Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1428/16.0T8VRL.G1
Relator: MARIA AMÁLIA SANTOS
Descritores: REPARAÇÃO DE VEÍCULO
EXCESSIVA ONEROSIDADE
PRIVAÇÃO DO USO DE VEÍCULO
DANO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/25/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I- A reparação do veículo só deve ser feita se não for excessivamente onerosa para o devedor, avaliando-se essa onerosidade pela diferença entre o valor da reparação e o valor patrimonial da viatura na esfera patrimonial do lesado.
II – Haverá que atender, outrossim, à possibilidade do lesado adquirir, com o valor de substituição, uma viatura equivalente à sua.
III – O dano da privação do uso só é de indemnizar se a não reparação da viatura for imputável à ré
IV – Já não será indemnizável tal dano se o lesado não aceitou receber da ré o valor de substituição da viatura sinistrada, persistindo na sua reparação.
Decisão Texto Integral:
A, melhor identificado nos autos, demanda nesta acção declarativa, sob a forma de processo comum, C, também melhor identificada nos autos, peticionando a sua condenação no pagamento da quantia global de € 6.856,41, acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal, contados desde a citação e até efectivo e integral pagamento, bem como do montante que se vier a liquidar em execução de sentença, a título de dano pela privação do uso.
Para tanto alegou, em síntese, que no dia 14/03/2016, pelas 12h45m, no entroncamento da Avenida Ernesto Carvalho Branco com a Rua da Carreira, Mondim de Basto, ocorreu um embate entre o veículo de matrícula SH, que lhe pertence e que era conduzido por D, e o veículo de matrícula AP, conduzido por DF.
Alegou também que o embate ocorreu em virtude do condutor do veículo de matrícula AP seguir distraído e ter realizado uma manobra de mudança de direcção à esquerda sem atentar no trânsito que se fazia sentir em sentido contrário, cortando a passagem do veículo de matrícula SH.
Referiu ainda que em virtude do embate o veículo de matrícula SH sofreu diversos danos, cujo custo de reparação a ré rejeitou pagar, invocando que se trata de uma situação de perda total. Por outro lado, alega que sofreu um dano de privação do uso, cuja liquidação relega para execução de sentença, por não ser possível a sua mensuração imediata.
Conclui pela responsabilização da ré, para a qual foi transferida a responsabilidade civil por danos causados a terceiros, decorrente da circulação do veículo de matrícula AP.
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Na contestação a ré reconheceu que o condutor do veículo de matrícula 27-58-AP, seu segurado, era o responsável pela eclosão do acidente de viação, tendo contudo defendido que era excessivamente onerosa a reparação do automóvel sinistrado, motivo pelo qual defende que deverá ser entregue ao autor o valor venal do veículo, para além de refutar que tivesse ocorrido um dano de privação do uso.
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Tramitados regularmente os autos foi proferida a seguinte decisão:
“Em face do exposto, julgam-se parcialmente procedentes os presentes autos (…) e, consequentemente, decide-se:
a) Condenar a ré L, a pagar ao autor A a quantia de € 1.800,00 (mil e oitocentos euros), acrescida de juros moratórios, calculados à taxa legal actualmente de 4%, contados desde a data da prolação da presente sentença e até efectivo e integral pagamento;
b) Absolver a ré L do pedido de condenação no pagamento ao autor A do montante que se viesse a liquidar no incidente previsto nos artigos 358.º a 360.º do C.P.C., quanto ao dano de privação do uso do veículo;
c) Condenar o autor A e a ré L, no pagamento das custas da acção, na proporção do respectivo decaimento, que se fixa em 3/5 e 2/5…”
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Não se conformando com a decisão proferida, dela veio o A. interpor o presente recurso de Apelação, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões:
“1 - Estende-se o recurso à decisão de Direito, verificando-se o exigido pelo artº 639° do CPC, pode afirmar-se que o Tribunal a quo fez errado enquadramento jurídico da matéria de facto provada.
2 - Ao decidir como decidiu o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos art.° 483°, 562° e 566° do Código Civil.
3 - A reparação do veículo ao Autor, pelo preço orçamentado, não constitui uma situação em que a reparação natural é excessivamente onerosa para o devedor.
4 - Consequentemente, face à recusa de pagamento da reparação pela Ré, deve aquela suportar todos os prejuízos sofridos com a privação de uso a que o Autor ainda está sujeito.
5 - A simples atribuição ao Autor do valor venal do veículo não repara àquele todos os danos que sofreu com o sinistro, no qual não tem qualquer quota de responsabilidade.
6- Com o valor liquidado pelo Tribunal a quo (€ 1 800,00) o Autor não consegue reparar o veículo, uma vez que são necessários € 6 856,41 (seis mil oitocentos e cinquenta e seis euros e quarenta e um cêntimos).
7 - Com o valor de € 1 800,00 (mil e oitocentos euros) o autor também não consegue adquirir um veículo automóvel em condições idênticas ao veículo sinistrado.
8 - A única decisão que o restitui à situação em que se encontrava antes do sinistro é a reparação do veículo SH e o arbitramento de uma indemnização diária pela privação de uso a que o Autor ainda está sujeito.
9 - A Ré não logrou demonstrar, e dos autos não resulta essa realidade, que com o valor de € 1 800,00 ou € 2 000,00 o Autor estava restituído à situação de inexistência de prejuízo no seu património.
10 - Ademais, a reparação do veículo SH não constitui qualquer tipo de enriquecimento do património do Autor ou sequer ofende os ditames da boa-fé.
11 - A reparação dos danos no veículo preenche os objectivos traçados na lei, a reparação é tecnicamente possível, e, o Autor pretende-a.
Termos em que deve o Recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida, substituindo-a por outra que procedendo ao correto enquadramento jurídico da matéria de facto provada, julgue a acção totalmente procedente com as legais consequências…”
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Dos autos não consta que tenham sido apresentadas contra-alegações.
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Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente (acima transcritas), sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, as questões a decidir são:
- a de saber se deve ser condenada a ré a reparar o veículo sinistrado;
- se, atenta a posição da ré na missiva que enviou ao A. a seguir ao acidente, deve o A. ser indemnizado pela ré pelo dano da paralisação da sua viatura.
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Foi dada como provada na 1ª instância a seguinte matéria de facto:
“1. No dia 14/03/2016, pelas 12h45m, no entroncamento da Avenida Ernesto Carvalho Branco e da Rua da Carreira, Mondim de Basto, ocorreu um embate entre o veículo ligeiro de passageiros de matrícula SH, conduzido por D, e o veículo ligeiro de passageiros de matrícula AP, conduzido por DF - cfr. art. 1. º e 2. º da p.i.
2. Encontra-se registada a favor do autor a aquisição do veículo de matrícula SH, mediante a apresentação n. º 34 de 27/09/2001 - cfr. art. 1'º da p.i.
3. Nas circunstâncias referidas em 1, o veículo de matrícula SH circulava pela Avenida Ernesto Carvalho, no sentido de trânsito centro da vila de Mondim de Basto - Barrio, pela hemi-faixa da direita (considerando o dito sentido de trânsito) - cfr. art. 3. º da p.i.
4. ( ... ) O veículo AP circulava no sentido de trânsito Barrio - centro da vila de Mondim de Basto e, ao chegar ao entroncamento com a Rua da Carreira, que se lhe apresentava pela sua esquerda, não parou, nem diminuiu a marcha, e iniciou a mudança de direcção para esta última via - cfr. art. 4'º e 6'º da p.i.
5. ( ... ) quando se encontrava a uma distância de cerca de 10 metros do entroncamento com a Rua da Carreira, o condutor do veículo de matrícula SH foi surpreendido pela mudança de direcção do veículo de matrícula AP, não conseguindo evitar o embate na parte lateral e frente direita deste último automóvel, apesar de ter tentado travar, por lhe ter sido cortada a linha de trânsito - cfr. art. 4. º, 5. º e 7. º da p.i.
6. ( ... ) O condutor do veículo de matrícula AP seguia distraído - cfr. art. 10º da p.i.
7. Como consequência directa e necessária do embate o veículo de matrícula SH sofreu diversos danos na sua estrutura, que o impossibilitaram de circular pelos próprios meios - cfr. art. 13. º da p.i.
8. ( ... ) tendo os danos sido examinados pelos serviços técnicos da ré, que estimaram o custo de reparação, que é tecnicamente possível, em € 6.856,41 (seis mil, oitocentos, cinquenta e seis euros, quarenta e um cêntimos) - cfr. art. 15º da p.i.
9. A ré procedeu ao envio ao autor de uma missiva, datada de 22/03/2016, na qual consta, no que ora releva (cfr. art. 17. º da p.i. e 16. º da cont.);
"( .. .) na sequência da peritagem efectuada ao veículo ( ... ) informamos que os nossos serviços técnicos ( ... ) concluíram que, face ao valor dos danos, estimado em € 6.856,41, e em conformidade com o disposto no nº 1 do art. 41º do Decreto-Lei nº 291/2007, de 21 de Agosto, se torna necessário a respectiva regularização como perda total. Entende-se que um veiculo interveniente num acidente se considera em situação de perda total, quando se constate que o valor estimado para a reparação dos danos sofridos, adicionado do valor dos salvados, ultrapasse 100 % ou 120 % do valor venal do veiculo imediatamente antes do sinistro, consoante se trate respectivamente de um veiculo com menos ou mais de 2 anos - al. c) do nº 1 do art. 41º). Após consulta realizada ao mercado da especialidade e de acordo com a plataforma de cotação de veiculas Eurotax, o valor de substituição do veiculo, à data do acidente, era de € 2.000,00. Informamos ainda que a melhor proposta para aquisição do salvado, válido até 2016/04/20, é de € 200,00, tendo sido apresentada por SVP Auto (…)”.
10. A responsabilidade pelos danos causados a terceiros pela circulação do veículo de matrícula AP encontra-se transferida para a ré, através da apólice de seguros com o n. º 8541203 - cfr. artigo 31. º da p.i.
11. O veículo de matrícula SH ainda não foi reparado, por o autor não dispor de recursos financeiros para tal - cfr. art. 16. º e 28. º da p.i.
12. O veículo de matrícula SH era mantido pelo autor em bom estado de conservação - cfr. art. 19. º da p.i.
13. A ré não colocou à disposição do autor um veículo de substituição - cfr. art. 18. º da p.i.
14. O autor fazia-se transportar diariamente no veículo de matrícula SH, para motivos profissionais (distando 5 quilómetros a sua residência do local de trabalho), ou para assegurar a realização das suas tarefas pessoais - cfr. art. 20. º e 21. º da p.i.
15. ( ... ) tendo tido necessidade de se deslocar em veículos de amigos ou familiares, com a imobilização do veículo de matrícula SH, para poder realizar tais tarefas - cfr. art. 20º a 26.º da p.i
16. O veículo de matrícula SH possuía um valor venal de cerca de € 2.000,00 e os respectivos salvados foram avaliados em € 200,00 - cfr. art. 13. º, 16º e 18. º da conto
17. O veículo de matrícula SH apresentava 271.351 quilómetros aquando do sinistro.
18. O veículo de matrícula SH é da marca Volkswagen, da modelo A3 Golf (lHXO-A), é movido a gasóleo, possui 1896 c.c. e a primeira matrícula remonta a Novembro de 1995.
19. Encontrava-se anunciado em 17/03/2016, no site www.standvirtual.com, para venda, pelo preço de € 2.000,00, com indicação desse valor ser negociável, um veículo da marca Volkswagem, modelo Golf 1.9 TDI GI, com 1900 c.c., que apresentava 255.000 quilómetros e cuja primeira matrícula remonta a Maio de 1995”.
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Da questão da reparação da viatura do A.
Não se questiona nos autos que ocorreu um acidente de viação entre os veículos de matricula SH, pertencente ao A. e por ele conduzido, e o veículo de matrícula AP, conduzido por DF, segurado na ré, assumindo esta que a culpa na produção do acidente foi exclusivamente do condutor do AP, seu segurado.
A questão está na reparação dos danos sofridos na viatura SH, também eles inquestionáveis, como decorre da decisão recorrida:
“…verifica-se ter ficado apurado que como consequência directa e necessária do embate o veículo de matrícula SH sofreu diversos danos na sua estrutura, que o impossibilitaram de circular pelos próprios meios, tendo os danos sido examinados pelos serviços técnicos da ré, que estimaram o custo de reparação, que é tecnicamente possível, em € 6.856,41.
Sendo inquestionável o estabelecimento do nexo causal entre tal diminuição patrimonial e o evento danoso (por reporte ao critério contido no artigo 563.º do Código Civil), pretende o autor ser ressarcido do apontado montante, o que a ré refuta, por ser economicamente inviável a reposição do "status quo ante", devido à discrepância entre o valor venal e o custo da reparação, apesar de esta ser tecnicamente possível…”
E no que se refere ao critério a seguir, no que respeita à reparação dos danos sofridos, sufragamos plenamente o entendimento seguido nessa matéria pela decisão recorrida, que fez, em nosso entender, uma correta avaliação da questão colocada nos autos (citando, para o efeito vários arestos dos nossos tribunais superiores):
“Uma primeira nota prende-se com a aplicação do critério de "perda total" previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 41.º do DL 291/2007 de 21/08, pois a sua intervenção restringe-se ao procedimento obrigatório de apresentação pela seguradora da "proposta razoável", destinado a agilizar o acertamento extrajudicial da responsabilidade, não vinculando os Tribunais se não for alcançado acordo pelas partes nessa fase.
Dito isto, preceitua o artigo 562.º do Código Civil, que quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.
Porém, o artigo 566.º, n.º 1, do Código Civil, prescreve que a indemnização é fixada em dinheiro quando a restituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor.
Assim, é do lesante a obrigação de ressarcir os danos causados a outrem, reconstituindo a situação que existiria se não tivesse ocorrido o evento, mediante a restauração natural, suportando os custos da reparação do veículo danificado no acidente.
Subsidiariamente, admite-se a indemnização em dinheiro, quando a reconstituição natural for impossível, não repare integralmente os danos ou for excessivamente onerosa para o devedor.
A reconstituição natural será excessivamente onerosa quando houver manifesta desproporção entre o interesse do lesado e o custo para o lesante que ela envolve, de modo a que traga algum benefício acrescido ao lesado e se revele iníqua ou contrária aos princípios da boa fé.
Assim, como detalhadamente se explicita no Acórdão do Supremo do Tribunal de Justiça de 21/04/2010 (…entendimento também seguido em diversos outros arestos do S.T.J., como o Ac. de 04/12/2007(…), de 19/03/2009 (…), de 05/06/2008 (…) e de 31/05/2016 (…) in www.dgsi.pt) para ser afastada a reconstituição natural a lei "(. .. ) exige que esta seja excessivamente onerosa para o devedor, o que corresponde a que o encargo seja exagerado, desmedido, desajustado para o obrigado, transcendendo-se os limites de uma legítima indemnização. Nesta ponderação, como se refere no Acórdão deste STJ de 5-6-2008, «não podem deixar de ser considerados factores subjectivos, respeitantes não só (embora primacialmente) à pessoa do devedor e à repercussão do custo da reparação natural no seu património, mas também às condições do lesado, e ao justificado interesse especifico na reparação do objecto danificado, antes que no seu percebimento do seu valor em dinheiro». Um veículo automóvel é hoje um bem essencial para a deslocação do comum dos cidadãos, proporcionando a quem o utiliza evidentes vantagens de comodidade e rapidez nas viagens de trabalho ou de ócio. Como é sabido, um veículo de valor comercial reduzido, pode estar em excelentes condições e satisfazer plenamente as necessidades do dono. Nestas circunstâncias a quantia equivalente ao valor de mercado do veículo (muitas vezes ínfima) não conduzirá à satisfação dessas mesmas necessidades, o que é equivalente a dizer-se que não reconstituirá o lesado na situação que teria se não fosse o acidente. Ou seja, a situação do lesado, se se lhe conceder apenas o valor comercial do veículo, não ficará análoga à que existia antes do acidente, o que violará o art. 562º ( ... ). A inicial situação do lesado só será reintegrada com a reparação do veículo, recolocando-o no estado em que se encontrava antes do acidente. Como se refere no acórdão deste STJ já mencionado, «vale isto dizer que, para o dono do veículo sinistrado, o valor deste não se afere apenas pelo seu valor venal ou comercial: o valor de uso/traduzido pela utilidade que o veículo proporciona, pode ser, e é frequentemente, muito significativo. Em tais casos, o pagamento do valor comercial não repara integralmente o dano decorrente da sua danificação, só ficando satisfeito o interesse do lesado com a reparação do veículo, com a sua recolocação - quando tal é tecnicamente possível - no estado em que se achava antes do evento danoso». A indagação sobre a restauração natural ou a indemnização equivalente, deve fazer-se casuisticamente, sem perder de vista que se deve atender à melhor forma de satisfazer o interesse do lesado, interesse que deve prevalecer sobre o do lesante. Significa isto que nos parece pouco relevante, para os fins em análise, que o valor da reparação do veículo seja superior ao seu valor comercial. No fundo, do que se trata é de determinar a melhor forma de reconstituir a situação do lesado que existiria, se não tivesse ocorrido o acidente que obriga à reparação. E essa situação pode não coincidir com uma indemnização equivalente ao valor comercial ou venal do veículo. Vendo a questão pelo lado do lesante, este só poderá opor-se à restauração natural quando, como já se disse, for excessivamente onerosa para si, isto é, quando houver manifesta desproporção entre o interesse do lesado e o custo que a reparação natural envolve para si ".
Como dissemos, esta é a posição que sufragamos, em sede geral, e que vem defendida na decisão recorrida, que fez também, em nosso entender, uma correta aplicação da tese defendida ao caso em análise, tendo sempre em conta, claro, a matéria de facto provada, que o recorrente não questiona.
Assim sendo, e reportando-nos novamente ao decidido na 1ª instância, que subscrevemos, “No caso concreto, apurou-se que o veículo de matrícula SH é da marca Volkswagen, do modelo A3 Golf, é movido a gasóleo, possui 1896 de cilindrada, a primeira matrícula remonta a Novembro de 1995/ apresentava 271.351 quilómetros aquando do sinistro e possuía um valor venal de cerca de € 2.000/00.
Trata-se, pois, de um automóvel com mais de vinte anos de longevidade, com uma quilometragem muito significativa, cuja vida útil previsivelmente não se estenderia por um período de tempo muito alargado, mesmo sendo mantido pelo autor em bom estado de conservação, pois todos os veículos, mesmo quando construídos por marcas reputadas como a Volkswagen (…) e sendo estimados, acabam por deixar de poderem cumprir a sua finalidade, de uma forma eficiente, com o decurso do tempo, quando é certo que não foram trazidos ao processo elementos que evidenciem estarmos perante um denominado "clássico", para os quais o decurso do tempo constitui outrossim um factor de valorização e que se assumem como espécimes únicos.
Em paralelo, temos que o custo da reparação apresenta um significado económico expressivo (€ 6.856/41), superior em 3,43 vezes ao valor venal do veículo.
Por outro lado, apurou-se que se encontrava anunciado em 17/03/2016, no site www.standvirtual.com. para venda, pelo preço de € 2.000.00, com indicação desse valor ser negociável, um veículo da marca Volkswagem, modelo Golf 1.9 TDI GI, com 1900 de cilindrada, que apresentava 255.000 quilómetros e cuja primeira matrícula remonta a Maio de 1995, o que evidencia a disponibilidade no mercado de um automóvel de características análogas, ainda que não forçosamente idênticas, por ser desconhecido o respectivo estado de conservação.
Perante todos estes elementos, afigura-se ser de concluir que a reconstituição natural, mediante o pagamento pela ré do custo da reparação do veículo sinistrado se afigura excessivamente onerosa, por desproporcionada, impondo os ditames da boa fé que somente se reconheça ao autor o direito a receber uma indemnização em dinheiro correspondente ao valor comercial do veículo (€ 2.000/00), descontado do valor dos salvados (€ 200/00) que se encontrarão na sua esfera de disponibilidade, ou seja, o montante de € 1.800,00 (mil e oitocentos euros)”.
Sem pretendermos diminuir o mérito da decisão recorrida, que subscrevemos na íntegra, acrescentaremos apenas que, como tem sido decidido quer na doutrina, quer na jurisprudência (Ac STJ de 4 de Dezembro de 2007 e Antunes Varela, Das obrigações Em Geral, vol. I, 3ª edição, págs.775 e segs, Almeida Costa, Direito das Obrigações, Almedina, 5ª edição, pág.637 e segs, Rodrigues Bastos, Notas ao Código Civil, vol. III, 1993, pág.38), em matéria da obrigação de indemnização por danos, o princípio ou a regra, é a restauração natural; a excepção é a indemnização por equivalente.
Aplicando à situação dos autos as regras básicas do ónus da prova, ao Autor caberia a prova do princípio; à Ré caberia a prova da excepção (artº 342º nº 1 e 2 do CC) (cfr. neste sentido Ac. RP de Porto, 6.10.2009, em ww.dgsi.pt)
Ao autor cabia, assim, a prova do em quanto importava a reparação, restaurando in natura o veículo danificado – e provou esse facto - (€ 6.856/41).
À Ré cabia a prova de que tal montante era excessivamente oneroso para si – não apenas oneroso, ou até mais oneroso, mas excessivamente oneroso -; que era flagrantemente desproporcionado o custo que ia suportar com a reparação, em relação ao interesse do lesado na reparação – e logrou também provar esse facto – que o valor da reparação (€ 6.856/41) era superior em 3,43 vezes o valor comercial do veículo – de € 2.000,00, antes do acidente.
E logrou ainda provar - na senda, aliás, do entendimento que vem sendo defendido por todos -, que o A. podia adquirir no mercado (de veículos usados) um veículo equivalente ao seu, por aquele valor, que lhe permitia reconstituir a situação em que se encontrava na data anterior à do acidente (artº 566º nº 1 do CC). Provou-o, juntando aos autos um anúncio de venda de um veículo da mesma marca e ano do veículo do Autor, cujo preço de venda era de € 2.000,00.
Concluindo, logrou-se provar nos autos os dois pólos ou pontos de referência para se avaliar a excessiva onerosidade da reparação da viatura sinistrada: provou-se o valor da reparação e o valor patrimonial da viatura (na esfera patrimonial do lesado), concluindo-se que há uma discrepância enorme entre o primeiro valor e o segundo, pelo que, persistir na reparação em vez de receber apenas o valor da substituição seria abusivo da parte do A.
Nenhum reparo temos, assim, a fazer, nesta parte, à decisão recorrida.
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No que toca à ressarcibilidade do dano da paralisação do veículo, subscrevemos também o entendimento seguido na decisão recorrida, que após ter efectuado uma exposição clara – ainda que suscinta -, das posições doutrinárias e jurisprudenciais seguidas na matéria, (sobejamente conhecidas, cremos), concluiu pela tese que tem feito vencimento, de que “…havendo privação do uso de veículo automóvel, a reconstituição natural da situação poder-se-á fazer através da entrega de um veículo com características idênticas às do danificado para ser utilizado pelo lesado durante o período de carência ou através da atribuição de uma quantia suficiente para o lesado proceder ao aluguer de um automóvel com características semelhantes ao imobilizado.
No entanto, o lesado pode não utilizar nenhuma destas faculdades ou pode deparar-se com uma recusa ilegítima de substituição por parte do responsável, o que não exclui o dever de indemnização. O dono do veículo que ficou impossibilitado de o utilizar, pela necessidade de reparação ou pela verificação de um litígio quanto à reparação dos danos, ficou privado das utilidades que o veículo automóvel lhe podia proporcionar, pelo que se essa perda não foi reparada mediante a forma natural de reconstituição, se impõe que o responsável compense o lesado na medida equivalente.
Ao invés, tal compensação não depende da prova da ocorrência de danos imputáveis directamente à privação do uso. Trata-se de uma indemnização autónoma, na medida em que a privação do uso determina, por si só, um dano material, consistente na privação do poder de fruição do bem, de natureza patrimonial.
Deste modo, impõe-se avaliar qual a compensação ajustada ao caso, seguindo, em última análise, as regras da equidade quando não estejam provados prejuízos concretos e quantificados - cfr. artigos 4.º e 566º, n.º 3 do Código Civil.
A quantificação do dano da privação do uso de veículo será feita tomando em consideração todas as circunstâncias que rodearam o evento, nomeadamente a natureza, o valor ou a utilidade do veículo, devendo ser tido em conta o grau de utilização que efectivamente seria dado no período de paralisação caso não ocorresse o evento lesivo, e ainda os reflexos negativos na esfera do lesado ou aumento das despesas ou a redução das receitas.
Também não é de desconsiderar a quantia necessária para proceder ao aluguer de um veículo de características semelhantes às do sinistrado, embora não se possa recorrer automaticamente ao preço corrente de um aluguer efectivo, se o mesmo não ocorreu no caso concreto, já que aquele preço engloba as despesas de exploração da actividade e o lucro que a empresa retira…”.
E fez também, em nosso entender, uma correta integração dos factos às normas jurídicas aplicáveis, levando em consideração a matéria de facto provada, na qual estão espelhadas as posições das partes logo após o acidente.
Assim, “…concluiu-se pela excessiva onerosidade da reconstituição natural e pela inerente inatendibilidade do custo de reparação peticionado pelo autor, apenas lhe sendo reconhecido o direito a receber o montante correspondente ao valor comercial do veículo, descontado o valor dos salvados, o que vai de encontro à posição assumida pela ré na missiva que enviou ao autor oito dias depois da eclosão do evento danoso (cfr. facto provado n.º 9).
Assim sendo, não se afigura justificado atribuir ao autor qualquer montante a título de privação do uso, ainda que a liquidar no incidente previsto nos artigos 358.º a 360.º do C.P.C., pelo que não poderá ser procedente tal pretensão…”.
Ou seja, a posição que fez vencimento nesta acção – de que o A. apenas tem direito ao valor de substituição da viatura sinistrada –, condiciona o pedido de indemnização pela paralisação do mesmo, uma vez que o valor em que a ré foi condenada (de € 2.000,00) havia já sido por ela oferecido ao A., uma semana após a ocorrência do acidente (facto provado nº 9), o que significa que se ele tivesse aceite a quantia que lhe foi oferecida, tinha adquirido nessa altura uma viatura idêntica à sua - o que poderia ter feito, de acordo com a matéria de facto provada -, não sofrendo então o alegado dano da privação do uso, cuja ressarcibilidade vem agora peticionar.
Digamos que, pretendendo-se ressarcir – com a indemnização pela paralisação da viatura – os danos decorrentes da mora da ré na reparação da mesma, neste caso a mora da ré não ocorreu, por que foi o A. que não aceitou receber da ré a quantia que ela lhe ofereceu para reparar o prejuízo por ele sofrido com o acidente.
Bem andou o tribunal recorrido, também nesta questão, em não ter concedido ao A. a indemnização solicitada pela paralisação da viatura.
Improcedem, assim, na totalidade as conclusões da apelação do A.
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Sumário:
I- A reparação do veículo só deve ser feita se não for excessivamente onerosa para o devedor, avaliando-se essa onerosidade pela diferença entre o valor da reparação e o valor patrimonial da viatura na esfera patrimonial do lesado.
II – Haverá que atender, outrossim, à possibilidade do lesado adquirir, com o valor de substituição, uma viatura equivalente à sua.
III – O dano da privação do uso só é de indemnizar se a não reparação da viatura for imputável à ré
IV – Já não será indemnizável tal dano se o lesado não aceitou receber da ré o valor de substituição da viatura sinistrada, persistindo na sua reparação.
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Decisão:
Pelo exposto, julga-se improcedente a apelação e confirma-se a decisão recorrida.
Custas (da Apelação) pelo recorrente.
Notifique.
Guimarães, 25.5.2017.