à medida concreta das penas parcelares, considerando o grau de ilicitude dos factos, a intensidade do dolo com que a arguida/recorrente atuou e as motivações subjacentes à sua atuação e as exigências de prevenção geral, que foram considerandos na sentença sob recurso, com o que concordamos, fazendo-se notar que se ao nível da ilicitude, o valor dos prejuízos causados, na primeira situação, foram muito superiores aos provocados nas restantes, sendo que na última das situações, e pouco ultrapassou o valor diminuto, a intensidade do dolo, foi-se acentuando, dada a reiteração da conduta criminosa, ante a reparação/reposição da rede de vedação efetuada pelo assistente, nos termos que resultaram apurados, mas sem que possa deixar de se ter presente que à data dos factos a arguida não registava condenações penais, posto que a condenação sofrida pela prática de crime de desobediência, ocorreu em data posterior ao cometimento dos crimes de dano em causa nos presentes autos, ainda que a desobediência se reporte a factos praticados anteriormente cometidos, não tendo, por conseguinte, a arguida/recorrente sido ainda submetida a censura penal, quando praticou os factos que estão em causa nos autos, estado a arguida profissional e, ao que tudo indica também socialmente inserida, entendemos que a pena que se mostra a ajustada à culpa da arguida/recorrente e se revela adequada a assegurar as exigências de prevenção geral que, no caso, se fazem sentir, é a de 80 (oitenta) dias de multa, por cada um dos crimes cometidos.
Opera-se, assim, a redução da medida concreta das penas parcelares aplicadas à arguida/recorrente, na sentença recorrida, com reflexo, logicamente, no cúmulo jurídico de penas a efetuar.

Do cúmulo jurídico de penas:

A moldura abstrata da pena de multa correspondente aos crimes cujas penas parcelares deverão ser consideradas no cúmulo jurídico é de 80 (oitenta) dias - limite mínimo - a 320 (trezentos e vinte) dias - limite máximo - (cfr. artigo 72º, nº. 2, do C.P.).
Na determinação da pena única a aplicar, de harmonia com o disposto no artigo 77º, nº. 1, parte final, ter-se-á em atenção os factos, no seu conjunto (cuja gravidade se revela mediana, considerando, designadamente, o valor do prejuízo causado ao assistente) e a personalidade da arguida (revelada na prática dos factos, que denota impulsividade).
Tudo visto e ponderado, temos por adequada a pena única de 160 (cento e sessenta) dias de multa.
Em relação à taxa diária da multa, que a arguida/recorrente não contesta, mantêm-se a fixada na 1ª instância, ou seja, em €7,00 (sete euros).
O montante da pena de multa a aplicar à arguida/recorrente perfaz assim €1.120,00 (mil cento e vinte euros).
Julga-se, assim, nesta vertente, procedente o recurso.

3 – DISPOSITIVO

Nestes termos, acordam os Juízes da Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães, em conceder parcial provimento ao recurso interposto pela arguida e, em consequência, decidem:

a) Julgar não verificada a invocada falta de consciência da ilicitude da arguida/recorrente, mantendo-se a condenação desta, pela prática, em autoria material e em concurso real de quatro crimes de dano p. e p. pelo artigo 212º, nº. 1, do Código Penal.

b) Reduzir as penas parcelares aplicadas à arguida/recorrente na sentença recorrida, condenando-a na pena de 80 (oitenta) dias de multa, pela prática de cada um dos quatro crimes de dano que praticou;

c) E cúmulo jurídico das penas parcelares mencionadas na al. b), condenar a arguida/recorrente, na pena de 160 (cento e sessenta) dias de multa, à taxa diária de €7,00 (sete euros), perfazendo a pena global de €1.120,00 (mil cento e vinte euros).

Sem tributação, em custas, dada a procedência parcial do recurso (cfr. artigo 513º nº 1 do CPP).

Notifique.

Guimarães, 25 de setembro de 2017