Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1195/13.9TBEPS.G1
Relator: RAMOS LOPES
Descritores: COMPRA E VENDA DEFEITUOSA
REPARAÇÃO DE DEFEITOS
CADUCIDADE
CONSUMIDOR
INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/23/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I. Dedicando-se o vendedor à edificação e comercialização de moradias e edifícios, insere-se a compra e venda de moradia (bem de consumo) no âmbito de aplicação do DL 67/2003, de 8/04 - os compradores assumem a qualidade de consumidor, tendo adquirido bem de consumo para uso não profissional de quem exerce actividade económica visando obtenção de benefícios.

II. Considerando o prazo de caducidade de três anos para o exercício do direito de reparação (relativamente a imóveis), contado da denúncia, não se mostrava o mesmo esgotado à data da instauração da acção - a acção foi instaurada antes de decorridos três anos sobre a compra e venda, tendo as denúncias dos defeitos efectuadas ocorrido no entretanto.

III. Não incluído no regime de protecção estabelecido no DL 67/2003, certo é que não está excluído ao consumidor o direito indemnizatório – o direito de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes de bens defeituosos/desconformes, nas relações de consumo, tem previsão no artigo 12º da Lei 24/96, de 31/07 (Lei de Defesa do Consumidor, com a redacção introduzida DL 67/2003).

IV. O regime dos prazos de caducidade mais favorável ao consumidor prescrito no DL 67/2003, ‘é aplicável aos direitos à reparação, ou substituição da coisa, redução do preço, ou resolução do contrato (art. 5º do DL nº 67/2003)’, aplicando-se, quanto ao direito de indemnização, o regime geral dos prazos de caducidade previsto no Código Civil.

V. Os prazos de caducidade estabelecidos no Código Civil relativos à compra e venda reportam-se à indemnização fundada em defeitos da coisa adquirida, não já às pretensões indemnizatórias fundadas em qualquer outro facto gerador da responsabilidade contratual (mora ou não cumprimento).

VI. O direito de indemnização estabelecido pelo Código Civil no regime da compra e venda defeituosa destina-se ao ressarcimento do comprador pelos prejuízos resultantes do cumprimento defeituoso da prestação, visando a reparação ou ressarcimento do defeito, estando sujeito ao regime especial da compra e venda e, assim, também aos consagrados prazos curtos de caducidade.

VII. A indemnização concernente a prejuízos colaterais, provocados pelos defeitos do bem, que impliquem uma responsabilidade contratual do vendedor, estará em princípio sujeita apenas às regras gerais do direito de indemnização, não se lhe aplicando as regras especiais da compra e venda, nomeadamente as que estabelecem prazos de caducidade, valendo quando a tal direito de indemnizatório o prazo de prescrição geral.

VIII. Trata-se, nestas situações, de indemnizações destinadas a ressarcir outros danos que não a reparação/ressarcimento dos defeitos em si, ainda que a estes ligados por nexo de causalidade (e cuja responsabilidade, como fonte da obrigação de indemnizar, os tem como pressuposto fáctico).

IX. Inseridos no âmbito dos danos colaterais constitutivos do direito de indemnização regulados apenas pelas regras gerais da obrigação de indemnizar, e por isso a coberto da aplicação das regras especiais da compra e venda (incluindo os prazos de caducidade), encontram-se os danos não patrimoniais que o consumidor possa ter sofrido com o cumprimento defeituoso da prestação - danos pessoais do adquirente do bem, que se não circunscrevem ao defeito e a eles acrescem, ainda que a ele ligados por nexo de causalidade, tendo a indemnização então em vista não a reparação do defeito, antes o ressarcimento de danos sofridos além da própria existência do defeito.

X. Não existe no regime da venda de bens de consumo (DL 67/2003, de 8/04) qualquer presunção de conhecimento de defeitos por parte do comprador, mesmo de defeitos aparentes, recaindo sobre o vendedor o ónus de provar o seu efectivo conhecimento por parte do adquirente consumidor.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães(1)

RELATÓRIO

Apelantes (réus): A. R. e mulher, R. M..
Apelados (autores): A. C. e mulher, M. J..

Juízo de competência genérica de Esposende (lugar de provimento de Juiz 2) – T. J. da Comarca de Braga.
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Intentaram os autores (em 24 de Outubro de 2013) a presente acção comum alegando ter adquirido (com recurso a crédito hipotecário) em 30/12/2010 aos réus, que se dedicam à edificação e comercialização de imóveis, prédio urbano (moradia) que identificam, o qual vem revelando defeitos que elencam e que impedem a utilização para o fim a que se destina (a habitação), não visíveis na data da celebração do contrato de compra e venda. Continuam alegando ter denunciado tais defeitos e exigido a sua eliminação, tendo o réu verificado a respectiva existência e reconhecido a responsabilidade, procedendo a algumas reparações, insuficientes para a sua completa eliminação, vinculando-se a repará-los e eliminá-los todos e a reparar os danos, o que não fez. Alegam, por fim, ter sofrido, em consequência, outros danos (designadamente incómodos e desconforto) resultantes dos alegados defeitos da moradia, os quais se manterão até completa eliminação destes.
Com tais fundamentos peticionaram a condenação dos réus a reparar e eliminar todos os defeitos de construção de que enferma o imóvel e a nele efectuar todas as obras necessárias à sua total irradicação ou supressão, bem como a ressarci-los de todos os danos que constituem a consequência adequada da existência dos defeitos no mesmo imóvel, sejam de natureza patrimonial ou não patrimonial, e, assim pagarem-lhes a quantia que se vier a liquidar em execução de sentença.
Contestaram os réus por impugnação e por excepção – impugnaram a existência dos invocados defeitos ou desconformidades, os quais, alegam, a existir já se verificavam no imóvel à data da compra e venda, tendo os autores aceitado o imóvel no estado em que se encontrava após o inspeccionarem; impugnaram também qualquer denúncia dos defeitos e bem assim o reconhecimento deles pelo réu marido (assim como a assumpção de responsabilidade pela respectiva reparação). Por excepção invocaram a caducidade da propositura da acção, alegando mostrar-se ultrapassado o prazo estabelecido no art. 917º do CC, alegando não ter efectuada a construção da moradia objecto dos autos em vista da sua comercialização.
Cumprido o contraditório quanto à invocada matéria de excepção (tendo os autores alegado que os réus se dedicam à edificação e comercialização de imóveis, tendo edificado e construído todas as moradias existentes na zona, sendo que ademais reconheceram a existência dos defeitos e se comprometeram a repará-los, constituindo o invocado por eles abuso de direito), foi proferido saneador, identificado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova.
Em Abril de 2016 apresentaram os autores articulado superveniente, liminarmente admitido após cumprido o contraditório, alegando defeitos entretanto surgidos.

Efectuada a prova pericial requerida e realizado o julgamento (no decurso do qual foi realizada inspecção judicial) foi proferida sentença que julgou procedente a acção e condenou os réus:

- a reparar e eliminar todos os defeitos de construção de que enferma o imóvel e que resultaram provados e bem assim a nele efectuar todas as obras necessárias à sua total erradicação ou supressão,
- a ressarcir os autores de todos os danos que constituem a consequência adequada da existência dos defeitos no mesmo imóvel, sejam de natureza patrimonial ou não patrimonial e assim, pagarem-lhe a quantia que se vier a liquidar em execução de sentença.

Irresignados, apelam os réus, terminando as suas alegações formulando as seguintes conclusões:

a- Os factos que impõem decisão diversa da recorrida são os constantes dos pontos 4°), 5°), 6°), 7°), 8°), 9°), 10°), 11°), 12°), 13°), 14°), 15°), 16°), 17°), 18°), 19°), 20°), 21°), 22°), 23°), 24°), 25°) e 41°) dos factos provados, e do ponto d) dos factos não provados.
b- Os meios de prova que impunham decisão diversa da recorrida são a prova pericial, a prova documental, a prova por inspecção, os depoimentos de parte de ambos os AA. e o depoimento das testemunhas B. R., P. M., Arq. C. R., Eng. A. F. e J. C..
c- Ficou suficientemente provado que o negócio a que alude o ponto 2°) dos factos provados não foi celebrado pelos RR. no âmbito da actividade exercida pelo 1 ° R. marido.
d- A A. mulher referiu claramente que aquando do negócio o R. marido lhe havia dito que a casa havia sido construída para ele.
e- Tal afirmação foi corroborada pelas testemunhas B. R., P. M., Arq. C. R., Eng. A. F. e J. C..
f- É referido na motivação da fundamentação de facto que a testemunha J. C. afirmou que na ficha técnica de habitação consta o nome da sua empresa porque o R. marido não tinha alvará, quando na realidade o que a testemunha disse é que a sua empresa não tinha alvará que por essa razão consta da ficha técnica de habitação outra empresa, que não a dele.
g- O R. marido não construiu aquela habitação com o objectivo de a vender, mas sim com a finalidade de a ter para si e de nela habitar.
h- o ponto 4°) dos factos provados deveria ter a seguinte redacção:
- Pese embora o R. marido se dedique à edificação e comercialização de moradias e edifícios, a casa de dois pavimentos descrita em 1°) não foi construída e vendida no âmbito dessa actividade.
i- O relatório pericial contraria alguns factos julgados provados pelo Tribunal a quo.
j- Nos pontos 6°), 12°), 14°), 16°), 21º) e 22°) dos factos provados, o Tribunal a quo dá como provada a existência de defeitos que a perícia realizada nos autos nega claramente.
k- O Tribunal a quo na motivação da decisão de facto não justifica as razões pelas quais deu como provada a existência de defeitos que o perito considerou não se verificarem.
l- Nos pontos 7°), 8°), 10°), 13°), 14°), 15°), 17°), 19°) e 20°) dos factos provados o Tribunal a quo não respeitou integralmente os resultados da perícia realizada nos autos.
m- O Tribunal a quo foi muito além do constatado em sede de perícia.
n- O auto de inspecção ao local nada acrescenta em relação à perícia e as testemunhas Eng. A. M. e C. A. foram ambas contratadas pelos AA., pelo que, sem pôr em causa a sua isenção, não existem razões para que os seus depoimentos prevaleçam sobre a prova pericial.
o- Conforme resulta do depoimento de parte dos AA. e do depoimento da testemunha B. R., os AA., antes de formalizarem o negócio inspeccionaram a moradia, tendo ido lá por duas vezes e tendo circulado por onde entenderam, quer pelo interior, quer pelo exterior.
p- Relativamente ao muro a norte descrito no ponto 25°) dos factos provados, o A. marido declarou no seu depoimento de parte que, quando foi ver a casa, reparou que o mesmo já estava um bocadinho inclinado, mas como gostou tanto da casa deixou passar.
q- Tal anomalia, aquando da celebração do negócio, era assim perfeitamente visível.
r- As desconformidades elencadas nos pontos 6°), 11°), 14°), 18°), 22°) e 23°) dos factos provados, tinham, pela sua natureza, que ser visíveis aquando da venda, não se tratando de patologias apenas verificáveis com o decurso do tempo.
s- Trata-se de situações que revelam trabalhos incompletos ou inacabados, aplicação errada ou não aplicação de materiais, ou seja, factos que naturalmente existiam aquando da venda da casa.
t- Atenta a sua natureza, tratam-se de desconformidades facilmente detectáveis.
u- Tendo os AA. inspeccionado a moradia, como resulta da prova produzida, é de todo impossível que os mesmos não tenham visto tais desconformidades.
v- O teor do ponto 41º) dos factos provados encontra-se em contradição com o vertido no ponto a) dos factos não provados.
w- Tal contradição deve ser sanada a favor do teor do ponto a) dos factos não provados, dado ter sido realizada perícia ao betão e o respectivo relatório, junto aos autos, não apontar qualquer deficiência no betão
x- Face aos concretos meios probatórios acabados de enunciar, os concretos pontos de facto enunciados em A), ao serem considerados provados, e o concreto ponto de facto enunciado em B), ao ser considerado não provado, consubstanciam um julgamento incorrecto e um claro erro da apreciação da prova.
y- A não correspondência entre a prova invocada pelo Tribunal e a decisão sobre a matéria de facto que sobre ela assentou traduz uma violação e uma interpretação inconstitucional do preceituado no artigo 607°, n° 3 do Código de Processo Civil e viola o artigo 205° da Constituição da República Portuguesa.
z- Deveriam considerar-se não provados os factos constantes dos pontos 4°), 5°), 6°), 7°), 8°), 9°), 10°), 11°), 12°), 13°), 14°), 15°), 16°), 17°), 18°), 19°), 20°), 21°), 22°), 23°), 24°), 25°) e 41°) dos factos provados, e provado o facto constante do ponto d) dos factos não provados.
aa) - De acordo com o disposto nos artigos 1°-A e 1°-B, alíneas a) e c) do D.L. n.º 67/2003, de 8 de Abril, para que seja aplicável este diploma não basta que o vendedor exerça uma actividade profissional, sendo ainda necessário que o contrato de compra e venda seja realizado no âmbito dessa mesma actividade.
ab- Do elenco dos factos provados consta apenas a menção à actividade profissional do R. marido, nada sendo dito quanto à qualidade em que o mesmo interveio no negócio celebrado com os AA..
ac- Ficou suficientemente demonstrado que a habitação em causa não foi edificada pelo R. marido com vista a ser comercializada, ou seja não foi construída e vendida no âmbito da sua actividade profissional.
ad- Ao contrato de compra e venda objecto dos autos não é aplicável o D.L. n.º 67/2003, de 8 de Abril.
ae- À pretensão dos AA. aplica-se sim o regime da venda de coisas defeituosas, previsto nos artigos 913º e seguintes do Código Civil.
af- Nos termos do artigo 917º do Código Civil, a acção destinada a fazer valer os direitos do comprador deve ser instaurada no prazo de 6 meses após a denúncia.
ag- Decorre da matéria de facto provada que os AA. denunciaram os defeitos antes de Agosto de 2011, pelo que quando foi instaurada a presente acção há muito que se encontrava ultrapassado o prazo de 6 meses previsto no artigo 9170 do Código Civil.
ah- Mesmo que se entenda que os alegados trabalhos de reparação posteriores à denúncia suspenderam ou interromperam o prazo de caducidade, a verdade é que está provado que o último trabalho de reparação ocorreu em Novembro de 2012, pelo que o prazo previsto no artigo 917º do Código Civil retomar-se-ia ou reiniciar-se- ia a partir dessa data.
ai- A presente acção deu entrada no dia 24 de Outubro de 2013, ou seja 11 meses após o último alegado trabalho de reparação realizado.
aj- O direito invocado pelos AA. extinguiu-se por caducidade.
ak- A decisão do Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 1º-A e 1º-B, alíneas a) e c) do D.L. n.º 67/2003, de 8 de Abril e no artigo 917º do Código Civil.
al- O defeito da coisa vendida só leva à aplicação do regime da venda de coisas defeituosas caso o comprador o desconheça sem culpa.
am- Muitas das desconformidades elencadas nos factos provados eram do conhecimento dos AA. aquando da escritura de compra e venda ou, pelo menos, tinham de ser conhecidas por estes por serem facilmente visíveis.
an- Relativamente aos alegados defeitos constantes dos pontos 6°), 9°), 11°), 14°), 18°), 22°), 23°), 24°) e 25°) dos factos provados nunca poderia haver responsabilidade dos RR.
ao- A decisão do Tribunal a quo violou o disposto no artigo 913º do Código Civil e no artigo 2º, n.º 3 do D.L. n.º 67/2003, de 8 de Abril.
ap- Relativamente aos danos alegados pelos AA., o Tribunal a quo apenas deu como provado o seguinte:
- Os autores têm residência efectiva em França, vindo a Portugal em gozo de férias mas nos últimos meses evitam a sua vinda a Portugal, devido à forte tristeza dos defeitos que a casa dos seus sonhos enferma - ponto 36°) dos factos provados.
aq- Não resultou provada a existência de qualquer dano patrimonial sofrido pelos AA., pelo que não poderia o Tribunal a quo condenar os RR. a ressarcirem os AA. de danos dessa natureza.
ar- Estando apenas provado um dano de natureza não patrimonial, o direito à indemnização deve ser determinado com base no critério da equidade, conforme dispõe o artigo 566°, n.º 3 do Código Civil.
as- O Tribunal a quo não tinha necessidade de remeter o apuramento do valor da indemnização para execução de sentença.
at- Sem conceder, a condenação no que vier a ser liquidado deve incidir apenas sobre a matéria do ponto 36°) dos factos provados, não lhe podendo ser atribuído um sentido tão lato como o que resulta da parte decisória da douta sentença.
au- A decisão do Tribunal a quo viola o disposto no artigo 566°, n.º 3 do Código Civil e no artigo 609º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil.

Contra-alegaram os autores em defesa da sentença recorrida, sustentando o não cumprimento dos ónus impostos no art. 640º do CPC ao apelante que impugna a decisão de facto da primeira instância, que tal decisão se mostra correcta e merece ser corroborada, dada a prova produzida (testemunhal, documental, pericial e inspecção judicial), que não se verifica a caducidade (tendo a acção sido tempestivamente intentada) e que a moradia padece dos defeitos aludidos na decisão recorrida.
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Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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Delimitação do objecto do recurso – questões a apreciar.

Sabendo-se que o objecto do recurso é definido pelas conclusões no mesmo formuladas, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso, identificam-se as seguintes questões decidendas:

- apreciar da alteração da decisão sobre a matéria de facto pretendida pelos apelantes (o que inclui apurar se cumpriram os ónus impostos pelo art. 640º, nº 1 do CPC - questão suscitada pelos apelados nas contra-alegações),
- apreciar da caducidade da acção por intentada depois de esgotado o prazo estabelecido no art. 917º do CC (questão que inclui apurar da inaplicabilidade, no caso, do regime legal estabelecido no DL 67/2003, de 8/04),
- apreciar do conhecimento, pelos autores, dos defeitos/desconformidades aquando da aquisição do imóvel (ou da impossibilidade razoável de os ignorarem, dado serem visíveis/aparentes),
- apreciar da existência da obrigação de indemnizar e sua circunscrição à factualidade apurada nos autos e ainda da desnecessidade de remeter o apuramento do valor da indemnização para ulterior decisão.
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FUNDAMENTAÇÃO
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Fundamentação de facto

A decisão recorrida considerou provada a seguinte a matéria de facto:

1º- Encontra-se registado em nome dos autores, um prédio urbano composto por casa com dois pavimentos e logradouro, sito no Lugar …, Rua …, freguesia de …, concelho de Esposende, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …, e descrito na Conservatória do Registo Predial de …, sob o nº ….
2º- (…) que estes adquiriram aos réus em 30 de Dezembro de 2010, através de escritura de compra e venda e mútuo com hipoteca, pelo preço de 240.000,00€.
3º- Os autores pagaram integralmente aos réus o preço acordado.
4º- O réu marido dedica-se à edificação e comercialização de moradias e edifícios.
5º- O imóvel referido em 1 tem vindo a revelar anomalias que impedem a sua utilização ao fim a que se destina, ou seja a habitação, e que não eram visíveis na data da celebração do contrato de compra e venda.
6º- (…) tais como, ao nível do desvão sanitário verificam- se:
- fundações com armaduras à vista e já oxidadas,
- paredes estruturais e de suporte de terras realizadas em tijolo cerâmico, com infiltração visível de humidade,
- deficiente isolamento entre a parede estrutural e o muro divisório do prédio a Norte,
- fraca ventilação e execução de aberturas existentes no desvão sanitário,
- deficiente fixação de tubagens,
- falta de limpeza dos resíduos resultantes da construção da habitação,
7º- Ao nível da planta do rés-do-chão, existência de infiltrações de água, principalmente nos tectos, designadamente, no tecto da lavandaria, no tecto da casa da caldeira, no tecto da garagem e no tecto da sala comum;
8º- (…) originadas pela forte presença de um teor elevado de humidade, que resulta de infiltrações da sua cobertura, que é realizada em terraço que não tem uma pendente constante favorável ao escoamento da água pluvial.
9º- Os muretes periféricos da cobertura apresentam deficiências no seu revestimento, permitindo a entrada de água.
10º- Existência de infiltrações de humidade pelos tectos ao nível do r/chão e primeiro andar.
11º- Nas varandas do quarto nascente/sul, existem tubos de queda de águas pluviais interrompidos nos pavimentos das varandas.
12º- O capeamento em granito dos muretes das varandas não tem aplicação de repelente e não tem protecção das juntas de união das pedras.
13º- As varandas do lado Norte e Sul apresentam fissuração nos muretes, devido ao movimento descente da consola que constituiu a varanda provocando o desligamento da parede que faz o murete.
14º- No quarto suite a sul/poente:
- no tecto da casa de banho há indícios de infiltração de humidade,
- os tubos de quedas de águas pluviais estão interrompidos no pavimento das varandas o que provoca má drenagem de águas pluviais,
- há deterioração da betumagem das juntas das tijoleiras, que revestem o pavimento das varandas,
- o capeamento em granito dos muretes das varandas não tem aplicação de repelente e não tem protecção das juntas de união das pedras,
- o murete da varanda do lado norte apresenta a pintura degradada, com acumulação de matéria vegetal.
15º- No quarto de banho a sul são visíveis infiltrações de água pela cobertura.
16º- Ao nível da planta das coberturas verifica-se haver acumulações de água provocando o aparecimento de matéria vegetal e a deficiente drenagem desses espaços.
17º- As fachadas da habitação apresentam acumulação de matéria vegetal, na pintura.
18º- Inexiste “pingadeira” nos elementos salientes, contribuindo para a degradação da pintura destes.
19º- É visível alguma fissuração nos elementos salientes, que formam varandas, nas fachadas sul e nascente, devido à fissuração existente ter características provenientes do assentamento ou rotação dos elementos que as apresentam, e,
20º- (…) verificam-se já fenómenos de capilaridade, provocando eflorescências junto ao rodapé, em virtude da falta de isolamento hídrico das paredes em relação ao solo ou aos pavimentos.
21º- Nos espaços envolventes da moradia, é manifesta a degradação da betumagem do revestimento cerâmico dos passeios,
22º- (...) onde se verifica uma concentração de água corrente proveniente dos tubos de queda, que desaguam directamente nos passeios, provocando a carbonatação rápida da betumagem.
23º- Existe a descarga directa das águas pluviais provenientes dos tubos de queda, no pavimento dos passeios, promovendo o alargamento dos passeios e provocando a deterioração do revestimento destes.
24º- Nos muros de vedação e suporte, a pintura destes encontra-se com mau aspecto e estão degradados.
25º- O muro a norte da moradia apresenta risco de ruína.
26º- A habitação referida em 1º, em virtude do supra referido, impede a sua utilização para o fim a que se destina.
27º- Os autores denunciaram aos réus os defeitos referidos supra logo nos trinta dias que se seguiram ao seu aparecimento, quer verbalmente, quer por escrito.
28º- (…) exigindo aos réus a sua eliminação e reparação.
29º- Na sequência, o 1º réu veio verificar a existência dos defeitos e inicialmente, em Agosto 2011, colocou todo o piso da planta do rés-do-chão, da habitação dos autores, que se levantou, em virtude da intensa humidade lá existente,
30º- (…) assim como, assentou todo o azulejo da casa de banho, do rés do chão da habitação dos autores, devido ao facto de o mesmo ter estalado e soar a oco, e alguns azulejos estavam descoladas da base.
31º- Em Dezembro de 2011 foram detectadas fortes infiltrações de água na garagem da habitação dos autores, pelo que, o autor efectuou aberturas na face inferior da lage da cobertura da casa, de forma a retirar a água existente.
32º- Em 2012 começaram a surgir problemas de humidade nas casas de banho ao nível da planta do 1º andar da habitação dos autores ao que o 1º réu procedeu à pintura dos referidos tectos.
33º- Em Agosto de 2012 o 1º réu colocou grelhas à volta de toda a habitação em virtude da deficiente drenagem desses espaços, para eliminar as águas existentes no desvão sanitário.
34º- Em Novembro de 2012 o 1º réu rectificou algumas rupturas da membrana de silicone, ‘tela líquida’, na cobertura da habitação realizadas em terraços, que se apresentavam degradadas.
35º- As telas que se encontram nas coberturas da habitação, realizadas em terraços, são muito finas e pouco resistentes aos fenómenos climáticos.
36º- Os autores têm residência efectiva em França, vindo a Portugal em gozo de férias, mas nos últimos meses, evitam a sua vinda a Portugal, devido à forte tristeza dos defeitos que casa dos seus sonhos enferma.
37º- A 25/05/2016 os autores apresentaram contra os réus providência cautelar comum, que faz o apenso B, solicitando que estes custeiem na íntegra as obras de intervenção, nomeadamente a colocação de telha dupla nas coberturas da moradia e a proceder à retirada de água que se encontra nas lages e nas placas, através de furos, utilizando todos os meios técnicos necessários para a reparação/eliminação das anomalias existentes nas coberturas do prédio dos requerentes causadoras de infiltrações na habitação;
38º- (…) sendo os réus condenados a tal, por decisão final proferida a 04/01/2017, que mereceu recurso declarado improcedente por acórdão de 11/05/2017;
39º- (…) que os réus não cumpriram até hoje.
40º- Em Fevereiro de 2016 a não retenção pela cobertura da água das chuvas, penetrou na moradia dos autores.
41º- Em Fevereiro de 2016 o Técnico Eng. A. M. e o empreiteiro C. A. deslocaram-se à casa dos autores, designadamente ao desvão sanitário, e verificaram que o betão se encontrava podre.
42º- Os AA para reparar os danos na sua moradia e para proceder à reparação dos defeitos, terão que despender pelo menos 66.324,00€.

Considerou a decisão recorrida não provado que:

a) o betão aplicado na habitação referida em 1º seja de fraca qualidade.
b) os autores não tenham denunciado aos réus os defeitos da habitação, no prazo legal.
c) a construção da habitação alvo dos autos tenha obedecido às técnicas de construção e nela tenham sido aplicados os melhores materiais e que tenha sido executada em estrita conformidade com o projecto aprovado pela Câmara Municipal de … e que tivesse sido sujeita a rigorosa fiscalização.
d) os defeitos que os autores invocam na PI configuram aspectos que já existiam à data da compra do imóvel, imóvel esse que os autores inspeccionaram e verificaram ao pormenor, aceitando o imóvel no estado em que se encontrava.
e) a humidade que os autores referem existir na moradia deve-se à condensação pelo facto de a mesma estar permanentemente fechada.
f) o réu marido não tivesse reconhecido a existência dos defeitos denunciados pelos autores.
g) os danos que os autores invocam, a existirem, foram provocados pelos mesmos para assim tentarem um enriquecimento à custa dos réus, que desde o início dos autos contribuem para o agravamento dos danos, não fazendo manutenção na habitação, não arejando a mesma, mantendo-a meses a fio fechada.
h) a impermeabilização da casa dos autores está apta a impedir a entrada de qualquer humidade, pelo que a entrada de humidade ou água pela cobertura onde foi aplicada a protecção, resulta de danificação ou agressão da referida protecção.
i) no passado mês de Dezembro de 2017 os autores tinham as janelas abertas apesar de ninguém se encontrar no seu interior, sendo que chovia torrencialmente e a água da precipitação entrou directamente para o interior da casa dos autores, danificando soalho e tijoleira e paredes e tectos, sendo que tal aconteceu no mês de Dezembro de forma permanente.
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Fundamentação de direito
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A. Da impugnação da matéria de facto

Impugnam os réus apelantes a decisão da primeira instância sobre a matéria de facto, sustentando deverem considerar-se não provados os factos que a decisão recorrida considerou provados nos números 4°) (ainda que, quanto a este ponto, sugiram nova redacção para a matéria nele aludida), 5°), 6°), 7°), 8°), 9°), 10°), 11°), 12°), 13°), 14°), 15°), 16°), 17°), 18°), 19°), 20°), 21°), 22°), 23°), 24°), 25°) e 41°) dos factos provados, e provada a matéria julgada não provada na alínea d) dos factos não provados, argumentando que a reapreciação de elementos probatórios sujeitos à livre apreciação do juiz (depoimentos de parte e declarações de parte, prova testemunhal e prova pericial) importará a reclamada alteração.
Acolhe-se a deduzida impugnação no art. 662º do CPC – pretende-se a reapreciação de elementos probatórios sujeitos à livre apreciação do juiz (art. 607º, nº 5, 1ª parte, do CPC – v. g., depoimentos de parte e declarações de parte sem valor confessório, depoimentos testemunhais e prova pericial) –, impondo-se a este tribunal apreciar (até porque – e sendo matéria de oficioso conhecimento – os autores apelados o invocam nas contra-alegações) se os apelantes cumpriram os ónus de impugnação prescritos nas três alíneas do nº 1 do art. 640º do CPC – o incumprimento de qualquer das exigências estabelecidas no preceito, que constituem verdadeiros ónus, é cominado com a rejeição do recurso no segmento relativo à impugnação da matéria de facto e, dentro deste segmento, quanto aos pontos relativamente aos quais tenham sido desrespeitadas as referidas regras (2).
Ainda que tais exigências devam ser ‘apreciadas à luz dum critério de rigor’, decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, em vista de impedir que ‘a impugnação da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo’, não devem exponenciar-se os ‘requisitos formais a um ponto em que seja violado o princípio da proporcionalidade e seja denegada a reapreciação da decisão da matéria de facto com invocação de fundamentos que não encontram sustentação clara na letra ou no espírito do julgador’ (3).
Não pode valorizar-se excessivamente o formalismo imposto ao recorrente que impugna a matéria de facto, antes devendo adoptar-se interpretação conforme aos princípios da proporcionalidade, razoabilidade (4) e adequação, com vista à realização da justiça material, devendo enjeitar-se visão formalista de tais procedimentos pois que importa não sacrificar ‘o direito das partes no altar de uma jurisprudência formal a um ponto que seja denegada a reapreciação da decisão da matéria de facto, com invocação de fundamentos que não encontram sustentação clara nem na letra, nem no espírito do legislador’, sendo necessário ‘que a verificação do cumprimento do ónus de alegação regulado no art. 640º do CPC seja compaginado com os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, atribuindo maior relevo aos aspectos de ordem material’ (5).
Deve ponderar-se que os aspectos fundamentais a assegurar ‘são os relacionados com a definição clara do objecto da impugnação (que se satisfaz seguramente com a clara enunciação dos pontos de facto em causa), com a seriedade da impugnação (sustentada em meios de prova que são indicados ou em meios de prova oralmente produzidos que são explicitados) e com a assunção clara do resultado pretendido’ (6), ainda que se sempre se deva exigir que o apelante satisfaça os necessários requisitos para não obrigar o tribunal ad quem a substituir-se-lhe na concretização do objecto do recurso (especialmente no que concerne aos requisitos estabelecidos nas alíneas a) e c) do nº 1 do art. 640º do CPC) (7).

Cumpriram os réus apelantes os ónus da impugnação da decisão de facto previstos no art. 640º do CPC:

- indicaram, nas conclusões, os concretos pontos de facto que consideram incorrectamente julgados (art. 640, nº 1, a) do CPC), tomando clara posição sobre o resultado pretendido relativamente aos impugnados factos (art. 640º, nº 1, c) do CPC),
- especificaram, na motivação, os concretos meios probatórios que em seu entender sustentam decisão diversa (art. 640, nº 1, b) do CPC) e indicaram, na motivação, as passagens da gravação quanto aos depoimentos testemunhais que invocam (art. 640º, nº 2, a) do CPC), fazendo crítica apreciação dos elementos probatórios em vista de sustentar a sua posição.
Impõe-se, pois, a apreciação da impugnação da matéria de facto.

Quando convocada a reapreciar a decisão da primeira instância sobre a matéria de facto alicerçada em elementos probatórios sujeitos à livre apreciação do juiz (art. 607º, nº 5, 1ª parte, do CPC) – v. g., depoimentos e perícias –, tem a Relação, ‘assumindo-se como verdadeiro tribunal de instância’, de expressar a partir deles a sua convicção com total autonomia, devendo reponderar a questão de facto em discussão e expressar de modo autónomo o seu resultado (confirmando a decisão, decidindo em sentido oposto, ou, num plano intermédio, alterando a decisão no sentido restritivo ou explicativo) (8) – reapreciação que não pode confundir-se com um ‘novo julgamento’, pressupondo que o recorrente fundamente de forma concludente as razões por que discorda da decisão recorrida, aponte com precisão os elementos ou meios de prova que implicam decisão diversa da produzida e indique a resposta alternativa que pretende obter (9).
A reapreciação da matéria de facto pela Relação, no âmbito da previsão dos artigos 662º, nº 1 e 640º, nº 1 do CPC, importa a reponderação dos elementos probatórios produzidos nos autos, averiguando se permitem afirmar, de forma racionalmente fundada, a veracidade da realidade alegada quando o facto tenha sido julgado não provado ou o inverso, quando o facto tenha sido julgado provado pela primeira instância.
Nesta actividade, os poderes do Tribunal da Relação não podem ser restritivamente circunscritos à simples apreciação do juízo valorativo efectuado pelo julgador a quo, ou seja, ao apuramento da razoabilidade da convicção formada pelo juiz da primeira instância face aos elementos probatórios disponíveis no processo, devendo antes a Relação, fazendo jus aos poderes que lhe são atribuídos enquanto tribunal de segunda instância que garante um segundo grau de jurisdição em matéria de facto, efectuar uma autónoma apreciação crítica das provas produzidas (em vista de formar uma convicção autónoma), alterando a decisão caso adquira, face a essa autónoma apreciação dos elementos probatórios a que há-de proceder, uma diversa convicção (10).
A análise crítica dos elementos probatórios (em ordem à justificação racional da decisão – elemento verdadeiramente estruturante e legitimador desta, que lhe confere a natureza de decisão, afastando-a do que seria uma simples imposição judicial) consiste na sua apreciação e valorização, tanto individual como conjugada (na sua relacionação reversiva – na sujeição dos elementos probatórios a mútuos testes de compatibilidade), à luz das regras da normalidade, da verosimilhança, da lógica, do bom senso e experiência da vida (das leis da ciência, quando for o caso), assentando a decisão da matéria de facto numa convicação objectivável e motivável, a que se acede por via da razão, alicerçada em elementos de lógica e bom senso.
Apreciação que se não confunde ou resume a certificar o declarado pelas partes ou testemunhas ou o teor de determinado elemento probatório – aprecia-se quer da valia intrínseca de cada um dos elementos probatórios (da consistência, coerência e verosimilhança de cada um dos referidos elementos, tomado individualmente) e também a sua valia extrínseca (da conjugação e compatibilidade entre todos eles).
Trata-se de um processo de análise de todos os elementos probatórios cujo produto final há-de ser o resultado da sua valorização e compatibilização lógica e racional.
As provas (art. 342º do CC) têm por função a demonstração da realidade dos factos. Através delas não se busca criar no espírito do julgador a certeza absoluta da realidade dos ‘factos’ – ‘se a prova em juízo de um facto reclamasse a certeza absoluta da verificação do facto, a actividade jurisdicional saldar-se-ia por uma constante e intolerável denegação de justiça’ (11) –, mas antes produzir o que para a justiça é imprescindível e suficiente – um grau de probabilidade bastante, face às circunstâncias do caso e às regras da experiência da vida.
A prova como demonstração efectiva (segundo a convicção do juiz) da realidade de um facto ‘não é certeza lógica mas tão-só um alto grau de probabilidade suficiente para as necessidades práticas da vida (certeza histórico-empírica)’ (12).
Estes considerandos conduzirão o tribunal na reapreciação da matéria impugnada.

Sustentam os apelantes quanto ao facto elencado sobre o número 4º dos factos provados que da prova produzida em julgamento se impõe concluir que a venda da moradia aos autores não foi levada a efeito pelo réu marido no âmbito da actividade de edificação e comercialização de moradias e edifícios – e por isso sugerem para tal número nova redacção que isso reflicta. Aduzem, em defesa da propugnada alteração, que a casa vendida aos autores foi construída pelo réu com destino a habitação própria, sustentando-se em afirmação da autora em depoimento de parte – referiu que o réu, aquando do negócio, lhe referira que construíra a casa para ele –, corroborada pelas testemunhas B. R., P. M., C. R., A. F. e J. C..
A propósito desta particular matéria, a prova produzida em audiência (13) foi pacífica quanto ao facto do réu desenvolver actividade de construção e comercialização de moradias e edifícios (incluindo o prévio loteamento de terrenos) – tal actividade do réu marido foi afirmada quer por testemunhas arroladas pelos autores (testemunhas B. R. e P. M., respectivamente funcionário e gerente da empresa de mediação mobiliária que mediou o negócio entre autores e réus – ambos referiram ser essa a actividade do réu marido, substanciando a razão de ciência: o primeiro referiu que há mais de dezoito anos, desde que está na empresa, conhece o réu, promovendo a venda de moradias e edifícios por ele construídos; o segundo retractou-o como pessoa que se dedicava à compra de terrenos, ao respectivo loteamento, à construção e posterior venda do edificado, sendo no âmbito dessa actividade que tinha com ele negócios), quer por testemunhas arroladas pelos réus (testemunhas C. P. e A. F., o primeiro arquitecto e o segundo engenheiro civil, que referiam a respectiva ligação ao réu, para o qual fizeram vários projectos e acompanharam a execução de variadas obras por ele levadas a efeito: o primeiro referiu que o réu aquiria o terreno, construía e vendia, sendo essa a actividade a que se dedicava; o segundo referiu que a sua empresa prestou ao réus serviços, acompanhando obras por ele edificadas para venda, ao longo dos tempos).
Não questionam os apelantes ser essa a actividade a que se dedicava o réu varão, pretendendo porém se considere que a casa adquirida pelos autores foi pelo réu construída para si (apelantes) e não com destino à comercialização.
No seu depoimento de parte admitiu a autora mulher que nos contactos tidos no acto da outorga da escritura pública de compra e venda o réu referiu que construíra para si (réu) aquela casa – expressando porém que tal foi o que o réu então referiu, não sabendo se tal correspondia ou não à verdade.

A propósito da questão, dos elementos testemunhais produzidos em audiência de discussão e julgamento, impõe-se destacar:

- a testemunha B. R., funcionário da imobiliária que mediou a compra e venda, referiu que o réu marido (à semelhança do que fez relativamente a outras) contactou a imobiliária em vista da comercialização da moradia; que se tratava de loteamento promovido pelo réu, onde construiu outras casas (casas entretanto também vendidas); perguntando directamente se a casa fora construída pelo réu com destino a habitação própria, afirmou ‘pensar que não’, que a moradia estivera à venda durante três anos até ser adquirida pelos autores; referiu que o réu nunca lhe dissera que a casa fora construída para si próprio ou para os filhos até à escritura (só na escritura lhe disse que a casa seria para si ou para um filho),
- a testemunha P. M., gerente da imobiliária, afirmou que a casa esteve para venda durante algum tempo, que não soube precisar (sempre adiantando que quem tratara do negócio fora o B. R.), referindo que o réu adquirira o terreno, promovera o respectivo loteamento e construíra casas, fazendo-o, em seu entender como investimento (essa era a actividade a que se dedicava), não sabendo porém se a concreta casa adquirida pelos autores foi ou não construída para sua (réu) habitação,
- a testemunha J. C., construtor civil que construiu a casa por empreitada para o réu (trabalhos de trolha), referiu que o réu lhe dissera que a casa era para si; que o réu se deslocava frequentemente à obra, fazendo comentários sobre a utilização que daria aos aposentos; que a sua percepção era a de que o réu, a vender, venderia a casa onde habitava (dizia que era grande e que um dia a venderia); que o réu referia que a casa que construía ao lado era para um filho,
- a testemunha C. P., o arquitecto que realizou o estudo prévio e o projecto de arquitectura e fez acompanhamento da obra, afirmou ter feito vários trabalhos para o réu (ele comprava o terreno, construía e comercializava), sendo que no caso duas das casas a construir no loteamento não eram para venda, pois uma delas era para uma filha (então a frequentar a universidade) e a outra era para ele: atravessava problemas financeiros e tinha posto a casa onde vivia à venda (uma casa grande e de valor elevado – um milhão de euros), mas como não conseguiu vender, surgiu a oportunidade de vender esta; expressamente questionado sobre pormenores que o réu tenha pretendido incluir nesta casa que não tenha incluído nas outras que construiu para revenda (demonstrativos/reveladores do propósito de a destinar a habitação própria), limitou-se a referir que esse (a habitação própria) era o destino referido pelo réu para tal habitação,
- por fim, a testemunha A. F., engenheiro civil, o responsável técnico pela obra (e que acompanhou outras e variadas obras edificadas pelo réu ao longo dos anos), referiu que no loteamento em questão o réu edificou (segundo crê) quatro moradias, duas para comercialização e as duas demais, segundo lhe referiu, para um filho ou filha (uma) e para ele (outra, que viria a ser objecto da venda aos autores); admitindo que o réu construía para revenda, referiu a testemunha que quanto a esta moradia sempre referiu que seria para si: dizia que tinha uma casa grande demais e dispendiosa e manifestou interesse em mudar para a que construía; expressamente questionado sobre a escolha da moradia em causa para nova residência do réu, referiu que poderia ser em atenção ao desvão avantajado e à utilização que lhe daria (uma suposição da testemunha, sendo certo que não sabia se as demais aí construídas tinham ou não desvão), não adiantando a testemunha, apesar de para tal expressamente instada, qualquer facto concreto que revelasse uma tal intenção do réu (designadamente escolhas ao nível do projecto ou até da concreta execução da edificação que visassem satisfazer interesses e gostos particulares de quem constrói casa para nela habitar).
A conjugação destes elementos probatórios é manifestamente insuficiente para permitir alicerçar com segurança (face ao alto grau de probabilidade suficiente para as necessidades práticas da vida) a conclusão de que o propósito do réu era construir esta casa para si, não para revenda.
Realce-se que nenhuma das testemunhas conseguiu identificar qualquer escolha feita pelo réu, quer ao nível do projecto de arquitectura, quer ao nível da concreta execução, em vista de satisfazer gostos e interesses particulares – qualquer pessoa que leve a efeito a edificação de moradia para nela habitar faz escolhas de cunho pessoal, que diferem das que faz um construtor que destine o imóvel a comercialização. Ademais, é de estranhar que sendo a casa destinada pelo réu a futura habitação não tenha nenhuma das testemunhas inquiridas em audiência aludido a uma visita da ré mulher à obra, como seria normal: sendo a casa a próxima habitação do casal, certamente que a ré teria interesse em visitar a obra e opinar sobre ela.
Relevante (e esclarecedora) a circunstância da casa objecto dos autos ter estado à venda durante anos – as testemunhas B. R. e P. M. referiram-no, tendo a primeira (espontaneamente, diga-se) cifrado em três anos tal período temporal. Tal período temporal significa, considerando que a venda ocorreu no final de 2010 (em Dezembro de 2010) e que construção terminou em 2007 (como referido pelas testemunhas e como resulta do alvará de licença de utilização cuja cópia consta de fls. 223 verso, emitido em Dezembro de 2007, cuja emissão foi solicitada pelo réu em Outubro de 2007, como resultado da cópia do requerimento de fls. 224 verso), que a venda da casa começou a ser promovida logo que concluída a edificação. Facto (imediata promoção da venda) que se não mostra compatível com o destino da casa para habitação própria – fosse esse o destino da casa não teria réu diligenciado para que fosse vendida logo após o termo da sua construção; a venda aos autores não foi uma oportunidade que se lhe apresentou quando tentava vender a casa que habitava, sendo antes um negócio que o réu já vinha procurando desde há três anos.
Assim que valorizando a prova produzida à luz da lógica, das regras da normalidade e da experiência da vida, não pode concluir-se que o réu não construiu a casa objecto dos autos no âmbito da actividade de edificação e comercialização de moradias e edifícios, à qual se dedicava (por a ter edificado com o propósito de a fazer sua habitação).

Argumentam os apelantes que a decisão da primeira instância a propósito da matéria vazada nos números 5º a 25º e 41º dos factos provados e alínea d) dos factos não provados não está conforme à prova produzida, seja prova testemunhal, seja até à prova pericial (perícia singular).
A propósito do facto provado com o número 5º, sustentam que várias das apontadas desconformidades/anomalias eram visíveis na data da celebração do contrato de compra e venda e tendo os autores visitado a moradia por duas vezes, nela circulando por onde entenderam (no seu interior e exterior), tinham de ter-se apercebido do referido nos factos 6º (factos concernentes ao desvão sanitário), 11º, 14º, 22º, 23º (tubos de queda de águas pluviais interrompidos e a desaguar directamente nos passeios), 18º (inexistência de pingadeira) e 25º (inclinação do muro) – e assim que aceitaram o imóvel no estado em que o encontraram (o que impõe se considere provada a matéria da alínea d) dos factos não provados).
Nos depoimentos de parte prestados em audiência de discussão e julgamento referiram os autores terem visitado a moradia por duas vezes, em dois dias seguidos – da primeira vez na companhia de funcionário da empresa mediadora, já depois de terem visitado outras casas, e da segunda vez sozinhos; porque gostaram da casa na primeira visita, o funcionário da mediadora permitiu que fossem novamente visitá-la no dia seguinte, sozinhos, tendo-se então decidido pela aquisição; tais visitas aconteceram no Verão de 2010, tendo a venda ocorrido em Dezembro seguinte; não detectaram qualquer anomalia, pois a casa estava, à sua vista, em condições.
Versão corroborada pela testemunha B. R., funcionário da sociedade mediadora – referiu que aquando da visita dos autores (no Verão – vista na qual os acompanhou), a moradia ‘estava em condições’, não se tendo apercebido então de qualquer anomalia/defeito.
Em tais visitas (onde os autores não viram o desvão referido no facto 6º, de cuja existência só se aperceberam depois da outorga da escritura, como referido pelo autor e corroborado pela testemunha B. R. – foi já depois da outorga da escritura que o autor se apercebeu dum alçapão, que abriu, verificando então a existência do desvão) os autores privilegiaram aspectos perceptíveis ao comprador comum (não se tendo apercebido de qualquer deficiência do muro – o autor referiu que o muro a norte tinha alguma inclinação, mas que só se apercebeu do seu estado depois da outorga da escritura, quando recebeu comunicações escritas do vizinho a queixar-se), não aqueles que só estão ao alcance dos técnicos – um cidadão comum não percepciona determinados pormenores ligados à funcionalidade dos elementos dum edifício (note-se que a testemunha B. R., funcionário da mediadora, referiu não se ter apercebido de qualquer defeito da moradia, quando acompanhou os autores na visita – e é pessoa experimentada na venda de casas), pormenores dos quais só se apercebe quando se manifestam problemas, como referido pelas testemunhas A. M. (engenheiro que procedeu, a pedido dos autores, a inspecção à moradia em vista de elaborar o relatório junto com a petição inicial – referiu que a falta de capeamento dos muretes, os tubos de queda de água a desaguar directamente para varandas e passeios e a inexistência de pingadeira na pala são visíveis mas apenas perceptíveis aos olhos dum técnico, não dum comprador comum, o mesmo acontecendo com a tendência do muro a norte para o derrube) e C. A. (empreiteiro da construção civil, que referiu expressamente que um leigo não alcança a interrupção dos tubos de queda de água, do desvão, da falta de rufos/capeamento, só se apercebendo quando as deteriorações se evidenciam).
Falta de aparência ou ‘visibilidade’ que é também concluída do depoimento da testemunha P. M., que referiu que se a casa tivesse qualquer problema visível, como os sucedidos, dele teria sido dado conhecimento aos autores.
Deve sublinhar-se que da prova produzida em julgamento não resultou que aos autores tenha sido chamada a atenção (antes da outorga da escritura de compra e venda) para a existência do desvão, para o facto dos tubos de queda darem directamente para os pisos das varandas e dos passeios (opção construtiva, segundo as testemunhas arroladas pelos réus), para a inexistência de ‘pingadeiras’ nas palas e para o estado do muro a norte, ou que estes se tivessem efectivamente apercebido de tais pormenores e que os tenham relevado, aceitando adquirir a casa conscientes de tais ‘anomalias’.
Valorizando os elementos probatórios produzidos nos autos há-de considerar-se que os pormenores referidos nos factos provados não eram perceptíveis para os autores à data da celebração do contrato de compra e venda (mormente os referidos nos factos provados com os números 6º, 11º, 14º, 18º, 22º, 23º e 25º) – assim se mantendo a decisão quanto aos referidos factos provados e facto não provado sob a alínea d).
Com fundamento nos relatórios das perícias levadas a cabo nos autos (ambas singulares, uma primeira sobre os vários invocados defeitos – relatório de fls. 127 e seguintes, com esclarecimentos escritos a fls. 238 e seguintes – e uma segunda, realizada por perito da Universidade do Minho, centrada nas características e qualidade do betão utilizado na moradia – relatório de fls. 310 e seguintes, com esclarecimentos escritos a fls. 350 e seguintes e também em audiência) insurgem-se os apelantes contra a decisão da primeira instância relativamente aos factos 6º a 25º e 41º dos factos provados e alínea d) dos factos não provados, argumentando que a decisão se afastou de tais perícias (quer considerando defeitos negados pelas perícias, quer não as respeitando integralmente, não existindo razões para fazer prevalecer sobre a pericial a prova testemunhal).
Assim, apreciando, quanto aos defeitos negados pelas perícias (no caso, pela perícia inicialmente realizada, incidente sobre as alegadas anomalias), especificadamente: a) quanto ao facto provado número 6º (que considerou, ao nível do desvão sanitário, verificar-se fraca ventilação e execução de aberturas existentes no desvão sanitário) alegam os apelantes que o relatório pericial é claro ao afirmar que as aberturas são suficientes para a ventilação do desvão. Na resposta a questão colocada sobre a deficiente ventilação do desvão (fraca ventilação e má execução e protecção das aberturas existentes), o Sr. perito respondeu ser de parecer que as aberturas existentes são suficientes para a ventilação do desvão, verificando porém que tais aberturas não estavam devidamente acabadas (resposta ao quesito 7 formulado pelos autores). Além da perícia, importará ponderar também o parecer técnico elaborado pelo Engenheiro A. M., a solicitação dos autores, junto com a petição inicial (onde a propósito de patologias que constatou em visita feita ao local, alude à deficiente ventilação do desvão apontando como causa a má execução e protecção das aberturas existentes), para lá dos depoimentos prestados em audiência a propósito, desde logo do referido Engenheiro A. M., que referiu terem as aberturas sido feitas posteriormente à construção da edificação (o que também resultou do depoimento de parte dos autores e das testemunhas por estes arroladas, B. R. e M. F. – todos referiram que só posteriormente à venda e depois de ser descoberto pelos autores o desvão e o facto de este ter grande humidade as aberturas nas paredes foram realizadas pelo réu –, assim como da testemunha J. C., o empreiteiro que para o réu edificou a moradia, que referiu ter procedido à realização das aberturas no desvão posteriormente à venda), aberturas/grelhas colocadas na tentativa de melhorar a ventilação, sendo certo que o mesmo tinha má ventilação, da testemunha C. P. (o arquitecto que efectuou o projecto), que adiantou que um desvão tem de ter grande ventilação sob pena de ser fonte de ressuados (sendo certo que não viu o desvão em questão) e da testemunha A. F. (o engenheiro técnico da obra), que referiu que o desvão ‘não tem grandes aberturas’, referindo que na deslocação que a ele efectuou teve de utilizar lanterna. Tais elementos tem de ser ponderados em conjugação com o facto do desvão apresentar infiltrações e humidades (constatadas na inspecção ao local e mencionadas no auto) e do seu acesso se fazer por um alçapão existente no piso de rés do chão da habitação (zona da lavandaria e máquinas) com dimensões de 51cm/51cm. Face ao que se expõe, concorda-se que com a valorização destes elementos em detrimento da espartaneidade do referido a propósito no relatório pericial – um local com quase dois metros de altura e com piso em terra, por baixo do piso térreo da habitação, construído em razão da diferença de quotas do tereno e para garantir a ventilação e salubridade da casa (assim o referiram as testemunhas C. P. e A. F. – o arquitecto e o responsável técnico da obra, respectivamente), com um única entrada por alçapão (fechado, claro está, salvo quando se abre para a ele se aceder), necessita de aberturas que propiciem a circulação do ar para evitar que a humidade tome a casa, o que não aconteceu no caso, como resultou da prova produzida.
b) relativamente aos factos provados com os números 12º e 14º (matéria referente à ausência de aplicação de repelente no capeamento em granito dos muretes das varandas e à não protecção das juntas das uniões das pedras bem assim como quanto à existência da deterioração da betumagem das juntas das tijoleiras que revestem o pavimento das varandas), alegam os apelantes que o relatório pericial refere não ser ‘possível, por simples observação ocular, concluir se foi ou não aplicado repelente no capeamento em granito dos muretes’, podendo contudo afirmar-se que ‘a solução construtiva adotada é adequada’, não sendo ‘visíveis anomalias resultantes desse capeamento’ e bem que afirma a inexistência de deterioração a betumagem. Efectivamente, no relatório da perícia, em resposta aos quesitos 15 e 20 formulados pelos autores, o Sr. Perito respondeu como referem os apelantes; todavia, no parecer junto com a petição inicial (corroborado em julgamento pelo engenheiro A. M., que o elaborou), refere-se não ter sido aplicado repelente no capeamento em granito dos muretes, capeamento que se apresenta sem protecção das juntas de união das pedras, sendo juntas para prova de tais afirmadas anomalias fotografias que as demonstram (fls. 22 verso e 23 verso – três evidenciam a acumulação de matéria vegetal por falta de aplicação do repelente; noutra retracta-se a falta de protecção das uniões das pedras de granito), do mesmo modo que se refere a existência da deterioração da betumagem das juntas das tijoleiras que revestem as varandas, também disso se juntando prova documental (fotografia de fls. 23 verso). Considera-se, pois, demonstrada, com o grau de probabilidade suficiente para as necessidades práticas da vida, a realidade em questão – o parecer junto com a petição mostra-se alicerçado em fotografias, que confirmam o que, sobre a questão, menciona.
c) quanto ao facto provado com o número 16º esgrimem os apelantes com a resposta do perito ao quesito 25º formulado pelos autores, na qual refere não serem visíveis sinais que indiciem acumulação de água ou pendentes de drenagem insuficientes. Conclusão do relatório que é contrária ao parecer já referido, junto com a petição inicial e corroborado em audiência pelo engenheiro que o elaborou, que para demonstrar a afirmada anomalia, juntou fotografia (fotografia de fls. 27 verso). Conjugando tais elementos probatórios, entende-se mais uma vez fazer prevalecer o parecer junto com a petição (corroborado em audiência), estribado em demonstração fotográfica.
d) a impugnação dos números 21º e 22º factos provados é também estribada pelos apelantes na circunstância do relatório pericial referir não se evidenciar deterioração da betumagem dos pavimentos em tijoleira dos passeios envolventes da moradia (resposta ao quesito 31º formulado pelos autores). Tal como quanto à matéria anteriormente analisada, importa também ponderar o parecer junto com a petição, corroborado em audiência pelo engenheiro que o elaborou, parecer que dá nota da degradação da betumagem do revestimento cerâmico dos passeios, relacionada com a grande concentração de água proveniente dos tubos de queda que desaguam directamente nos passeios, provocando a carbonatação rápida da betonagem, juntando fotografia demonstrativa (fls. 34 dos autos). A ponderação de tais elementos probatórios, à semelhança do que se vem referindo, é no sentido de fazer prevalecer sobre o relatório pericial o parecer junto com a petição, fotograficamente corroborado.

Continuando a apreciação, agora quanto à argumentação de que a decisão não respeitou integralmente os resultados da perícia:

a) no número 7º dos factos provados, ao considerar-se a existência de infiltrações de água nos tectos do rés do chão, designadamente nos tectos da lavandaria, da casa da caldeira, da garagem e da sala comum, não é respeitada a perícia, pois que, argumentam os apelantes, na resposta ao quesito 10º formulado pelos autores o Sr. perito apenas põe em evidencia a existência de vestígios de infiltrações, sendo que tal não é visível na sala comum. Perguntava-se em tal quesito se ao nível do rés do chão eram visíveis infiltrações de água, principalmente nos tectos, designadamente nos tectos da lavandaria, casa da caldeira, garagem e sala comum, assim como o mau acabamento do tecto deste compartimento, que provoca a respectiva deterioração, tendo o Sr. Perito respondido afirmativamente, especificando depois serem ‘bem visíveis vestígios de infiltrações e humidades nos tectos da lavandaria, casa da caldeira, garagem e telheiro/churrasqueira’, mostrando-se os revestimentos dos tectos deteriorados. As fotografias juntas no relatório, em vista da demonstração da resposta, circunscrevem-se aos tectos da lavandaria, casa da caldeira, garagem e telheiro/churrasqueira, nenhuma se referindo ao tecto da sala. O Sr. Perito incluiu os tectos da sala na resposta inicial afirmativa à questão que lhe era colocada, mas conjugando tal perícia como o parecer junto com a petição, corroborado em audiência pelo engenheiro que o elaborou, constata-se que as infiltrações e humidades se circunscreviam então aos tectos da lavandaria, casa da caldeira, garagem e telheiro/churrasqueira garagem, estando os tectos da sala afectadas por mau acabamento – tal é expressamente referido no parecer junto com a petição (fls. 19 e verso e fotografias aí juntas e assim foi esclarecido pelo Eng. A. M. em audiência de julgamento – a deterioração dos tectos era em razão das infiltrações de água na cobertura, salvo no caso da sala, cuja deterioração era devida ao mau acabamento). Justifica-se assim alterar o número 7 dos factos provados, conformando-o à concordante prova produzida (parecer junto com a petição, perícia e depoimento do engenheiro que elaborou o parecer), passando a ter a seguinte redacção: ‘Ao nível da planta do rés do chão, existência de infiltrações de água principalmente nos tectos da lavandaria, da casa da caldeira, da casa da caldeira e da garagem, estando o tecto da sala comum manchado por mau acabamento’.
b) no número 8º dos factos provados considera-se que o terraço não tem uma pendente constante favorável ao escoamento da água pluvial, sustentando aos apelantes que tal não tem suporte na perícia, mormente na resposta ao quesito formulado pelos autores. Perguntado (quesito 10 formulado pelos autores) sobre se a causa das infiltrações de água e da humidade nos tectos do rés do chão provinham da sua cobertura, realizada em terraço sem acabamento desejável e sem pendente constante ao favorável escoamento da água pluvial, o Sr. Perito respondeu que tendo em conta o estado de degradação das telas de impermeabilização da laje plana que cobre os compartimentos em causa, é de admitir que a causa de degradação resulte principalmente de infiltrações por deficiente desempenho da solução de impermeabilização executada. Tal resposta é compatível e conjugável com o parecer junto com a petição (corroborado em audiência), no qual se refere (fls. 22) que a deterioração dos tectos em questão tem a sua causa não só na deficiente aplicação da solução de impermeabilização utilizada, como também na inexistência de pendente constante favorável ao escoamento da água pluvial. Não existem razões, pois, para alterar a decisão da primeira instância a propósito da matéria.
c) considerou-se provado no número 10º dos factos provados existirem infiltrações de humidade pelos tectos ao nível do r/chão e primeiro andar, defendendo os apelantes a desconformidade do decidido com a perícia realizada nos autos, que nas respostas aos quesitos 13º, 17º e 24º formulados pelos autores se alude apenas a vestígios de infiltrações. Objecção que assenta num verdadeiro jogo de palavras, num eufemismo, pois que os vestígios de algo significam a respectiva existência (algo cuja existência o vestígio demonstra); ademais, tais infiltrações são recorrentemente referidas ao longo do relatório, do parecer junto com a petição e mencionadas também em julgamento por várias testemunhas, mormente (de modo mais técnico-científico) pelo engenheiro que elaborou tal parecer.
d) no número 13º dos factos provados considerou-se, por um lado, a existência de fissuração nos muretes das varandas norte e sul e, por outro, que a causa de tal anomalia residia no movimento descente da consola que constitui a varanda, provocando o desligamento da parede que faz o murete. Já no número 19º dos factos provados assentou-se ser visível alguma fissuração nos elementos salientes, que formam varandas, nas fachadas sul e nascente e bem assim que tal fissuração tinha características provenientes do assentamento ou rotação dos elementos que as apresentam. Alegam os apelantes que o assim decidido vai além da perícia já que esta alude à existência de fissuras pontuais, não referindo a sua causa (resposta aos quesitos 16º e 29º formulado pelos autores). Porém, a existência e causa de tais fissuras está reportada no parecer junto com a petição inicial (fls. 23 verso e fls. 31, onde são expostas fotografias documentadoras), sendo certo que a perícia realizada nos autos não contraria o parecer – e assim que conjugando tais elementos de prova deve considerar-se demonstrada a causa da anomalia em questão.
e) quanto aos número 14º (na sua parte final) e 17º dos factos provados, sustentam os apelantes que o relatório pericial não faz referência à acumulação de matéria vegetal (referida em tais factos), como decorre das respostas aos quesitos 12, 23 e 26 formulados pelos autores. Apesar da perícia referir tão só anomalias aceleradoras do fenómeno de infiltração de águas e aparecimento de manchas resultantes de escorridos de águas pluviais, certo é que, como já acima referido, no parecer junto com a petição inicial (em audiência corroborado pelo engenheiro que o elaborou) é a acumulação de matéria vegetal mencionada (fls. 22 e 22 verso, fls. 31 e fls. 33) e fotograficamente comprovada (cfr. as três fotografias de fls. 22 verso e 23 verso e a fotografia de fls. 31). Demonstrada pois, com o grau de probabilidade suficiente para as necessidades práticas da vida, a realidade em questão.
f) apesar de referir que também quanto à decisão relativa ao número 15º dos factos provados não respeita integralmente os resultados da perícia - veja-se a conclusão l) -, certo é que se trata de argumentação não substanciada nem desenvolvida na motivação (no corpo das alegações); falta de substanciação que se compreende, pois que a perícia expressamente alude na resposta ao quesito 13º formulado pelos autores à existência de vestígios de infiltrações e humidades nos tectos dos compartimentos do andar e também nos tectos da varanda (sem fazer qualquer ressalva ou dar nota de qualquer excepção), apresentando prova documental de tais infiltrações e humidades nos vários compartimentos, entre eles a casa de banho (fotografia 33 do relatório).
g) no que concerne ao número 20º dos factos provados, sustentam os apelantes que a perícia apenas reporta alguns vestígios pontuais resultantes de fenómenos de capilaridade, o que fica aquém do decido naquele facto. Argumentação assente, mais uma vez, em simples jogo de palavras – a perícia dá conta da existência do fenómeno de capilaridade (pois que dele detectou vestígios – juntando até duas fotografias das paredes exteriores para os comprovar), o qual era já aludido no parecer junto com a petição inicial (fls. 31 e 33 e fotografia de fls. 32), pelo que a decisão se mostra plenamente sustentada (e justificada) por tais elementos probatórios.
Acrescente-se que o parecer junto com a petição inicial e depoimento do engenheiro que o elaborou não podem ser desmerecidos pelo facto de terem sido os autores a contactar o engenheiro em vista da sua elaboração – em audiência de discussão e julgamento o engenheiro A. M. prestou depoimento substanciando detalhada e justificadamente todas as suas afirmações/conclusões (que, além do mais, se mostram, designadamente em parte da matéria impugnada, suportadas fotograficamente).
Por fim, sustentam os apelantes que o número 41 dos factos provados se mostra em contradição com o ponto vertido na alínea a) dos factos não provados, a sanar em favor do teor do ponto a) dos factos não provados, dado ter sido realizada perícia ao betão e nesta se ter concluído não apresentar o mesmo qualquer deficiência.
Requerida, atentas as alegações factuais produzidas no articulado superveniente apresentado pelos autores, prova pericial cujo objecto incidia nas características e qualidade do betão utilizado na moradia, foi a mesma realizada por perito da Universidade do Minho, que em cujo relatório (fls. 310 a 313) concluiu (resposta ao quesito 5) que além dos ensaios efectuados (para os quais extraiu dez coretes – oito em sapatas e duas em pilares) efectuou análise visual de todas as peças de betão armado, apenas detectando defeitos de execução nas fundações, onde há armaduras à vista, o que contribuirá para a degradação prematura das referidas peças, por corrosão. Nos esclarecimentos prestados por escrito (fls. 350 e seguintes), o perito (esclarecimentos 3 e 4 pedidos pelos autores), dando nota de que numa análise visual o betão tinha aparência de boa qualidade, expressamente ressalva (dessa boa qualidade) uma pequena zona junto a uma das sapatas, zona na qual se deparou com betão desagregado/esfarelado.
Corroborando o relatório pericial que elaborara (e esclarecimentos escritos que prestara), o Professor J. A. (professor que procedeu à perícia em causa), ouvido em audiência de julgamento, esclareceu que apenas na identificada zona (viga/sapata na zona do desvão) o betão está com aspecto deteriorado.
A tal deterioração do betão na zona do desvão aludiu também a testemunha C. A., empreiteiro da construção civil que se deslocou à moradia para se inteirar das anomalias e apresentar aos autores orçamento para reparação (elaborando o orçamento de fls. 259) – referiu que na zona do desvão detectou armaduras expostas, tendo o betão esfarelado quando lhe tocou.
Da conjugação de tais elementos probatórios pode concluir-se que o betão aplicado na obra não sofre de problemas (ou de falta de qualidade), ressalvada a identificada zona no desvão, em que se detecta betão desagregado/esfarelado – o que justifica a decisão da primeira instância em considerar não provado que o betão aplicado na obra seja de fraca qualidade (alínea a) dos factos não provados) e bem assim em julgar provado que na zona do desvão sanitário o betão se encontrava podre (a interpretar como desagregado/esfarelado), razão pela qual o assim decidido deve ser mantido.

Do exposto resulta proceder parcialmente a impugnação da decisão da matéria de facto deduzida pelo apelante, passando do número 7º dos factos provados a constar:

- 7º. ‘Ao nível da planta do rés do chão, existência de infiltrações de água principalmente nos tectos da lavandaria, da casa da caldeira, da casa da caldeira e da garagem, estando o tecto da sala comum manchado por mau acabamento’.

B. Da caducidade da acção

Considerando que o réu varão se dedica à edificação e comercialização de moradias e edifícios (facto provado número 4), insere-se o negócio celebrado entre autores e réus (a compra e venda da moradia referida no facto provado número 2) no âmbito de aplicação do DL 67/2003, de 8/04 (com as alterações introduzidas pelo DL 84/2008, de 21/05) que procedeu à transposição para o direito interno da Directiva nº 1999/44/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Maio, relativa a certos aspectos da venda de bens de consumo e garantias a ela relativas, com vista a assegurar a protecção dos interesses dos consumidores (art. 1º do diploma) – tal diploma normativo é aplicável (art. 1º-A, nº 1) aos contratos de compra e venda celebrados entre profissionais e consumidores (também, com as necessárias adaptações, aos bens de consumo fornecidos no âmbito de contrato de empreitada ou outra prestação de serviços, bem como à locação de bens de consumo – nº 2 do art. 1º-A), assumindo os autores a qualidade de consumidor, pois que adquiriram moradia (um bem de consumo, nos termos da alínea b) do art. 1º-B), para uso não profissional (o que pode ser judicialmente presumido, considerando a natureza do próprio bem) de quem exerce actividade económica visando obtenção de benefícios (alínea a) do nº 1 do art. 1º-B do diploma e art. 2º, nº 1, da Lei 24/96, de 31/07), pois que o réu varão se dedica à edificação e comercialização de moradias e edifícios (facto provado número 4).
Tal diploma fixa um prazo de garantia de cinco anos dentro do qual se deve manifestar a falta de conformidade do bem (não a data limite para o exercício dos direitos do consumidor) (14) – arts. 4 e 5º, nº 1 –, devendo o consumidor denunciar ao vendedor a falta de conformidade (o defeito) no prazo de um ano (sob pena de caducidade) a contar da data em que a detectou (art. 5º-A, nº 1 e 2), ficando o exercício dos direitos (estabelecidos no art. 4º, nº 1, desde logo a reparação) submetido a outro prazo de caducidade, agora de três anos a contar da denúncia (art. 5º-A, nº 3) – prazos referentes a imóveis, como no caso dos autos.
Considerando que o prazo de caducidade para o exercício do direito é de três anos, contado da denúncia, fácil é concluir que o mesmo não se mostrava esgotado à data da instauração da acção (a caducidade interrompe-se com a propositura da acção, que corresponde ao exercício judicial do direito – art. 331º, nº 1 do CC), desde logo porque a acção foi instaurada antes de decorridos três anos sobre a compra e venda (negócio de compra e venda em Dezembro de 2010 e acção instaurada em Outubro de 2013), tendo as denúncias dos defeitos efectuadas pelos autores (vejam-se os factos números 27º e 28º) ocorrido no entretanto.
O que vem de dizer-se vale relativamente ao exercitado direito à reparação dos defeitos/desconformidades – direito previsto no DL 67/2003, de 8/04 (art. 4º, nº 1) –, não já quanto à peticionada indemnização.
Não incluído no regime de protecção estabelecido no DL 67/2003, certo é que não está excluído ao consumidor o direito indemnizatório – o direito de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes de bens defeituosos/desconformes, nas relações de consumo, tem previsão no artigo 12º da Lei 24/96, de 31/07 (Lei de Defesa do Consumidor, com a redacção introduzida DL 67/2003), direito que não deve mesmo ser encarado com a configuração meramente subsidiária ou residual, podendo ser exercido livremente pelo consumidor, tendo apenas os limites impostos pela figura geral do abuso de direito (15).
Todavia, o regime dos prazos de caducidade mais favorável ao consumidor prescrito no DL 67/2003, ‘é aplicável aos direitos à reparação, ou substituição da coisa, redução do preço, ou resolução do contrato (art. 5º do DL nº 67/2003)’, aplicando-se, quanto ao direito de indemnização, o regime geral dos prazos de caducidade previsto no Código Civil (16) - apesar de se encontrar autonomamente previsto na Lei de Defesa do Consumidor, como direito colocado à disposição do consumidor (comprador ou dono da obra), o seu exercício não deixa de estar sujeito aos requisitos gerais previstos no Código Civil para as consequências da realização duma prestação defeituosa (coisa vendida defeituosa ou obra defeituosa), nomeadamente a culpa do vendedor/empreiteiro, a necessidade da denúncia atempada dos defeitos e a aplicação dos prazos de caducidade (17).
Importa todavia notar que os prazos de caducidade estabelecidos no Código Civil, relativos à compra e venda (art. 917º) – também à empreitada (art. 1124º) – se reportam à indemnização fundada em defeitos da coisa adquirida (ou obra, no caso da empreitada), não já às pretensões indemnizatórias fundadas em qualquer outro facto gerador da responsabilidade contratual (mora ou não cumprimento) (18).
De ponderar que o direito de indemnização estabelecido pelo Código Civil na compra e venda (e empreitada) defeituosa se destina ao ressarcimento do comprador (e do dono da obra, na empreitada) pelos prejuízos resultantes do cumprimento defeituoso da prestação, visando a reparação ou ressarcimento do direito (seja quando a indemnização se mostre o único meio de reparar o prejuízo resultante do defeito, por se tratarem de defeitos não elimináveis ou em que se revele desproporcionada a exigência da sua reparação ou substituição da coisa, seja quando a eliminação do defeito ou substituição da coisa apenas traduzam uma reparação parcial do dano consubstanciado na própria existência do defeito) – um direito residual (esse direito indemnizatório) relativamente aos outros direitos, como os de eliminação dos defeitos e/ou substituição do bem/realização de nova obra, que se cinge aos prejuízos que não obtiveram reparação através do exercício daqueles ouros direitos, podendo ser exercido cumulativamente com eles (19); tal indemnização está sujeita ao regime especial previsto para o contrato de compra e venda (e de empreitada), e assim também aos consagrados prazos curtos de caducidade (20).
Porém, a indemnização concernente a prejuízos colaterais, provocados pelos defeitos do bem, que impliquem uma responsabilidade contratual do vendedor ou do dono da obra, estará em princípio sujeita apenas às regras gerais do direito de indemnização, não se lhe aplicando as regras especiais da compra e venda ou da empreitada, nomeadamente as que estabelecem prazos de caducidade, sendo aplicável ao direito de indemnização por tais danos o prazo de prescrição geral (21).
Trata-se, nestas situações, de indemnizações destinadas a ressarcir outros danos que não a reparação/ressarcimento dos defeitos em si, ainda que a estes ligados por nexo de causalidade (e cuja responsabilidade, como fonte da obrigação de indemnizar, os tem como pressuposto fáctico).
Inseridos no âmbito dos danos colaterais constitutivos do direito de indemnização regulados apenas pelas regras gerais da obrigação de indemnizar, e por isso a coberto da aplicação das regras especiais da compra e venda (incluindo os prazos de caducidade), encontram-se os danos não patrimoniais que o consumidor possa ter sofrido com o cumprimento defeituoso da prestação (22). São danos pessoais do adquirente do bem/dono da obra, que se não circunscrevem ao defeito e a eles acrescem, ainda que a ele ligados por nexo de causalidade – a indemnização não tem então em vista a reparação do defeito, antes o ressarcimento de danos sofridos além da própria existência do defeito.
A pretensão indemnizatória tal qual formulada pelos autores apelados respeita a todos os danos, patrimoniais e não patrimoniais, que constituam consequência adequada da existência dos defeitos no mesmo imóvel.
Na parte em que pretendem indemnização por danos patrimoniais resultantes da existência dos defeitos do imóvel, tem de considerar-se que o pedido se circunscreve ainda a pretensão de ressarcimento desses defeitos da coisa – na verdade, nada nada mais alegam os autores, como fundamento de tal pretensão, que os próprios defeitos, pelo que a indemnização se circunscreverá ao seu ressarcimento (veja-se que os artigos 53 a 56, onde é alegada a matéria dos danos, respeitam exclusivamente a danos de natureza moral).
Tal pretensão indemnizatória por danos patrimoniais está assim sujeita aos prazos de caducidade estabelecidos no Código Civil para a compra e venda defeituosa, designadamente ao prazo de caducidade de seis meses para o exercício do direito de acção, contado da denúncia dos defeitos (art. 917º do CC).
Caducidade que tem de se afirmar, considerando que a acção foi proposta em Outubro de 2013, tendo as denúncias dos defeitos ocorrido até Novembro de 2012, como judicialmente se presume dos números 27º a 34º dos factos provados (os autores denunciaram os defeitos nos trinta dias seguintes ao seu aparecimento, como resulta do facto número 27, sendo que o último defeito alegado e provado foram os problemas das humidades referidos no facto 32º, no ano de 2012, sendo ainda em Agosto e Novembro de 2012 que o réu procedeu à rectificação de alguns dos defeitos).
Diferentemente quanto à pretensão de indemnização por danos não patrimoniais – nessa parte, a pretensão dos autores radica em danos de natureza pessoal (tristeza padecida pelos defeitos, pelos incómodos e desconforto de habitar a casa nas condições que proporciona, defeitos que os levam a evitar a utilização da casa), que têm os defeitos como facto desencadeador (e a eles ligados por nexo de causalidade), regulados apenas pelas regras gerais da obrigação de indemnizar, e por isso a coberto da aplicação das regras especiais da compra e venda, mormente da regra da caducidade, antes se sujeitando ao prazo de prescrição geral.

Assim, em conclusão:

- improcede a invocada excepção da caducidade quanto ao exercício do direito de eliminação/reparação dos defeitos do imóvel,
- improcede a invocada excepção da caducidade quanto à peticionada indemnização por danos não patrimoniais, e
- procede a excepção da caducidade quanto à peticionada indemnização por danos patrimoniais.

C. Da não aplicação do regime da protecção do consumidor pelo conhecimento, por parte dos autores, ao tempo da celebração da compra e venda, das desconformidades (falta de conformidade) – ou, pelo menos, pela circunstância de não poderem razoavelmente ignorá-las.
O art. 2º, nº 3 do DL 67/2003, de 8/04, estabelece que não se considera existir falta de conformidade, na acepção do normativo, se, no momento em que for celebrado o contrato, o consumidor conhecia essa falta de conformidade ou não podia razoavelmente ignorá-la. Afasta-se, verificando-se tais pressupostos, a aplicação do regime específico de protecção do consumidor previsto no diploma – não se prescreve aí qualquer renúncia abdicativa por parte do consumidor aos seus direitos, apenas que o diploma não lhe confere protecção, que há-de ser buscada no regime geral (por se entender que não é justificado estender o regime proteccionista ao consumidor que negociou conhecendo a falta de conformidade ou que revelou negligência grave na contratação, devendo os riscos do desconhecimento culposo recair sobre o contraente que revelou censurável ignorância) (23).
Não existe, porém, no regime da venda (e empreitada) de bens de consumo, estabelecido no DL 67/2003, de 8/04, qualquer presunção de conhecimento de defeitos por parte do comprador (ou dono da obra), mesmo de defeitos aparentes (entendidos como aqueles detectáveis perante um exame diligente da coisa, sendo o grau de diligência medido pelo critério objectivo do bom pai de família, sem conhecimentos especiais das regras técnicas no caso cabíveis (24)): os defeitos, mesmo os aparentes, não se presumem conhecidos do consumidor adquirente (ou dono da obra), recaindo sobre o vendedor (ou empreiteiro) o ónus de provar o efectivo conhecimento (que o comprador/dono da obra se apercebeu deles), defendendo-se, ‘assim, a possibilidade do consumidor não ter preparação técnica para detectar qualquer defeito, mesmo o mais evidente aos olhos do cidadão médio’ (25).
Não lograram os réus apelantes (os vendedores) provar que os autores apelados (os compradores) tivessem, à data da outorga do contrato de venda, conhecimento de qualquer defeito (desconformidade), mormente das referidas nos números 6º, 11º, 14º, 18º, 22º, 23º e 25º da fundamentação de facto – prova de conhecimento que seria necessária para afastar a aplicação do regime prescrito no DL no DL 67/2003, de 8/04, quanto a tais defeitos/desconformidades, não bastando a prova de que tais realidades eram perceptíveis ante uma verificação diligente do imóvel (o que também os apelantes não lograram provar, como decorre de se ter mantido a impugnada decisão da primeira instância a propósito da matéria vazada na alínea d) da matéria não provada).
Improcede, pois, também neste segmento, a apelação.

D. Da obrigação de indemnizar, sua circunscrição à factualidade apurada nos autos e da condenação ilíquida.
A presente questão, considerando a já apreciada caducidade do direito de acção, circunscreve-se aos danos não patrimoniais – a pretensão deduzida quanto a danos patrimoniais improcede pela procedência da excepção da caducidade.
Não questionam os apelantes a ressarcibilidade dos danos não patrimoniais no âmbito da responsabilidade contratual (26), sequer a existência da obrigação de indemnizar – argumentam apenas que a indemnização deve circunscrever-se à matéria do número 36º dos factos provados, não podendo ser-lhe atribuído o sentido lato que resulta da parte decisória da sentença, defendendo ainda que não devia o tribunal ter remetido o apuramento do valor indemnizatório para decisão ulterior.
Questão de solução evidente.
Uma vez que os autores formularam pedido genérico (permitido pelo art. 556º, nº 1, b) do CPC e art 569º do CC) que não liquidaram no decurso da causa, não podia o tribunal condenar em quantia certa (27).
Razão assiste já aos apelantes no que concerne à amplitude da condenação – a condenação em indemnização, mesmo ilíquida, tem como pressuposto a existência de dano, devendo ser a ele reportada (e por ele delimitada), pois que o dano constitui um dos pressupostos para se afirmar a existência da obrigação de indemnizar.
No caso dos autos, a decisão recorrida tem amplitude que permite extravasar o dano pelos autores demonstrado – e por isso deve a ele (materialidade vazada no número 36º dos factos provados) ser circunscrito.

E. Sintetizando a argumentação decisória (nº 7 do art. 663º do CPC – omitindo, nesta tarefa, os argumentos decisórios circunscritos à apreciação da impugnação da decisão da primeira instância sobre a matéria de facto com base na reapreciação dos elementos probatórios sujeitos à livre valorização):

I. Dedicando-se o vendedor à edificação e comercialização de moradias e edifícios, insere-se a compra e venda de moradia (bem de consumo) no âmbito de aplicação do DL 67/2003, de 8/04 - os compradores assumem a qualidade de consumidor, tendo adquirido bem de consumo para uso não profissional de quem exerce actividade económica visando obtenção de benefícios.
II. Considerando o prazo de caducidade de três anos para o exercício do direito de reparação (relativamente a imóveis), contado da denúncia, não se mostrava o mesmo esgotado à data da instauração da acção - a acção foi instaurada antes de decorridos três anos sobre a compra e venda, tendo as denúncias dos defeitos efectuadas ocorrido no entretanto.
III. Não incluído no regime de protecção estabelecido no DL 67/2003, certo é que não está excluído ao consumidor o direito indemnizatório – o direito de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes de bens defeituosos/desconformes, nas relações de consumo, tem previsão no artigo 12º da Lei 24/96, de 31/07 (Lei de Defesa do Consumidor, com a redacção introduzida DL 67/2003).
IV. O regime dos prazos de caducidade mais favorável ao consumidor prescrito no DL 67/2003, ‘é aplicável aos direitos à reparação, ou substituição da coisa, redução do preço, ou resolução do contrato (art. 5º do DL nº 67/2003)’, aplicando-se, quanto ao direito de indemnização, o regime geral dos prazos de caducidade previsto no Código Civil.
V. Os prazos de caducidade estabelecidos no Código Civil relativos à compra e venda reportam-se à indemnização fundada em defeitos da coisa adquirida, não já às pretensões indemnizatórias fundadas em qualquer outro facto gerador da responsabilidade contratual (mora ou não cumprimento).
VI. O direito de indemnização estabelecido pelo Código Civil no regime da compra e venda defeituosa destina-se ao ressarcimento do comprador pelos prejuízos resultantes do cumprimento defeituoso da prestação, visando a reparação ou ressarcimento do defeito, estando sujeito ao regime especial da compra e venda e, assim, também aos consagrados prazos curtos de caducidade.
VII. A indemnização concernente a prejuízos colaterais, provocados pelos defeitos do bem, que impliquem uma responsabilidade contratual do vendedor, estará em princípio sujeita apenas às regras gerais do direito de indemnização, não se lhe aplicando as regras especiais da compra e venda, nomeadamente as que estabelecem prazos de caducidade, valendo quando a tal direito de indemnizatório o prazo de prescrição geral.
VIII. Trata-se, nestas situações, de indemnizações destinadas a ressarcir outros danos que não a reparação/ressarcimento dos defeitos em si, ainda que a estes ligados por nexo de causalidade (e cuja responsabilidade, como fonte da obrigação de indemnizar, os tem como pressuposto fáctico).
IX. Inseridos no âmbito dos danos colaterais constitutivos do direito de indemnização regulados apenas pelas regras gerais da obrigação de indemnizar, e por isso a coberto da aplicação das regras especiais da compra e venda (incluindo os prazos de caducidade), encontram-se os danos não patrimoniais que o consumidor possa ter sofrido com o cumprimento defeituoso da prestação - danos pessoais do adquirente do bem, que se não circunscrevem ao defeito e a eles acrescem, ainda que a ele ligados por nexo de causalidade, tendo a indemnização então em vista não a reparação do defeito, antes o ressarcimento de danos sofridos além da própria existência do defeito.
X. Não existe no regime da venda de bens de consumo (DL 67/2003, de 8/04) qualquer presunção de conhecimento de defeitos por parte do comprador, mesmo de defeitos aparentes, recaindo sobre o vendedor o ónus de provar o seu efectivo conhecimento por parte do adquirente consumidor.
*
DECISÃO
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Pelo exposto, acordam os juízes desta secção cível, na parcial procedência da apelação, em:

- absolver os réus apelantes do pedido de indemnização por danos patrimoniais,
- circunscrever à matéria factual vazada no número 36º dos factos provados a indemnização por danos não patrimoniais atribuída aos apelados, a liquidar ulteriormente,
- manter, no mais, a decisão recorrida.

As custas da apelação (tal qual as da acção) serão suportadas na proporção de (relativamente ao valor da acção) 95/100 pelos apelantes e 5/100 pelos apelados.
*
Guimarães, 23/01/2020
(por opção exclusiva do relator, o presente texto não obedece às regras do novo acordo ortográfico, salvo quanto às transcrições/citações, que mantêm a ortografia de origem)




1. Apelação nº 1195/13.9TBEPS.G1; Relator: João Ramos Lopes; Adjuntos: Jorge Teixeira; José Fernando Cardoso Amaral
2. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª edição, p. 176.
3. Autor e obra citados, pp. 169 e 170.
4. Acórdãos do STJ de 21/03/2018 (Ferreira Pinto), de 06-06-2018 (Ferreira Pinto – processo nº 1474/16.3T8CLD.C1.S1), de 6/06/2018 (Pinto Hespanhol) e de 12/07/2018 (Ferreira Pinto – processo nº 167/11.2TTTVD.L1.S1), no sítio www.dgsi.pt/jstj.
5. Acórdão do STJ de 28/04/2016 (Abrantes Geraldes), no sítio www.dgsi.pt/jstj. No mesmo sentido (e citando tal referido acórdão, assim como outra jurisprudência com o mesmo entendimento), o acórdão R. Porto de 26/03/2019 (Cecília Agante), no sítio www.dgsi.pt/jtrp.
6. Abrantes Geraldes, obra citada, p. 175.
7. Acórdão do STJ de 16/05/2018 (Ribeiro Cardoso).
8. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª edição, p. 290.
9. Autor e obra citados, p. 300.
10. Defendiam-no a propósito do regime processual anterior ao introduzido pela Lei 41/2013, de 26/07, ao nível da doutrina, Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 2ª edição revista e actualizada, pp. 283 a 286 e Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª edição, p. 227 (referindo que, por se encontrar na posse dos mesmos elementos de prova que a 1ª instância, a Relação, se entender, dentro do princípio da livre apreciação da prova, que aqueles elementos impõem uma decisão diferente sobre o ponto impugnado da matéria de facto, alterará a decisão que sobre ele incidiu – a reapreciação da prova pela Relação coincide em amplitude com a da 1ª instância); ao nível da jurisprudência (tirada no âmbito da vigência do anterior regime processual), p. ex., os Acórdãos do STJ de 01/07/2008, de 25/11/2008, de 12/03/2009, de 28/05/2009 e de 01/06/2010, no sítio www.dgsi.pt/jstj. Posição que doutrina e jurisprudência vêem mantendo (e veementemente reforçando) quanto ao regime processual vigente – p. ex., na doutrina Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª edição, Almedina, p. 298 a 303 (máxime 302 e 303) e na jurisprudência o Acórdão do STJ de 8/01/2019, no sítio www.dgsi.pt/jstj.
11. A. Varela, RLJ, Ano 116, p. 339.
12. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, pág. 191.
13. Regista-se ter-se procedido à integral audição da prova produzida em audiência de discussão e julgamento.
14. Assim João Cura Mariano, Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, 3ª edição revista e aumentada, p. 261.
15. João Cura Mariano, obra citada, p. 259. No mesmo sentido o douto acórdão do STJ de 7/03/2019 (Rosa Ribeiro Coelho), no sítio www.dgsi.pt/jstj.
16. João Cura Mariano, obra citada, p. 265.
17. João Cura Mariano, obra citada, p. 260.
18. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume II, 2ª edição revista e actualizada, p. 737 (nota 1 ao art. 1224). Pedro Romano Martinez, in Cumprimento Defeituoso, em Especial na Compra e Venda e na Empreitada (reedição de 2000), pp. 367/368 (alinhando doutrina e jurisprudência em abono do expendido – também a mais reduzida doutrina e jurisprudência que defende a posição contrária) refere que se deve entender que o prazo de caducidade previsto no art. 917º é válido para a interposição de qualquer acção tendente a fazer valer qualquer pretensão baseada no cumprimento defeituoso, pois não se compreenderia que o legislador tivesse estabelecido um prazo para a anulação do contrato, deixando os outros pedidos sujeitos ao prazo de prescrição geral, que em caso de estabelecimento de garantia de bom funcionamento todas as acções derivados do cumprimento defeituoso caduquem em seis meses (art. 921º, nº 4) e, na falta de tal garantia, parte dessas acções ficassem sujeitas à prescrição ordinária, que sendo necessária a denúncia dos defeitos para o exercício de todos os defeitos (art. 916º) se distingam prazos para o exercício de tais direitos, argumentando por último que se não fosse aplicável o art. 917º a todas as pretensões/pedidos derivados do defeito da prestação, se criaria caminho para iludir os prazos curtos.
19. João Cura Mariano, obra citada, pp. 142/143.
20. João Cura Mariano, obra citada, p. 144.
21. João Cura Mariano, obra citada, p. 144.
22. João Cura Mariano, obra citada, p. 144.
23. João Cura Mariano, obra citada, p. 247.
24. João Cura Mariano, obra citada, p. 102.
25. João Cura Mariano, obra citada, p. 255.
26. É actualmente pacífico o entendimento da ressarcibilidade do dano não patrimonial no âmbito da responsabilidade contratual – v.g., Galvão Telles, Direito das Obrigações, 6ª edição revista e actualizada, pp. 376 e ss. (onde conclui, a fls. 383, não vislumbrar diferença entre a responsabilidade extraobrigacional e a obrigacional que justifique estender a primeira e não a segunda aos prejuízos patrimoniais), Vaz Serra, Reparação do dano não patrimonial, BMJ, ano 83, pp. 102 e ss., Almeida Costa, Direito das Obrigações, pp. 603/604, António Pinto Monteiro, Cláusulas limitativas e de exclusão de responsabilidade civil, 1985, nota 164 a pp. 84 e ss (fazendo resenha crítica sobre as posições da doutrina e da jurisprudência sobre tal questão) e João Cura Mariano, obra citada, p. 144 (nota 302).
27. Neste sentido, p. ex., acórdão do STJ de 8/06/2006 (João Camilo), no sítio www.dgsi.pt/jstj e o acórdão da Relação do Porto de 23/09/2019 (Manuel Domingos Fernandes), no sítio www.dgsi.pt/jtrp.