Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
334/18.8T8FAF-B.G1
Relator: MARIA LUÍSA RAMOS
Descritores: COMPETÊNCIA POR CONEXÃO DE PROCESSOS
DIVÓRCIO
INVENTÁRIO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/11/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- No âmbito do actual quadro legislativo, decorrente da Lei nº 117/2019, de 13/9, com entrada em vigor em 1/1/2020, que reintroduziu o Processo de Inventário no Código de Processo Civil (artº 1082º a 1135º ao NCPC) e conforme decorre da regulamentação de “Repartição de competências” relativamente ao Processo de Inventário nos termos do artº 1083º, nos casos em que é da competência dos Tribunais judiciais e aí foi instaurado o processo de divórcio, também o processo de Inventário subsequente é da exclusiva competência dos tribunais judiciais, constituindo processo dependente daquele, nos termos legalmente previstos na al.b) do actual artº 1083º do Código de Processo Civil, consequentemente, correndo por apenso àqueles autos nos termos do artº 206º-nº2 do citado diploma.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

M. G., veio por apenso aos autos de Processo Especial de Divórcio Sem Consentimento do Outro Cônjuge, processo com o nº 334/18.8T8FAF, do Tribunal de Família e Menores de Fafe, em que é Ré e é Autor o seu ex-cônjuge, J. P., instaurar os presentes autos de Inventário Facultativo, contra o requerido ex-cônjuge.

Nestes autos, com a data de 21/10/2020, foi proferida a seguinte decisão:
“Contrariamente ao antigo artigo 1404º, nº3, do CPC, o atual processo de inventário já não corre por apenso ao processo de divórcio (cfr. artigo 1133º do atual CPC, à contrario).
Assim, após juntar aos autos cópia do assento de casamento constante dos autos principais e certidão da respetiva sentença de divórcio com nota de trânsito, desapense e proceda-se em conformidade com o disposto no artigo 212º do CPC.
Notifique”.
Inconformada veio a requerente interpor recurso de apelação da decisão.

O recurso foi recebido como recurso de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

Nas alegações de recurso que apresenta, a apelante formula as seguintes Conclusões:

I - O inventário para separação de meações dos ex-cônjuges é processado por apenso ao processo de divórcio tramitado no juízo de família e menores, por ser dependente deste, nos termos do art. 206°, n° 2 do CPC;
II - O Juiz a quem é distribuído um inventário, subsequente a divórcio judicial, processado pelo Juízo de Família e Menores, deve declarar-se incompetente para julgar em processo autónomo o dito inventário, por este ter de ser julgado por apenso ao processo de divórcio, nos termos do mesmo art. 206°, n° 2 do CPC.
III - A procedência do recurso, em qualquer dos seus segmentos, convoca o Tribunal de Recurso a decidir sobre se o processamento do inventário ocorre por apenso ao processo de divórcio judicial, ou se deve ocorrer em processo autónomo.

Termos em que, e nos de direito, e nos que a proficiência desse Venerando suprirá, deve dar-se provimento ao recurso e ordenar-se a apensação do inventário ao processo de divórcio, donde foi desapensado, para seguir seus termos até final.

Não foram proferidas contra – alegações

O recurso veio a ser admitido neste tribunal da Relação na espécie e com os efeitos e regime de subida fixados no despacho de admissão do recurso na 1ª instância.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

Delimitação do objecto do recurso: Questões a decidir.

Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente ( artº 635º-nº4 do CPC ) não podendo o tribunal conhecer de quaisquer outras questões “salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras “( artº 608º-nº2 do CPC), das conclusões de apelação deduzidas, e supra descritas, são as seguintes as questões objecto de recurso, suscitadas pela apelante:

- reapreciação da decisão recorrida que decidiu que - “o atual processo de inventário já não corre por apenso ao processo de divórcio - cfr. artigo 1133º do atual CPC, a contrario”

FUNDAMENTAÇÃO ( de facto e de direito )

I.Os factos com interesse á presente decisão são os constantes do relatório supra.
II. Reconduz-se a questão em litígio, objecto do presente recurso, a decidir se, nos termos do actual Código de Processo Civil, o processo de Inventário Facultativo subsequente a Divórcio e para partilha das meações dos ex-cônjuges, já não corre por apenso ao processo de divórcio, e, nomeadamente, atenta a inexistência no actual artº 1133º do NCPC de norma correspondente ao anterior nº 3 do artº 1404º do Código de Processo Civil revisto, que expressamente determinava tal apensação.
Estabelece o nº2 do artº 122.º da LOSJ, aprovada pela Lei nº 62/2013, de 26 de Agosto, que: “ Os juízos de família e menores exercem ainda as competências que a lei confere aos tribunais nos processos de inventário instaurados em consequência de separação de pessoas e bens, divórcio, declaração de inexistência ou anulação de casamento civil, bem como nos casos especiais de separação de bens a que se aplica o regime desses processos”, assim atribuindo a Lei Orgânica competência a tais Tribunais especializados para os indicados processos.
Já no tocante à sua adequabilidade processual e tramitação, dispõe o artº 1133º do actual Código de Processo Civil, sob a epígrafe “Separação, divórcio, declaração de nulidade ou anulação de julgamento”, que - nº1 –“ Decretada a separação judicial de pessoas e bens ou o divórcio, ou declarado nulo ou anulado o casamento, qualquer dos cônjuges pode requerer inventário para partilha dos bens comuns.
Estando o Processo de Inventário sujeito a Distribuição autónoma nos termos do artº 212º-espécie 7ª, dispõe, por sua vez, o nº2 do citado artº 206º que “ As causas que por lei ou por despacho devam considerar-se dependentes de outras são apensadas àquelas de que dependam”.
Assim, havendo que decidir se entre as indicadas acções de separação judicial de pessoas e bens ou divórcio, ou de declaração de nulidade ou de anulação do casamento e o processo de Inventário às mesmas subsequente, existe fundamento de dependência que determine a sua apensação.
No que se refere ao Processo de Inventário Facultativo subsequente a Divórcio e para partilha das meações dos ex-cônjuges, efectivamente, o actual artº 1133º do NCPC não estabelece qualquer regra de apensação, não vigorando no novo elenco norma correspondente ao anterior nº 3 do artº 1404º, nº3 do Código de Processo Civil revisto, que expressamente previa tal conexão por apensação.
Tal circunstância, porém, não permite, por si só, e considerando os termos da actual legislação aplicável, concluir pela inaplicabilidade da norma do nº2 do artº 206º aos processos de Inventário instaurados em consequência de separação de pessoas e bens, divórcio, declaração de inexistência ou anulação de casamento civil, e, particularmente, quanto ao Divórcio, no que se reporta ao Inventário instaurado na sequência de acção judicial.
Com efeito, tendo o Processo de Inventário vindo a ser reintroduzido no Código de Processo Civil nos termos da Lei nº 117/2019, de 13/9, com entrada em vigor em 1/1/2020, - tendo sido aditados os artº 1082º a 1135º ao NCPC – foi regulamentada a “Repartição de competências” relativamente ao Processo de Inventário nos termos do artº 1083º do citado diploma legal, o qual estatuí que “ O processo de Inventário é da exclusiva competência dos tribunais judiciais, nomeadamente, -al.b) – “ Sempre que o Inventário constitua dependência de outro processo judicial”.
Mais dispondo o nº2 do citado artº 1083º que “ Nos demais casos, o processo pode ser requerido, à escolha do interessado que o instaura ou mediante acordo entre todos os interessados, nos tribunais judiciais ou nos cartórios notariais”.
E, assim, e, considerando que no âmbito do actual quadro legislativo, aos Tribunais Judiciais não cabe, em exclusivo, a competência para as acções de Divórcio, designadamente, também as Conservatórias do Registo Civil têm competência para as acções de Divórcio por mútuo consentimento previstas nos artº 1775º a 1778º do Código Civil, nos termos do Decreto-Lei nº 272/2001, de 13 de Outubro, e, aos Tribunais judiciais cabendo a competência para as acções de divórcio previstas nos artº 1778º-A e 1779º e sgs do Código Civil, na redacção dada pela Lei nº 61/2008, de 31/10, conclui-se, e no que ao Divórcio se reporta, que nos casos em que é da competência dos Tribunais judiciais e aí foi instaurado o processo de divórcio, também o processo de Inventário subsequente é da exclusiva competência dos tribunais judiciais, constituindo processo dependente daquele, nos termos legalmente previstos na al.b) do actual artº 1083º do Código Civil.
E, assim, consequentemente, nestes casos, o processo de Inventário deve correr por apenso ao processo de divórcio, que constitui acção conexa ou dependente, e nos termos do nº2 do artº 206º do Código de Processo Civil.

No mesmo sentido se decidiu já no Ac. TRL de 14/7/2020, P. 699/16.6T8CSC-D.L1-7, in www.dgsi.pt, aí se citando:

“Como nos explica Pedro Pinheiro Torres([2]) ([2]Advogado e Membro do Grupo de Trabalho de revisão do Regime Jurídico do Processo de Inventário, em Cadernos do CEJ, “Inventário: o novo regime”, Maio de 2020, pág. 31): “(…) Será, porventura, relevante, fazer referência aos tribunais competentes para a instauração do processo de inventário para partilha de bens comuns do casal dissolvido por divórcio, uma vez que a solução quanto ao tribunal competente dependerá do órgão em que tiver ocorrido o processo de divórcio, sendo competente para o inventário subsequente o divórcio decretado judicialmente, o tribunal em que este foi decretado, devendo o processo de inventário correr por apenso àquele, de que é dependente, nos termos do n.º 2 do artigo 206.º do CPC; (…).”
Do mesmo modo, assinalam António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa([3]) ( Código de Processo Civil Anotado”, Almedina, 2020, Vol. II, pág. 527): “(…) Agora, que foi restaurada a competência dos tribunais judiciais para a tramitação dos processos de inventário, faz todo o sentido que o processo de inventário subsequente a sentenças declarativas de divórcio ou de separação, ou de anulação do casamento, proferidas no âmbito de processos judiciais seja tramitado nos tribunais judiciais e que, ademais, corra por apenso a tais processos (competência por conexão), nos termos do art. 206º, nº 2.(…).”
(…) Já diversamente, Tomé D'Almeida Ramião([5]) ([5]Cadernos do CEJ, “Inventário: o novo regime”, Maio de 2020, págs. 39/40), salientando que o art. 1133 do C.P.C. não refere se o inventário corre autonomamente ou por apenso ao divórcio, ao contrário do que previa o correspondente art. 1404, nº 3, do anterior C.P.C., conclui que: “(…) Perante a ausência de norma expressa em sentido adverso, o processo de inventário instaurado no âmbito do artigo 1133.º do C. P. Civil continua a ser tramitado como processo autónomo e independente, cuja competência está deferida aos Tribunais de Família e Menores, nos termos do referido n.º 2 do artigo 122.º da LOSJ.(…).”
Concluindo-se no indicado Ac. do TRL, em sentido idêntico ao que perfilhamos: “que cabendo aos juízos de família e menores preparar e julgar ações de separação de pessoas e bens e de divórcio, declaração de inexistência ou anulação de casamento civil (sem prejuízo das competências atribuídas às conservatórias do registo civil em matéria de divórcio ou separação por mútuo consentimento), cabe-lhes ainda tramitar, por apenso, os processos de inventário que deles decorram, nos termos dos arts. 122, nº 2, da LOSJ, e 206, nº 2, do C.P.C.”.
Concluindo-se, nos termos expostos, pela procedência do recurso de apelação, tramitando-se o presente inventário por apenso aos autos de Processo Especial de Divórcio Sem Consentimento do Outro Cônjuge, em referência.

Sumário ( artº 663º-nº7 do Código de Processo Civil ):
No âmbito do actual quadro legislativo, decorrente da Lei nº 117/2019, de 13/9, com entrada em vigor em 1/1/2020, que reintroduziu o Processo de Inventário no Código de Processo Civil (artº 1082º a 1135º ao NCPC) e conforme decorre da regulamentação de “Repartição de competências” relativamente ao Processo de Inventário nos termos do artº 1083º, nos casos em que é da competência dos Tribunais judiciais e aí foi instaurado o processo de divórcio, também o processo de Inventário subsequente é da exclusiva competência dos tribunais judiciais, constituindo processo dependente daquele, nos termos legalmente previstos na al.b) do actual artº 1083º do Código de Processo Civil, consequentemente, correndo por apenso àqueles autos nos termos do artº 206º-nº2 do citado diploma.

DECISÃO

Face ao exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação, em julgar procedente a apelação, revogando-se a decisão recorrida, determinando-se a tramitação do presente inventário por apenso aos autos de Processo Especial de Divórcio Sem Consentimento do Outro Cônjuge, em referência.
Sem custas.
Guimarães, 11 de Fevereiro de 2021

( Luísa D. Ramos )
( Eva Almeida )
( António Beça Pereira )