Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2557/21.3T8GMR.G1
Relator: ANTÓNIO FIGUEIREDO DE ALMEIDA
Descritores: ARROLAMENTO
PERICULUM IN MORA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 11/11/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
1) O arrolamento consiste na descrição, avaliação e depósito de bens litigiosos e tem por fim evitar o extravio ou a dissipação dos bens;
2) A situação de periculum in mora no arrolamento, deve ser perspetivado objetivamente, e apresentar-se com um fundamento real que não corresponda a uma mera fantasia do requerente.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

A) F. S., A. V., E. M., V. F., M. L., J. J., V. A. e C. S. vieram intentar no Juízo Local Cível de Guimarães procedimento cautelar de arrolamento contra A. R. onde concluem pedindo se decrete o arrolamento dos seguintes bens que fazem parte da herança aberta por óbito de L. S. e M. L.:

a) Todo o saldo existente na conta com o IBAN PT50 ................... 1, do Banco Caixa ..., cujo titular é a requerida, que seja proveniente da conta bancária pertencente à herança indivisa com nº ...........05, do Banco ... - ..., e com proveniência em depósitos de rendas respeitantes a arrendamentos que têm por objeto imóveis da herança;
b) Todos os valores, depósitos, instrumentos, aplicações financeiras e carteiras de títulos associados à conta da requerida com IBAN PT50 ................... 1 do Banco Caixa ..., que sejam provenientes dos depósitos das rendas respeitantes a arrendamentos que têm por objeto imóveis da herança desde abril de 2020 a maio de 2021.
c) E, ainda, a nomeação da respetiva entidade bancária ou de terceiro como depositária/o, em determinada conta bancária aberta para o efeito, por causa da distribuição dos rendimentos da herança e dos movimentos de recebimentos e pagamentos da herança às partes e para depositários do bens/rendimentos prediais os requerentes, uma vez que o arrolamento recai sobre um saldo de um depósito bancário, este saldo deve ficar bloqueado por aplicação subsidiária do artigo 780º do CPC;
d) Caso assim não se entenda, deve, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 376º e nºs 2 e 3 do art. 37º, ambos do CPC, ser decretada a providência adequada ao caso concreto, mediante a convolação ou cumulação de providências.
A fls. 164 foi proferido despacho que julgou o Juízo Local Cível incompetente e determinou a sua remessa para os Juízos Centrais Cíveis de Guimarães.
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Produzida a prova, foi proferida a decisão de fls. 176 vº e seg., que decidiu julgar improcedente o procedimento cautelar e, em consequência, não decretou o arrolamento.
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B) Inconformados com esta decisão, vieram os requerentes F. S., A. V., E. M., V. F., M. L., J. J., V. A. e C. S. interpor recurso, que foi admitido como sendo de apelação, com efeito devolutivo (fls. 203).
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Nas alegações de recurso dos apelantes F. S., A. V., E. M., V. F., M. L., J. J., V. A. e C. S., são formuladas as seguintes conclusões:
1º Os requerentes instauraram em 14 de abril de 2021, no douto Tribunal Judicial da Comarca de Braga Juízo Local Cível de Guimarães – Juiz 4, sob o processo 2003/21.2T8GMR uma providência cautelar de arrolamento contra a aqui requerida, pretenderam que fosse decretada o arrolamento às contas bancárias da requerida, que sejam provenientes da conta bancária pertencente à herança indivisa com o número ...........05, por desconhecer o paradeiro da nova conta e seus titulares e de todos os valores que se encontrem depositados na conta bancária pertencente à herança indivisa com o número ...........05, providência que foi decretada parcialmente e, consequentemente foi ordenado o arrolamento do saldo da conta sediada no Banco ... - ... com o número ...........05.
2º Alegaram os ora aqui recorrentes naquela ação que, a requerida já terá extraviado, ocultado ou dissipado o aludido montante de €37.000,00, relativamente ao qual os recorrentes desconheciam o destino dado por aquela. O douto Tribunal entendeu não ser de admitir que o referido procedimento cautelar especificado fosse utilizado para promover a averiguação sobre a eventual existência e paradeiro de bens quando os mesmos são desconhecidos dos respetivos requerentes.
Assim concluiu no sentido da inadmissibilidade do recurso à providência cautelar no que respeita ao pedido de arrolamento de todos os valores associados às contas bancárias da requerida e que sejam provenientes da conta bancária pertencente à herança indivisa com número ...........05, determinando o douto tribunal o prosseguimento do procedimento cautelar de arrolamento exclusivamente na parte respeitante ao arrolamento dos valores que se encontrem depositados na conta bancária com número ...........05.
3º A referida ação foi julgada parcialmente procedente o pedido de arrolamento e consequentemente decretou-se o arrolamento do saldo da conta bancária com número ...........05.
4º No âmbito do aludido Procedimento Cautelar que correu termos no nº 2003/21.2T8GMR Juízo local Cível de Guimarães Cível - J4 foi por douta sentença homologado a transação no sentido de que o saldo da conta bancária naqueles autos não seja, por qualquer forma, movimentada dessa mesma conta bancária, permanecendo aí depositado até que, no âmbito do processo de inventário, ou incidente de prestação de contas intentado pelos requerentes, seja decidido o destino a dar ao mesmo.
5º Tendo os recorrentes em 23 de junho de 2021, no aludido processo, tomado conhecimento, mediante documentos que a requerida protestou juntar em sede da Douta Oposição à Providência Cautelar, da titularidade da conta bancária titulado pela requerida, M. L. e J. L. também herdeiros, cujos requerentes/recorrentes desconheciam o paradeiro dos valores em causa à data da instauração daquela ação e da ação que se refere aos autos do presente recurso.
6º Sendo que tal facto nunca lhes foi alguma vez comunicado, sendo que a requerida e os cotitulares da aludida conta nunca os informaram do paradeiro e da eventual existência de bens quando os mesmos eram desconhecidos dos respetivos requerentes, razão pela qual foi a versão sustentada no requerimento inicial, de que a cabeça de casal tinha transferido o dinheiro para uma conta pessoal sua.
7º Os recorrentes intentaram procedimento cautelar de arrolamento contra a sua irmã A. R., ao abrigo do disposto nos artigos 403º, 408 e 409º, n.º 1 do Código do Processo Civil, CPC, pedindo: que se decrete o arrolamento de todo o saldo existente na conta com o IBAN PT50 ................... 1, do Banco Caixa ..., cujo titular é a requerida, que seja proveniente da conta bancária pertencente à herança indivisa com n.º ...........05, do Banco ... - ..., e com proveniência em depósitos de rendas respeitantes a arrendamentos que têm por objeto imóveis da herança e de todos os valores, depósitos, instrumentos, aplicações financeiras e carteiras de títulos associados à conta da requerida com IBAN PT50 ................... 1 do Banco Caixa ..., que sejam provenientes dos depósitos das rendas respeitantes a arrendamentos que têm por objeto imóveis da herança desde abril de 2020 a maio de 2021. E a nomeação da respetiva entidade bancária ou de terceiro como depositária/o, em determinada conta bancária aberta para o efeito, por causa da distribuição dos rendimentos da herança e dos movimentos de recebimentos e pagamentos da herança às partes e para depositários dos bens/rendimentos prediais os requerentes, uma vez que o arrolamento recai sobre um saldo de um depósito bancário, este saldo deve ficar bloqueado por aplicação subsidiária do artigo 780º do CPC.
8º Alegaram em síntese que são herdeiros da herança indivisa aberta por óbito de seus Pais, L. S. e M. L. encontra-se a herança indivisa, sendo o seu acervo integrado por bens móveis e imóveis constantes da relação de bens.
9º Os requerentes e requerida são herdeiros da herança indivisa aberta por óbito de seus Pais, L. S. e M. L., são, ainda, herdeiros dos já falecidos pais, J. L., J. G., M. L., L. A. e Herança Indivisa aberta por óbito de M. N. representada pelos seus herdeiros S. F. e E. S..
10º Está a correr termos o processo de partilha e inventário no Cartório Notarial do Exmo. Sr. Dr. Notário C. T., sito em Guimarães, aí registado sob o número .../16, apresentado pela ora requerida em 22 de julho de 2016.
11º A requerida foi, no aludido processo de inventário, em 22 de setembro de 2016, nomeada Cabeça-de-Casal.
12º No âmbito do processo de inventário, em 07 de janeiro de 2016 a requerida apresentou relação de bens e em 22 de abril de 2021 apresentou nova relação de bens.
13º Da relação de bens constante do aludido processo de inventário constam os imóveis da herança, alguns dos quais se encontram arrendados, designadamente para comércio e habitação, e que pertencem ao acervo hereditário e como tal está sujeito à administração da cabeça de casal.
14º Em novembro de 2013, após o óbito da inventariada M. L., os herdeiros, requerentes e requerida decidiram abrir uma conta bancária em nome da herança, sediada no Banco ..., S.A. (...) com número ...........05, de que são titulares o aqui requerente F. S., o herdeiro J. L. e a requerida, com o objetivo dos locatários depositarem, exclusivamente, as rendas que provêm dos arrendamentos da herança, à qual todos os outros herdeiros/requerentes não têm acesso.
15º É nessa conta bancária que eram depositados, mensalmente, os valores relativos a rendas recebidas no âmbito dos ditos contactos de arrendamento.
16º Certo é que, na aludida conta bancária, em 03 de março de 2020, verificou-se um saldo positivo/contabilístico a favor da herança do montante de €37.623,29, a título de rendas, que continha aplicações e diversos depósitos resultantes de rendimentos prediais/rendas.
17º Em 03 de março de 2020, a requerida na qualidade de cabeça de casal transferiu da aludida conta bancária para uma outra conta bancária, a importância de €37.000,00, o que fez sem conhecimento e consentimento dos requerentes e contra a vontade destes. Pelo que a aludida conta bancária passou a apresentar o saldo de €639,29 mostrando-se corroborada pelos documentos bancários carreados para os autos fls 30, verso, a 32 e 42, verso, a 44,71 a 90, verso e 102 a 137.
18º Facto confirmado pela testemunha A. V., mostra-se igualmente demonstrada pelo teor da dita documentação bancária junta aos autos, facto que o Tribunal a quo não considerou provado.
19º Com efeito a testemunha A. V., sobrinho dos recorrentes referiu (gravação pelo sistema integrado de gravação digital 00.08.52 a 00:09:43).
Advogada dos recorrentes: Se procederam alguma interpelação à cabeça de casal?
Testemunha A. V.: Já várias vezes foram requeridas contas, extratos das contas, etc., e nunca foram fornecidas.
Advogada dos recorrentes: Obteve resposta?
Testemunha: Nem resposta obtive. Quem fazia isso era o meu tio F. S. que era titular da conta e nunca obteve resposta por parte da minha tia, inclusive foi ver o saldo da conta, depois dessa transferência foi ver o saldo da conta, depois dessa transferência ficou lá 600,00 e poucos euros, e foi por isso que também deu o alarme para esta situação toda, não sabemos para onde está a ser o dinheiro canalizado, inclusive não sabemos o que aconteceu ao dinheiro que existia, sabemos que foi feita a transferência, a partir daí perdemos o controlo e o poder de decisão sobre o dinheiro.
Com efeito a testemunha H. J., sobrinho dos recorrentes referiu (gravação pelo sistema integrado de gravação digital 00.04.04 a 00:04:35).
Advogada dos recorrentes: Alguma vez interpelaram à cabeça de casal?
Testemunha H. J.: Muitas, muitas, ao longo deste processo, muitas. Nós nunca somos ouvidos em nada, a senhora faz o que lhe apetece sem nunca dizer nada a ninguém, sem nunca informar.
20º Foram arrecadadas receitas a título de rendas relativas aos ditos contratos de arrendamento, desde do óbito da mãe (novembro de 2013) dos requerentes e requerida até 03 de março de 2020, as seguintes Receitas: receitas arrecadadas a título de rendas obtidas, referente ao ano 2014 no montante de €16.600,74; Receitas arrecadadas a título de rendas obtidas, referente ao ano 2015 no montante de €8.837,84;Receitas arrecadadas a título de rendas obtidas, referente ao ano 2016 no montante de €12.892,40;Receitas arrecadadas a título de rendas obtidas, referente ao ano 2017 no montante de €15.296,87 (Doc.12); Receitas arrecadadas a título de rendas obtidas, referente ao ano 2018 no montante de 17.305,68 (Doc.13);Receitas arrecadadas a título de rendas obtidas, referente ao ano 2019 no montante de €17.335,68 (Doc.14;Receitas arrecadadas a título de rendas obtidas, referente aos meses de Janeiro a março de 2020 no montante de €4.429,28 (Cfr Doc. 4 já junto);- Receitas arrecadadas a título de rendas obtidas, referente aos meses de abril de 2020 até maio de 2021 no montante de €16.914,20, depositadas na conta bancária da Requerida – Caixa .... Quantias que foram depositadas na conta bancaria e confirmada pelas testemunhas mostra-se igualmente demonstrada pelo teor da dita documentação bancaria junta aos autos, facto que o Tribunal a quo não considerou provado.
Com efeito a testemunha A. V., sobrinho dos recorrentes referiu (gravação pelo sistema integrado de gravação digital 00.06.32 a 00:06:52).
Advogada dos recorrentes: Relativamente as receitas da herança sabe mais ou menos?
Testemunha A. V.: Sim, estamos a falar de mais ou menos 14 mil euros por ano, fazendo a soma destes anos todos, dá mais ou menos 120 mil/130, dinheiro esse que não sabemos onde estão, o que foi feito”, estamos aqui a pedir o arrolamento da conta porque efetivamente há risco de extravio e má gestão desse dinheiro.
21º No entanto, essa conta bancária revela os seguintes movimentos a debito efetuados com o cartão bancário em posse da requerida valores a rondar o montante global de €74.847,70 igualmente demonstrada pelo teor da dita documentação bancaria junta aos autos: No ano de 2014 foram efetuados levantamentos para a Requerida no valor de 5.617,00€;No ano de 2015 foram efetuados levantamentos para a requerida no valor de €1.900,00;No ano de 2016 foram efetuados levantamentos para a requerida no valor de €5.891,86;- No ano de 2017 foram efetuados levantamentos para a Requerida no valor de €7.201,28;- No ano de 2018 foram efetuados levantamentos para a requerida a título no valor de €7.580,94;- No ano de 2019 foram efetuados levantamentos para a requerida no valor de €5.968,70; e- No ano de 2020 até ao dia 03 de março de 2020 foram efetuados levantamentos de €2.843,99, para além da aludida transferência bancária no valor de €37.000,00.
22º Desconhecem os recorrentes o destino que foi dado pela requerida aos montantes supra e se a requerida declarou todo o dinheiro das contas da herança junto da AT no que respeita ao período compreendido entre a data do óbito dos inventariados até à presente data.
23º Desde a morte da mãe dos recorrentes e da requerida, porque a requerida não presta contas da administração que faz do património da herança e porque movimentou a dita conta nos termos supra mencionados as relações entre requerentes e requerida têm vindo a deteriorar-se acabando por nem se comunicar nem relacionar-se uns com os outros factualidade confirmada pelas testemunhas.
Com efeito a testemunha A. V., sobrinho dos recorrentes referiu (gravação pelo sistema integrado de gravação digital 00.06.08 a 00:06:21).
Advogada dos recorrentes: Alguma vez receberam uma conta corrente?
Testemunha A. V.: Não. Um dos motivos se estamos aqui hoje é porque desde 2013 nunca foram prestadas contas, uma satisfação.
24º Em 05 de maio de 2021, na sequência do pedido efetuado via email pelo requerente F. S., na qualidade de titular da aludida conta bancária da herança, a respetiva instituição bancária - Banco ... - ... - remeteu, via email, 2º via do comprovativo da transferência da dita conta bancária da herança para uma outra conta bancária titulada pela requerida, indicando o IBAN da conta do destinatário - PT50 ................... 1 - e a identificação da respetiva instituição bancária de crédito do destino – Caixa ....
25º Os valores relativos às rendas respeitantes às rendas recebidas desde abril de 2020 até a presente data encontram-se presentemente depositados na conta indicada nos presentes autos, à exceção da renda do requerente F. S. que na qualidade de arrendatário continua a depositar o valor da renda na conta da herança, uma vez que a requerida nunca comunicou nem indicou ao mesmo o IBAN da conta bancária para proceder ao pagamento da respetiva renda, embora o tenha feito com os restantes arrendatários.
26º A requerida não informou os recorrentes quanto à existência da nova conta bancária, seus titulares e sua movimentação, e sobre a transferência do dinheiro, pelo que só tomaram conhecimento em 23 de junho de 2021, no processo já identificado supra, que correu termos no Juízo Local Cível de Guimarães – Juiz 4, da titularidade da dita conta, titulada pela requerida e por M. L. e J. L., também herdeiros.
Com efeito a testemunha H. J., sobrinho dos recorrentes referiu (gravação pelo sistema integrado de gravação digital 00.01.38 a 00:01:58).
Advogada dos recorrentes: Sabe porque está aqui hoje?
Testemunha H. J.: ... há muitos anos querem saber o paradeiro do dinheiro. Tivemos conhecimento que a cabeça de casal mudou da conta porque sabia que tínhamos acesso ao que era feito nessa conta, transferências e levantamentos, e nós assim não temos qualquer conhecimento daquilo que ela faz com o dinheiro dessa conta.
27º Por essas razões, os requerentes têm receio justo e objetivo de ver dissipado o aludido saldo da conta bancária em questão, e assim fica em sério risco o direito alegado pelos requerentes relativamente ao saldo da conta bancária e existe o justo receio de extravio, ocultação ou dissipação desse saldo e que os mesmos pretendem acautelar.
28º No que respeita à transferência do montante de €37.000,00 e todos os valores relativos às rendas recebidas no âmbito dos ditos contratos de arrendamentos depositados, desde abril de 2020 à presente data, na conta titulada pela mesma, permite, salvo o devido respeito que é muito, concluir que qualquer pessoa colocada na posição dos requerentes terá um receio justificado de que o saldo de tal conta bancária possa ser extraviado, ocultado ou dissipado.
29º Assim se conclui no sentido de que a requerida, a qualquer momento, poderá dar ao saldo daquela conta bancária o destino que bem entender, colocando-o fora do alcance dos requerentes, uma vez que já movimentou e transferiu para uma outra conta bancária titulada pela própria, apropriando-se de forma ilícita dos aludidos valores.
30º Por conseguinte, quanto à existência da conta bancária, seus titulares e sua movimentação, nada disse, muito menos sobre a transferência de dinheiro para a conta titulada pela requerida e dos cotitulares para benefício exclusivo e proveito dos mesmos.
31º Nem sequer a requerida comunicou qualquer razão aos requerentes para proceder à transferência do montante em causa, nem tão pouco, que a abertura da conta em seu nome pessoal ou outros cotitulares da conta, para a qual transferiu valores anteriormente depositados e pertencente ao acervo hereditário, resultou da existência de um acordo entre os herdeiros/requerentes.
32º É a requerida quem movimenta a identificada conta bancária da Caixa ..., e é nessa conta bancária que são depositados, mensalmente, os valores relativos às rendas recebidas no âmbito dos contratos de arrendamento, isto é, todos os rendimentos prediais provenientes dos imóveis da herança sem que os requerentes a ela tenham acesso, inclusive aos €37.000,00.
33º Sucede que face aos atos anteriormente praticados pela requerida na gestão do património da herança (finais de 2013 até maio de 2021) os requerentes terão receio justificado de que o remanescente do saldo da conta da requerida possa ser extraviado, ocultado ou dissipado.
Desconhecerem o destino que foi dado pela requerida aos montantes supra aludidos com valores a rondar o montante global de €74.847,70, sem prestar contas e apresentar comprovativos das despesas.
34º Resultou dos autos, factos indiciariamente provada a factualidade 1 a 15, contudo não foram tidos em conta os seguintes factos para além de terem sido confirmada pelas aludidas testemunhas, mostra-se corroborada pelos documentos bancários carreados para os autos e cartas de fls. 33 a 42.
35º Com efeito, vários herdeiros das aludidas heranças solicitaram à requerida a prestação das informações em questão, designadamente no que se refere as receitas e despesas originadas pelos bens imóveis da herança e ao destino dado as quantias depositadas na dita conta da herança movimentadas pela requerida. É a requerida, quem, há mais de 6 anos, se encontra a administrar os bens da herança, gerindo os bens móveis e imóveis e s rendimentos da herança, nomeadamente as rendas provenientes dos aludidos contratos de arrendamento.
36º Apesar de interpelada para o efeito pelo demais herdeiros, a requerida não lhe presta contas, designadamente no que respeita a todas as receitas e despesas das ditas heranças, sendo que a requerida, desde que foi nomeada cabeça de casal, nunca procedeu à distribuição pelos demais herdeiros dos referidos rendimentos prediais – as cartas de fls. 33 a 42, demonstram que vários herdeiros das aludidas heranças solicitaram à requerida a prestação de informações em questão, nomeadamente, no que respeita às receitas e despesas originadas pelo bens imóveis da herança e o destino dado as quantias depositadas na dita conta bancária movimentadas pela requerida, neste segmento e também nesta matéria a testemunha A. V. confirmou diz no seu depoimento.
Com efeito a testemunha A. V., sobrinho dos recorrentes referiu (gravação pelo sistema integrado de gravação digital 00.09.53 a 00:10:16).
Advogada dos recorrentes: Sabe se houve alguma distribuição do dinheiro das rendas?
Testemunha A. V.: Do dinheiro das rendas não e dessa conta nunca foi distribuído.
37º Os aqui recorrentes, por apenso ao processo de inventário, deduziram contra a requerida, incidente de prestação de contas da administração da herança e incidente de remoção da cabeça de casal, os quais ainda não estão decididos.
38º Por isso, em 19 de março de 2020, o requerente F. S. através do Ilustre Mandatário Exmo. Sr. Dr. M. B., com escritório em França, remeteu carta registada com aviso de receção, notificando a requerida a expor a presente situação e a urgência da mesma, pelo que solicitou o destino dado às quantias da conta bancária da herança e da conta bancária titulada pela requerida, ambas exclusivamente por ela movimentadas, mostra-se igualmente demonstrada pelo teor da documentação junta aos autos – cartas de interpelação.
39º Para além da carta referida, já na pendência do inventário que a requerida instaurou, a mesma nunca levou a cabo qualquer interpelação, a qualquer título, para prestar contas e justificação sobre a aludida transferência dos rendimentos da herança e respetivos levantamentos.
40º Em 29 de setembro de 2020 e 12 de novembro de 2020, a requerida foi novamente instada pelo requerente F. S. para prestar esclarecimentos sobre a referida transferência e justificação para os sucessivos levantamentos, o que até ao momento a requerida não fez. Facto confirmada pela testemunha A. V., mostra-se igualmente demonstrada pelo teor da dita documentação bancária junta aos autos, facto que o Tribunal a quo não considerou provado.
Com efeito a testemunha A. V., sobrinho dos recorrentes referiu (gravação pelo sistema integrado de gravação digital 00.08.52 a 00:09:43).
Juiz: Quando descobriram que esse dinheiro tinha sido transferido dessa conta para outra que é que fizeram?
Testemunha A. V.: Pedimos esclarecimentos à minha tia que foi sem efeito, nunca respondeu, nunca quis saber, entramos em contacto com um advogado para tentar resolver o assunto.
Juiz: Foram prestados esclarecimentos ou não?
Testemunha: Não.
41º Ainda na resposta à missiva, a requerida faz referência à proveniência de valores distribuídos pelo requerente F. S. sem especificar a origem de tais dinheiros, quando na verdade, como bem sabe a requerida, esses valores foram distribuídos aos herdeiros pelo requerente J. J., de que eram titulares o requerente J. J., o cônjuge M. A., já falecida, e sua sogra, já falecida, M. L., da conta bancária com número …….08.
42º Em resposta à missiva da requerida, em 17 de fevereiro de 2020, os requerentes por intermédio do requerente M. S. solicitaram, por escrito, informações à requerida onde constem os nomes, identificação fiscal e valores relativos às rendas recebidas no âmbito dos contratos de arrendamentos e comprovativos de despesas que desconhecem, de forma a submeter os rendimentos e despesas em sede de IRS. Certo é que, durante o período de exercício do cabecelato (2014 a 2021), ou seja, há mais de seis anos em que a requerida é cabeça de casal, os requerentes não receberam um único papel com informações, limitando-se a entregar aos aqui requerentes um documento, em 16 de janeiro de 2020, necessário para apresentação à administração fiscal em sede de IRS, referente ao ano de 2019, ocultando informação sobre os anos anteriores e os comprovativos das aludidas despesas, mostra-se igualmente demonstrada pelo teor da documentação junta aos autos.
43º Adiantam ainda que, desde de 2014 até ao dia 16 Janeiro de 2020 os requerentes não indicaram os rendimentos em sede de IRS, pois a requerida ocultou tais informações aos requerentes, e por não estarem indicados nas declarações de IRS, nunca poderão ser compensados relativamente a tais valores quando for efetuada a partilha dessa mesma herança no inventário que se encontra a correr termos no Cartório Notarial, melhor identificado supra, tendo-se assim apropriado de rendimentos da herança em proveito próprio, causando prejuízo aos requerentes decorrente da falta de apreensão das quantias em causa.
44º Desconhecem ainda se a requerida declarou todo o dinheiro das contas da herança junto da AT que dizem respeito ao período compreendido entre a data do óbito dos inventariados até à presente.
45º A estas solicitações dos Requerentes nunca a requerida lhes prestou informações a que está legalmente obrigada (arts.º 2093º nº 1 e 573º do C.P e art.º 941º CPC), bem como nunca procedeu à distribuição dos referidos rendimentos prediais (art.º 2069º, al. d), 2078º, 2092º, 2093º, 212º, nºs 1 e 2 e 213º todos do Código Civil).
46º No entanto, apesar de insistências dos requerentes herdeiros, até à presente data a requerida não tem permitido a estes o acesso aos rendimentos prediais e a documentos, embora interpelada para o efeito.
47º Deste modo, a requerida pode movimentar e transferir, a todo o momento, os demais valores, visto que são facilmente movimentados, e ainda movimentar todos os valores sem que os requerentes possam tomar qualquer intervenção e, assim, ficarem completamente sem garantia patrimonial do seu crédito/valor do quinhão nos montantes depositados.

48º Sendo que, da descrição dos rendimentos, o acervo hereditário a partilhar (é pertença da herança), pode desaparecer por via do levantamento abusivo pela requerida e cotitulares.
49º Assim sendo, a conduta de ocultação e eventual sonegação da requerida, conduz ao fundado receio de lesão dos requerentes a assentar no possível desvio da verba depositada para outro banco ou mesmo o levantamento, ainda que venha a ser arrolada no inventário. Por causa do direito dos requerentes aos seus rendimentos da herança, é justo o receio de eventual sonegação e dissipação por força dos comportamentos da requerida. Portanto, a possibilidade de livremente movimentar e, por isso, dispor, sem qualquer controlo dos requerentes de valores que pertencem à herança indivisa, ainda que a Requerida tenha a qualidade de cabeça-de-casal e tenha de prestar contas aos demais herdeiros, evidenciam, atenta a natureza dos bens em causa, que o direito dos Requerentes sobre a justa partilha dos bens que compõem o acervo hereditário corre sério risco por existir justo receio de extravio, de ocultação ou dissipação dos bens da herança, que justificam o decretamento do arrolamento dos saldos das contas.
50º Assim, existe perigo de extravio, ocultação e dissipação dos rendimentos prediais da herança, e/ou perigo de existência de lesão grave ou dificilmente reparável relativamente ao direito dos Requerentes de obter o preenchimento justo do seu quinhão.
51º A demora na tutela da situação jurídica causa aos requerentes lesão grave ou dificilmente reparável, por isso o arrolamento do depósito bancário ou saldo bancário é adequado a prevenir o risco de dissipação ou ocultação de bens da herança e acautelar o efeito útil do processo de inventário instaurado para partilha de bens – efeito útil - que consiste não só na partilha dos bens, mas também na entrega aos interessados dos bens que lhes couberem em partilha.
52º Deste modo, a requerida está a sonegar/ocultar rendimentos/dinheiro da Herança, verificando-se, assim, perigo do seu extravio.
53º Pelo procedimento que a requerida adotou até esta data, e considerando a facilidade com que a requerida pode desfazer-se do dinheiro dos rendimentos prediais ou fazer de conta que o faz, sobretudo em contas bancárias suas ou proceder ao levantamento do dinheiro em numerário ou a crédito, é patente o justo receio dos requerentes que hão-de perder a garantia patrimonial do seu crédito.
54º Assim sendo, os requerentes correm o risco de que a demora na decisão da ação principal venha a permitir a efetiva lesão do direito, tornando inútil o seu reconhecimento, sendo que as consequências da lesão do direito invocado poderá ser dificilmente reparável.
55º A situação descrita é pois, insustentável e carecida de tutela do direito, já que os Requerentes têm direito de prevenir o perigo de extravio, ocultação, dissipação de bens da herança identificada e/ou perigo de existência de lesão grave ou dificilmente reparável relativamente ao direito dos requerentes de obter o preenchimento justo do seu quinhão.
56º Desde a morte da mãe dos requerentes e requerida, e porque esta não presta contas da administração que faz do património da herança nem procede à distribuição do dinheiro dos valores relativo as rendas recebidas no âmbito dos ditos contratos de arrendamento, as relações entre os requerentes e requerida têm vindo a deteriorar-se.
57º Todas as tentativas dos requerentes no sentido de exigirem e obterem esclarecimentos pela requerida, com várias diligências para o efeito, foram infrutíferas,
58º Para o efeito, o requerente F. S. em representação dos restantes requerentes solicitou por diversas vezes à requerida para explicar o porquê dos valores monetários transferidos, referentes aos rendimentos da herança, e solicitou ainda por diversas vezes a apresentação dos “extratos bancários” da conta pessoal para onde movimenta rendimentos da herança, mas nenhum dos pedidos foi respondido.
59º É absolutamente natural e seguro que os requerentes num tal cenário tenham receio da atuação futura da requerida, extraviando ou ocultando a quantia nela depositada e que pertence à herança, estando a sonegar bens e rendimentos da herança, verificando-se perigo do seu extravio.
60º Pelo supra exposto, salvo opinião contrária, a requerida tem-se comportado por forma conducente ao extravio e/ou dissipação dos bens que devem integrar inventário, transferindo para a outra conta bancária o aludido montante sem autorização dos requerentes, pelo que se encontra justificado o receio exigido pelo nº 1 do art.º 403º do CPC para decretar a providência.
61º A requerida, não respeitando os poderes do cabeça-de-casal que são limitados e não dispositivos, poderá ainda proceder à transferência dos ativos que constituem os depósitos bancários e as aplicações financeiras das referidas contas, para fazer face às suas despesas pessoais, para outras contas bancárias fora da posse e propriedade da herança indivisa dos requerentes, com já fez, já que a instituição de crédito em causa não lhe coloca qualquer entrave uma vez que atua na qualidade de cabeça de casal da herança indivisa.
62º Salvo o devido respeito, tais atos não se enquadram nos poderes de administração do cabeça de casal e implicam graves e avultados prejuízos para os requerentes, que atendendo ao elevadíssimo valor, poderão nunca ser reintegrados com sucedânea indemnização.
63º A manutenção da possibilidade de a requerida poder livremente proceder a levantamentos, pagamentos, dar garantias ou até transferir esses montantes para outra instituição bancária causa lesão grave e de muito difícil reparação ao direito de propriedade dos requerentes.
64º Deste modo, a aferição dos factos integradores da ocultação e receio de extravio que fundamentam a providência cautelar requerida nos termos do art.º 403.º CPC, salvo opinião contrária, deveriam ter sido apreciados na data da propositura da providência cautelar.
65º É claro e resulta que tendo a requerida transferido os depósitos da conta bancária da herança para conta bancária da mesma, no montante total cerca de €37.000,00, e os valores relativos às rendas recebidas no âmbito dos ditos contratos de arrendamento, ocultou os rendimentos da herança bem como os valores relativos as rendas recebidas desde a data da transferência (abril de 2020) até a presente data.
66º Considerando os factos enunciados, desta sua natureza decorre, salvo opinião contrária, a possibilidade de extravio, ocultação ou dissipação, pelo que o pedido cautelar de arrolamento deverá ser julgado procedente, uma vez que está preenchido o requisito dos artºs 403º a 406º e 408º do Código Processo Civil, nomeadamente o requisito de “justo receio de extravio, ocultação ou dissipação de bens, móveis ou imóveis, ou de documentos”, conforme o art.º 403º do Código Processo Civil.
67º Salvo o devido respeito, que é muito, não é admissível que alguém que administra bens de terceiros, onde existem pagamentos diversos de rendas, não possua uma conta bancária em nome da herança onde deposite os rendimentos ou pelo menos mostre os “extratos” da conta pessoal onde movimenta rendimentos que não lhe pertencem, pedindo-se o mínimo de lisura, urbanidade e transparência que não existindo evidência, sem mais, o perigo que aqui se enuncia!
68º É adequado a prevenir o risco de dissipação ou ocultação de bens – no caso, depósitos em conta bancária – e acautelar o efeito útil do processo de inventário para partilha o arrolamento.
69º Assim, a não se tomarem medidas rápidas e enérgicas, o património dos requerentes desaparecerá, sendo certo que os bens e direitos cujo arrolamento infra se requer, são facilmente transmissíveis e sonegáveis. Em face da factualidade que antecede, forçoso é de concluir que se acham preenchidos os pressupostos necessários para o decretamento da providência requerida, conforme o estabelecido no artigo 403º e seguintes, C.P.C.. A fim de prevenir ou afastar o perigo, é justo o receio dos requerentes, de que a requerida, pela facilidade com que pode ser dissipar ou extraviar, os direitos ou bens cujo arrolamento se pretende.
70º Assim, no passado dia 03 de março de 2020, sem qualquer autorização ou aviso prévio a requerida procedeu ao levantamento de €37.000,00 de uma conta bancária do herança, titulada pelo recorrente F. S. e J. L. a requerida, para outra conta identificada nos autos, provenientes dos rendimentos da herança, desconhecendo os recorrentes o destino das quantias retiradas da conta pertencente ao acervo hereditário e se os valores constantes nas mesmas se encontram presentemente na referida conta.
71º A conta aludida pode ser movimentada pela requerida e cotitulares desta providência – por ser titulada por eles –, sendo que o montante ali depositado, a dever constar da descrição de bens do acervo hereditário a partilhar (é pertença da herança), pode desaparecer, por via de levantamento abusivo por aqueles.
72º Face ao comportamento anterior da requerida (constituição daquela conta e movimentação dos fundos ali depositados), que quiseram sonegar ao inventário o valor efetivo do depósito, a ter, porém, de integrar o acervo hereditário a partilhar, há fundamento sério para o existente justo receio da requerente quanto ao desaparecimento do valor depositado;
73º A poder materializar-se, através da movimentação da conta bancária, os valor recebidos a título de rendas, no propósito de dificultar o efetivo apuramento do saldo, certo é que os Recorrentes, interessados no inventário, tem quota alíquota do crédito a partilhar sobre o montante do depósito aludido, a integrar a descrição de bens, em virtude do seu quinhão hereditário, o periculum in mora radica na possibilidade que mantêm os titulares da conta bancária de movimentarem a conta a débito, dissipando o montante em questão e impedindo a sua partilha e entrega aos interessados ora recorrentes do que lhes couber em partilha, o fumus boni juris, por sua vez, radica na conduta apurada de sonegação da cabeça-de-casal, com o fundado receio de lesão a assentar no possível desvio da verba depositada para outro banco ou mesmo o seu levantamento em numerário, ainda que venha a ser arrolada no inventário, situação fáctica documentada nos autos integra o pressuposto processual. Acha-se provado por documentos que indiciam ter a requerida tentado ocultar fluxos patrimoniais que pertenciam ao acervo de bens das heranças a partilhar, em conta bancária e mesmo após a Requerida ter revelado a titularidade da aludida conta omite o respetivo saldo da conta bancária para o qual o saldo patrimonial é no montante de €56.435,60 havia sido desviado. Mostra-se igualmente demonstrada pelo teor dos documentos junto aos autos – requerimento datado de 05/07/2021.
74º Os ora recorrentes, temem que qualquer dos outros cotitulares ordene a transferência de saldo para outra conta, ou emita cheques ou ordens de transferência em favor de terceiros, inviabilizando a garantia patrimonial da existência do invocado valor de €56.435,60, in casu, tendo em conta o fim que os recorrentes visam obter – justo receio de extravio ou dissipação de bens – o procedimento adequado será o arrolamento, por forma a obter a sua descrição, avaliação e depósito, podendo ser intentado por aquele que tenha, ou fundadamente espere vir a ter, direito a que lhe venha a ser entregue um certo número bens.
75º Quando se impugna a decisão a quo proferida, sobre matéria de direito e de facto que julgou improcedente a providência cautelar, faz-se no pressuposto de existir erro no julgamento quando é considerado pelo Ilustre Tribunal ad quo não existir qualquer alegação quanto à existência do “justo receio”, um dos necessários requisitos para alcançar o decretamento do requerido arrolamento de bens.
76º Mais, assentando os fundamentos do presente recurso na absoluta ambiguidade na consideração que o Ilustre Tribunal ad quo faz, ao entender que o justo receio da dissipação desse dinheiro não está sumariamente provado.
77º Entendem os recorrentes que a Douta decisão recorrida não apreciou os factos indicados pelos recorrentes pelo que a decisão incorreu em errada interpretação e também errada aplicação da lei.
78º Ao alegar, como se fez, referindo-se que: “… desconhecem os aqui recorrentes o propósito de tais movimentações bancárias, bem como, o destino das quantias retiradas da conta pertencente ao acervo hereditário e se os valores constantes nas mesmas serão ou não dissipados, naturalmente, que daqui não se pode aferir indicação de desconhecimento de justo receio.
79º Bem pelo contrário, é precisamente pelo facto de alguns herdeiros terem movimentado, deste modo indevido, a conta bancária em apreço, sem o conhecimento dos demais que a alegação aduzida do justo receio se justifica na sua plenitude (Cf. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 30-04-2012, Processo nº 964/11.9 TBMAI-A.P1).
80º A providência cautelar intentada foi elaborada de acordo com o que tem vindo a ser o entendimento dos Tribunais Superiores, com a finalidade do arrolamento como preliminar do processo de Inventário.
81º E assim, nos termos do disposto no art. 403º e seguintes do CPC, pois que foi nosso modesto entendimento não se poder dispensar a necessidade de alegação e de prova do justo receio de extravio, ocultação ou dissipação de bens, o que se fez.
82º Razão pela qual se indicou desde logo prova documental e testemunhal, bem assim, se alegou de forma clara, suficiente e por forma a demonstrar o cabal preenchimento dos dois requisitos necessários a formar na convicção do Ilustre Tribunal ad quo do justo receio, de que sem o arrolamento, o interesse dos recorrentes correria risco sério (nos termos do art. 405º, nº 2 do CPC).
83º Reiteramos, assim, ter alegado e demonstrado o “justo receio” dos recorrentes na dissipação dos bens pertencentes ao acervo hereditário ainda por partilhar, designadamente pela prova documental e testemunhal.
84º Ora, salvo o devido respeito por melhor opinião, cremos que o tribunal recorrido tenha lavrado em erro na apreciação que faz da (in)suficiência das alegações quanto ao justo receio que nos parece, com a devida vénia, encontra-se devidamente demonstrado e sobeja e suficientemente alegado.
85º A Sentença recorrida viola as normas constantes dos artigos 615º, nº 1, alínea c) do Código de Processo Civil.
86º Com o devido e merecido respeito, por tudo o que ficou dito, os aqui recorrentes não se conformam com a douta sentença proferida pelo Tribunal a quo que julgou a ação improcedente o presente procedimento cautelar.
87º Dispõe o art.º 403º, nº 1 do CPC, que “Havendo justo receio de extravio, ocultação ou dissipação de bens móveis ou imóveis, ou de documentos, pode requerer-se arrolamento deles”. O artigo 404º, nº 1 do CPC, estipula que “O arrolamento pode ser requerido por qualquer pessoa que tenha interesse na conservação dos bens ou dos documentos.”. Nos termos no artigo 405º, nº 1 do CPC” O requerente faz prova sumária do direito relativo aos bens e dos factos em que fundamenta o receio do seu extravio ou dissipação; se o direito relativo aos bens depender de ação proposta ou a propor, tem o requerente de convencer o tribunal da provável procedência do pedido correspondente.” O arrolamento consiste na descrição (identificação), avaliação e deposito dos bens (artº, nº 1 , do CPC.
88º Estamos, pois, no âmbito de um procedimento cautelar através do qual não se procura a solução definitiva do problema, mas apenas de uma decisão provisória que, com base apenas numa probabilidade seria da existência do direito, ordene uma medida que coloque o titular do direito ao abrigo dos transtornos e incómodos decorrentes dos normais atrasos das ações definitivas.
89º O arrolamento visa, pois obter uma composição provisória do litígio tendo por finalidade prevenir o perigo de extravio, ocultação ou dissipação dos bens.
90º A procedência do pedido de arrolamento, salvo opinião contrária, depende, assim, da alegação e demonstração por parte dos recorrentes de que é provável a existência do direito, isto é que o seu direito é certo e indiscutível, mas que há grandes probabilidades de ele existir, e se justifica o seu receio de extravio, ocultação ou dissipação de bens, móveis ou imóveis, ou de documentos, ou seja, que qualquer pessoa, em face do modo de agir do requerido colocado no seu lugar, também temeria que os bens ou documentos pudessem ser extraviados, ocultados ou dissipados.
91º Ora, da factualidade apurada resulta sumariamente demonstrado quer o direito alegado pelos recorrentes relativamente ao saldo da conta bancária em questão, quer o justo receio de extravio, ocultação ou dissipação desse saldo.
92º De facto a circunstância de a Requerida e ter efetuado, da aludida conta bancária onde eram depositados os rendimentos prediais da herança, as movimentações acima aludidas, designadamente no que respeita à transferência do montante de €37.000,00 e das aludidas rendas mensais depositadas na referida conta, permite concluir que qualquer pessoa colocada na posição dos requerentes terá um receio justificado de que o remanescente do saldo de tal conta bancário possa ser extraviado, ocultado ou dissipado.
93º Na verdade, podendo a aludida conta bancária ser livremente movimentada pela requerida e sendo certo que esta até já movimentou a conta no sentido de transferir para a conta em causa o referido montante, facilmente se conclui no sentido de que a requerida, a qualquer momento, poderá dar ao saldo daquela conta o destino que bem entender, colocando-o fora do alcance dos recorrentes.
94º Bastava essa circunstância, parece-nos, para configurar o justo receio que, se não (no caso de não) da dissipação, seria pelo menos caso de ocultação, ainda que quanto àquele outro, a dissipação, não se possa afastar de forma tão categórica como o decidido perante a alegação dos recorrentes de que desconhecem o propósito de tais movimentações bancárias, bem como, o destino das quantias retiradas da conta pertencente ao acervo hereditário e se os valores constantes nas mesmas serão ou não dissipados.
95º O que importa e releva, à face do alegado naturalmente, é que foi retirada indevidamente a quantia de €56.435,60, dinheiro que pertencia ao acervo da herança e resultava das transferências de outras aplicações financeiras e de contas da herança posteriormente movimentadas e geridas pelo cabeça-de-casal, e que tal levantamento da conta indicada ocorreu sem o conhecimento e/ou participação, e que com isso a herança ficou sem uma parte considerável da sua liquidez disponível.
96º Esses factos, com esse enquadramento e descrição, são pois adequados e consequentes para criar ou produzir o tal justo receio nos recorrentes, ainda que, ou mesmo que não tenha sido explicitamente nomeado ou invocado.
97º Não creio que algum herdeiro se possa sentir tranquilo ou sossegado com relação à preservação do acervo da herança em que é interessado, seja em relação aos depósitos sejam os demais valores e bens, depois que um deles sem razão, justificação, conhecimento ou autorização dos demais adotar um tal procedimento, o que nos afasta do entendimento expresso da decisão anterior.
98º O arrolamento é uma medida de carácter conservatório destinada a assegurar a manutenção de certos bens, e é instrumental em relação a todas as ações em que esteja presente a titularidade de certos bens, como acontece designadamente no processo de inventário sucessório e, especificamente, quanto a depósitos bancários.
99º A dissipação da quantia levantada por uma das requeridas da conta titulada por todos eles – e eventualmente com a sua participação de todos, com exceção do primeiro - não configura apenas e unicamente o fundamento para do justo receio, pode também constituir fundamento para o extravio ou a ocultação, igualmente previstos no artº 403º, nº 1.
100º Tampouco é necessário que essa dissipação, extravio ou ocultação tenham efetivamente ocorrido, é necessário apenas o justo receio que isso possa acontecer, e o levantamento sem razão ou justificação é sem dúvida o primeiro passo para que isso possa acontecer e um seu sinal de alarme.
101º Tanto bastaria, a nosso ver, para decretar a providencia cautelar do arrolamento pedido, posto que o requerimento inicial contém, a meu ver, com todo o respeito por opinião contrária, todos os elementos que, atento à prova oferecida, designadamente a testemunhal, documental permitem levar a uma decisão de mérito, que pode ser de procedência ou acolhimento do pedido.
102º Trata-se aqui do procedimento cautelar comum de arrolamento a que alude o artº 403º, nºs 1 e 2, que exige como pressuposto ou requisito a verificação de um justo receio por parte do requerente quanto ao extravio, ocultação ou dissipação de bens, móveis ou imóveis, ou de documentos, sendo dependência da ação à qual interessa a especificação dos bens ou a prova da titularidade dos direitos relativos às coisas arroladas.
103º Essa providência pode ser requerida por qualquer pessoa que tenha interesse na conservação dos bens ou dos documentos, devendo, de acordo com o artº 405º, nº 1, fazer prova sumária do direito relativo aos bens e dos factos em que fundamenta o receio do seu extravio ou dissipação; se o direito relativo aos bens depender de ação proposta ou a propor, tem o requerente de convencer o tribunal da provável procedência do pedido correspondente.
104º Na situação vertente - ao contrário do que ocorre no arrolamento especial previsto no artº 409º que tem a ver com situações especiais e ao qual não é aplicável o disposto no mencionado artº 403º, nº 1 - é necessário a verificação do justo receio por parte do requerente, sendo este naturalmente, e no âmbito da própria norma, um estado de ansiedade/medo/apreensão/temor perante a possibilidade verificação iminente de um evento ilícito e danoso e as suas consequências.
105º Entendeu-se na decisão anterior que não foram alegados factos suficientes para a verificação do justo receio da dissipação de bens ou documento, pelo que a providência não poderia proceder por falta desse requisito.
106º Não me parece, salvo sempre o devido respeito por opinião contrária, que essa decisão tenha sustentação.
107º Entendem os recorrentes que, a Douta decisão recorrida não apreciou os factos indicados pelo recorrente, pelo que a decisão recorrida incorreu em errada interpretação e também em errada aplicação da lei, padecendo de grave vício, deve ser substituído por outro que conceda aos Recorrentes o decretamento do arrolamento.
108º Ora, entendem os recorrentes que o tribunal a quo não apreciou corretamente as questões supra identificada nem avaliou de forma correta a prova, tendo utilizado um raciocino equivocado que acabou por inquinar a douta sentença.
109º Face a tudo o exposto, atendendo a impugnação da matéria de facto e de direito é forçoso concluir que deve a matéria de facto indicada ser considerada como provada desde logo porque o 110º Tribunal a quo atendeu apena a uma seleção dos depoimentos e não os mesmos com um todo bem como bem como a prova documental junta aos autos.
111º Ora, essa alteração da matéria de facto e de direito só por si, impunha a julgar o procedimento cautelar procedente, o que desde já se requer.
112º Face ao referido foi incorretamente apreciada a prova e foram violadas as referidas normas legais.
Termina entendendo dever o presente recurso ser declarado procedente e em consequência, revogar-se a decisão recorrida, com as consequências daí decorrentes.
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Não foi apresentada resposta.
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C) Foram colhidos os vistos legais.
D) As questões a decidir na apelação são as de saber;
1) Se a decisão recorrida é nula;
2) Se deverá ser alterada a decisão recorrida e deferido o arrolamento, por se verificarem os respetivos pressupostos.
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II. FUNDAMENTAÇÃO

A) Resultou apurada a seguinte matéria de facto:

I. FACTOS PROVADOS

1. Os requerentes e requerida são herdeiros da herança indivisa aberta por óbito de seus pais, L. S. e M. L..
2. São, ainda, herdeiros dos já falecidos pais, J. L., J. G., M. L., L. A. e Herança Indivisa Aberta por Óbito de M. N. Representada pelos seus Herdeiros S. F. e E. S..
3. Está a correr termos o processo de partilha e inventário no Cartório Notarial do Exmo. Sr. Dr. Notário C. T., sito em Guimarães, aí registado sob o número .../16, apresentado pela ora requerida em 22 de julho de 2016.
4. A requerida foi, no aludido processo de inventário, em 22 de setembro de 2016, nomeada cabeça-de-casal.
5. No âmbito do processo de inventário, em 07 de janeiro de 2016 a requerida apresentou relação de bens e em 22 de abril de 2021 apresentou nova relação de bens.
6. Da relação de bens constante do aludido processo de inventário constam os imóveis da herança, alguns dos quais se encontram arrendados, designadamente para comércio e habitação, e que pertencem ao acervo hereditário e como tal está sujeito à administração da cabeça de casal.
7. Em novembro de 2013, após o óbito da inventariada M. L., os herdeiros, requerentes e requerida decidiram abrir uma conta bancária em nome da herança, sediada no Banco ..., S.A. (...) com número ...........05, de que são titulares o aqui requerente F. S., o herdeiro J. L. e a requerida, com o objetivo dos locatários depositarem, exclusivamente, as rendas que provêm dos arrendamentos da herança, à qual todos os outros herdeiros/requerentes não têm acesso.
8. É nessa conta bancária que eram depositados, mensalmente, os valores relativos a rendas recebidas no âmbito dos ditos contactos de arrendamento.
9. Certo é que, na aludida conta bancária, em 03 de março de 2020, verificou-se um saldo positivo/contabilístico a favor da herança do montante de €37.623,29, a título de rendas, que continha aplicações e diversos depósitos resultantes de rendimentos prediais/rendas.
10. Em 03 de março de 2020, a requerida na qualidade de cabeça-de-casal transferiu da aludida conta bancária para uma outra conta bancária a importância de €37.000,00, o que fez sem conhecimento e consentimento dos requerentes e contra a vontade destes.
11. Em 05 de maio de 2021, na sequência do pedido efetuado via email pelo requerente F. S., na qualidade de titular da aludida conta bancária da herança, a respetiva instituição bancária - Banco ... - ... - remeteu, via email, 2º via do comprovativo da transferência da dita conta bancária da herança para uma outra conta bancária titulada pela requerida, indicando o IBAN da conta do destinatário - PT50 ................... 1 - e a identificação da respetiva instituição bancária de crédito do destino – Caixa ....
12. Os valores relativos às rendas recebidas desde abril de 2020 até a presente data, encontram-se presentemente depositados na conta identificada em 11, à exceção da renda do requerente F. S. que na qualidade de arrendatário continua a depositar o valor da renda na primeira conta da herança, uma vez que a requerida nunca comunicou nem indicou ao mesmo o IBAN da conta bancária para proceder ao pagamento da respetiva renda, embora o tenha feito com os restantes arrendatários.
13. A requerida não informou os requerentes quanto à existência da nova conta bancária, seus titulares e sua movimentação, e sobre transferência do dinheiro.
14. - No ano de 2014 foram efetuados levantamentos para a requerida no valor de €5.617,00; No ano de 2015 foram efetuados levantamentos pela requerida no valor de €1.900,00; No ano de 2016 foram efetuados levantamentos pela requerida no valor de €5.891,86; No ano de 2017 foram efetuados levantamentos pela requerida no valor de €7.201,28; No ano de 2018 foram efetuados levantamentos pela requerida a título no valor de €7.580,94; No ano de 2019 foram efetuados levantamentos para a requerida no valor de €5.968,70; e no ano de 2020 até ao dia 03 de março de 2020 foram efetuados levantamentos de €2.843,99.
15. A conta identificada em 10 e 11 é titulada pela requerida e por M. L. e J. L., também herdeiros.
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II. FACTOS NÃO PROVADOS

a) A requerida movimentou o dinheiro em causa, transferindo-o para uma conta pessoal, para seu benefício exclusivo e proveito pessoal.
b) Só a requerida pode movimentar a conta referida em a), já que é a única titular.
c) Os valores referidos no ponto 19., sendo da herança foram utilizados em proveito e benefício exclusivo da requerida.
d) A requerida declara, perante terceiros, que há-de fazer desaparecer todo o dinheiro da herança.
e) A requerida declara em voz alta pela freguesia que qualquer ação intentada pelos requerentes não produzirá qualquer efeito jurídico, afirmando “o dinheiro nunca mais o vê, já o transferi para outra conta que ninguém sabe”, assumindo atitudes que inculcam a suspeita de que pretende ocultar os rendimentos prediais, e assim, os requerentes ficarem com um crédito incobrável.
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B) O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo o tribunal conhecer de outras questões, que não tenham sido suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
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C) Os apelantes vieram invocar a nulidade da decisão recorrida, limitando-se a afirmar no artigo 85º das conclusões, que constituem uma reprodução das alegações, que “a sentença recorrida viola as normas constantes dos artigos 615º, nº 1, alínea c) do Código de Processo Civil” sem esclarecer as razões pelas quais entende que tal vício se verifica.
Vejamos.
Antes de mais, importa esclarecer que a decisão recorrida é um despacho e não uma sentença, não obstante o disposto no artigo 615º NCPC seja aplicável aos despachos, com as necessárias adaptações (cfr. artigo 613º nº 3 NCPC).
O artigo 615º nº 1 alínea c) NCPC estabelece que “é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.”
Conforme refere o Dr. José Lebre de Freitas in A Ação Declarativa Comum, 3ª Edição, a páginas 333 e seg, “entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica; se, na fundamentação da sentença, o julgador segue determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão e, em vez de a tirar, decide noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição é causa de nulidade da sentença. Esta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta: quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade; mas já se o raciocínio expresso na fundamentação apontar para determinada consequência jurídica e na conclusão for tirada outra consequência, ainda que esta seja a juridicamente correta, a nulidade verifica-se.
Quando não seja percetível qualquer sentido da parte decisória (obscuridade) ou ela encerre um duplo sentido (ambiguidade), sendo ininteligível para um declaratário normal, a sentença não pode valer enquanto não for esclarecida, o que, no regime do Código de Processo Civil de 2013, só pode ser feito mediante invocação de nulidade.”
Do exposto resulta que inexiste a invocada nulidade, dado que não há qualquer contradição lógica entre os fundamentos e a decisão, não se colocando qualquer objeção quanto à inexistência de alguma obscuridade ou ambiguidade, que torne a decisão ininteligível.
Verifica-se, antes, uma discordância dos apelantes relativamente ao mérito da decisão, questão de que nos ocuparemos mais adiante, motivo pelo qual improcede a arguição de nulidade.
*
O recurso versa exclusivamente a matéria de direito uma vez que não houve impugnação válida da matéria de facto, nos termos do disposto no artigo 640º NCPC.
Com efeito, nas alegações e nas conclusões, que são uma cópia daquelas, afirma-se que o tribunal a quo não avaliou de forma correta a prova, acrescentando que deve a matéria de facto indicada ser considerada como provada (?).

Como se refere no artigo 640º nº 1 NCPC “Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

Como resulta das alegações e das conclusões, não há qualquer indicação, pelos apelantes, dos concretos pontos que consideram incorretamente julgados, quer relativamente aos factos provados, quer aos não provados quer, mesmo, aos constantes do requerimento inicial, nem se especifica qual a decisão que entende que deveria ter sido proferida sobre as questões de facto impugnadas e, como tal, não existe fundamento legal para se proceder à reapreciação da decisão da matéria de facto que, assim, se rejeita.
*
Nos termos do disposto no artigo 403º nº 1 NCPC “havendo justo receio de extravio, ocultação ou dissipação de bens, móveis ou imóveis, ou de documentos, pode requerer-se o arrolamento deles.”
Como refere o Dr. Marco Carvalho Gonçalves, Providências Cautelares, 2016, a páginas 257 e segs., “… o justo receio de extravio, ocultação ou dissipação de bens ou documentos constitui o periculum in mora da providência cautelar de arrolamento. Assim, o arrolamento só será decretado quando, uma vez produzidas provas que forem julgadas necessárias, o tribunal adquirir a convicção de que o direito do requerente corre um risco sério, situação em que o arrolamento será realizado mediante a descrição, avaliação e depósito dos bens.
( … )
Há ainda que salientar que o arrolamento só será justificado se o extravio ou a dissipação não se tiverem ainda verificado ou quando, tendo já sido extraviados ou dissipados certos bens ou documentos, subsista o perigo de extravio ou dissipação em relação a outros bem ou documentos.”
Extraviar significa desencaminhar, dar sumiço a, perder, subtrair fraudulentamente, descaminhar.
Por sua vez ocultar tem o significado de subtrair ou subtrair-se às vistas, tirar ou sair para não ser visto ou encontrado, esconder, dissimular, sonegar.
Dissipar tem o significado de espalhar, consumir, destruir, esbanjar, dispersar.
No arrolamento, ao contrário do que se passa no arresto, não há lugar à apreensão de bens.
Como resulta da matéria de facto – e é com base na matéria de facto dada como provada que se aferirá para efeito de aplicação do direito e não com base em elementos que aí não figurem – está a correr termos num Cartório Notarial o processo de inventário para partilha de bens da herança aberta por óbito de L. S. e M. L., apresentado pela requerida, em 22/07/2016, tendo esta sido nomeada cabeça-de-casal.
No referido processo a requerida apresentou relação de bens em 07 de janeiro de 2016 e, em 22 de abril de 2021, apresentou nova relação de bens.
Também resulta da matéria de facto provada que em novembro de 2013, após o óbito da inventariada M. L., os herdeiros, requerentes e requerida decidiram abrir uma conta bancária em nome da herança, sediada no Banco ..., S.A. (...) com número ...........05, de que são titulares o aqui requerente F. S., o herdeiro J. L. e a requerida, com o objetivo dos locatários depositarem, exclusivamente, as rendas que provêm dos arrendamentos da herança, à qual todos os outros herdeiros/requerentes não têm acesso, onde eram depositados, mensalmente, os valores relativos a rendas recebidas no âmbito dos ditos contactos de arrendamento que, em 03 de março de 2020, tinha um saldo positivo/contabilístico a favor da herança do montante de €37.623,29, a título de rendas, que continha aplicações e diversos depósitos resultantes de rendimentos prediais/rendas.
Provou-se, igualmente, que em 03 de março de 2020, a requerida na qualidade de cabeça-de-casal transferiu da aludida conta bancária para uma outra conta bancária, que é titulada pela requerida e por M. L. e J. L., também herdeiros, a importância de €37.000,00, o que fez sem conhecimento e consentimento dos requerentes e contra a vontade destes, onde se encontram presentemente depositados os valores relativos às rendas recebidas desde abril de 2020 até a presente data.
Acresce que, no ano de 2014 foram efetuados levantamentos para a requerida no valor de €5.617,00; No ano de 2015 foram efetuados levantamentos pela requerida no valor de €1.900,00; No ano de 2016 foram efetuados levantamentos pela requerida no valor de €5.891,86; No ano de 2017 foram efetuados levantamentos pela requerida no valor de €7.201,28; No ano de 2018 foram efetuados levantamentos pela requerida a título no valor de €7.580,94; No ano de 2019 foram efetuados levantamentos para a requerida no valor de €5.968,70; e no ano de 2020 até ao dia 03 de março de 2020 foram efetuados levantamentos de €2.843,99.
Esta é a matéria de facto dada como provada e, como se referiu, é com base nela que se deverá aplicar o direito.
Conforme se refere no Acórdão da Relação de Lisboa de 12/11/2014, no processo 273/14.1TBSCR-B.L1-8, relatado pela Desembargadora Octávia Viegas, disponível em www.dgsi.pt, “o arrolamento consiste na descrição, avaliação e depósito de bens litigiosos e tem por fim evitar o extravio ou a dissipação dos bens, salvaguardando a sua conservação. Segundo Alberto dos Reis, em Código de Processo Civil Anotado, vol. II, reimpressão, Coimbra Editora, Coimbra 1981, pág. 105 «se uma pessoa tem ou pretende ter direito a determinados bens e mostra que certos factos ou circunstâncias fazem nascer o justo receio de que o detentor ou possuidor deles os extravie ou dissipe antes de estar judicialmente reconhecido, de forme definitiva, o seu direito aos mesmos bens, estamos perante a ocorrência que justifica o uso (...) do arrolamento».
No acórdão desta Relação de Guimarães de 15/10/2020, no processo 772/20.6T8VRL.G1, relatado pela Desembargadora Alexandra Rolim Mendes, disponível em www.dgsi.pt, refere-se que “como explicam Lebre de Freitas e Isabel Alexandre (in Código de Processo Civil anotado, vol. 2º, 3ª ed., pág. 183 a 193), “Arrolar significa “inscrever em rol”. A ideia de arrolamento está por isso ligada à de existência de uma pluralidade de bens que se pretende acautelar. Para isso eles são descritos, avaliados e depositados. (…).”
“O arrolamento tem por objetivo esconjurar uma específica situação de perigo (periculum in mora) relacionada com o extravio, ocultação ou dissipação de bens ou documentos, sendo este perigo concreto que constitui o elemento verdadeiramente integrante da causa de pedir” (v. Ac. STJ, de 17/04/1997, Proc. 97B109 in www.dgsi.pt).
Como decorre do preceituado no nº 2 do art. 403º, o arrolamento é dependência da ação à qual interesse a especificação dos bens ou a prova da titularidade dos direitos relativos às coisas arroladas.
( … )
Como acima foi dito, para que possa ser decretado o arrolamento dos bens da herança é necessário, nomeadamente, que exista periculum in mora, ou seja que, o Tribunal fique convencido que a demora na tutela da situação jurídica cause ao requerente lesão grave ou dificilmente reparável.
O periculum in mora é ainda requisito do procedimento cautelar comum (v. art. 362º) e como tal dos pedidos que a requerente cumulou com o de arrolamento dos bens.
Como referem José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre (in Código de Processo Civil anotado, vol. 2º, 3ª ed., págs. 7 e 8) “Dadas a provisoriedade da medida cautelar e a sua instrumentalidade perante a ação de que é dependência, bastar-lhe-á [ao requerente da providência] fazer prova sumária da existência do direito ameaçado, sem prejuízo de poder fazer prova completa de tal existência (…); mas já não basta a prova sumária no que respeita ao periculum in mora, que deve revelar-se excessivo: a gravidade e a difícil reparabilidade da lesão receada apontam para um excesso de risco relativamente àquele que é inerente à pendência de qualquer ação; trata-se de um risco que não seria razoável exigir que fosse suportado pelo titular do direito.”

No caso dos autos, como decorre da matéria de facto provada, mostra-se documentada a transferência da verba de €37.000,00 da conta aberta pelos herdeiros, em nome da herança, no Banco ..., S.A. (...), de que eram titulares o requerente F. S., o herdeiro J. L. e a requerida, em 03/03/2020, para uma outra conta bancária, que é titulada pela requerida e por M. L. e J. L., também herdeiros.
E igualmente resulta provado que, em data anterior, mais propriamente desde 2014, a requerida, procedeu ao levantamento de quantias que totalizaram €37.003,77.
Importa notar que a requerida é a cabeça-de-casal na herança em causa, a quem incumbe a administração da herança até à sua liquidação e partilha, nos termos do disposto no artigo 2079º do Código Civil.
Mas importa recordar que para que haja lugar ao arrolamento é necessário que exista justo receio de extravio, ocultação ou dissipação de bens.
No acórdão da Relação do Porto de 16/05/2016, no processo 7818/15.8T8VNG-A.P1, relatado pelo Desembargador Carlos Querido pode ler-se “Como refere António Santos Abrantes Geraldes [Temas da Reforma do Processo Civil, IV Volume, 3ª edição revista e atualizada, 6. Procedimentos cautelares especificados, Almedina, 2006, pág. 268], o arrolamento é uma medida de caráter conservatório que pode apresentar-se sob duas vertentes: I) como medida destinada a assegurar a manutenção de certos bens litigiosos, enquanto a titularidade do direito sobre eles estiver em discussão na ação principal; II) como medida destinada a garantir a persistência de documentos necessários para provar a titularidade do direito.
Nas palavras do autor citado [Obra citada, pág. 277], o periculum in mora que o arrolamento visa acautelar não é o da genérica ocorrência de lesão grave e dificilmente reparável que encontramos no procedimento cautelar comum, traduzindo-se, antes, no receio de extravio, ocultação ou dissipação de bens, móveis ou imóveis, ou de documentos, constituindo este concreto perigo “o elemento verdadeiramente integrante da causa de pedir”.
Com a expressão “extravio” pretendeu o legislador engobar todos os factos suscetíveis de produzirem desaparecimento dos bens - perda, destruição, sumiço, descaminho, furto, etc.
O requisito em apreço terá que se fundar em factualidade objetiva, e não em meras abstrações conclusivas, como enfatiza Abrantes Geraldes: “conforme ocorre na generalidade das providências e, mais concretamente, nas não especificadas ou no arresto, o justo receio, que também qualifica a situação de periculum in mora no arrolamento, deve ser perspetivado objetivamente, e apresentar-se com um fundamento real que não corresponda a uma mera fantasia do requerente.”
O mesmo autor dá como exemplos da situação de periculum in mora legitimadora do arrolamento: a prova da existência de atos de delapidação de bens, a transferência de bens para locais desconhecidos, a apropriação ilegítima de valores depositados, a intenção de vender bens comuns, a declaração fiscal de inexistência de bens, etc.”
Não se pode afirmar que a requerida tenha extraviado, ocultado ou dissipado o dinheiro que transferiu da conta original, para a nova conta que abriu juntamente com dois outros herdeiros, na Caixa ..., dado que o mesmo não está perdido, descaminhado, nem foi escondido, sonegado, nem mesmo se provou que foi gasto, ou dissipado.
Com efeito, a circunstância de a quantia em questão ter sido transferida pela cabeça-de-casal para uma outra conta bancária, devidamente identificada, titulada com dois outros herdeiros, permite-nos considerar que assim é.
De resto, a circunstância de se desconhecer o motivo de tal transferência para outra conta bancária, não nos permite, por si só, chegar a conclusão diversa, para mais tendo em conta que no inventário que corre termos no cartório notarial, foi apresentada pela requerida e cabeça-de-casal uma relação de bens em 07 de janeiro de 2016 e nova relação de bens em 22 de abril de 2021, cujo conteúdo se desconhece, mas caso não tivesse sido relacionada a quantia em questão, certamente que poderia haver fundamento para justificar o deferimento da providência de arrolamento, mas nada tendo sido provado, não se poderá considerar tal situação.
Por todo o exposto, sem necessidade de ulteriores considerações, resulta que a apelação terá de improceder e, em consequência, confirmar-se a douta decisão recorrida.
Face ao total decaimento da pretensão dos apelantes, sobre os mesmos recai o encargo de pagamento das custas (artigo 527º nº 1 e 2 NCPC).
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D) Em conclusão:

1) O arrolamento consiste na descrição, avaliação e depósito de bens litigiosos e tem por fim evitar o extravio ou a dissipação dos bens;
2) A situação de periculum in mora no arrolamento, deve ser perspetivado objetivamente, e apresentar-se com um fundamento real que não corresponda a uma mera fantasia do requerente.
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III. DECISÃO

Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a douta decisão recorrida.
Custas pelos apelantes.
Notifique.
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Guimarães, 11/11/2021

Relator: António Figueiredo de Almeida
1ª Adjunta: Desembargadora Maria Cristina Cerdeira
2ª Adjunta: Desembargadora Raquel Baptista Tavares