Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2395/11.1TBFAF.G2
Relator: PAULO REIS
Descritores: CASO JULGADO
ÂMBITO DO CASO JULGADO
FACTOS PROVADOS NA DECISÃO ANTERIOR
DIREITO DE PROPRIEDADE
DETERMINAÇÃO DA REALIDADE FÍSICA DOS PRÉDIOS
LIMITES E CONFRONTAÇÕES
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/30/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- O caso julgado abrange, não apenas a parte dispositiva do julgado, mas também a decisão de questões conexas com aquela, pelo que cumpre ter em conta a resolução das questões fáctico-jurídicas prévias que constituam pressuposto da decisão final;

II- Porém, o caso julgado não se estende aos próprios factos considerados provados na decisão anterior, os quais não podem ser invocados por si só, separadamente da decisão que com base neles tiver sido proferida;

III- Estando em causa a determinação da titularidade do direito de propriedade sobre uma faixa de terreno reivindicada por ambas as partes, proprietárias de prédios confinantes, a definição dos limites de cada um dos prédios constitui uma questão prejudicial, essencial à apreciação do objeto da presente ação;

IV- Se a questão da determinação da realidade física dos prédios em causa, nomeadamente no que respeita às respetivas confrontações e delimitação, foi suscitada e decidida, ainda que a título de questão prévia, no âmbito de ação definitivamente julgada, a qual correu termos entre as mesmas partes e relativa aos mesmos prédios, a decisão proferida nesses autos, quanto à aludida questão prévia, vincula as partes na presente ação, cumprindo ter em conta a linha divisória entre os dois prédios aí definida.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. Relatório

M. M. e mulher, M. C. - falecida no decurso da ação, tendo sido declarados habilitados, como seus sucessores, o coautor, bem como J. E. e C. M. -, intentaram a presente ação declarativa, com processo sumário, a qual veio a seguir os seus termos sujeita à forma ordinária (conforme determinado no despacho de 26-04-2012), contra A. M. e marido, F. L., pedindo:

a) se reconheça o direito de propriedade dos autores sobre o prédio rústico descrito no artigo 1.º da petição inicial;
b) se reconheça que as parcelas de terreno identificadas nos artigos 24.º, 27.º, 28.º, 30.º, 31.º e 33.º da petição inicial fazem parte integrante do prédio identificado no artigo 1.º;
c) se condene os réus: i) a reconhecer aqueles direitos; ii) a desocupar as parcelas de terreno identificadas nos artigos 31.º e 33.º da petição inicial, repondo-as no estado em que se encontravam, designadamente destruindo o passeio e retirando a casota do cão bem como todos e quaisquer objetos nelas colocados de modo a deixá-las livres e desimpedidas, no prazo máximo de trinta dias após o trânsito em julgado da ação; iii) a tapar a abertura a que se alude no artigo 27.º da petição inicial, que fizeram na parede nascente do anexo, bem como a destruir a cornija que executaram e que propende sobre o prédio dos réus, ocupando o espaço aéreo correspondente, repondo a parede no estado em que se encontrava antes das obras, tudo no prazo máximo de trinta dias após o trânsito em julgado da ação; iv) a abster-se da prática de quaisquer atos que perturbem ou impeçam o acesso e circulação dos autores ao seu identificado prédio; v) a abster-se de aceder, passar ou circular no prédio dos autores a partir da Rua ... e para a Rua ...; vi) a pagar aos autores a quantia de € 2500,00 a título de danos sofridos, acrescida de juros à taxa legal desde a citação até efetivo e integral pagamento.

Alegam, em síntese, que são proprietários do prédio que identificam, denominado “Cerrado ...”, por o ter o autor adquirido por escritura pública em comum com o seu pai e, posteriormente, adquirido por permuta com seus pais a parte destes, imóvel que igualmente invocam ter adquirido por usucapião, o qual confronta com um prédio pertencente aos réus, nos termos da linha divisória que descrevem, a qual sustentam ter sempre sido respeitada pelos antepossuidores do prédio dos réus. Acrescentam que, em 2010, os réus executaram obras no anexo do respetivo prédio, tendo alteado a parede nascente daquele e aberto uma janela que deita diretamente para o prédio dos autores, sem deixar a distância de metro e meio; tendo construído uma cornija que propende sobre o prédio dos autores, ocupando o respetivo espaço aéreo; tendo colocado um tubo de condução de água num muro de suporte de terras pertencente aos autores; tendo ocupado a parcela de terreno descrita no artigo 31.º da petição inicial e da qual alteraram o pavimento; tendo ocupado a parcela de terreno descrita no artigo 33.º da petição inicial, nela colocando uma casota de cão, depositando lenha e objetos diversos, estacionando veículos, assim estorvando e impedindo os autores de aceder ao seu prédio com veículos automóveis e tratores; tendo passado a circular a pé e com veículos pelo acesso construído pelos autores no seu prédio e que o liga à Rua .... Mais sustentam que a ocupação descrita é contrária à respetiva vontade, causando-lhes os danos morais que descrevem.

Os réus contestaram, alegando terem os pais e antecessores da ré, há cerca de 25 anos, procedido a obras de ampliação lateral da casa e aumento do pátio com escadas, bem como, há cerca de 20 anos, cedido terreno à Câmara Municipal ... para construção da estrada camarária atualmente denominada Rua ...; acrescentam que, há cerca de 5 anos, procederam a obras de remodelação na cozinha que fica separada da casa, abriram uma janela na fachada nascente e construíram uma cornija na referida fachada, bem como construíram um muro em betão de suporte de terras de uma das leiras que sobrou do terreno cortado para a dita estrada camarária; sustentam que, habitando a casa há cerca de 10 anos, cultivam os terrenos e tratam do jardim e da horta; sustentam que, na frente da casa de habitação, existe um terreiro por onde sempre existiu uma servidão de passagem a favor, não só do prédio dos autores, como de outros prédios rústicos, que o autor marido pretendeu empedrar, propondo aos réus custear estes metade do valor de tais obras, o que estes aceitaram, tendo a pavimentação sido feita até ao limite nascente do prédio dos réus; afirmam sempre terem sido os réus e seus antecessores quem usou e fruiu o prédio e o terreiro, invocando a prática de atos de posse sobre o prédio por via dos quais igualmente invocaram a sua aquisição por usucapião, acrescentando que o “Cerrado ...” nunca foi cultivado pelos autores, que não vivem no local; mais impugnam as confrontações e a linha divisória dos prédios apresentadas pelos autores, pugnando no sentido da improcedência da ação.

Deduzem reconvenção, pedindo o reconhecimento da propriedade do prédio que identificam, com as características e delimitação que indicam, bem como a condenação dos autores a tal reconhecerem e a absterem-se da prática de atos que perturbem o exercício do seu direito.

Notificados da contestação, os autores apresentaram articulado no qual, além do mais, se pronunciam quanto ao pedido reconvencional, defendendo-se por impugnação e pugnando pela improcedência do pedido formulado.
Foi fixado o valor à causa e determinado que siga os seus termos sujeita à forma ordinária.
Foi admitida a reconvenção e proferido despacho saneador, após o que se enunciou a matéria de facto assente e a base instrutória.
Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, da qual foi interposto recurso pelos autores.
Por acórdão desta Relação, proferido a 28-09-2017 e constante de fls. 585 e seguintes, foi decidido anular a decisão recorrida, determinando-se a ampliação dos temas de prova, a repetição das diligências probatórias e a oportuna repetição do julgamento para suprimento das omissões e insuficiências notadas, acrescentando-se que a repetição não abrangerá a parte não viciada, sem prejuízo das alterações que se revelem necessárias para evitar contradições na decisão a proferir.

Foi reaberta a audiência final, após o que foi proferida sentença, decidindo o seguinte:

«Pelo exposto, decido julgar a acção declarativa de condenação, sob a forma sumária, que M. M. e M. C. intentaram contra A. M. e F. L. parcialmente improcedente e o pedido reconvencional procedente por provado e, em consequência decido:

a) reconhecer a propriedade dos AA. sobre o prédio identificado em 1) dos factos provados;
b) condenar todos os RR. a reconhecerem o direito de propriedade referido em a) e absterem-se de praticar quaisquer actos que impeçam ou limitem o gozo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição ou disposição por parte dos AA. sobre aquele prédio;
c) reconhecer o direito de propriedade dos RR. sobre o prédio identificado em 7), com a extensão identificada em 40), conforme plantas topográfica de fls. 666 ;
d) condenar os AA. a reconhecerem o direito de propriedade referido em c) e absterem-se de praticar quaisquer actos que impeçam ou limitem o gozo pleno e exclusivo dos direitos dos RR. relativamente ao prédio;
e) absolver os RR. do demais peticionado pelos AA.
*
Custas da acção e reconvenção pelos AA. – artigo 527.º do CPC.»

Inconformados, os autores apresentaram-se a recorrer, pugnando no sentido da revogação da sentença e respetiva substituição por decisão que reconheça o direito de propriedade dos apelantes sobre o prédio identificado no ponto 1 da factualidade assente, bem como que dele fazem parte integrante as parcelas de terreno, identificadas em 8, 11, 16, 17 e 18, condenando-se os réus a reconhecer tal direito e a abster-se da prática de quaisquer atos que perturbem o seu exercício, terminando as alegações com as seguintes conclusões (que se transcrevem):

«1º- Os AA/recorrentes não se conformam com a douta sentença proferida que decidiu julgar a ação parcialmente improcedente e o pedido reconvencional procedente por provado, reconhecendo o direito de propriedade dos RR. sobre o prédio identificado em 7), com a extensão identificada em 40), conforme plantas topográfica de fls. 666, condenando os AA: a reconhecerem tal direito.
2º- Entendem os AA/recorrentes que o Tribunal à quo não fez uma correta apreciação da prova produzida, o que determina que existam pontos (nos Factos provados) e alíneas (nos factos não provados) que foram incorretamente julgados.
3º- Daí que, através do presente recurso, os AA/recorrentes visem atacar a decisão proferida tanto no que se refere à decisão sobre a matéria de facto como sobre a matéria de direito, uma vez que a prova produzida em audiência de julgamento se encontra gravada.

Vejamos:

4º- No ponto 13 dos factos assentes o Tribunal a quo dá como provado que: “Por volta do ano de 1988 os pais da Ré resolveram fazer obras na casa referida em 7), e construíram umas escadas e uma varanda, para “melhor” acederem ao primeiro andar”.
5º- Considerando a prova produzida, mormente os depoimentos das testemunhas T. O. e A. F., em declarações prestadas em audiência de julgamento do dia 14/04/2015, depoimentos gravados no sistema de gravação digital disponível na gravação automática em uso no Tribunal a quo - sistema de gravação Habilus Media Studio, do minuto 02.07 ao minuto 04.05; e aos minutos 10.35 a 12.56, respetivamente, pode concluir-se com toda a clareza que foram os AA. que permitiram que os pais da Ré mulher construíssem as escadas e a varanda para melhor acederem ao primeiro andar.
6º- Por isso, dar-se como provada matéria constante na alínea e) dos factos não provados, passando a constar como provado o facto 13) da fundamentação da seguinte forma: “Por volta do ano de 1988 os pais da ré resolveram fazer obras na casa referida em 7), tendo os autores permitido que construíssem umas escadas e uma varanda para melhor acederem ao primeiro andar”.
7º- Relativamente ao ponto 19 dos factos provados, entendem os AA/recorrentes que dele deve passar a constar que foram os AA. que decidiram fazer o acesso ao seu identificado prédio, Cerrado ..., e respetiva pavimentação.
8º- De facto, na modesta opinião dos AA/recorrentes, da prova produzida resulta com segurança que foram os AA. que decidiram fazer o acesso ao Cerrado ..., logo após a construção da estrada camarária, isto é, por volta do ano de 1991, como também decidiram e contribuíram para a referida pavimentação, por volta do ano de 2006, sendo que a construção do acesso não coincidiu com a respetiva pavimentação, como o relataram diversas testemunhas, aqui se destacando o depoimento das testemunhas J. M. e M. V., o primeiro, calceteiro e o segundo, que trabalha em terraplanagens.
9º- De facto, do depoimento prestado pela testemunha J. M. em audiência de julgamento do dia 14/4/2015, gravado no sistema de gravação Habilus Media Studio, Gravação 20150414112659_4678119_2870580, aos minutos 02.13 a 04.18 e 12.12 a 19.58, colhe-se que a testemunha refere ter sido procurada pelo A. marido para dar um orçamento para fazer a calceta, deu o orçamento, fez a obra por onde o A. indicou, que “consistia num caminho que descia numa parte e depois outra parte, (…) até bater nos muros da casa”, isto referindo-se à casa dos RR. (conforme resulta dos min.02.13 a 12.12), sendo que “fez o trabalho como ficou definido” pelo R. marido “o que tinha combinado era aquilo e aquilo que foi feito”. Ao minutos 19.25 esclarece que esta convencido que pavimento era do M..
10º- Também a testemunha M. V., confirma ter sido o A. M. M. que o contratou para fazer o acesso ao seu identificado prédio e quem lhe pagou, tal como resulta do seu depoimento prestado em audiência de julgamento do dia 14/4/2015, e constante da gravação digital disponível na gravação automática em uso no Tribunal a quo, que aos minutos 00.55 a 02.00 e de 08.00 a 10.30 declara, referindo-se ao A. marido, “fiz-lhe um caminho. Numas bordas, fiz-lhe um caminho. (…) Andei lá quase um mês. Ou mais. Na estrada e ali. E nunca ninguém veio ter comigo”. Foi o senhor M.. E Pagou-me. “Aquele terreno diz que era dele. E ninguém me apareceu mais, que impedisse de fazer aquilo. Ninguém me apareceu.”
11º- Portanto, no modesto entender dos AA/recorrentes, os excertos dos depoimentos acabados de referir, permitem alterar o sentido da resposta dadas à matéria de facto constante do ponto 19) para que dele passe a constar que “Os AA. decidiram e procederem à abertura e pavimentação do acesso referido em 18), suportando o respetivo custo”, assim se eliminando a alínea i) dos factos não provados.
12º- Além disso, do ponto 37 dos factos provados deve eliminar-se a referência que nele se faz ao limite nascente do prédio dos RR., confinante com o Cerrado dos AA., de modo a que deste concreto ponto apenas passe a constar a seguinte factualidade: “Tendo sido acordado entre AA. e RR. Que a pavimentação seria feita, como efetivamente foi”.
13º- Com efeito, as declarações dos RR./recorridos, desacompanhadas de qualquer outro meio de prova, não são suficientes para se dar como provado que a pavimentação teve como limite o prédio a que se alude no ponto 7) dos factos provados, na confrontação poente com o prédio dos AA. denominado Cerrado ....
14º- No caso em apreço, por mais credíveis que fossem as declarações dos RR., a verdade é que as mesmas não poderiam nem podem ser tidas como prova, muito menos quando desacompanhadas de qualquer meio de prova que as corrobore, tanto mais que se bem se atentar no teor do ponto 37 dos factos provados, dele se extrai que o mesmo constitui uma conclusão no sentido em que define aquilo que se discute nos presentes autos.
15º- No que se refere ao ponto 38º da fundamentação, entendem os AA/recorrentes da prova produzida nos autos, não pode resultar provado, que os RR. guardam e estacionam veículos automóveis no terreiro, ali depositando lenhas que vão consumido e vários objetos e/ou utensílios, há mais de trinta anos, uma vez que nenhuma prova foi feita nesse sentido.
16º- Em boa verdade, apenas os RR. admitiram que o fazem desde que foram morar para aquele seu prédio, o que só aconteceu por volta do ano de 2010, sendo que a doação que lhe foi feita ocorreu em 2008. Antes disso, nem os AA/ nem os RR. ou seus ante possuidores guardavam ou estacionavam veículos no terreiro uma vez que tal parcela de tereno era utilizada para passagem para a eira, para o alpendre, para o espigueiro e para os campos e bem assim como desfolhadouro, pelos pais do A. marido e avós da R. mulher.
17º- Por outro lado, os factos provados nos pontos 15, 16, 17, 18 e 25 da fundamentação, para além de porém em causa o facto provado em 38 (relativamente ao “terreiro”), só por si demonstram que o Tribunal a quo não podia, com o devido respeito, concluir como conclui, dando como provado que os RR. ocupam o terreiro há mais de trinta anos.
18º- Aliás, quanto a estes concretos pontos, o Tribunal esquece-se de fundamentar a decisão, uma vez que lendo e relendo a douta sentença, sobre a fundamentação da decisão de facto, a verdade é que não encontramos qualquer referência, ainda que implícita à prova produzida nos autos que levou o Tribunal a chegar àquela conclusão.
19º- De todo o modo, das declarações prestadas pelo A/recorrente, em audiência de julgamento de 23/11/2018, gravadas no sistema de gravação integrado do Tribunal, 20181123104145_4678119_287080.wma, por indicação do Venerando Tribunal da Relação, “para cabal esclarecimento da vontade do A e seu pai na divisão dos prédios que eram comuns” perante o levantamento topográfico mandado elaborar também por indicação daquele mesmo Tribunal, junto a fls. 666, o A./recorrente afirmou, aos minutos 00:02:54 a 00:02:52, que a composição dos lotes, concretamente no que se refere à divisão do artigo mãe ..., que a divisão foi feita com recurso à medição a metros de cada uma das peças que iriam compor cada lote.
20º- Por isso, nos elementos relativos ao prédio dos RR. Foram identificadas áreas concretas da casa, da cozinha do quinteiro, do alpendre, do espigueiro e das cinco leiras (2 denominadas de trás da casa e 3 denominadas de trás do alpendre), o mesmo sucedendo com o prédio urbano que lhe foi adjudicado, conforme resulta do processo de descriminação e do termo de Avaliação (cfr. fls. 72 a 75 dos autos, sendo que em parte alguma consta qualquer referencia o ”terreiro”, o qual não fazia parte das leiras, conforme declarado pela testemunha S. M., que refere que as leiras de trás do alpendre só chegavam à cozinha, onde havia um muro, (cfr. depoimento prestado em audiência de em audiência de julgamento de 23/11/2018, gravadas no sistema de gravação integrado do Tribunal, 20181123104145_4678119_287080.wma, minutos 00:04:03 a 00:05:32).
21º- Assim sendo, o ponto 38 dos factos provados merece resposta restritiva no que ao denominado “terreiro” diz respeito, porquanto nenhuma prova foi feita, dele deixando de constar que “os RR. por si e antepossuidores utilizam o terreiro mencionado em 27, guardando e estacionando veículos automóveis, depositando lenhas que vão consumidos e vários objetos e/ou utensílios há mais de trinta anos”.
22º- Além disso, deviam dar-se como provados os factos constantes das alíneas a), b), c), d), e) l), j), k), l) e m), constantes dos factos “não provados”, desde logo porque os AA/recorrentes entendem que o Tribunal a quo não valorizou devidamente os documentos juntos aos autos nem apreciou corretamente os depoimentos produzidos em audiência de julgamento e desse modo respondeu de forma incorreta às questões colocadas.
23º- Assim, o facto constante na alínea a) da fundamentação devia ter sido considerado provado uma vez que além de resultar da descrição predial que o prédio identificado no ponto 7) dos factos provados confronta “de Norte com caminho; de Sul, Nascente e Poente com M. M.””, ou seja o A/recorrente;
24º- Da decisão proferida pelo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães, junta aos autos a fls. … resulta que “o prédio urbano dos aqui RR. localiza-se entre os dois prédios dos AA. – de um lado o prédio urbano – casa de habitação – que fica a poente, e do outro o prédio rústico – Cerrado ..., que fica a nascente.”cfr. alínea r) dos factos assentes.
25º- Em conformidade, a alínea a) dos “Factos não provados”, deve passar a constar dos “factos provados”, porquanto não obstante a posição das partes no que se refere à localização da linha que separa os seus identificados prédios, da prova documental constante nos autos resulta à saciedade que os mesmos confrontam um com o outro, pelos lados nascente e poente, respetivamente.
26º- No que se refere às alíneas b), c), d) l), j), k), l), e m) dos “factos não provados”, os AA consideram que ao desvalorizar as decisões proferidas nos autos de procedimento cautelar junta a fls. 131 e no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, junto a fls. 312, e, ao apreciar erradamente os depoimentos produzidos em audiência de julgamento, respondeu de forma desajustada da realidade a estas concretas alíneas da matéria de facto.
27º- Apesar do respeito devido, entendem os AA/recorrentes que o Tribunal a quo errou ao não atender ao teor do douto Acórdão proferido, concretamente aos factos que nele foram dados como assentes entre as mesmas partes, uma vez que os factos provados naquele douto acórdão são relevantes para o apuramento da verdade dos factos em discussão nos presentes autos, conjugados com as declarações prestadas pelo A/recorrente e pelas testemunhas inquiridas nestes autos, concretamente T. O., L. M., A. F. e C. M..
28º- Aliás, o Tribunal a quo não podia ter descurado a decisão proferida pelo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães, junta a fls…, no que se refere aos limites do prédio dos AA., na parte em que confronta e confina com o prédio urbano dos RR., uma vez que dos novos levantamentos topográficos efetuados permitem concluir que a área atualmente ocupada pelos RR. É bem superior à área constante nos documentos que titulam a aquisição e que constam da descrição predial.
29º- Tal como a decisão recorrida refere, o que está em causa nos presentes autos é a delimitação dos prédios dos AA. e RR. na parte em que confrontam um com o outro, de modo a integrar naquele identificado prédio dos AA/recorrentes as parcelas reivindicadas.
30º- Face à posição das partes, o que está em causa nos presentes autos prende-se com a parcela de tereno ajardinada e contigua ao anexo da casa dos RR., assim como o acesso e parcela de terreno calcetada que estes têm vindo a usar para colocar a casota do cão e para estacionar veículos, uma vez que os AA/recorrentes defendem que a linha divisória se situa junto à fachada da casa e anexo dos RR/recorridos e estes desviam a mencionada linha para nascente, de modo a incluir as ditas parcelas de terreno, concretamente a parcela de terreno ajardinada e o terreno pavimentado que se vê nas fotografias constantes no Auto de Inspeção e que se mostram identificadas com os nºs 10 e 11 no levantamento topográfico de fls. 666.
31º- Ora, dos factos dados como assentes no douto Acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães extrai-se com toda a clareza a linha divisória do prédio rústico dos AA./recorrentes com o prédio urbano dos RR., tem a configuração que aqueles indicam na petição inicial.
32º- Com efeito, resultando provado na decisão proferida pelo Venerando Tribunal da Relação, que: a) O prédio urbano dos réus dispõe de um quinteiro, constituído por uma parcela de tereno adjacente à casa pelo lado norte e ao anexo pelo lado sul e que fica a nascente do logradouro do prédio urbano dos autores; b) o acesso ao prédio rústico dos autores, se faz através do quinteiro desse prédio urbano no sentido poente-nascente e no sentido inverso para daquele aceder ao prédio urbano dos autores; c) o acesso se inicia no prédio urbano dos autores, desenvolve-se no sentido poente-nascente numa extensão de 18 metros por cerca de 2,50 de largura na parte mais estreita, sobre o quinteiro ou logradouro do prédio dos réus até atingir o prédio rústico dos autores; e que d) que no quinteiro dos réus existe uma abertura, fechada com um portão voltada para o prédio rústico dos autores, dúvidas não subsistem que a servidão de passagem que onera o prédio urbano dos RR., constituída a favor o prédio rústico dos AA, apenas diz respeito ao quinteiro, e já não à parcela de terreno calcetada, em discussão nos presentes autos.
33º- Por maioria de razão se pode concluir que o limite do prédio rústico dos AA., a poente, se localiza na fachada nascente da casa de habitação e respetivo anexo, onde também se localiza a mencionada abertura.
34º- Assim sendo, apesar do respeito devido, os documentos juntos aos autos, concretamente a decisão proferida pelo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães, impunham decisão diversa quanto aos factos respeitantes à linha divisória, concretamente os factos inseridos nas alíneas b), c) e d) da fundamentação.
35º- Por isso, da conjugação do teor dos documentos juntos, com a prova testemunhal produzida em audiência de julgamento, mormente do depoimento das testemunhas T. O., J. M., L. M., A. F. e C. M., que infra se aduzirão, deverão ser considerados provados os factos respeitantes à linha divisória dos identificados prédios dos AA. e RR., inseridos nas alíneas b), c) e d) da fundamentação, bem como os factos relativos à posse das parcelas de terreno em discussão nos presentes autos e inseridos nas alíneas j), k), l), m) e n) da fundamentação.
36º- Na verdade, a respeito das parcelas de terreno em discussão, a testemunha T. O., em depoimento prestado em audiência de julgamento de 14/04/2015, pessoa que por volta de 1987/1988, trabalhou durante um ano na casa da mãe da R. e que hoje lhe pertence, (conforme resulta dos minutos 01.82 a 03.28 daquele seu depoimento, gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal a quo gravação 20150414100832_4678119_2870580), e que aos minutos 05.50 a 07:20, esclarece, referindo-se ao terreno em discussão nos presente autos, que havia uma ramada que cortaram para fazer as escadas. Que o seu patrão pediu ao Sr. M. para cortar a ramada, mas que a ramada estava presa a uma banca. Mais adiante, aos minutos 08.43 a 12.20 refere que essa ramada foi destruída, mas ainda lá ficou algo preso a uma oliveira, que do lado de baixo havia um bardo, sendo que também viu o Sr. M. a fazer a poda naquele bardo durante o período em que decorreram as obras na casa da R.
37º- Também a respeito da utilização da dita ramada, que cobria o terreno em discussão nestes autos, a testemunha L. M., em depoimento prestado em audiência de julgamento de 14/04/2015, gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal à quo gravação 20150414104334_4678119_2870580, referiu trabalhar para o A. numa sociedade desde, há dezasseis anos, e aos minutos 03.18 a 03.43, referiu conhecer o local por lá ter andado a trabalhar antes. Nessa medida, aos minutos 6.20 a 9.18, a testemunha refere que quando ia vindimar, começavam em baixo, nuns campos do Sr. M. e acabavam no eido. Acabavam de vindimar “Numa ramada que vai até às casas”, referindo-se às casas que hoje são dos RR. Mais refere que “aquela ramada cobria tudo, vinha por ali por volta do espigueiro e ia encostada até as casas, havia ali uma oliveira, até a varanda. Aos minutos 12.03 a 12.33, referindo-se à mesma ramada, a testemunha confirma ter conhecimento que “o Sr. M. mandou-a botar abaixo” ficando as videiras.
38º- Por sua vez, também a respeito do uso e posse do terreno em discussão nos presentes autos, a testemunha J. M. (depoimento prestado na sessão de julgamento de 14/04/2015 gravado digitalmente no sistema de gravação automática do Tribunal a quo, gravação 20150414112659_4678119_2870580), aos minutos 00.56 a 02:13 daquela gravação esclarece que tendo sido chamado pelo A. para dar o orçamento para calcetar um caminho e o terreno em discussão nos autos, conforme gravação, aos minutos 00.56 a 02.13 daquele depoimento, afirma que fez o trabalho no local indicado, a mando do A. que lhe pagou o preço correspondente e aos minutos 12.12 a 14.04 da gravação do mesmo depoimento refere que ninguém o impediu de fazer os trabalhos, os quais foram executados em conformidade com o combinado com o A., descreve os trabalhos executados, afirmando que tiveram inicio “na estrada, o fim à beira da casa” referindo-se à casa dos RR. Por fim, conclui, aos minutos 19.25 a 19.58 que está convencido que o espaço pavimentado é do A., e que o mesmo A. também está convencido que o mesmo lhe pertence.
39º- Por sua vez, a testemunha A. F., em depoimento prestado em audiência de julgamento de 14/04/2015, gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no tribunal à quo, industrial da construção civil, que fez obras na casa da R. no ano de 1987 (conforme resulta daquele seu depoimento), sendo que aos minutos dos minutos 10.35 a 12.56 da gravação 20150414115..._4678119_2870580, referindo-se ao terreno em discussão nos presentes autos, concretamente sobre o modo de utilização do mesmo refere que havia uma ramada, “a ramada prolongava-se, ia por aí fora até ao alpendre”. A testemunha esclarece que foi ela quem pediu ao A. para cortar a ramada, e que o fez a pedido da mãe da R. mulher, sendo que aquele autorizou o corte da ramada.
40- De igual modo, também do depoimento da testemunha C. M., prestado em audiência de julgamento de 17/04/2015, gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no tribunal á quo, gravação 20150416151357_4678119_2870580, pode concluir-se que não obstante ser filha dos AA., o seu depoimento é isento e esclarecedor quanto aos limites dos prédios.
41º- Assim, aos minutos 12.24 a 20.06, do seu depoimento, a testemunha esclarece, com conhecimento de causa, quais os terrenos que fazem parte do prédio identificado no artigo 1º da petição, na parte em que confina com o prédio urbano dos RR.. Mais esclarece que ”os terrenos do meu pai começavam logo depois, pronto da casa da A. M.. Portanto, começavam logo ali. Tinha apenas o caminho de acesso que permitia as minhas tias aceder aos campos delas. Elas tinham direito de passar, digamos, pelos terrenos. E pronto. Quer o que estivesse do lado esquerdo, quer o estivesse do lado direito seria, era portanto terreno do meu pai.” Esclarece que no local onde a R. poe o cão, “nessa borda estavam lá as videiras. Estava lá uma oliveira, que ainda permanece lá, onde a A. M. prende o cão. Aquilo era uma ramada que ia de lés-a-lés e cobria esse espaço”, ramada que o pai, “aqui há uns anos atrás resolveu depois cortar as videiras, bem como depois há cerca de 3 ou 4 anos decidiu recuperar o espaço”. Diz ainda que “…, o terreno onde o meu pai fez o acesso é dele. E por cima, por cima havia umas leiritas que entretanto a estrada levou. E pertencia à minha tia, que é a mãe da A. M., minha tia R. M..” Quanto ao limite do prédio dos RR. refere que “Acabava a casa e o espaço a seguir era já do meu pai”. O limite “era as costas da casa, da cozinha”.
42º- Entretanto, aos minutos 23.57 a 26.35, a testemunha dá conta que a R. A. M. passou a ocupar o terreno do seu pai quando “fez uns retoques na cozinha”, sendo que antes disso “nunca houve qualquer entrave em nada que o meu quisesse lá fazer. Não como está agora a acontecer pela minha prima, que opõe-se constantemente a tudo o que meu pai possa lá fazer no terreno dele,” sendo que aos minutos 26.46 a 28.35, reafirma que era o pai que vindimava, que podava, que tratava de tudo, enfim que utilizada aquele espaço, convencido que o mesmo lhe pertence.
43º- Por isso, na modesta opinião dos AA/recorrentes, tinha o Tribunal que ter valorado os documentos juntos, mormente a decisão proferida pelo Venerando Tribunal a Relação de Guimarães, e valorado de modo diferente os depoimentos prestadas pelas testemunhas cujo depoimento se deixou referido.
44º- Assim, no respeito pelas gravações dos depoimentos que, no que releva, constam transcritos supra, e atenta a demais prova produzida, temos por certo que o Tribunal a quo cometeu, nos termos supra descritos, erro na apreciação da prova, devendo, por isso, Vª Exªs, Venerandos Juízes Desembargadores, alterar a matéria de facto, julgando provados os factos das alíneas a), b), c) d), j), k), l) e m) da fundamentação.
45º- O Tribunal a quo considera que os AA./recorrentes não fizeram prova da aquisição originária sobre as parcelas de terreno que identificam na petição, porquanto embora beneficiem da presunção registral sobre o prédio identificado em 1) dos factos assentes, “O mesmo já não se pode dizer quanto à propriedade das parcelas que identificam, como fazendo parte do aludido prédio”.
46º- Pronunciando-se quanto à propriedade dos RR/recorridos sobre o prédio identificado em 7 dos factos assentes, a douta sentença diz o seguinte:
(…) “Retendo o supra referido acerca da prova da propriedade, e atento o facto 7), sempre se verifica a presunção registral de propriedade, pelo, pelo que os RR. devem ser reconhecidos proprietários do prédio identificado em 1)”(?)
“De todo o modo, resulta provado que os mesmos vêm ocupando a parcela ajardinada cuja propriedade os AA. reivindicam, bem como o terreiro, que utilizam para estacionar carros e ter a casota do cão, e que o vem fazendo à vista de todos, pelo prazo requerido para a aquisição por usucapião. Assim, sempre os mesmos lograram provar a aquisição originária do prédio com as aludidas parcela, com a extensão que invocam na petição inicial, uma vez que , embora referindo a descrição que consta das escrituras, remetem para a delimitação da planta topográfica de fls. 108 equivalente à de fls. 666, com a área de 1259m2, concretizada em termos de medidas conforme facto 40”.
47º- Apesar do respeito devido, independentemente do que se deixou dito acerca da alteração da matéria de facto dada como assente, os AA/recorrentes discordam da decisão recorrida porquanto os factos provados não permitem ao Tribunal extrair a conclusão a que se chegou, concretamente no que se refere a delimitação do prédio dos RR/recorridos e de modo a que neles se incluam as parcelas nºs 10 (área pavimentada) e nº 11 (parcela ajardinada) identificadas no levantamento topográfico de fls. 666.
48º- Com efeito, no que se refere a estas concretas parcelas de terreno (designadas por: 11) parcela de terreno ajardinada e 10) área pavimentada ou terreiro mencionado em 27 dos factos assentes), para além do Tribunal a quo não ter indagado, como devia, o momento exato a partir do qual os RR./recorridos passaram a arrogar-se donos de tais parcelas e a agir como tal perante os AA/recorrentes, nada refere no que diz respeito à ocupação da parcela de terreno ajardinada. Cfr. ponto 28 dos factos assentes.
49º- Assim, ainda que se mantenha inalterada a decisão sobre a matéria de facto impugnada pelos AA/recorrentes, o que só por mera razão de trabalho se admite, os factos constantes nos pontos 21 a 39, da matéria de facto resultante da instrução da causa, não permitem a delimitação do prédio dos RR. de acordo com a planta topográfica de fls. 108, equivalente à de fls. 666, com a área total de 1259m2.
50º- Com efeito, a ocupação que os RR. vêm fazendo da área correspondente ás parcelas números 10 e 11 do levantamento topográfico de fls. 666 é contraria à vontade dos AA e teve o seu inicio no ano de 2010, tal como resulta da conjugação dos factos provados nos pontos 8, 15, 16, 17 e 18 da fundamentação de facto.
51º- Por outro lado, os RR. não demonstraram que tivesse havido inversão da posse, sendo que os RR. não conseguiram explicar, mesmo depois da decisão proferida pelo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães, que anulou a decisão anteriormente proferida, a razão pela qual a área do prédio identificado no ponto 7) dos factos provados, aumentou para 1259m2, depois de lhe ter sido subtraída a área correspondente á estrada camarária, quando do processo de descriminação resulta uma área de 1048m2, correspondente à área constante do registo predial.
52º- Por outro lado, os factos provados nos pontos 15, 16, 17, 18 e 25 da fundamentação, para além de porém em causa o facto provado em 38 (relativamente ao “terreiro”), só por si demonstram que o Tribunal a quo não podia, com o devido respeito, concluir como conclui, reconhecendo a propriedades de toda aquela área aos RR.
53º- Além disso, no caso em apreço, não se mostram reunidos os requisitos para que os RR. possam ter adquirido a posse sobre aquelas identificadas parcelas de terreno, por usucapião, uma vez que sobre a parcela ajardinada nada ficou demonstrado quanto à posse.
54º- Como é sabido, a posse suscetível de conduzir à usucapião, tem de revestir sempre duas características, quais são as de ser pública e pacífica (arts. 1293°, al. a), 1297° e 1300°, n.° 1). As restantes características que a posse eventualmente revista, como ser de boa ou de má fé, titulada ou não titulada e estar ou não inscrita no registo, tem influência apenas no prazo necessário à usucapião.
55º- No caso em apreço, facilmente se constata que dos factos dados como provados não resulta o lapso de tempo durante o qual os RR. “tratam da parte ajardinada”. Cfr. números 25, 28 e 38.
56º- Isto é, ainda que se mostre provado que os RR., desde há cerca de 10 anos, habitam a casa e tratam da parte ajardinada e que por si e ante possuidores utilizam o prédio e o terreiro, não se tendo dado como provado o momento temporal a partir do qual começaram a atuar na convicção que exercem um direito próprio, concretamente em relação ás parcelas aqui em causa, tal prazo não é bastante para preencher o requisito temporal exigido para a aquisição do direito.
57º- No caso em apreço, os RR. ao cuidarem da parcela ajardinada e ao colocar a casota do cão, ao depositarem lenha e ao estacionar veículos automóveis, ocupando as parcelas de terreno identificadas em 10) e 11) do levantamento de fls. 666, fazem-no contra vontade dos AA.
58º- Como se constata, os factos provados, mesmo que se mantenham inalterados, o que não se concebe nem concede, são manifestamente insuficientes para que a douta sentença pudesse apreciar com êxito a usucapião como forma de aquisição por parte dos RR. das parcelas em disputa nos autos.
59º- E sendo assim, não se encontrando provados os requisitos, mormente temporais, de que a lei faz depender a aquisição da posse por usucapião, a douta decisão recorrida não podia, como não pode, decidir como decidiu.
60º- Desta feita, a douta decisão proferida violou além do mais, o disposto no artigo1294º do Código Civil, razão pela qual tem de ser revogada.”

Os réus apresentaram contra-alegações, pronunciando-se no sentido da improcedência da apelação.

II. Delimitação do objeto do recurso

Face às conclusões das alegações dos recorrente e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso - artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC) -, o objeto do presente recurso circunscreve-se às seguintes questões:

A) Impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
B) Direito de propriedade sobre as parcelas de terreno em litígio e respetivas consequências.
Corridos os vistos, cumpre decidir.

III. Fundamentação

1. Os factos

1.1. Os factos, as ocorrências e elementos processuais a considerar na decisão deste recurso são os que já constam do relatório enunciado em I. supra, relevando ainda os seguintes factos considerados provados pela 1.ª instância na decisão recorrida:

1 - Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o numero ..., em nome de M. M. e M. C., a aquisição por compra e por permuta, de um prédio rústico, denominado de “Cerrado ...”, sito no lugar ..., freguesia de ..., concelho de Fafe, com a área de 6 000m2, de lavradio, vinho e azeite, a confrontar de norte com caminho, sul com o proprietário, nascente com A. R. e poente com proprietário, inscrito na matriz rústica da freguesia respectiva sob o artigo ... – cfr. fls. 14 e 164 e segs., cujo teor se dá por reproduzido para os devidos e legais efeitos [A];
2 - Encontra-se junto aos autos a fls. 16 e segs., escritura pública denominada de compra, celebrada junto do Cartório Notarial ..., datada de 02 de Outubro de 1967, através da qual o prédio descrito em A) foi adquirido em comum e na proporção de metade para cada um, pelo autor M. M. e por António – cfr. fls. 16 e segs. Dos autos cujo teor se dá por reproduzido [B];
3 - Encontra-se junto aos autos a fls. 32 e segs., escritura pública denominada de permuta, celebrada junto do Cartório Notarial ..., datada de 17 de Janeiro 1979, através da qual) foi adquirido, na totalidade, pelo autor em, por permuta com António e mulher, a metade indivisa de vários prédios, entre os quais o prédio melhor identificado em A) – cfr. fls. 32 e segs. dos autos cujo teor se dá por integralmente reproduzido [C];
4 - Há mais de 20 e 30 anos que os autores por si e passados utilizam o prédio referido em 1), por si ou permitindo que outrem o faça, cultivando-o, lavrando-o, adubando-o, semeando cereais, designadamente milho e centeio, plantando e tratando árvores de fruto e a vinha na sua bordadura, semeando e colhendo batatas, feijão e diversos produtos hortícolas, nele semeando pastos e pondo o gado a pastar [D];
5 - (…) construindo tanques, regos e muros de suporte e vedação, abrindo acessos, pavimentando-os e conservando-os, dando-o de arrendamento e recebendo a renda respectiva, pagando os impostos sobre ele incidentes [E];
6 - (…) que tudo sempre têm feito, à vista e com o conhecimento de todos, sem oposição e interrupção, na firme convicção de que estão e sempre estiveram, bem como toda a gente, no exercício pleno e exclusivo do seu direito de propriedade sobre tal prédio [F];
7 - Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número .../20080617, em nome de A. M. c.c. F. L., a aquisição por doação, de um prédio urbano, sito no lugar ..., freguesia de ..., concelho de Fafe, com a seguinte descrição: “área de 1048m2, sendo 185.25 m2 de área coberta e 863 m2 de área descoberta”, com a seguinte composição: “casa de rés do chão e primeiro andar com a área coberta de 108 m2, anexo com 56m2, quinteiro com 96 m2, alpendre com 18 m2, espigueiro com 3,25m2, Leiras ...a e do alpendre com a área de 767m2”, a “confrontar: de Norte com caminho; de Sul, Nascente e Poente com M. M., Desanexado do nº 35.274 a fls. 169vs, do livro B-94; e inscrito na matriz predial respectiva sob o nº...-P” – cfr. fls. 167 e segs. cujo teor se dá por reproduzido [G];
8 - No final de 2010, na sequência na sequência de obras de remodelação que fizeram no anexo do prédio referido em 7), os réus altearam a parede Nascente do anexo e rasgaram uma abertura nessa mesma parede, abertura em forma de janela, com cerca de um metro largura por um metro de altura, a qual deita para uma parcela de terreno ajardinada [H];
9 - (…) e, construíram uma cornija em toda a extensão do mencionado anexo, com cerca de oito metros e vinte centímetros de comprimento por trinta centímetros de largura [I];
10 - Antes desta intervenção dos réus, aquela parede nascente não dispunha de qualquer abertura, sendo o anexo coberto de telha e sem beiral [J];
11 - Os réus colocaram, ainda, um tubo de condução de águas num muro de suporte de terras dessa parcela de terreno ajardinada [L];
12 - Não obstante o referido em 1), o prédio ali descrito, confronta de Norte com Rua ... [1.º b.i.];
13 - Por volta do ano de 1988 os pais da Ré resolveram fazer obras na casa referida em 7), e construíram umas escadas e uma varanda, para “melhor” acederem ao primeiro andar [5.º b.i.];
14 - (…) as quais ficaram voltadas para Nascente [6.º b.i.];
15 - Os réus têm vindo a ocupar a parcela de terreno ajardinada referida em 8) e 11) [7.º b.i.];
16 - (…) e ainda uma parcela de terreno com cerca de um metro de largura por oito metros e cinquenta centímetros metros de comprimento, com a construção de um passeio em cimento, com quatro escadas, o qual se prolonga para nascente a partir das escadas e varanda e em toda a extensão da casa [8.º b.i.];
17 - (…) e mais recentemente, têm vindo a colocar a casota do cão, depositar lenha e objectos diversos, bem como a estacionar veículos automóveis, ocupando uma parcela de terreno com a área aproximada de quarenta metros quadrados [10.º b.i.];
18 - (…) Os réus passaram ainda a circular a pé e com todo o tipo de veículos pelo acesso ao prédio referido em 1) e que liga à Rua ..., o que fazem em desacordo com a vontade dos autores [12.º b.i.];
19 - Os AA. contribuíram para a abertura de acesso referida em 18) e respectiva pavimentação;
20 - Os autores sentem-se humilhados, revoltados e maltratados por verem as parcelas referidas em 15) a 18) ocupadas pelos réus [18.º b.i.];
21 - Há mais de 25 anos que os pais da ré procederam a obras de ampliação lateral da casa de habitação descrita em 7) e ao aumento do pátio com escadas de acesso, existentes a Nascente, transformando-o numa varanda [20.º b.i.];
22 - (…) e procederam à eliminação da ramada que existia sobre o quinteiro do dito prédio [21.º b.i.];
23 - (…) tendo cedido, sem contrapartida, à Câmara Municipal ... terreno para construção da estrada camarária, conhecida como Rua ... e assinalada como Rua do ... [22.º b.i.];
24 - (…) terreno esse destacado das denominadas Leiras ... e dizendo respeito parte não concretamente apurada da sua área total[23.º b.i.];
25 - Os réus, desde há cerca de 10 anos, habitam a casa referida em 7) e tratam da parte ajardinada [24.º b.i.];
26 - Na frente/Nascente da casa de habitação referida em 7), e ladeado pelo terreno, a Sul, que restou das denominadas Leiras ... e, a Norte, pelas Leiras ...a, existe um terreiro [27.º b.i.];
27 - (…) por onde existe um trato de terreno, em tempos em terra batida e depois pavimentado e empredrado, que permitia aceder por ali ao “Cerrado ...” e a outros prédios rústicos das irmãs Conceição, E. M., Ana e R. M. [28.º b.i.];
28 - Os réus, por si e seus antepossuidores utilizam o prédio descrito em 7), e o terreiro mencionado em 27º, guardando e estacionando veículos automóveis, depositando lenhas que vão consumindo e vários objectos e / ou utensílios [29.º b.i.];
29 - (…) o que fazem à vista de toda a gente [31.º b.i.];
30 - (…) na convicção de que exercem um direito próprio [32.º b.i.];
31 - (…) e procedem à limpeza do prédio, colhendo as uvas quando as tinham [30.º b.i.];
32 - O referido em 23) ocorreu há cerca de 20 anos;
33 - Há cerca de cinco anos os RR., além da janela referida em H), fizeram obras de remodelação da cozinha, que fica separada da casa, tendo construído uma cornija na mesma fachada nascente da cozinha;
34 - Aquando do referido em 8), o A. marido pretendeu empedrar o caminho de acesso ao seu campo;
35 - Propondo aos RR. pavimentar e empedrar o caminho e pavimentar igualmente todo o terreiro referido, pagando-lhe os RR. apenas metade do custo;
36 - Ao que os RR.- acederam, tendo feito entrega ao A. marido em 18.5.2006, de um cheque emitido sobre o Banco ..., do montante de 1.116,00€, para pagamento da metade do custo da pavimentação;
37 - Tendo sido acordado entre AA. e RR. que a pavimentação seria feita, como efectivamente foi, até a limite nascente do prédio dos RR. confinante com a extrema poente do Cerrado ... dos AA;
38 - O referido em 28), 29) e 30) ocorre há mais de trinta anos;
39 - De forma continuada e ininterrupta;
40 - A área de terreno ocupada pelos RR. é de 1259 m2;
41 - A área coberta da casa existente é de 175 m2, a do anexo (cozinha) de 46 m2, a do quinteiro de 113 m2, a do alpendre de 21 m2, a do espigueiro de 3,25 m2, a das Leiras ...a de 292 m2, a da eira de 33 m2, a de 16) dos factos provados (…), de 9 m2, a de 21) dos factos provados (…) de 12 m2, a da área pavimentada referida em 27) dos factos provados (…), de 267 m2, a área de servidão de fls. 312 e ss., de 52 m2 e a da parcela jardinada, de 57 m2.

1.2. A 1.ª instância considerou não provados os factos seguintes:

a) O prédio referido em 1.º confronta a Poente com o prédio referido em 7) [parte do 1.º b.i.];
b) A linha divisória entre os prédios descritos em 1) e 7), na parte em que confrontam e confinam um com o outro, parte do pilar que se situa junto à Rua ..., segue em linha recta até ao segundo pilar e deste segue, de Norte para Sul, em direcção à esquina Norte /Nascente do anexo do prédio referido em 7) [2.º b.i.];
c) (…) prolongando-se pela parede Nascente daquele até atingir a esquina Sul /Nascente [3.º b.i.];
d) (…) altura onde flecte para Nascente até atingir a esquina Norte / Nascente da casa, continuando depois e da mesma forma, em direcção ao limite Sul da referida casa [4.º b.i.];
e) O referido em 13) ocorreu mediante autorização do A. para o efeito;
f) A parcela de terreno referida em 16) encontrava-se pavimentada, tendo os réus removido o paralelo e colocado cimento [9.º b.i.];
g) As escadas referidas em 13) e propendiam e propendem para o prédio referido em 1), ocupando o espaço aéreo correspondente;
h) Com o referido em 15) a 17) os RR. estorvam e impedem os autores de aceder ao prédio identificado em 1) com veículos automóveis e tractores [11.º b.i.];
i) Além do referido em 19), há mais de 15, 20, e 30 anos que os autores por si e antepossuidores utilizam as parcelas de terreno referidas em 8), 11) e 18) a 21), designadamente plantando e tratando árvores de fruto e vinha na sua bordadura, semeando e colhendo batatas, feijão, e produtos hortícolas, semeando pastos e pondo-os a pastar [13.º b.i.];
j) (…) construindo tanques, regos e muros de suporte e vedação, abrindo acessos, pavimentando-os, e conservando-os [14.º b.i.];
k) (…) Usando as ditas parcelas ou permitindo o seu uso por outrem sem qualquer contrapartida ou dando-o de arrendamento e recebendo a renda respectiva, e pagando os impostos sobre elas incidentes [15.º b.i.];
l) (…) o que fazem à vista de toda a gente e sem oposição de quem quer que seja [16.º b.i.];
m) (…) na convicção de que exercem um direito próprio [17.º b.i.];
n) Os AA. sofreram e sofrem por estarem impedidos de aceder ao aludido prédio com veículos automóveis ou máquinas agrícolas sempre que querem e lhes apetece [19.º b.i.] ;
o) Os RR. cultivam as duas leiras denominadas de “…” [parte do artigo 24.º b.i.];
p) (…) utilizando uma como horta ou quintal, onde cultivam variados produtos hortícolas e frutas e onde possuem ramada e também árvores [parte do 25.º b.i.];
q) (…) colhendo para si o que neles é produzido, designadamente produtos hortícolas e vinho [parte do artigo 26.º b.i.];
r) O referido em 28) e 29) ocorre sem oposição de quem quer que seja [31.º b.i.];
s) (…) e procedem à limpeza do prédio, cortando ervas e silvas nos terrenos, procedendo às podas de árvores e das vides, colhendo as uvas, hortícolas, frutas e demais utilidades [30.º b.i.].

1.3. Com relevo para a apreciação do objeto da apelação, consta do acórdão de fls. 312-337 v.º - proferido por esta Relação a 15-10-2013(1), no âmbito do processo n.º 461/11.2TBFAF.G1, intentado pelos ora autores contra os ora réus -, além do mais, o seguinte:

i) que os autores, no essencial, alegaram:

«(…) que são proprietários de dois prédios, um deles rústico (artigo ...) e o outro urbano (...), e os R.R. são proprietários de um prédio urbano (artigo ..., que proveio do artigo ..., provindo este do artigo ...) composto, além do mais, por casa e quinteiro, sendo que os dois referidos prédios urbanos (um dos prédios dos A.A. e o prédio dos R.R.) provieram de um único prédio urbano, enquanto este último (artigo ...) e o rústico dos A.A. (artigo ...) foram adquiridos em comum e na proporção de metade para o A. marido e seu pai A.. no dia 2.10.1967. Mas, por escritura de permuta de 17.1.1979, o A. marido adquiriu a seus pais (além de outras metades, noutros prédios) a metade indivisa dos prédios dos artigos ... e ..., ficando único titular da plena propriedade dos mesmos.

Situando-se o prédio dos R.R. entre aqueles dois prédios dos A.A., e sendo que o quinteiro daqueles, juntamente com o logradouro do prédio dos A.A. constituía a totalidade do prédio mãe antes da operada divisão, o acesso ao prédio rústico dos A.A. a partir da via publica sempre, há mais de 20 e 30 anos vem sendo feito através do quinteiro do prédio urbano que atualmente pertence aos R.R., no sentido poente/nascente e no sentido inverso para daquele aceder ao prédio urbano dos A.A. e deste à via publica, em extensão e largura determinadas, designadamente para o exercício da atividade agrícola, tendo-se constituído sobre o quinteiro daquele, a favor dos prédios dos A.A., uma servidão de passagem, por destinação e pai de família e também por usucapião.

Não obstante, no dia 4 de fevereiro de 2011, os R.R. construíram um muro no seu quinteiro que obstrói totalmente o leito da passagem e impede os A.A. de transitar através do caminho de servidão entre os seus dois prédios;

ii) que os autores formularam o pedido seguinte:

«Nestes termos e nos mais de direito que mui doutamente serão supridos, deve a presente acção ser julgada totalmente procedente por provada e, por consequência,

a) Ser declarado e reconhecido o direito de propriedade dos A.A. aos prédios melhor identificados sob o artigo 12 supra;
b) Ser declarado e reconhecido o direito de servidão de passagem a pé, com gados presos e soltos, com veículos de tracção animal, motorizados ou com tractores e respectivas alfaias, durante todo o ano e a qualquer hora, através do prédio dos R.R. (serviente), referido no artigo 15º supra, e a favor dos prédios dos A.A. (dominantes), referidos e identificados no artigo 1º supra;
c) Serem os R.R. condenados a reconhecerem esse direito de servidão de passagem a favor dos prédios dos A.A. e, consequentemente, a não impedir nem estorvar os A.A. de exercer tais direitos de servidão;
d) Serem os R.R. condenados a procederem à eliminação do muro melhor identificado no artigo 32º supra, permitindo aos A.A. o livre exercício do seu direito de servidão de passagem.»;

iii) que a Relação julgou procedente o recurso interposto pelos autores da sentença da 1.ª instância - que havia reconhecido o direito de propriedade dos autores sobre os prédios descritos nas alíneas a) e b) dos factos provados e absolvido os réus do demais peticionado - e, em consequência, proferiu a decisão seguinte:

a) Reconhece-se o direito de propriedade dos A.A. sobre os dois prédios identificados em a. e b. dos factos provados;
b) Reconhece-se o direito de servidão de passagem dos A.A. constituída por usucapião (enquanto titulares do direito real reconhecido em a), a pé, com gados presos e soltos, com veículos de tração animal, motorizados ou com tratores e respetivas alfaias, durante todo o ano e a qualquer hora, através do prédio dos R.R., identificado em c. dos factos provados;
c) Condenam-se os R.R. a reconhecer aqueles direitos a favor dos prédios dos A.A. e, consequentemente, a não impedir nem estorvar o respetivo exercício; e ainda
d) A demolirem o muro que construíram, identificado no item gg. dos factos provados, permitindo o livre exercício do direito de servidão de passagem dos A.A.»

iv) que tal decisão se baseou em fundamentação da qual faz parte o excerto o seguinte:

«(…)

A matéria de facto provada passa a ser a seguinte:

a. Encontra-se inscrito na matriz urbana sob o art. ..., que proveio do inscrito na matriz urbana sob o art. ..., em nome de M. M. (ora autor) o seguinte prédio: uma casa, com a área coberta de 90 m2, logradouro com 75 2, eira com 33 m2, alpendre com 19 m2 e espigueiro com 3,25 m2, a confrontar do norte e poente com caminho, do sul com A. C. e do nascente com restante prédio donde foi destacado.
b. Encontra-se inscrito na matriz rústica sob o art. ..., em nome de M. M. (ora autor), o seguinte prédio: Cerrado ..., de lavradio, vinho e azeite, a confrontar do norte com caminho, do sul com proprietário, do nascente com A. O. e poente com proprietário
c. Encontra-se inscrito na matriz urbana sob o art. ..., que por sua vez proveio da mesma matriz sob o artigo ..., o qual por sua vez proveio do inscrito na mesma matriz sob o artigo ..., em nome de A. M. (ora ré) o seguinte prédio: uma casa, com a área coberta de 108 m2, com uma divisão no rés-do-chão e duas no primeiro andar, com uma cozinha separada com a área de 56 m2, com quinteiro de 96 m2, alpendre com 18 m2, espigueiro com 3,25 m2 e terreno de horta formado por cinco leiras, umas denominadas trás da casa com 390 m2 e outras denominadas do alpendre com 377 m2, a confrontar do norte com caminho, do sul com caminho, do nascente com proprietário e do poente com a restante parte do prédio.
d. Os prédios descritos em a. e c. provieram do prédio urbano inscrito na matriz urbana sob o art. ..., o qual foi objeto de um processo administrativo de descriminação com o n.º 5/78.
e. Por escritura pública de compra e venda celebrada no Cartório Notarial ... em 02 de Outubro de 1967, o prédio inscrito na matriz urbana sob o art. ... (facto A) e o prédio inscrito na matriz rústica sob o art. ... (facto B) foram adquiridos, em comum e na proporção de metade para cada um, pelo autor M. M. e pelo seu pai, António.
f. Por escritura pública de permuta celebrada no Cartório Notarial ... em 17 de Janeiro de 1979, o autor M. M. adquiriu, por permuta com os seus pais (António e mulher), a metade indivisa de vários prédios, entre os quais os prédios identificados em a. e b.
g. A escritura pública referida em f. teve lugar após o processo de discriminação referido em d.
h. Há mais de 20 e 30 anos que os autores, por si e passados, estão na posse do prédio referido em a., designadamente habitando-o, nele confecionando refeições, recebendo os amigos e familiares, dormindo e guardando lenhas, alfaias agrícolas, animais e veículos automóveis, fazendo obras de conservação e remodelação.
i. Há mais de 20 e 30 anos que os autores, por si e passados, estão na posse do prédio referido em b., designadamente cultivando-o, lavrando, adubando e semeando com cereais, designadamente milho, centeio, batata e feijão.
j. Plantando e tratando árvores de fruto e a vinha na sua bordadura.
k. Nele semeando pastos e pondo os gados a pastar.
l. E de tudo colhendo os respetivos frutos e utilidades.
m. Dando-os de arrendamento e recebendo a respetiva renda.
n. Pagando os impostos sobre os mesmos incidentes.
o. E tudo à vista e com o conhecimento de toda a gente, designadamente dos réus.
p. De forma contínua, sem interrupção, nem oposição de ninguém.
q. Na convicção de que estão e sempre estiveram a exercer sobre aqueles prédios, e de modo exclusivo, o seu direito de propriedade.
r. O prédio urbano dos réus localiza-se entre os dois prédios dos autores, de um lado, o prédio urbano – casa de habitação, que fica a poente, e do outro prédio rústico – Cerrado ..., que fica a nascente.
s. Prédio esse (dos réus) que dispõe de um quinteiro, constituído por uma parcela de terreno adjacente à casa pelo lado norte e ao anexo pelo lado sul e que fica a nascente do logradouro do prédio urbano dos autores.
t. Quinteiro esse que juntamente com o logradouro do prédio dos autores constituía a totalidade do quinteiro do prédio mãe, antes de operada a divisão.
u. O acesso ao prédio rústico dos autores, a partir da via pública, sempre se fez, há mais de 20 e 30 anos, através do quinteiro do prédio urbano referido em c., no sentido poente-nascente e no sentido inverso para daquele aceder ao prédio urbano dos autores e deste à via pública.
v. Que se inicia no prédio urbano dos autores, desenvolve-se no sentido poente-nascente numa extensão de 18 metros por cerca de 2,50 de largura na parte mais estreita, sobre o quinteiro ou logradouro do prédio descrito em c. até atingir o prédio rústico dos autores.
w. Passagem feita a pé, com gados presos e soltos, com veículos de tração animal, motorizados ou com tratores e respetivas alfaias, durante todo o ano e a qualquer hora.
x. Passagem feita para lavrar, semear, transportar sementes, estrumes, adubos e tratamento das culturas, bem como para colheita dos frutos, como seja batata, feijão e uvas.
y. Tudo isto feito à vista e com o conhecimento de toda a gente, de forma contínua, sem interrupção nem oposição de ninguém, designadamente dos réus.
z. Na convicção de que estão e sempre estiveram a exercer sobre aquela parcela um direito de passagem.
aa. O leito do referido caminho encontra-se trilhado e calcado pelo trânsito contínuo de pessoas, animais e veículos de e para o prédio dos autores, em toda a sua largura e extensão.
bb. No quinteiro dos réus existe uma abertura, fechada com um portão, voltada para o prédio rústico dos autores.
cc. No dia 04 de fevereiro de 2011, os réus procederam à construção, no dito logradouro ou quinteiro, de um muro em pedra com 6,53 metros de comprimento e 1,05 metros de altura.
dd. Obstruindo totalmente o leito do dito caminho.
ee. Devido à construção do muro os autores ficaram impedidos de transitar através do referido caminho e de fazer manobras de inversão de marcha de e para os seus prédios.
ff. Numa das extremidades do tal quinteiro do prédio dos réus existia uma cancela com cerca de 2 metros de largura (permitia a passagem de um carro de bois), tendo sido posteriormente alargada para 2,85 metros.
gg. A cancela foi alargada ficando com 2,85 metros.
hh. Há cerca de 17 ou 18 anos foi feito um caminho que dá acesso aos prédios dos A.A. e dos R.R.
*
O enquadramento jurídico dos factos

(…)
3- A constituição de uma servidão de passagem por usucapião

(…)
Não havendo dúvida alguma de que os A.A. são proprietários dos prédios identificados em a. e b. dos factos provados, estamos para saber se se constituiu a seu favor, enquanto titulares daqueles direitos de propriedade, uma servidão de passagem por usucapião sobre o quinteiro do prédio dos R.R., identificado sob a subsequente al. c.

Está demonstrado que o acesso ao prédio rústico dos autores, a partir da via pública, sempre se fez, há mais de 20 e 30 anos, através do quinteiro do prédio urbano referido em c., no sentido poente-nascente e no sentido inverso para daquele aceder ao prédio urbano dos autores e deste à via pública. Igualmente provada ficou a forma como vem sendo exercida essa passagem: inicia-se no prédio urbano dos autores, desenvolve-se no sentido poente-nascente numa extensão de 18 metros por cerca de 2,50 de largura na parte mais estreita, sobre o quinteiro ou logradouro do prédio descrito em c. até atingir o prédio rústico dos autores. Passagem feita a pé, com gados presos e soltos, com veículos de tração animal, motorizados ou com tratores e respetivas alfaias, durante todo o ano e a qualquer hora. Destina-se a lavrar, semear, transportar sementes, estrumes, adubos e tratamento das culturas, bem como para colheita dos frutos, como seja batata, feijão e uvas. E tudo isto é feito à vista e com o conhecimento de toda a gente, de forma contínua, sem interrupção nem oposição de ninguém, designadamente dos réus (al.su. a y. dos factos provados).

Além dos referidos atos materiais de posse está igualmente assente que os mesmos vêm sendo exercidos pelos A.A. na convicção de que estão e sempre estiveram a exercer sobre aquela parcela um direito de passagem (al. z. dos factos provados).

Há sinais visíveis e permanentes da passagem (art.º 1258º do Código Civil).

(…)
Aquele conjunto de factos, designadamente o exercício da posse com as referidas características de continuidade, pacificidade e publicidade, ao longo de mais de 20 e até de 30 anos, satisfaz plenamente os pressupostos da usucapião, exigidos pelos art.ºs 1287º e seg.s do Código Civil, tendo-se como constituída a servidão de passagem segundo aquela forma de aquisição originária do direito real, a favor dos A.A., enquanto titulares dos prédios identificados em a. e b. (prédios dominantes), sobre o prédio dos R.R. identificado em c. (prédio serviente).
A construção do muro pelos R.R. no ano de 2011 interrompeu abusiva e ilegalmente o exercício do direito dos A.A., ao obstruir totalmente o leito do caminho de servidão, impedindo-os de transitar através dele e de fazer as manobras de inversão de marcha de e para os seus prédios (al.s cc. a ee. dos factos provados).
Com base na constituição de uma servidão de passagem por usucapião, comprovado que os R.R. obstruem ilegalmente o seu exercício regular, a ação tem que proceder.
É certo que os R.R. invocam a desnecessidade da servidão em virtude da construção do caminho de cima e que as servidões de passagem constituídas por usucapião podem extinguir-se por desnecessidade relativamente ao prédio dominante (art.º 1569º, nº 2, do Código Civil).
Em todo o caso, não está demostrada aquela desnecessidade. Não basta provar-se que foi aberto outro caminho que dá acesso aos prédios dos A.A. e dos R.R. A desnecessidade tem de ser objetiva, típica e exclusiva e supõe uma mudança na situação do prédio dominante. Para que haja extinção por desnecessidade é necessário que, após a sua constituição, tenham sobrevindo alterações no prédio dominante de que resulte ficar este servido de acessos de tal modo que tudo volte a passar-se como se aquela servidão nunca tivesse sido necessária.
Mas, não só não foi demonstrada a desnecessidade, como os R.R. nem sequer deduziram pedido reconvencional em conformidade. A violação do princípio do pedido sempre ditaria também o insucesso da defesa preconizada.
(…)».

2. Apreciação sobre o objeto do recurso

2.1. Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto

Os autores/apelantes impugnam a decisão sobre a matéria de facto incluída na sentença recorrida, sustentando a alteração da redação dada aos pontos 13, 19, 28, 37 e 38 da matéria provada, bem como o aditamento à matéria provada dos factos constantes das alíneas a), b), c), d), e), i), j), k), l) e m), considerados não provados.

Tal como resulta da análise conjugada do disposto nos artigos 639.º e 640.º do CPC, os recursos para a Relação tanto podem envolver matéria de direito como de facto, sendo este último o meio adequado e específico legalmente imposto ao recorrente que pretenda manifestar divergências quanto a concretas questões de facto decididas em sede de sentença final pelo Tribunal de 1.ª instância que realizou o julgamento, o que implica o ónus de suscitar a revisão da correspondente decisão.

Resulta do disposto no artigo 662.º, n.º 1, do CPC, com a epígrafe Modificabilidade da decisão de facto, que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.

Tal como ressalta deste preceito, a reapreciação da decisão proferida sobre determinados pontos da matéria de facto deve ter a mesma amplitude que o julgamento efetuado em 1.ª instância, dispondo para tal a Relação de autonomia decisória de forma a assegurar o duplo grau de jurisdição.

A este propósito, refere António Santos Abrantes Geraldes (2) que «(…) sem prejuízo do ónus de impugnação que recai sobre o recorrente e que está concretizado nos termos previstos no art. 640º, quando estejam em causa a impugnação de determinados factos cuja prova tenha sido sustentada em meios de prova submetidos à livre apreciação, a Relação deve alterar a decisão da matéria de facto sempre que, no seu juízo autónomo, os elementos de prova que se mostrem acessíveis determinem uma solução diversa, designadamente em resultado da reponderação dos documentos, depoimentos e relatórios periciais, complementados ou não pelas regras de experiência».

Cumpre, assim, proceder à reapreciação da decisão proferida pela 1.ª instância relativamente à factualidade impugnada pelos recorrentes.

Vem impugnada na apelação a factualidade constante do ponto 13 da matéria provada - com a redação: «Por volta do ano de 1988 os pais da Ré resolveram fazer obras na casa referida em 7), e construíram umas escadas e uma varanda, para “melhor” acederem ao primeiro andar »- e da alínea e) da matéria não provada - com a redação: «O referido em 13) ocorreu mediante autorização do A. para o efeito» -, defendendo os apelantes se considere provado o facto constante desta alínea e) e, em consequência, se modifique o aludido ponto 13, passando a ter a redação seguinte: «Por volta do ano de 1988 os pais da ré resolveram fazer obras na casa referida em 7), tendo os autores permitido que construíssem umas escadas e uma varanda para melhor acederem ao primeiro andar».

Os autores apelantes baseiam a pretensão em apreciação, no sentido da alteração da redação do ponto 13 da matéria provada, no depoimento prestado pelas testemunhas T. O. e A. F., meios de prova que foram igualmente tidos em conta pela 1.ª instância, conforme decorre da motivação da decisão de facto.

Ouvida a gravação dos depoimentos prestados pelas testemunhas T. O. e A. F., verifica-se que deles decorre que os depoentes realizaram as obras a que alude o ponto 13 da matéria provada, ambos tendo esclarecido que, para a construção da varanda e das escadas aí mencionadas, se mostrou necessário cortar uma ramada existente no local, tendo-lhes a mãe da ré dito que falassem previamente com o autor, no sentido de pedir autorização para efetuar tal corte, em virtude de a ramada lhe pertencer, na sequência do que foi o autor contactado pela segunda das indicadas testemunhas, tendo autorizado o corte da ramada para o efeito pretendido.

Da reapreciação dos elementos probatórios indicados pelos apelantes não decorre que a autorização solicitada ao autor e por este concedida se reportasse à construção das escadas e da varanda em causa, mas sim ao corte da ramada existente no local onde estas foram construídas, o que não impõe a modificação da decisão relativa aos indicados pontos de facto preconizada pelos recorrentes.

Os autores impugnam igualmente o ponto 19 da matéria provada - com a redação: «Os AA. contribuíram para a abertura de acesso referida em 18) e respectiva pavimentação» - sustentando que deverá ser modificado, passando a ter a redação seguinte: «Os AA. decidiram e procederem à abertura e pavimentação do acesso referido em 18), suportando o respetivo custo».

O ponto 19 em apreciação reporta-se ao acesso referido no ponto 18, o qual tem a redação seguinte: «Os réus passaram ainda a circular a pé e com todo o tipo de veículos pelo acesso ao prédio referido em 1) e que liga à Rua ..., o que fazem em desacordo com a vontade dos autores».

Sustentam os apelantes que foram os autores que decidiram fazer o acesso ao “Cerrado ...”, logo após a construção da estrada camarária, por volta do ano de 1991, como também decidiram e contribuíram para a referida pavimentação, por volta de 2005-2006, não tendo a construção do acesso coincidido com a respetiva pavimentação; afirmam os apelantes que tal decorre dos depoimentos prestados pelas testemunhas J. M. e M. V., bem como dos factos constantes dos pontos 34, 35 e 36 da matéria provada.

Os depoimentos das indicadas testemunhas foram igualmente tidos em conta pela 1.ª instância, ainda que conjugados com os depoimentos de parte prestados pelos réus F. L. e A. M., conforme decorre da motivação da decisão de facto.

Os factos constantes dos pontos 34, 35 e 36 da matéria provada têm a redação seguinte: «34 - Aquando do referido em 8), o A. marido pretendeu empedrar o caminho de acesso ao seu campo»; «35 - Propondo aos RR. pavimentar e empedrar o caminho e pavimentar igualmente todo o terreiro referido, pagando-lhe os RR. apenas metade do custo»; «36 - Ao que os RR.- acederam, tendo feito entrega ao A. marido em 18.5.2006, de um cheque emitido sobre o Banco ..., do montante de 1.116,00€, para pagamento da metade do custo da pavimentação».

Reapreciado o depoimento prestado pela testemunha M. V., verifica-se decorrer do mesmo que, a mando do autor, por ocasião da construção da estrada camarária, procedeu à abertura do acesso em causa, tendo realizando trabalhos de terraplanagem que lhe foram pagos pelo autor; do depoimento prestado pela testemunha J. M., por seu turno, decorre que, há cerca de 9 ou 10 anos, a mando do autor, procedeu à pavimentação do acesso em causa, o qual se encontrava em terra batida, tendo o pagamento sido efetuado pelo autor.

Analisando os depoimentos prestados por estas duas testemunhas, conjugados com os factos constantes dos pontos 34, 35 e 36 da matéria provada, os quais não se encontram impugnados, verifica-se que assiste razão aos apelantes, decorrendo efetivamente dos indicados meios de prova, conjugados com os referidos factos tidos por assentes, que os autores não se limitaram a contribuir para a abertura do acesso, antes tendo diligenciado pela realização dos trabalhos de abertura de tal acesso e procedido ao respetivo pagamento; por outro lado, igualmente resulta dos indicados elementos que não se limitaram os autores a contribuir para pavimentação desse acesso, antes tendo diligenciado pela realização de tais trabalhos, obtendo o acordo dos réus no sentido de contribuírem com o pagamento de metade do respetivo custo, nos termos constantes dos pontos 34, 35 e 36.

Assim sendo, deverá ponto 19 passar a ter a redação seguinte: «Os AA. decidiram proceder e procederam à abertura do acesso referido em 18, tendo suportado o respetivo custo; posteriormente, pretendendo pavimentar tal caminho de acesso, os autores procederam nos termos constantes dos pontos 34, 35 e 36, suportando o remanescente do custo da pavimentação».

Os apelantes impugnam o ponto 37 da matéria provada - com a seguinte redação: «Tendo sido acordado entre AA. e RR. que a pavimentação seria feita, como efectivamente foi, até a limite nascente do prédio dos RR. confinante com a extrema poente do Cerrado ... dos AA.» -, defendendo a eliminação da referência que nele se faz ao limite nascente do prédio dos RR. confinante com o Cerrado ... dos AA., passando a ter a redação seguinte: «Tendo sido acordado entre AA. e RR. que a pavimentação seria feita, como efetivamente foi».

Sustentam os autores que a expressão em causa - até ao limite nascente do prédio dos RR. confinante com a extrema poente do Cerrado ... dos AA. - configura uma conclusão, na medida em que define aquilo que se discute nos presentes autos, assim incluindo a decisão da questão decidenda, motivo pelo qual entendem dever ser eliminada. Alegam, ainda, que consta da sentença que a prova deste ponto de facto resultou das declarações de parte e da prova testemunhal acima valorada positivamente sobre tal facto, sustentando que os réus não prestaram declarações de parte, mas apenas depoimentos de parte destinados à confissão de outros factos, e que não foi indicada, nem decorre da leitura da sentença, qual a prova testemunhal concretamente valorada para o efeito, não se conseguindo perceber que elementos probatórios basearam a decisão na parte relativa a este concreto ponto.

A este propósito, refere Abrantes Geraldes (3), que «[e]m qualquer destes casos, a Relação, limitando-se a aplicar regras vinculativas extraídas do direito probatório material, deve integrar na decisão o facto que a 1ª instância considerou não provado ou retirar dela o facto que ilegitimamente foi considerado provado (sem prejuízo da sua sustentação noutros meios de prova), alteração que nem sequer depende da iniciativa da parte.

Com efeito, nos termos do art. 663, nº 2, aplicam-se ao acórdão da Relação as regras prescritas para a elaboração da sentença, entre as quais se insere o art. 607º, nº 4, norma segundo a qual o juiz deve tomar em consideração na fundamentação da sentença (…).

Por outro lado, continua a ser impedido que sejam considerados como provados factos relativamente aos quais foram violadas regras de prova vinculada, como aquelas que impõem a apresentação de prova documental.

Tal como o tribunal de 1ª instância, também a Relação tem poderes que tanto podem determinar a assunção de factos segundo regras imperativas de direito probatório, como a desconsideração de outros factos cuja prova tenha desrespeitado essas mesmas regras».

E, neste domínio, importa considerar que, conforme resulta do disposto no artigo 607.º, n.º 4 CPC, o Tribunal só deve responder aos factos que julga provados e não provados, não envolvendo esta pronúncia aqueles pontos que contenham matéria conclusiva, irrelevante ou de direito, pois tal como sublinha o Ac. do STJ de 28-09-2017 (relatora: Fernanda Isabel Pereira) (4) «[m]uito embora o art. 646.º, n.º 4, do anterior CPC tenha deixado de figurar expressamente na lei processual vigente, na medida em que, por imperativo do disposto no art. 607.º, n.º 4, do CPC, devem constar da fundamentação da sentença os factos julgados provados e não provados, deve expurgar-se da matéria de facto a matéria susceptível de ser qualificada como questão de direito, conceito que, como vem sendo pacificamente aceite, engloba, por analogia, os juízos de valor ou conclusivos».

Está em causa nos presentes autos, ainda que a título prejudicial, como antecedente lógico da decisão a proferir a título principal, a definição da linha divisória entre o prédio urbano pertencente aos réus e o prédio rústico pertencente aos autores, aos quais aludem, respetivamente, os pontos 1 e 7 da matéria provada. Como tal, a definição dos limites de cada um dos prédios configura uma questão essencial integradora do objeto da ação, cuja resolução permitirá aferir da titularidade do direito de propriedade sobre a faixa de terreno em litígio e da eventual obrigação de restituição pelos réus da faixa reclamada pelos autores.

Ora, tendo a presente ação por objeto a eventual restituição de uma parcela de terreno ocupada pelos réus, o que pressupõe a prévia determinação da linha de fronteira entre os prédios, daqui decorre que a definição dos limites de cada um dos prédios constitui uma questão a decidir a título prejudicial relativamente ao objeto essencial do pleito, configurando uma conclusão jurídica a extrair de elementos factuais.

Nestes termos, verificando-se que a expressão em causa - «até ao limite nascente do prédio dos RR. confinante com a extrema poente do Cerrado ... dos AA.» - integra parte da solução jurídica do pleito, cumpre concluir que a mesma configura uma conclusão jurídica e não matéria de facto, pelo que assiste razão aos apelantes, não podendo tal expressão integrar a matéria de facto julgada provada, assim devendo ser eliminada do ponto 37. A solução dada a esta questão prejudica a apreciação da fundamentação da decisão proferida quanto a este segmento do aludido ponto, bem como a reapreciação de quaisquer meios de prova relativos a esta matéria.

Como tal, deverá ponto 37 passar a ter a redação seguinte: «Tendo sido acordado entre AA. e RR. como seria feita a pavimentação, a qual foi efetuada nos termos acordados».

Os recorrentes impugnam os pontos 28 - com a redação: «Os réus, por si e seus antepossuidores utilizam o prédio descrito em 7), e o terreiro mencionado em 27), guardando e estacionando veículos automóveis, depositando lenhas que vão consumindo e vários objectos e/ou utensílios» - e 38 - com a redação: «O referido em 28), 29) e 30) ocorre há mais de trinta anos» - da matéria provada, sustentando que deverá ser eliminada a referência que neles é feita a terreiro mencionado em 27 e, em consequência, ser considerado não provado o facto seguinte: «Os RR. por si e antepossuidores utilizam o terreiro mencionado em 27, guardando e estacionando veículos automóveis, depositando lenhas que vão consumindo e vários objetos e/ou utensílios há mais de trinta anos».

Estando em causa a utilização pelos réus, por si e antepossuidores, do terreiro mencionado no ponto 27, cumpre atender ao teor dos pontos 26 e 27, os quais não se encontram impugnados e têm a redação seguinte: «26 - Na frente/Nascente da casa de habitação referida em 7), e ladeado pelo terreno, a Sul, que restou das denominadas Leiras ... e, a Norte, pelas Leiras ...a, existe um terreiro»; «27 - (…) por onde existe um trato de terreno, em tempos em terra batida e depois pavimentado e empredrado, que permitia aceder por ali ao “Cerrado ...” e a outros prédios rústicos das irmãs Conceição, E. M., Ana e R. M.».

Sustentam os apelantes que os factos constantes dos pontos 15, 16, 17, 18 e 25, julgados provados, impõem se considere não provado que os réus ocupem esse terreiro há mais de trinta anos, acrescentando que não foi produzida qualquer prova no sentido de que os indicados factos sejam praticados no aludido terreiro pelos réus, por si e seus antepossuidores, há mais de trinta anos, mas unicamente após terem os mesmos ido morar para aquele prédio, o que só aconteceu por volta do ano de 2010.

Ora, os invocados pontos de facto têm a redação seguinte: «15 - Os réus têm vindo a ocupar a parcela de terreno ajardinada referida em 8) e 11)»; 16 - (…) e ainda uma parcela de terreno com cerca de um metro de largura por oito metros e cinquenta centímetros metros de comprimento, com a construção de um passeio em cimento, com quatro escadas, o qual se prolonga para nascente a partir das escadas e varanda e em toda a extensão da casa»; «17 - (…) e mais recentemente, têm vindo a colocar a casota do cão, depositar lenha e objectos diversos, bem como a estacionar veículos automóveis, ocupando uma parcela de terreno com a área aproximada de quarenta metros quadrados»; «18 - (…) Os réus passaram ainda a circular a pé e com todo o tipo de veículos pelo acesso ao prédio referido em 1) e que liga à Rua ..., o que fazem em desacordo com a vontade dos autores»; «25 - Os réus, desde há cerca de 10 anos, habitam a casa referida em 7) e tratam da parte ajardinada».

Decorre efetivamente desta factualidade julgada provada que os réus, desde há cerca de 10 anos, habitam na aludida casa e tratam da parte ajardinada, tendo mais recentemente começado a ocupar uma parcela de terreno com a área aproximada de 40 m2, aí colocando a casota do cão, depositando lenha e objetos diversos, bem como estacionando veículos automóveis. No que respeita a esta parcela do aludido terreiro, reivindicada pelos autores nos presentes autos, extrai-se destes pontos de facto que a aludida ocupação pelos réus se iniciou “mais recentemente”, por referência à ocasião em que começaram a habitar a casa e a tratar da parte ajardinada, o que se verifica desde há cerca de 10 anos.

Por outro lado, há que ter presente que os dois prédios em causa - o prédio rústico inscrito na matriz respetiva sob o artigo ..., pertencente aos autores, e o prédio urbano inscrito na matriz respetiva sob o artigo ..., pertencente aos réus - pertenceram anteriormente aos mesmos donos. Efetivamente, o autor e o seu pai, António, adquiriram em comum, por escritura de compra e venda outorgada a 02-10-1967 (a que respeita o ponto 2 da factualidade provada) o aludido prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo ... e o prédio urbano inscrito na matriz respetiva sob o artigo ..., do qual provieram o prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ... e o aludido prédio urbano inscrito sob o artigo ... (este último proveniente do prédio inscrito sob o artigo ..., por sua vez proveniente do prédio inscrito sob o mencionado artigo ...). Posteriormente, através de processo administrativo de discriminação do prédio inscrito na matriz sob o artigo ..., que correu termos sob o n.º 5/78 na Repartição de Finanças de … (conforme documentos de fls. 657-661v.º), foi operada a divisão em dois do prédio inscrito na matriz sob o artigo ..., de que resultou o prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ... e o prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ..., do qual proveio o prédio urbano inscrito sob o artigo .... De seguida, por escritura de permuta outorgada por autores e pais do autor a 17-01-1979 (a que respeita o ponto 3 da factualidade provada), os pais transmitiram para o autor, além do mais, ½ indivisa do prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo ... (a que alude o ponto 1 da factualidade provada) e do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ... (proveniente do prédio inscrito sob o artigo ...) e os autores transmitiram para os pais do autor o prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ..., do qual proveio o prédio urbano inscrito sob o artigo ... (a que alude o ponto 7 da factualidade provada). Por escritura de doação de 20-07-1979 (constante de fls. 76 e seguintes), este prédio urbano inscrito sob o artigo ... foi doado pelos pais do autor a sua filha R. M., mãe da ré, sendo posteriormente adquirido pelos réus por doação inscrita no registo a 17-06-2008.

Perante o contexto descrito, considerando que os prédios em causa nos presentes autos pertenceram anteriormente aos mesmos donos, verifica-se que, para efeitos da apreciação dos pontos de facto em análise, assumirá relevância a ocupação da aludida parcela de terreno após a doação operada por escritura de 20-07-1979, pelos pais do autor à mãe da ré, do prédio a que alude o ponto 7 da matéria assente.

Reapreciados os depoimentos prestados pela testemunha E. M., irmã do autor e tia da ré, e pela testemunha S. M., cunhado do autor e tio da ré, indicados nas contra-alegações apresentadas pelos réus, verifica-se que deles não decorrem elementos que permitam, com segurança, considerar verificada a ocupação do aludido terreiro pelos pais da ré ou pelos próprios réus em momento anterior ao mencionado no ponto 17 da matéria provada, sendo certo que não se extraem da motivação constante da sentença outros concretos meios probatórios que eventualmente tenham baseado a decisão relativa aos pontos de facto em apreciação.

Como tal, cumpre considerar procedente, nesta parte, a impugnação deduzida e, em consequência, julgar não provado que a utilização do terreiro mencionado em 27, nos termos constantes do ponto 28, ocorra há mais de trinta anos, alterando em conformidade o ponto 38, o qual passará a ter a redação seguinte: «O referido em 28) quanto ao prédio descrito em 7, bem como o referido em 29 e 30, ocorre há mais de trinta anos».

Mais sustentam os apelantes que o facto constante da alínea a) da matéria não provada - com a redação: «O prédio referido em 1.º confronta a Poente com o prédio referido em 7)» -, considerado não provado, deverá ser aditado à matéria provada.

Está em causa apreciar se decorre dos elementos probatórios indicados pelos apelantes que o prédio rústico a que alude o ponto 1, pertencente aos autores, confronta a poente com o prédio urbano a que alude o ponto 7, pertencente aos réus, sustentando os recorrentes, além do mais, que tal confrontação resulta da descrição deste prédio a que alude o ponto 7.

É sabido que a identificação física dos prédios, nomeadamente as respetivas confrontações, não é abrangida pela presunção derivada do registo predial, estatuída no artigo 7.º do Código de Registo Predial (5), e que a certidão da inscrição na matriz não faz prova plena da composição do prédio, podendo a descrição constante da matriz predial, designadamente no que respeita às confrontações do prédio, não corresponder à realidade ou mostrar-se desatualizada. Tais documentos, não tendo nesta parte força probatória plena, encontram-se sujeitos à livre apreciação do julgador.

Conforme se extrai do documento de fls. 14, consta da inscrição matricial que o prédio rústico a que alude o ponto 1, inscrito na matriz respetiva sob o artigo ... e pertencente aos autores, confronta a poente com o proprietário, o que igualmente resulta da descrição desse prédio constante do registo predial, conforme documento de fls. 45 e seguintes. Porém, consta da descrição no registo do prédio a que alude o ponto 7, inscrito na matriz respetiva sob o artigo ... e pertencente aos réus, que o mesmo confronta a nascente com M. M., ora autor, conforme certidão permanente de fls. 167 e seguintes. Verifica-se, assim, que a descrição da confrontação poente do prédio a que alude o ponto 1 se mostra desconforme com a descrição da confrontação nascente do prédio a que alude o ponto 7, bem como com os diversos levantamentos topográficos constantes dos autos e com as fotos constantes do auto de inspeção ao local de fls. 348-349, elementos dos quais se extrai sem qualquer dúvida que aquele prédio pertencente aos autores confronta a poente com este prédio pertencente aos réus, nos termos constantes da descrição predial deste último.

Assim sendo, deverá o facto constante da alínea a) da matéria de facto não provada ser aditado à matéria provada e alterado, em consequência, o ponto 12, o qual passará a ter a redação seguinte: «Não obstante o referido em 1), o prédio ali descrito confronta de Norte com Rua ... e a Poente com o prédio referido em 7)».

Defendem os apelantes, por último, o aditamento à matéria provada dos factos, considerados não provados, seguintes:

- os factos constantes das alíneas b), c) e d), com a redação seguinte: «b) A linha divisória entre os prédios descritos em 1) e 7), na parte em que confrontam e confinam um com o outro, parte do pilar que se situa junto à Rua ..., segue em linha recta até ao segundo pilar e deste segue, de Norte para Sul, em direcção à esquina Norte /Nascente do anexo do prédio referido em 7)»;« c) (…) prolongando-se pela parede Nascente daquele até atingir a esquina Sul /Nascente»; «d) (…) altura onde flecte para Nascente até atingir a esquina Norte / Nascente da casa, continuando depois e da mesma forma, em direcção ao limite Sul da referida casa»;
- os factos constantes das alíneas i), j), k), l) e m), com a redação seguinte: «i) Além do referido em 19), há mais de 15, 20, e 30 anos que os autores por si e antepossuidores utilizam as parcelas de terreno referidas em 8), 11) e 18) a 21), designadamente plantando e tratando árvores de fruto e vinha na sua bordadura, semeando e colhendo batatas, feijão, e produtos hortícolas, semeando pastos e pondo-os a pastar»; «j) (…) construindo tanques, regos e muros de suporte e vedação, abrindo acessos, pavimentando-os, e conservando-os»; «k) (…) Usando as ditas parcelas ou permitindo o seu uso por outrem sem qualquer contrapartida ou dando-o de arrendamento e recebendo a renda respectiva, e pagando os impostos sobre elas incidentes»;« l) (…) o que fazem à vista de toda a gente e sem oposição de quem quer que seja»; «m) (…) na convicção de que exercem um direito próprio».

Alegam os recorrentes que, dos factos considerados provados no acórdão de 15-10-2013, proferido por esta Relação no processo n.º 461/11.2TBFAF.G1, o qual correu termos entre as mesmas partes, se extrai com clareza que a linha divisória entre os prédios a que aludem os pontos 1 e 7, na parte em que confrontam um com o outro, tem a configuração indicada nas alíneas b), c) e d), o que entendem impor se considerem provados os factos constantes de tais alíneas; acrescentam que tal igualmente decorre da decisão proferida nos autos de procedimento cautelar que identificam.

No mais, requerem a reapreciação do novo levantamento topográfico elaborado, conjugado com as declarações prestadas pelo autor, os depoimentos prestados pelas testemunhas T. O., J. M., L. M. e A. F., bem como por C. M., entretanto habilitada como sucessora da autora falecida, e dos depoimentos prestados pelas testemunhas M. G., A. S. e A. G., elementos probatórios que entendem imporem se considerem provados os pontos de facto em apreciação.

Quanto aos depoimentos prestados pelas testemunhas M. G., A. S. e A. G., os apelantes não indicam as passagens da gravação em que se funda o recurso, sendo certo que igualmente não procedem à transcrição dos excertos que eventualmente considerem relevantes, pelo que se verifica o incumprimento do ónus previsto no artigo 640.º, n.ºs 1, al. b), e 2, al. a), do CPC.

Neste domínio, enunciando os ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, dispõe o artigo 640.º do CPC, além do mais, o seguinte: 1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) (…); b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) (…). 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; (…).

Nesta conformidade, face ao incumprimento pelos apelantes do indicado ónus quanto aos depoimentos prestados pelas aludidas três testemunhas, sendo certo que o cumprem relativamente aos demais meios probatórios cuja reapreciação requerem, é de rejeitar unicamente a reapreciação daqueles três depoimentos, procedendo-se à reapreciação da demais prova indicada.

Respeitam os factos constantes das enunciadas alíneas b), c) e d) à definição da linha divisória entre o prédio urbano a que alude o ponto 7, pertencente aos réus, e o prédio rústico a que alude o ponto 1, pertencente aos autores, na parte em que confrontam um com o outro.

Correu termos entre as mesmas partes o processo n.º 461/11.2TBFAF.G1, intentado pelos ora autores/recorrentes contra os ora réus/recorridos, definitivamente julgado, no qual, por acórdão proferido por esta Relação a 15-10-2013: a) se reconheceu o direito de propriedade dos autores sobre o prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ... e sobre o prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo ... (a que alude o ponto 1 dos presentes autos); b) se reconheceu o direito de servidão de passagem dos autores, constituída por usucapião, enquanto titulares do direito real reconhecido em a), a pé, com gados presos e soltos, com veículos de tração animal, motorizados ou com tratores e respetivas alfaias, durante todo o ano e a qualquer hora, através do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ... (a que alude o ponto 7 dos presentes autos), pertencente aos réus; c) se condenou os réus a reconhecer aqueles direitos a favor dos prédios dos autores e, consequentemente, a não impedir nem estorvar o respetivo exercício; e ainda, d) a demolir o muro que haviam construído, identificado no item gg. dos factos provados, permitindo o livre exercício do direito de servidão de passagem dos autores.

Estando em causa uma ação entre as mesmas partes e relativa aos mesmos prédios, cumpre apreciar em que medida vincula esta decisão as partes nos presentes autos.

Transitada em julgado, a decisão sobre a relação material controvertida tem força obrigatória dentro do processo e fora dele, nos termos fixados nos artigos 580.º e 581.º do CPC. Por outro lado, dispondo o artigo 621.º do CPC que «a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga», verifica-se que o alcance do caso julgado decorre dos próprios termos da decisão. O caso julgado abrange apenas a parte decisória e não, em princípio, os fundamentos de facto e de direito em que se baseia, podendo os seus limites integrar a decisão de questões que constituam antecedente lógico que conduza à decisão final.

Neste domínio, dúvidas não há de que o caso julgado vincula as partes, não só no processo onde foi proferida a decisão, mas igualmente noutros processos, impedindo a repetição da causa (artigos 576.º, n.º 2, 577.º, al. i), 580.º e 581.º do CPC) e fazendo valer a sua autoridade, através da imposição da decisão tomada, a título prejudicial relativamente a decisões a proferir noutras ações.

Sendo as mesmas as partes no processo n.º 461/11.2TBFAF.G1 e nos presentes autos, e reportando-se ambos aos mesmos prédios, a autoridade do caso julgado impõe que as questões decididas naquela ação vinculem as partes no âmbito da presente ação, tanto a título principal, como a título prejudicial. Verifica-se, assim, que o caso julgado abrange, não apenas a parte dispositiva do julgado, mas também a decisão de questões conexas com aquela, o que impõe seja tida em conta a resolução das questões fáctico-jurídicas prévias ou preliminares que constituam pressuposto daquela parte dispositiva. Porém, daqui não decorre que o caso julgado se estenda aos próprios factos considerados provados na decisão em causa, assim não podendo tais factos ser invocados por si só, separadamente da decisão que com base neles tiver sido proferida - neste sentido, cfr. o Ac. do STJ de 17-05-2018 (relatora: R. M. Tching) (6), no qual se entendeu o seguinte: «Os fundamentos de facto não adquirem, quando autonomizados da decisão de que são pressuposto, valor de caso julgado, de molde a poderem impor-se extraprocessualmente»; no mesmo sentido, cfr. o Ac. do STJ de 08-11-2018 (relator: Tomé Gomes) (7), no qual se entendeu o seguinte: «(…) IV - Os juízos probatórios positivos ou negativos que consubstanciam a chamada “decisão de facto” não revestem, em si mesmos, a natureza de decisão definidora de efeitos jurídicos, constituindo apenas fundamentos de facto da decisão jurídica em que se integram. V - Nessa medida, embora tais juízos probatórios relevem como limites objetivos do caso julgado material nos termos do art. 621.º do CPC, sobre eles não se forma qualquer efeito de caso julgado autónomo, mormente que lhes confira, enquanto factos provados ou não provados, autoridade de caso julgado no âmbito de outro processo. VI - De resto, os factos dados como provados ou não provados no âmbito de determinada pretensão judicial não se assumem como uma verdade material absoluta, mas apenas com o sentido e alcance que têm nesse âmbito específico. Ademais, a consistência dos juízos de facto depende das contingências dos mecanismos da prova inerentes a cada processo a que respeitam, não sendo, por isso, tais juízos transponíveis, sem mais, para o âmbito de outra acção».

Deste modo, a matéria de facto julgada provada no âmbito da decisão proferida no processo n.º 461/11.2TBFAF.G1 não impõe, por si só, que sejam considerados provados os factos constantes dos pontos b), c) e d), impugnados pelos apelantes.

Por outro lado, no que respeita à decisão proferida em sede de procedimento cautelar, o disposto no artigo 364.º, n.º 4, do CPC, afasta o efeito probatório pretendido pelos apelantes, relativamente à factualidade eventualmente considerada indiciariamente assente, ao dispor que «nem o julgamento da matéria de facto, nem a decisão final proferida no procedimento cautelar, têm qualquer influência no julgamento da causa principal». Acresce que a decisão proferida em sede de procedimento cautelar se destina a assegurar uma tutela essencialmente temporária, a qual poderá inclusivamente ser alterada, por via da respetiva modificação ou alteração, pelo que, em regra, não são tais decisões suscetíveis de constituir caso julgado.

Como tal, cumpre reapreciar os demais elementos probatórios indicados.

Está em causa, nas alíneas b) a d), a definição da linha divisória entre o prédio urbano a que alude o ponto 7, pertencente aos réus, e o prédio rústico a que alude o ponto 1, pertencente aos autores, na parte em que confrontam um com o outro. Respeitam as alíneas i), j), k), l) e m), por seu turno, à utilização pelos autores da parcela ajardinada a que aludem os pontos 8 e 11 e da parcela de terreno a que aludem os pontos 18 e 19.

Conforme supra se expôs, os dois aludidos prédios pertenceram anteriormente aos mesmos donos, tendo autor e seu pai adquirido em comum, por escritura de 02-10-1967, o prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo ..., a que alude o ponto 1, e o prédio urbano inscrito na matriz respetiva sob o artigo ..., do qual provieram o prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ... e o prédio urbano inscrito sob o artigo ... (este último proveniente do prédio inscrito sob o artigo ..., por sua vez proveniente do prédio inscrito sob o mencionado artigo ...), a que alude o ponto 7.

Na escritura de permuta a que alude o ponto 3 da factualidade provada - outorgada a 17-01-1979, através da qual os pais transmitiram para o autor, além do mais, ½ indivisa do prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo ... (a que alude o ponto 1 da factualidade provada) e do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ... (proveniente do prédio inscrito sob o artigo ...) e os autores transmitiram para os pais do autor o prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ..., do qual proveio o prédio urbano inscrito sob o artigo ... (a que alude o ponto 7 da factualidade provada) -, os prédios urbanos inscritos na matriz sob os artigos ... e ..., provenientes da divisão do prédio urbano inscrito sob o artigo ..., foram detalhadamente descritos pelos contraentes, tanto no que respeita às respetivas confrontações, como às áreas, tal como já constava no processo de discriminação do aludido prédio inscrito na matriz sob o artigo ..., de cuja divisão resultaram os mencionados prédios urbano inscritos na matriz sob os artigos ... e ....

A este propósito, considerou o acórdão desta Relação proferido nos presentes autos a 28-09-2017, cuja pertinência se mantém, o seguinte:

«A vontade das partes em bem definir os limites de ambos os prédios foi evidente e resultou confirmada não só pelo A. em depoimento de parte/declarações de parte; como pelas testemunhas S. M. (cunhado do A. e tio dos RR.) e E. M., irmã do A. e tia dos RR., as quais (ambas) confirmaram que o pai do A. só após a divisão com o filho dos prédios em comum é que fez as partilhas, após composição de lotes. Tendo inclusive a testemunha E. M. confirmado que a divisão entre pai e filho foi feita com medição a metros [ainda que após não sabendo especificar o que em concreto foi entre eles acordado].

No que ao prédio dos RR. concerne, foram em tais docs. identificadas áreas concretas de casa coberta - 108 m2; cozinha separada com 56 m2; quinteiro com 96 m2; alpendre com 18 m2; espigueiro com 3,25 m2; e cinco leiras com 377 m2 (as 3 denominadas do Alpendre) e 390 m2 (as 2 denominadas de ...) - vide fls. 106/107 (processo de discriminação dos 2 prédios do inicial artigo mãe ...). Na escritura de permuta as mesmas áreas foram indicadas (apenas com a omissão da área das Leiras ...a) - vide fls. 38/39; no requerimento subscrito pelo pai do A. que instruiu o processo de discriminação as mesmas áreas foram indicadas, verificando-se uma discrepância quanto à área das leiras de ... que indica com 300 m2 (e não 390 conforme ficou a constar do termo de Avaliação e Discriminação - vide fls. 72 a 75 dos autos).

Na escritura de doação de 20/07/1979 (vide fls. 77 e segs.) constando a mesma descrição deste prédio que os pais do A. doaram a sua filha R. M.. Uma vez mais quanto a áreas omitindo a área das leiras de ... e indicando como área do espigueiro 13,25 m2 - e não 3,25 como consta em todos os demais documentos e que evidencia lapso, tanto mais que nem as partes nestes autos a identificaram como correta.

Finalmente estas mesmas áreas - num total de 1048,25 m2 - são as que se encontram traduzidas na CRP (vide doc. de fls. 94/96 destes autos).»

Com relevo para a apreciação da matéria em análise, cumpre atender aos factos julgados provados sob os pontos 40 e 41, os quais não se encontram impugnados e têm a redação seguinte: 40 - A área de terreno ocupada pelos réus é de 1259 m2; 41 - A área coberta da casa existente é de 175 m2, a do anexo (cozinha) de 46 m2, a do quinteiro de 113 m2, a do alpendre de 21 m2, a do espigueiro de 3,25 m2, a das Leiras ...a de 292 m2, a da eira de 33 m2, a de 16) dos factos provados (…), de 9 m2, a de 21) dos factos provados (…) de 12 m2, a da área pavimentada referida em 27) dos factos provados (…), de 267 m2, a área de servidão de fls. 312 e ss., de 52 m2 e a da parcela jardinada, de 57 m2.

Do cotejo destes pontos de facto - e do levantamento topográfico constante de fls. 666, aditado a fls. 680 - com a supra mencionada descrição das confrontações e áreas do prédio inscrito na matriz sob o artigo ... (do qual proveio o prédio a que alude o ponto 7) operada pelos contraentes na escritura de permuta e com a descrição constante do processo de discriminação do prédio inscrito na matriz sob o artigo ... (de cuja divisão resultaram os mencionados prédios urbano inscritos na matriz sob os artigos ... e ...), decorre que os réus/recorridos ocupam e reclamam uma área de terreno superior àquela que foi considerada pelos contraentes na aludida escritura, bem como à tida em conta no processo de discriminação e à incluída na descrição constante do registo predial.

Da análise destes elementos parece decorrer que o limite nascente do prédio dos réus/recorridos coincide com o limite nascente do anexo a que alude o ponto 7, bem como com o limite nascente da área de passagem adjacente àquele anexo pelo lado sul deste e com o limite nascente da casa a que alude o ponto 7, adjacente à referida passagem pelo lado sul desta, inexistindo qualquer elemento que indicie a pertença ao aludido prédio das questionadas parcelas localizadas a nascente destes limites.

Também a este respeito se mostra pertinente recordar o constante do acórdão proferido nos presentes autos por esta Relação a 28-09-2017, do qual se extrai o seguinte:

«(…) o pedido reconvencional dos RR foi formulado nos seguintes termos: “pela procedência da reconvenção deve ser declarado e reconhecido:

a) serem os RR. os proprietários do prédio urbano referido e identificado em 55º desta contestação/reconvenção;
b) serem os AA. condenados a reconhecer o referido direito de propriedade dos RR.;
(…)

No mencionado artigo 55º da contestação/reconvenção consta:

55º Deve declarar-se reconvencionalmente serem os RR. os exclusivos donos e senhores do seguinte prédio urbano:

uma casa com a área coberta de 108 m2 com uma divisão no rés-do-chão e duas no primeiro andar, com uma cozinha separada com a área de 56 m2 e com um quinteiro com a área de 96 m2, alpendre com 18 m2 e espigueiro com 3,25 m2 e terreno de horta formado por 5 leiras, sendo duas denominadas de ... com 390 m2 e 3 denominadas do Alpendre com 377 m2, a confrontar do norte com o caminho, do sul com o mesmo, nascente com os AA. e do poente com a restante parte do prédio de onde foi destacado (AA.), descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº .../20080617 e inscrito na matriz sob o artigo ...-P, assinalado e configurado a cor vermelha no levantamento topográfico junto aos autos a fls. … como dos. Nº7 desta contestação (…)”.

A área indicada pelos RR. do seu prédio nesta descrição perfaz o total de 1048,25 m2.

E corresponde exatamente à área do mesmo indicada no processo administrativo de discriminação nº 5/78 (vide fls. 106/107) relativo ao prédio então descrito na matriz ... do qual provieram o prédio urbano dos RR. referido em 7) dos factos provados e o prédio urbano dos AA. identificado sob a verba um da escritura de permuta junta a fls. 35 e segs. dos autos […].

Não obstante, no levantamento topográfico oferecido pelos RR. e a que corresponde o doc. 7 junto a fls. 108/109 cujos limites se encontram delineados a vermelho é indicada uma área total do prédio dos RR. de 1259 m2.

Nestes limites estão incluídas, à 1ª vista, todas as áreas reclamadas pelos AA. incluindo o caminho de acesso ao(s) prédio(s) através da Rua ... (antes Rua do ...) - vide 12 e 23 dos factos provados - que ambas as partes reclamam como de sua propriedade e que de acordo com o ponto 18 dos factos provados é acesso do prédio dos AA. referido em 1) dos factos provados (…)».

Reapreciados os depoimentos prestados pelas testemunhas T. O. e A. F., extrai-se dos mesmos, como supra se indicou, que executaram as obras a que alude o ponto 13 da matéria provada, realizadas por volta do ano de 1988 na casa existente no prédio pertencente aos réus, ambos tendo esclarecido que, para a construção da varanda e das escadas aí mencionadas, se mostrou necessário cortar uma ramada existente no local e que se prolongava até ao alpendre da casa, tendo recebido indicação da mãe da ré no sentido de ser previamente pedida autorização ao autor para efetuar tal corte, em virtude de a ramada lhe pertencer, o que foi efetuado, tendo ainda a primeira das indicadas testemunhas visto o autor a podar um bardo aí existente; também a testemunha L. M. revelou conhecimento da existência de ramada até às casas pertencentes ao prédio dos réus, a qual era vindimada a mando do autor, o que demonstrou ser do seu conhecimento pessoal, em virtude de ter participado nesses trabalhos, a mando do autor; do depoimento prestado pela testemunha J. M. decorre que, conforme supra exposto, há cerca de 9 ou 10 anos, a mando do autor, procedeu à pavimentação do acesso ao Cerrado ..., o qual se encontrava em terra batida, tendo os trabalhos sido efetuados nos termos indicados pelo autor, que procedeu ao respetivo pagamento, acrescentando que ninguém o impediu de levar a cabo o serviço em causa; do depoimento prestado pela filha dos autores, C. M., numa primeira fase na qualidade de testemunha e, posteriormente, na sequência na respetiva habilitação como sucessora da autora falecida, em sede de declarações de parte, igualmente decorre a utilização que vem sendo dada pelo autor às parcelas de terreno em causa, esclarecendo, de forma que se mostrou credível, que eram cultivadas até à casa e ao anexo (cozinha) pertencentes aos réus, tendo inclusivamente participado em vindimas e revelando conhecer os limites do terreno cultivado por seu pai e o uso dado ao mesmo. Por outro lado, tanto do depoimento prestado pelo autor, complementado com as declarações posteriormente prestadas, como dos depoimentos prestados pelas testemunhas S. M., cunhado daquele e tio dos réus, e E. M., irmã do autor e tia dos réus, que revelaram conhecimento do contexto no âmbito do qual foram autonomizados os dois prédios supra indicados e estabelecidos os respetivos limites, resultou a forma como foi operada entre pai e filho a divisão dos prédios, a qual antecedeu a aludida permuta e a subsequente doação aos réus do prédio que atualmente lhes pertence, não se extraindo dos depoimentos de parte prestados pelos réus qualquer elemento relevante que ponha em causa tal intenção das partes no sentido de definir claramente os limites de ambos os prédios, plasmando-os nos documentos supra referidos.

Face ao exposto, verifica-se que a reapreciação dos indicados meios de prova impõe se altere a decisão proferida, quanto aos pontos de facto em apreciação, devendo ser excluídos da factualidade considerada não provada e aditado à matéria provada os factos seguintes:

42 - A linha divisória entre os prédios descritos em 1) e em 7), na parte em que confrontam e confinam um com o outro, passa junto à esquina Norte/Nascente do anexo do prédio referido em 7);
43 - … prolonga-se pela parede Nascente daquele anexo até atingir a esquina Sul/Nascente do mesmo;
44 - … prolonga-se até atingir a esquina Norte/Nascente da casa do prédio referido em 7);
45 - … e continua até atingir o limite Sul/Nascente da referida casa;
46 - Além do referido em 19), há mais de 30 anos que os autores utilizam a parcela de terreno a que aludem os pontos 8 e 11 e a parcela de terreno a que aludem os pontos 18 e 19, designadamente plantando e tratando árvores de fruto e vinha na sua bordadura;
47 - … abrindo acessos, pavimentando-os e conservando-os;
48 - … usando as ditas parcelas ou permitindo o seu uso por outrem;
49 - … o que fazem à vista de toda a gente e sem oposição de quem quer que seja;
50 - … na convicção de que lhes pertencem.

Em conclusão, procede parcialmente a impugnação da decisão de facto deduzida pelos apelantes, em consequência do que passa a matéria de facto provada a ser a seguinte:

1 - Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o numero ..., em nome de M. M. e M. C., a aquisição por compra e por permuta, de um prédio rústico, denominado de “Cerrado ...”, sito no lugar ..., freguesia de ..., concelho de Fafe, com a área de 6 000m2, de lavradio, vinho e azeite, a confrontar de norte com caminho, sul com o proprietário, nascente com A. R. e poente com proprietário, inscrito na matriz rústica da freguesia respectiva sob o artigo ... - cfr. fls. 14 e 164 e segs., cujo teor se dá por reproduzido para os devidos e legais efeitos;
2 - Encontra-se junto aos autos a fls. 16 e segs., escritura pública denominada de compra, celebrada junto do Cartório Notarial ..., datada de 02 de Outubro de 1967, através da qual o prédio descrito em A) foi adquirido em comum e na proporção de metade para cada um, pelo autor M. M. e por António – cfr. fls. 16 e segs. Dos autos cujo teor se dá por reproduzido;
3 - Encontra-se junto aos autos a fls. 32 e segs., escritura pública denominada de permuta, celebrada junto do Cartório Notarial ..., datada de 17 de Janeiro 1979, através da qual) foi adquirido, na totalidade, pelo autor em, por permuta com António e mulher, a metade indivisa de vários prédios, entre os quais o prédio melhor identificado em A) – cfr. fls. 32 e segs. dos autos cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
4 - Há mais de 20 e 30 anos que os autores por si e passados utilizam o prédio referido em 1., por si ou permitindo que outrem o faça, cultivando-o, lavrando-o, adubando-o, semeando cereais, designadamente milho e centeio, plantando e tratando árvores de fruto e a vinha na sua bordadura, semeando e colhendo batatas, feijão e diversos produtos hortícolas, nele semeando pastos e pondo o gado a pastar;
5 - (…) construindo tanques, regos e muros de suporte e vedação, abrindo acessos, pavimentando-os e conservando-os, dando-o de arrendamento e recebendo a renda respectiva, pagando os impostos sobre ele incidentes;
6 - (…) que tudo sempre têm feito, à vista e com o conhecimento de todos, sem oposição e interrupção, na firme convicção de que estão e sempre estiveram, bem como toda a gente, no exercício pleno e exclusivo do seu direito de propriedade sobre tal prédio;
7 - Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número .../20080617, em nome de A. M. c.c. F. L., a aquisição por doação, de um prédio urbano, sito no lugar ..., freguesia de ..., concelho de Fafe, com a seguinte descrição: “área de 1048m2, sendo 185.25 m2 de área coberta e 863 m2 de área descoberta”, com a seguinte composição: “casa de rés do chão e primeiro andar com a área coberta de 108 m2, anexo com 56m2, quinteiro com 96 m2, alpendre com 18 m2, espigueiro com 3,25m2, Leiras ...a e do alpendre com a área de 767m2”, a “confrontar: de Norte com caminho; de Sul, Nascente e Poente com M. M., Desanexado do nº35.274 a fls. 169vs, do livro B-94; e inscrito na matriz predial respectivo sob o nº...-P” – cfr. fls. 167 e segs. cujo teor se dá por reproduzido;
8 - No final de 2010, na sequência de obras de remodelação que fizeram no anexo do prédio referido em 7, os réus altearam a parede Nascente do anexo e rasgaram uma abertura nessa mesma parede, abertura em forma de janela, com cerca de um metro largura por um metro de altura, a qual deita para uma parcela de terreno ajardinada;
9 - (…) e, construíram uma cornija em toda a extensão do mencionado anexo, com cerca de oito metros e vinte centímetros de comprimento por trinta centímetros de largura;
10 - Antes desta intervenção dos réus, aquela parede nascente não dispunha de qualquer abertura, sendo o anexo coberto de telha e sem beiral;
11 - Os réus colocaram, ainda, um tubo de condução de águas num muro de suporte de terras dessa parcela de terreno ajardinada;
12 - Não obstante o referido em 1., o prédio ali descrito confronta de Norte com Rua ... e a Poente com o prédio referido em 7;
13 - Por volta do ano de 1988 os pais da Ré resolveram fazer obras na casa referida em 7, e construíram umas escadas e uma varanda, para “melhor” acederem ao primeiro andar;
14 - (…) as quais ficaram voltadas para Nascente;
15 - Os réus têm vindo a ocupar a parcela de terreno ajardinada referida em 8 e 11;
16 - (…) e ainda uma parcela de terreno com cerca de um metro de largura por oito metros e cinquenta centímetros metros de comprimento, com a construção de um passeio em cimento, com quatro escadas, o qual se prolonga para nascente a partir das escadas e varanda e em toda a extensão da casa;
17 - (…) e mais recentemente, têm vindo a colocar a casota do cão, depositar lenha e objectos diversos, bem como a estacionar veículos automóveis, ocupando uma parcela de terreno com a área aproximada de quarenta metros quadrados;
18 - (…) Os réus passaram ainda a circular a pé e com todo o tipo de veículos pelo acesso ao prédio referido em 1., e que liga à Rua ..., o que fazem em desacordo com a vontade dos autores;
19 - Os AA. decidiram proceder e procederam à abertura do acesso referido em 18, tendo suportado o respetivo custo; posteriormente, pretendendo pavimentar tal caminho de acesso, os autores procederam nos termos constantes dos pontos 34, 35 e 36, suportando o remanescente do custo da pavimentação;
20 - Os autores sentem-se humilhados, revoltados e maltratados por verem as parcelas referidas em 15 a 18 ocupadas pelos réus;
21 - Há mais de 25 anos que os pais da ré procederam a obras de ampliação lateral da casa de habitação descrita em 7 e ao aumento do pátio com escadas de acesso, existentes a Nascente, transformando-o numa varanda;
22 - (…) e procederam à eliminação da ramada que existia sobre o quinteiro do dito prédio;
23 - (…) tendo cedido, sem contrapartida, à Câmara Municipal ... terreno para construção da estrada camarária, conhecida como Rua ... e assinalada como Rua do ...;
24 - (…) terreno esse destacado das denominadas Leiras ... e dizendo respeito parte não concretamente apurada da sua área total;
25 - Os réus, desde há cerca de 10 anos, habitam a casa referida em 7., e tratam da parte ajardinada;
26 - Na frente/Nascente da casa de habitação referida em 7., e ladeado pelo terreno, a Sul, que restou das denominadas Leiras ... e, a Norte, pelas Leiras ...a, existe um terreiro;
27 - (…) por onde existe um trato de terreno, em tempos em terra batida e depois pavimentado e empredrado, que permitia aceder por ali ao “Cerrado ...” e a outros prédios rústicos das irmãs Conceição, E. M., Ana e R. M.;
28 - Os réus, por si e seus antepossuidores utilizam o prédio descrito em 7., e o terreiro mencionado em 27., guardando e estacionando veículos automóveis, depositando lenhas que vão consumindo e vários objetos e / ou utensílios;
29 - (…) o que fazem à vista de toda a gente;
30 - (…) na convicção de que exercem um direito próprio;
31 - (…) e procedem à limpeza do prédio, colhendo as uvas quando as tinham;
32 - O referido em 23) ocorreu há cerca de 20 anos;
33 - Há cerca de cinco anos os RR., além da janela referida em 8, fizeram obras de remodelação da cozinha, que fica separada da casa, tendo construído uma cornija na mesma fachada nascente da cozinha;
34 - Aquando do referido em 8., o A. marido pretendeu empedrar o caminho de acesso ao seu campo;
35 - Propondo aos RR. pavimentar e empedrar o caminho e pavimentar igualmente todo o terreiro referido, pagando-lhe os RR. apenas metade do custo;
36 - Ao que os RR.- acederam, tendo feito entrega ao A. marido em 18.5.2006, de um cheque emitido sobre o Banco ..., do montante de 1.116,00€, para pagamento da metade do custo da pavimentação;
37 - Tendo sido acordado entre AA. e RR. como seria feita a pavimentação, a qual foi efetuada nos termos acordados;
38 - O referido em 28., quanto ao prédio descrito em 7., bem como o referido em 29., e 30., ocorre há mais de trinta anos;
39 - De forma continuada e ininterrupta;
40 - A área de terreno ocupada pelos RR. é de 1259 m2;
41 - A área coberta da casa existente é de 175 m2, a do anexo (cozinha) de 46 m2, a do quinteiro de 113 m2, a do alpendre de 21 m2, a do espigueiro de 3,25 m2, a das Leiras ...a de 292 m2, a da eira de 33 m2, a de 16 dos factos provados (…), de 9 m2, a de 21 dos factos provados (…) de 12 m2, a da área pavimentada referida em 27 dos factos provados (…), de 267 m2, a área de servidão de fls. 312 e ss., de 52 m2 e a da parcela jardinada, de 57 m2;
42 - A linha divisória entre os prédios descritos em 1., e em 7., na parte em que confrontam e confinam um com o outro, passa junto à esquina Norte/Nascente do anexo do prédio referido em 7;
43 - … prolonga-se pela parede Nascente daquele anexo até atingir a esquina Sul/Nascente do mesmo;
44 - … prolonga-se até atingir a esquina Norte/Nascente da casa do prédio referido em 7;
45 - … e continua até atingir o limite Sul/Nascente da referida casa;
46 - Além do referido em 19., há mais de 30 anos que os autores utilizam a parcela de terreno a que aludem os pontos 8 e 11 e a parcela de terreno a que aludem os pontos 18 e 19, designadamente plantando e tratando árvores de fruto e vinha na sua bordadura;
47 - … abrindo acessos, pavimentando-os e conservando-os;
48 - … usando as ditas parcelas ou permitindo o seu uso por outrem;
49 - … o que fazem à vista de toda a gente e sem oposição de quem quer que seja;
50 - … na convicção de que lhes pertencem.

2.2. Direito de propriedade sobre as parcelas de terreno em litígio e respetivas consequências

Pretendem os autores, com a presente ação, obter o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre o prédio rústico denominado “Cerrado ...”, sito no lugar ..., freguesia de ..., concelho de Fafe, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ... e inscrito na respetiva matriz sob o artigo ..., bem como o reconhecimento de que dele fazem parte as parcelas de terreno que identificam e a consequente condenação dos réus a respeitarem tal direito, a desocuparem e restituírem as aludidas parcelas que indevidamente ocupam e a indemnizarem os autores pelos danos não patrimoniais sofridos em resultado de tal atuação.

Os réus, por seu turno, com a reconvenção deduzida, pretendem obter o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre o prédio urbano sito no lugar ..., freguesia de ..., concelho de Fafe, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ... e inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...-P, com as características e delimitação que indicam, integrando as parcelas de terreno reclamadas pelos autores, bem como a condenação dos autores a tal reconhecerem e a absterem-se da prática de atos que perturbem o exercício do seu direito.

Ambas as partes sustentam que as parcelas em litígio fazem parte do prédio respetivo, baseando o direito de propriedade que invocam na aquisição derivada e na aquisição originária do seu prédio.

A decisão recorrida reconheceu a aquisição por usucapião pelos réus do direito de propriedade sobre o respetivo prédio, no qual se consideraram incluídas as parcelas em litígio, pelo que julgou procedente a reconvenção, e não reconheceu o direito de propriedade dos autores sobre tais parcelas, como fazendo parte do respetivo prédio, pelos que não determinou a respetiva restituição pelos réus, nem arbitrou a indemnização peticionada.

Os autores/apelantes põem em causa a decisão da 1.ª instância, insurgindo-se contra o reconhecimento da aquisição por usucapião pelos réus direito de propriedade sobre as parcelas em litígio como integrando o respetivo prédio e defendendo se considere que tais parcelas integram o prédio pertencente aos recorrentes, reconhecendo-se o respetivo direito de propriedade sobre o prédio identificado no ponto 1 da factualidade assente, bem como que dele fazem parte integrante as parcelas de terreno em litígio, condenando-se os réus a reconhecer tal direito e a abster-se da prática de quaisquer atos que perturbem o seu exercício.

Face à parcial procedência da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, cumpre apreciar as consequências que, em sede da aplicação do direito, decorrem da modificação da factualidade provada.

Considerou a decisão recorrida, e não vem posto em causa na apelação, reconhecido o direito de propriedade dos autores sobre o prédio rústico a que alude o ponto 1 da matéria de facto provada, bem como o direito de propriedade dos réus sobre o prédio urbano a que alude o ponto 7 de tal factualidade. Porém, vem questionada na apelação a linha divisória entre estes dois prédios tida em conta pela decisão recorrida como antecedente lógico da decisão proferida a título principal.

A definição dos limites de cada um dos prédios constitui uma questão prejudicial, essencial à apreciação do objeto da presente ação, dado que permitirá determinar a titularidade do direito de propriedade sobre a faixa de terreno em litígio e, em conformidade, apreciar os demais pedidos deduzidos pelas partes.

Neste âmbito, há que ter em conta que correu termos entre as mesmas partes o supra referido processo n.º 461/11.2TBFAF.G1, que consiste numa ação intentada pelos ora autores contra os ora réus, relativa aos mesmos prédios, definitivamente julgada por acórdão proferido por esta Relação a 15-10-2013, no qual: a) se reconheceu o direito de propriedade dos autores sobre o prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ... e sobre o prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo ... (a que alude o ponto 1 dos presentes autos); b) se reconheceu o direito de servidão de passagem dos autores, constituída por usucapião, enquanto titulares do direito real reconhecido em a), a pé, com gados presos e soltos, com veículos de tração animal, motorizados ou com tratores e respetivas alfaias, durante todo o ano e a qualquer hora, através do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ... (a que alude o ponto 7 dos presentes autos), pertencente aos réus; c) se condenou os réus a reconhecer aqueles direitos a favor dos prédios dos autores e, consequentemente, a não impedir nem estorvar o respetivo exercício; e ainda, d) a demolir o muro que haviam construído, identificado no item gg. dos factos provados, permitindo o livre exercício do direito de servidão de passagem dos autores.

Ora, estando em causa uma ação entre as mesmas partes e relativa aos mesmos prédios, a autoridade do caso julgado impõe que as questões nela decididas, a título principal e também a título prejudicial, vinculem as partes no âmbito dos presentes autos, considerando que, conforme exposto em 2.1., os limites do caso julgado podem abranger, além da parte decisória, também a decisão de questões que constituam antecedente lógico que conduza à decisão final.

Abrangendo o caso julgado, além da parte dispositiva propriamente dita, igualmente a decisão de questões conexas com aquela, tal impõe se tenha em conta a resolução das questões fáctico-jurídicas prévias ou preliminares que constituam pressuposto da decisão final.

No referido processo n.º 461/11.2TBFAF.G1, foi suscitada e decidida, a título de questão prévia, subjacente à apreciação dos pedidos formulados pelos autores, a determinação da realidade física dos prédios em causa, nomeadamente quanto às respetivas confrontações e delimitação, o que constituiu pressuposto e antecedente lógico da decisão final, que reconheceu a constituição de servidão de passagem a favor do prédio a que alude o ponto 1 dos presentes autos, pertencente aos autores, sobre o prédio a que alude o ponto 7 dos presentes autos, pertencente aos réus.

Extrai-se do acórdão parcialmente transcrito em 1.3. que o prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ... (a que alude o ponto 7 dos presentes autos), pertencente aos réus, se localiza entre os dois prédios pertencentes aos autores, ora recorrentes, ficando o prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ... a poente e o prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo ... (a que alude o ponto 1 dos presentes autos) a nascente; que o prédio dos réus que dispõe de um quinteiro, constituído por uma parcela de terreno adjacente à casa pelo lado norte e ao anexo pelo lado sul e que fica a nascente do logradouro do prédio urbano dos autores; que o acesso ao prédio rústico dos autores, a partir da via pública, sempre se fez, há mais de 20 e 30 anos, através desse quinteiro, no sentido poente-nascente e no sentido inverso para daquele aceder ao prédio urbano dos autores e deste à via pública; que se inicia no prédio urbano dos autores, desenvolve-se no sentido poente-nascente numa extensão de 18 metros por cerca de 2,50 de largura na parte mais estreita, sobre o quinteiro do prédio dos réus até atingir o prédio rústico dos autores; que no quinteiro dos réus existe uma abertura, fechada com um portão, voltada para o prédio rústico dos autores.

No aludido acórdão, declarou-se constituída, por usucapião, uma servidão de passagem a favor dos prédios dos autores, sobre o aludido quinteiro do prédio dos réus, com fundamento, além do mais, no seguinte: Está demonstrado que o acesso ao prédio rústico dos autores, a partir da via pública, sempre se fez, há mais de 20 e 30 anos, através do quinteiro do prédio urbano referido em c., no sentido poente-nascente e no sentido inverso para daquele aceder ao prédio urbano dos autores e deste à via pública. Igualmente provada ficou a forma como vem sendo exercida essa passagem: inicia-se no prédio urbano dos autores, desenvolve-se no sentido poente-nascente numa extensão de 18 metros por cerca de 2,50 de largura na parte mais estreita, sobre o quinteiro ou logradouro do prédio descrito em c. até atingir o prédio rústico dos autores.

Daqui decorre que a questão da determinação da realidade física dos prédios em causa, nomeadamente no que respeita às respetivas confrontações e delimitação dos prédios a que aludem os pontos 1 e 7 dos presentes autos, foi decidida no aludido processo, no qual se considerou, em síntese, que o aludido quinteiro - constituído por uma parcela de terreno do prédio pertencente aos réus, adjacente à casa pelo lado norte desta e ao anexo pelo lado sul deste, e que fica a nascente do logradouro do prédio urbano dos autores -, se prolonga ao longo das aludidas construções até ao prédio rústico dos autores, isto é, que o quinteiro termina no limite nascente daquelas construções, na esquina norte/nascente da casa e na esquina sul/nascente do anexo, e aí se inicia o prédio dos autores, a nascente da casa e do anexo mencionados. Como tal, se o quinteiro se prolonga para nascente ao longo das construções, daqui decorre que termina quando estas terminarem, tendo como limite nascente o prédio rústico pertencente aos autores, o que permite concluir que este prédio rústico se inicia junto à esquina norte/nascente da casa e à esquina sul/nascente do anexo do prédio urbano dos réus.

A decisão proferida nos aludidos autos, no que respeita a esta questão prévia relativa à delimitação dos prédios a que aludem os pontos 1 e 7 dos presentes autos na respetiva confrontação poente/nascente, vincula as partes nos presentes autos, pelo que cumpre ter em conta a linha divisória entre os dois prédios aí definida.

De todo modo, a factualidade julgada provada nos presentes autos mostra-se conforme àquela decisão, como decorre dos pontos 42 a 45, dos quais se extrai que a linha divisória entre os prédios descritos em 1 e em 7, na parte em que confrontam e confinam um com o outro, passa junto à esquina norte/nascente do anexo do prédio referido em 7, prolonga-se pela parede nascente daquele anexo até atingir a esquina sul/nascente do mesmo, prolonga-se até atingir a esquina norte/nascente da casa do prédio referido em 7 e continua até atingir o limite sul/nascente da referida casa.

Esta delimitação entre os dois prédios permite concluir que as parcelas de terreno em litígio - as parcelas de terreno a que aludem os pontos 15 a 18 -, localizadas a nascente da casa e do anexo implantados no prédio a que alude o ponto 7, se integram no prédio a que alude o ponto 1, pertencente aos autores.

Porém, extrai-se da matéria de facto provada que os réus ocupam as parcelas de terreno em causa, tendo a decisão recorrida reconhecido a aquisição pelos réus, por usucapião, do direito de propriedade sobre as mesmas, como parte integrante do respetivo prédio, o que vem posto em causa na apelação e urge reapreciar à luz das modificações operadas à factualidade provada.

Nos presentes autos ambas as partes invocam a aquisição originária, por via de usucapião, do direito de propriedade sobre as aludidas parcelas de terreno, pelo que cumpre apreciar se o lograram demonstrar, isto é, de estão reunidos os pressupostos da aquisição por usucapião.

Nos termos do disposto no artigo 1316.º do Código Civil (CC), «o direito de propriedade adquire-se por contrato, sucessão por morte, usucapião, ocupação, acessão e demais modos previstos na lei».

Relativamente à aquisição originária, no que aqui releva, o artigo 1287.º do CC prevê que «a posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua atuação: é o que se chama usucapião».

Deste modo, a usucapião «é uma forma de aquisição de direitos, que se funda na posse, quando esta reveste certas características e verificados alguns requisitos, relativos nomeadamente ao seu tempo de duração» (8). Perante o artigo 1287.º, «o possuidor tem a faculdade de adquirir o direito a cujo exercício corresponde a sua atuação, querendo isto dizer que, havendo na posse uma atuação correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real (art. 1251.º) é o direito possuído, e não outro, o que pode ser adquirido por usucapião» (9).

Por sua vez, o artigo 1251.º do CC, define posse como «o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real».

Tal como anotam Rui Pinto, Cláudia Trindade (10), a posse apresenta como primeiro pressuposto «a verificação de subordinação da coisa à vontade de um sujeito, a qual pode ou não corresponder a um direito legítimo. Essa subordinação designa-se tradicionalmente por corpus e tem o seu início no momento da constituição da posse (…). O corpus não é uma situação material stricto sensu, pois não se exige o aproveitamento contínuo da coisa. O que se exige é que a coisa esteja subordinada à vontade do sujeito. Para tanto basta que esse sujeito possa renovar a atuação material sobre ela sempre que queira. (…) Todavia a verificação de corpus não é bastante para se concluir pela existência de posse. Exige-se um segundo pressuposto de facto: o animus possidendi».

Os autores lograram demonstrar que o seu prédio, incluindo as parcelas de terreno a que aludem os pontos 15 a 18 (localizadas a nascente da casa e do anexo do prédio pertencente aos réus), está há mais de 30 anos, de forma ininterrupta, na sua posse; efetivamente, os autores têm utilizado o aludido prédio rústico ou permitindo que outrem o faça, usando-o nos termos indicados nos pontos 4 e 5 da factualidade provada, o que sempre têm feito à vista e com o conhecimento de todos, sem oposição e interrupção, na firme convicção de que estão e sempre estiveram, bem como toda a gente, no exercício pleno e exclusivo do seu direito de propriedade sobre tal prédio. No que respeita especificamente à parcela de terreno a que aludem os pontos 8 e 11 e à parcela de terreno a que aludem os pontos 18 e 19, há mais de 30 anos que os autores as utilizam, designadamente plantando e tratando árvores de fruto e vinha na sua bordadura, abrindo acessos, pavimentando-os e conservando-os, usando as ditas parcelas ou permitindo o seu uso por outrem, o que igualmente fazem à vista de toda a gente e sem oposição de quem quer que seja, na convicção de que lhes pertencem.

A descrita atividade vem sendo exercida no local pelos autores reiteradamente, à vista de todos, pacificamente, de boa-fé e com a convicção de que são os legítimos e únicos titulares do direito de propriedade sobre as aludidas parcelas, por as terem como incluídas no respetivo prédio rústico. Atentos os conceitos definidos nos artigos 1260.º a 1262.º do CC, assume tal posse as características de boa-fé, pacífica e pública.

Nas circunstâncias referidas, e não considerando o registo, sendo a posse de boa-fé, pacífica e pública, o lapso de tempo de manutenção da posse necessário para a aquisição do direito de propriedade por usucapião é de 15 anos, conforme artigo 1296.º do CC, o qual havia já decorrido à data em que os réus iniciaram a ocupação daquelas parcelas de terreno, em data não anterior ao ano de 2010.

Provou-se que no final de 2010, os réus altearam a parede nascente do anexo supra referido e nela fizeram uma janela, com cerca de um metro largura por um metro de altura, a qual deita para a parcela de terreno ajardinada aí localizada; por outro lado, construíram uma cornija na mesma fachada nascente do aludido anexo, em toda a extensão do mencionado anexo, com cerca de oito metros e vinte centímetros de comprimento por trinta centímetros de largura, e colocaram um tubo de condução de águas num muro de suporte de terras dessa parcela de terreno ajardinada. Encontra-se assente que os réus têm vindo a ocupar a aludida parcela de terreno ajardinada e ainda uma parcela de terreno com cerca de um metro de largura por oito metros e cinquenta centímetros metros de comprimento, com a construção de um passeio em cimento, com quatro escadas, o qual se prolonga para nascente a partir das escadas e varanda e em toda a extensão da casa; mais recentemente, têm vindo a colocar a casota do cão, depositar lenha e objetos diversos, bem como a estacionar veículos automóveis, ocupando uma parcela de terreno com a área aproximada de quarenta metros quadrados; os réus passaram ainda a circular a pé e com todo o tipo de veículos pelo acesso ao prédio referido em 1 e que liga à Rua ..., o que fazem em desacordo com a vontade dos autores.

Apesar de os réus e seus antecessores utilizarem o prédio descrito em 7 há mais 30 anos, o que fazem à vista de toda a gente, na convicção de exercerem um direito próprio, decorre da factualidade provada que a ocupação das parcelas de terreno em litígio só se iniciou posteriormente, no contexto exposto, em data não anterior ao ano de 2010, não se extraindo da matéria provada que ocorresse em data anterior àquela em que os réus passaram a habitar no local.

Face às modificações operadas à matéria provada em resultado da parcial procedência da impugnação da decisão de facto, não se extraem da factualidade assente elementos que permitam considerar verificada a invocada aquisição por usucapião, pelos réus, do direito de propriedade sobre as parcelas de terreno em litígio. Deste modo, cumpre revogar, nesta parte, a decisão recorrida e julgar parcialmente improcedente a reconvenção deduzida, conforme defendido pelos apelantes no recurso interposto.

No mais, tendo-se considerado que as parcelas de terreno em causa integram o prédio pertencente aos autores, bem assim que se mostra verificada a aquisição por usucapião, pelos apelantes, do direito de propriedade sobre as mesmas, cumpre revogar, em conformidade, a decisão recorrida.

O reconhecimento de que as parcelas de terreno em litígio pertencem aos autores, integrando o respetivo prédio rústico, importa, naturalmente, se considere verificada a correspondente obrigação de restituição pelos réus. Assim, tal como determina o n.º 2 do artigo 1311.º do CC, «havendo reconhecimento do direito de propriedade, a restituição só pode ser recusada nos casos previstos na lei». Como tal, assente que os autores são os proprietários do aludido prédio rústico e que dele fazem parte as parcelas de terreno em litígio, não resultando demonstrada a existência de título válido que permita aos réus manter a ocupação dessas parcelas daquele prédio, deverão restituí-las aos respetivos donos, livres e desimpedidas, o que impõem a respetiva desocupação e reposição no estado em que se encontravam.

Por conseguinte, deverão os réus destruir o passeio e retirar a casota, bem como quaisquer objetos colocados na parcela supra mencionada, na procedência do pedido neste sentido formulado. Por outro lado, considerando que a janela aberta na parede nascente do anexo pertencente aos réus deita diretamente para o prédio rústico pertencente aos autores, e que não foi deixado o intervalo de metro e meio imposto pelo artigo 1360.º, n.º 1, do CC, verifica-se que a abertura da aludida janela viola o direito de propriedade dos autores sobre o citado prédio rústico, assim devendo os réus fazer cessar tal violação, tapando a referida janela, conforme peticionado. De igual modo, deverá ser retirada a cornija construída na fachada nascente do aludido anexo, dado que ocupa espaço aéreo pertencente ao prédio dos autores, em violação do direito de propriedade pelos mesmos invocado. Mais deverão os réus abster-se de fazer uso do prédio dos autores, respeitando o direito de propriedade nos termos supra reconhecidos.

Nestes termos, cumpre julgar procedente a apelação, sendo certo que o demais peticionado na petição inicial não integra o objeto do recurso interposto pelos autores.

Síntese conclusiva:

I - O caso julgado abrange, não apenas a parte dispositiva do julgado, mas também a decisão de questões conexas com aquela, pelo que cumpre ter em conta a resolução das questões fáctico-jurídicas prévias que constituam pressuposto da decisão final;
II - Porém, o caso julgado não se estende aos próprios factos considerados provados na decisão anterior, os quais não podem ser invocados por si só, separadamente da decisão que com base neles tiver sido proferida;
III - Estando em causa a determinação da titularidade do direito de propriedade sobre uma faixa de terreno reivindicada por ambas as partes, proprietárias de prédios confinantes, a definição dos limites de cada um dos prédios constitui uma questão prejudicial, essencial à apreciação do objeto da presente ação;
IV - Se a questão da determinação da realidade física dos prédios em causa, nomeadamente no que respeita às respetivas confrontações e delimitação, foi suscitada e decidida, ainda que a título de questão prévia, no âmbito de ação definitivamente julgada, a qual correu termos entre as mesmas partes e relativa aos mesmos prédios, a decisão proferida nesses autos, quanto à aludida questão prévia, vincula as partes na presente ação, cumprindo ter em conta a linha divisória entre os dois prédios aí definida.

IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente a apelação, em consequência do que se decide o seguinte:

a) na parcial procedência da ação:
i) declarar que as parcelas de terreno a que aludem os pontos 15 a 18 da matéria de facto provada integram o prédio rústico identificado no ponto 1 de tal matéria de facto;
ii) condenar os réus a restituir aos autores as parcelas referidas em i), livres e desimpedidas, no estado em que se encontravam antes de as terem ocupado, devendo: destruir o passeio a que alude o ponto 16, retirar a casota e quaisquer objetos colocados na parcela a que alude o ponto 17, tapar a janela a que alude o ponto 8 e retirar a cornija a que alude o ponto 9;
iii) condenar os réus a abster-se de fazer uso do prédio dos autores;

b) na parcial procedência da reconvenção:
i) reconhecer o direito de propriedade dos réus/reconvintes sobre o prédio identificado no ponto 7 da matéria de facto provada;
ii) absolver os autores/reconvindos do demais peticionado;

c) revogar parcialmente, em conformidade, a decisão recorrida, mantendo-a no mais.

Custas pelos apelados.
Guimarães, 30 de janeiro de 2020
(Acórdão assinado digitalmente)

Paulo Reis (relator)
Espinheira Baltar (1.º adjunto)
Luísa Duarte Ramos (2.º adjunto)



1. Cujo trânsito em julgado é admitido por ambas as partes, sendo certo o acórdão desta Relação proferido nos presentes autos a 28-09-2017 adverte que o decidido no mencionado processo através do aludido acórdão vincula as partes.
2. Cfr. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Coimbra, Almedina, 2013, p. 224-225.
3. Cfr. Abrantes Geraldes, Ob. cit., p. 226.
4. P. n.º 809/10.7TBLMG.C1.S1 – 7.ª Secção, disponível em www.dgsi.pt.
5. Cfr. a propósito, o Ac. do TRG de 30-05-2018 (relatora: Helena Melo), p. 8250/15.9T8VNF.G1 disponível em www.dgsi.pt, citando diversa doutrina e jurisprudência que julgamos elucidativa.
6. Proferido na revista n.º 3811/13.3TBPRD.P1.S1 - 2.ª Secção - disponível em www.dgsi.pt.
7. Proferido na revista n.º 478/08.4TBASL.E1.S1 - 2.ª Secção - disponível em www.dgsi.pt.
8. Cfr. Luís A. Carvalho Fernandes, Lições de Direitos Reais, Lisboa, QUID JURIS? Sociedade Editora, 1996, p. 51.
9. Cfr. L.P.Moitinho de Almeida, Restituição de Posse e Ocupações de Imóveis, 3.ª edição, Coimbra Editora, 1986, p. 95.
10. Cfr. Código Civil Anotado, Coord. Ana Prata, Volume II, Coimbra, Almedina, 2017, p. 17.