Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
219/09.9TCGMR.G1
Relator: RITA ROMEIRA
Descritores: PETIÇÃO DE HERANÇA
CADUCIDADE
ACEITAÇÃO DA HERANÇA
ACTO DE ADMINISTRAÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/16/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I – A caducidade do direito à petição de herança não é de conhecimento oficioso, nos termos do disposto no artº 303 “ex vi” do artº 333, nº2, ambos do Código Civil.
II – Não tendo os herdeiros aceitado a herança dentro dos dez anos, após terem conhecimento de haverem sido a ela chamados, o seu direito a peticionarem os bens da mesma herança, através de acção de petição de herança, caduca no mesmo prazo.
III – A aceitação de herança pode consubstanciar-se de modo expresso ou tácito, nos termos do artº 2056, do Código Civil.
IV - A declaração dos herdeiros a autorizarem o feitor a receber, como anteriormente, o montante da renda, de prédio pertencente à herança aberta por óbito de seus falecidos pais, não constitui acto inequívoco susceptível de configurar aceitação tácita da herança.
V – Aos herdeiros é lícita a prática de actos de administração da herança, nos termos do artº 2047, do Código Civil, o que não implica aceitação tácita da herança, conforme dispõe o nº 3, do artº 2056, do mesmo diploma.
Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I – RELATÓRIO

Os AA., HC e marido DV, residentes em França instauraram a presente acção declarativa sob a forma de processo ordinário, acção de petição de herança, contra os RR., PC e mulher MC, residentes em França e MS e marido JF, residentes em Guimarães, pedindo que a acção seja procedente por provada e, por via dela:
I) seja declarado e reconhecido:
a) que a Autora HC é filha e herdeira legitimária de João e de Joaquina, que também usava Joaquina..., falecidos em França, respectivamente, no dia 10 de Setembro de 1941 e de 20 de Agosto de 1957;
b) que das heranças ainda ilíquidas e indivisas abertas por óbito dos pais da Autora faz parte o prédio urbano sito no lugar de Vila Fria da freguesia de Sande São Clemente, constituído por uma morada de casas térreas, telhadas, com leiras de terrenos de horta com árvores de vinho, tudo junto e unido, limitado por parede, valado e silvado, a confrontar do nascente com a estrada nova, do sul com a estrada nova e caminho público, do norte com o rio Fêveras e terra do Casal da Corredoura e do Poente com caminho e terra do Casal da Corredoura, omisso à matriz, mas descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob o número 8... da freguesia de Sande São Clemente;
c) que o prédio descrito na mesma Conservatória sob o n.º 002... da freguesia de Sande São Clemente é constituído apenas pelos terrenos de horta do prédio identificado na alínea anterior;
d) que os Réus PC e mulher não adquiriram nem possuíram o prédio rústico, cujos direitos de propriedade e de posse alegaram na acção de justificação de posse que correu termos pela 5.ª Secção do Tribunal Judicial da Comarca de Guimarães – Processo n.º 8/92;
e) que os Réus PC e mulher obtiveram, por meios fraudulentos, o registo da descrição n.º 002... da freguesia de Sande São Clemente, da 1.ª Conservatória do Registo Predial de Guimarães, e inscrição do mesmo prédio, em seu nome, por usucapião;
f) que os Réus MS e marido tinham perfeito conhecimento de todos e cada um dos factos mencionados nas alíneas anteriores, quando eles e os Réus PC e mulher outorgaram a escritura de compra e venda que teve por objecto a descrição n.º 002...da freguesia de Sande São Clemente;
g) que a venda referida na alínea anterior é nula, nos termos do disposto no artigo 892º do Código Civil, por se tratar de venda de coisa alheia e os vendedores carecerem de legitimidade para a realizar;
II) seja ordenado o cancelamento do registo da descrição n.º 002... da freguesia de Sande São Clemente da 1.ª Conservatória do Registo Predial de Guimarães e de todas as respectivas Inscrições e Averbamentos;
III) sejam condenados os Réus MS e marido a restituírem, às heranças ainda ilíquidas e indivisas abertas por óbito dos pais da Autora, o prédio que delas faz parte e é objecto da escritura de compra e venda referida na alínea f) do anterior n.º I.

E, para a hipótese de vir a entender-se que a acção improcede contra os segundos Réus, por terem adquirido o prédio, do herdeiro aparente e de boa-fé pedem que sejam condenados:
IV - os Réus PC e mulher a pagar, às heranças mencionadas no pedido da alínea b) do número I, uma indemnização de montante correspondente ao valor do prédio que usurparam, estimado em € 120.000.
V - solidaraiamente todos os Réus a pagar-lhes uma indemnização do montante de € 25.000 pelos danos patrimoniais e não patrimoniais que lhe causaram e causam com os alegados actos ilícitos que, dolosamente, praticaram.

Alegam, em síntese, que João, casado com Joaquina faleceu a 10 de Setembro de 1941, em França, sucedendo-lhe como únicos e universais herdeiros, os dois filhos de ambos, EC e a demandante. Por sua vez, a mãe faleceu no estado de viúva a 20 de Agosto de 1957, deixando os referidos filhos como únicos e universais herdeiros.
Faziam parte das respectivas heranças, ainda ilíquidas e indivisas, bens imóveis situados no lugar de Vila Fria da freguesia de Sande S. Clemente, desta comarca: uma morada de casas térreas, telhadas, com leiras de terrenos de horta com árvores de vinho, tudo junto e unido, limitado por parede, valado e silvado, omisso na matriz, mas descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob o número 8... da freguesia de Sande São Clemente e uma leira de terreno de monte, do outro lado da estrada também omisso na matriz e igualmente na mesma Conservatória sob o número 8... da referida freguesia.
Referem que a demandante e o irmão aceitaram as heranças, que administraram, sendo que o prédio urbano era ocupado, em parte, por António Faria, ao abrigo de um contrato de arrendamento, para habitação, celebrado com os seus pais e a restante parte era ocupada por PS, irmão e cunhado daqueles que a haviam cedido para sua habitação por mero favor e gratuitamente.
Após aquele falecimento a demandante e o irmão consentiram que o seu tio
continuasse a habitar na parte do prédio que os seus pais lhe haviam destinado, nas mesmas condições e mandataram BS para proceder à cobrança das rendas devidas pelo arrendatário, funções que o mesmo desempenhou até ao termo desse contrato de arrendamento na década de 70 do século anterior. Posteriormente, ambos os irmãos cederam o gozo dessa parte da casa, por mero favor e gratuitamente, à sua prima, Joaquina, filha do dito PS e mãe da Ré Maria e, mais tarde, igualmente a parte da casa e dos terrenos de horta deixados vagos pelo falecimento do seu pai, situação que ainda se mantém.
No início de 2009, foram informados de que os primeiros Réus teriam vendido o prédio urbano aos segundos Réus e que estes teriam já construído um edifício e diversos barracos, nos terrenos de horta do mesmo. Nunca mandataram os primeiros Réus para alienarem ou sequer para administrarem os seus bens e direitos prediais, em Portugal, mas sabiam que EC e esposa tinham passado ao Réu, filho daquele, uma procuração, no dia 17 de Setembro de 1988, com amplos poderes para administrar e vender todos os seus bens presentes e futuros situados em Portugal.
Deslocaram-se a Portugal, no período da Páscoa de 2009, para ajuizarem do acerto dessas informações tendo constatado que os prédios herdados não se encontravam registados em nome dos herdeiros de João e de Joaquina, que tinham sido construídos um edifício de rés-do-chão e andar, com paredes de tijolo não rebocadas exteriormente, e diversos barracos nos terrenos de horta do prédio urbano e estava registado na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Guimarães a descrição n.º 002...da freguesia de Sande São Clemente um prédio rústico com 1.070m2, inscrito na respectiva matriz sob o art.º 6..., encontrando-se averbadas, sucessivamente, as aquisições a favor dos Réus, no primeiro caso, por usucapião e no segundo por compra. O primeiro averbamento foi
instruído com certidão de sentença proferida numa acção de justificação judicial que os primeiros Réus haviam intentado contra incertos e declarações complementares identificando os antepossuidores como Manuel e José, ambos residentes na freguesia de S. Clemente de Sande, Guimarães. Porém os factos alegados na petição inicial de tal acção e as declarações complementares para o registo não correspondiam à verdade.
Por escritura de compra e venda outorgada no dia 25 de Maio de 2005 os primeiros Réus venderam o referido prédio rústico aos segundos, pelo preço de € 7.500, mas estes tinham e têm perfeito conhecimento de que aqueles não eram e nunca dele foram donos, que o mesmo é constituído apenas pelos terrenos de horta do prédio urbano onde vive Joaquina, mãe e sogra dos segundos Réus e faz parte das referidas heranças.
Referem que os Réus se apropriaram abusivamente dum bem com um valor real e de mercado de cerca de € 120.000 e que causaram e causam-lhes prejuízos materiais, obrigando-os a fazer despesas com deslocações e estadias em Portugal, em buscas para recolha de documentos e despesas judiciais e de patrocínio, cujo montante estimam em € 15.000, além de dor e vergonha por tal comportamento.

Citados, contestaram o alegado pelos AA., apenas, os primeiros RR., por excepção e impugnação, invocando a caducidade do direito de aceitar as heranças, alegando que os Autores nunca o fizeram, quer expressa quer tacitamente, e nunca manifestaram qualquer interesse pelas mesmas nem pelos bens que delas fazem parte, nunca entraram na sua posse nem praticaram qualquer acto de administração. Sendo, que logo após a morte de Joaquina os Autores comunicaram ao irmão e cunhado EC que poderia fazer o que quisesse com os bens que faziam parte daquelas heranças, o qual, perante tal desinteresse, acabou por outorgar a favor do seu filho a aludida procuração a fim de administrar todos os seus bens em Portugal e no início de 1980 declarou verbalmente doar o prédio em discussão nos autos.
Mais, alegam que desde o ano de 1980 até ao ano de 2005, por si e antepossuidores, durante mais de 30 e 50 anos, usaram o referido prédio, transformando-o e colhendo as suas utilidades, pagando as contribuições e impostos, com conhecimento da generalidade das pessoas, sem oposição de ninguém e à vista de toda a gente, ininterruptamente, na convicção de não lesarem direitos de outrem e de quem exerce um direito de propriedade. Nessa qualidade ajustaram a venda à segunda Ré. Referem que o prédio em causa encontrava-se omisso na respectiva matriz e não se encontrava descrito na Conservatória do Registo Predial de Guimarães, tendo sido o demandado quem, em 7 de Junho de 1991, procedeu à sua inscrição e registado na sequência da acção de justificação judicial, sendo que o mesmo é autónomo relativamente ao prédio urbano referido pelos Autores.
Alegam que o valor comercial do prédio não ultrapassa os € 7.500 e que os montantes peticionados são exagerados.
Concluem pedindo que sejam julgadas procedentes as excepções da caducidade e da prescrição aquisitiva –usucapião- ou, então deve a acção ser julgada improcedente, por não provada, com as legais consequências.

Os AA. a fls. 82 e ss., apresentaram réplica, argumentando que juntaram um documento datado de 8 de Agosto de 1970, assinado pela demandante e seu irmão dando poderes a BS, como anteriormente, para receber as rendas e que foi o seu irmão quem assumiu o compromisso de promover o registo da transmissão, tendo chegado a contactar um Advogado para tratar do imposto sucessório e do registo, acabando por não o mandatar para o efeito. Impugnam os factos relativos à usucapião salientando as discrepâncias dos mesmos.
Pedem que devem ser julgadas improcedentes, por não provadas as excepções deduzidas e concluem como na petição inicial.

Dispensada a realização de audiência preliminar, foi proferido despacho saneador tabelar, que remeteu o conhecimento da excepção da caducidade para julgamento e procedeu à fixação dos factos assentes e da base instrutória, tudo conforme consta a fls. 87 e ss., sem reclamações.
Instruído o processo, procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento, com a observância das formalidades legais, e respondeu-se à matéria de facto controvertida, nos termos que constam a fls. 258 e ss, sem reclamações.
Por fim, foi proferida sentença nos seguintes termos:
“Em face do exposto, o Tribunal, julgando a acção provada e procedente:
A) reconhece e declara:
a) que a Autora HC é filha e herdeira legitimária de João... e de Joaquina..., que também usava Joaquina..., falecidos em França, respectivamente, a 10 de Setembro de 1941 e 20 de Agosto de 1957;
b) que das heranças ainda ilíquidas e indivisas abertas por óbito dos pais da Autora faz parte o prédio urbano sito no lugar de Vila Fria da freguesia de Sande São Clemente, constituído por uma morada de casas térreas, telhadas, com leiras de terrenos de horta com árvores de vinho, tudo junto e unido, limitado por parede, valado e silvado, a confrontar do nascente com a estrada nova, do sul com a estrada nova e caminho público, do norte com o rio Fêveras e terra do Casal da Corredoura e do poente com caminho e terra do Casal da Corredoura, omisso na matriz, descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob o número 8... da freguesia de Sande São Clemente;
c) que o prédio descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob o n.º 002... da freguesia de Sande São Clemente é constituído apenas pelos terrenos de horta do prédio identificado na alínea anterior;
B) declara a nulidade do negócio jurídico de compra e venda celebrado por escritura pública de 25 de Maio de 2005 entre Réus PC e mulher MC, MS e marido JF relativamente ao prédio descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob o n.º 002... da freguesia de Sande São Clemente;
C) ordena o cancelamento do registo da descrição n.º 002... freguesia de Sande São Clemente da 1.ª Conservatória do Registo Predial de Guimarães, bem como de todas as respectivas inscrições e averbamentos;
D) condena os Réus MS e marido JF restituir às heranças ainda ilíquidas e indivisas abertas por óbito dos pais da Autora HC o prédio que delas faz parte e é objecto da escritura de compra e venda referida em B);
E) condena os Réus PC e mulher MC, MS e marido JF, solidariamente, a pagar:
a) aos Autores a indemnização a título de danos patrimoniais que vier a ser liquidada relativamente a despesas com deslocações e estadias em Portugal, assim como nas buscas para recolha de documentos;
» à Autora, a título de danos não patrimoniais, a compensação de € 2.500 acrescida de juros à taxa legal de 4% desde a presente data até integral e efectivo cumprimento.
Custas a cargo dos Réus.”.

Não se conformando com esta decisão, dela apelaram os réus, PC e mulher, terminando a sua alegação com as seguintes CONCLUSÕES:
1-A presente acção de petição de herança tem como um dos seus fins o reconhecimento da qualidade de herdeiro por parte dos AA.;
2-O Tribunal “a quo” deu como provado o facto constante do art. 1º da base instrutória onde se perguntava “A Autora e o seu irmão EC declararam aceitar as heranças deixadas por óbito dos seus pais?, quando a resposta deveria ter sido não provado.
3-Não houve nenhuma testemunha que o tenha confirmado e os documentos onde a Mma Juíza a quo formou a sua convicção não são de molde a provar o tal facto.
4-Na verdade, na decisão fundamento, a Mma. Juíza a quo, considerando a declaração de fls. 28 dos autos datada de 1970 conjugada com as anotações de fls 176 a 187, concluiu que dali “decorre claramente que ambos aceitaram a herança e administravam os bens que a integravam, designadamente, mandatando pessoa em condições de praticar os actos que eles próprios, devido a residirem em França, não poderiam realizar”.
5-O certo, porém, é que houve erro de julgamento, na medida em que, atendendo ao preceituado no nº 3 do artº 2056º do Código Civil, não poderia ter dado como provado o facto constante desse quesito 1º.
6-Na verdade, de harmonia com aquele preceito legal, os actos de administração não implicam aceitação da herança, pelo que os actos alegadamente praticados pela A. mulher, que são puros actos de administração e que estiveram na base da resposta positiva a tal quesito, não são de molde a implicar a aceitação da herança.
7-Por outro lado, a Mma Juíza a quo não valorou devidamente outros documentos que se encontram juntos aos autos, designadamente o certificado que constitui fls. 22, donde resulta que a A. apenas em 3 de Abril de 2009 veio declarar-se como herdeira, isto é, 68 anos após a morte de seu pai e 52 anos após a morte de sua mãe.
8-Não valorou igualmente o depoimento da própria A. que declarou não saber sequer o conteúdo do documento que havia assinado em Agosto de 1970 e que constitui fls. 28 dos autos, com base no qual a Mma Juíza a quo deu como provado o facto vertido no artº 1º da base instrutória.
9-Por incorrectamente julgado deve, asism, ser dado como “Não Provado” o facto constante do quesito artº 1º da base instrutória.
10- A Mma Juíza a quo não andou bem ao dar como “provados” (embora restritivamente) os factos constantes dos quesitos 4º, 5º, 6º, 8º, 9º e como “não provado” o quesito 20º da mesma peça processual, que respeitam à actuação da A. no que concerne às heranças abertas por óbito de seus pais e aos imóveis que delas faziam parte.
11-Do depoimento produzido em sede de audiência de discussão e julgamento pela própria A. e pelas testemunhas João, Maria e Manuel, transcritos parcialmente no corpo destas alegações, resulta que a A. jamais teve qualquer interesse nas heranças em causa e jamais tomou qualquer decisão no que concerne aos bens que faziam parte do acervo hereditário dos seus pais, manifestando uma total ignorância e desinteresse relativamente a esses bens.
12-Daqueles depoimentos resulta que os AA jamais receberam qualquer rendimento proveniente dos imóveis que faziam parte das heranças; não pediam contas à pessoa que alegadamente tratava dos assuntos; ignoravam quem, após a morte de sua mãe, permaneceu nos imóveis e a que título, designadamente se pagavam ou não a renda; a A. mulher ignorava o conteúdo da declaração que constitui fls. 28 dos autos; que manifestaram total desinteresse pelos documentos que alegadamente eram deixados em casa da mãe da A. mulher, respeitantes aos imóveis em causa e que jamais houve qualquer contacto entre a A. mulher e as pessoas que habitavam os imóveis.
13-Conclui-se, assim, que a Mma. Juíza a quo ao não valorar, como devia, tais depoimentos, julgou erradamente a matéria fáctica constante dos quesitos 4º, 5º, 6º, 8º, 9º e 20º da base instrutória, pelo que devem ser dados como “Não Provados” os quesitos 4º, 5º, 6º, 8º e 9º e como “Provado” o facto constante do quesito 20º.
14-Os AA. intentaram a presente acção de petição de herança contra os RR., acção essa que visa um duplo fim: o reconhecimento judicial da qualidade sucessória dos AA. e a restituição de todos os bens da herança ou de parte deles, contra quem os possua como herdeiro, ou por outro título, ou mesmo sem título- cfr. artº 2075º do Código Civil.
15-Esta acção pode ser intentada a todo o tempo, sem prejuízo da aplicação das regras da usucapião relativamente a cada uma das coisas possuídas, e do disposto no artigo 2059º- cfr. artº 2075º nº 2 do Código Civil.
16-O direito de petição de herança pode soçobrar no seu exercício por duas razões distintas: por encalhar na usucapião das coisas possuídas pelos demandados ou deparar com a caducidade do direito de suceder por parte dos AA.
17-A sentença em crise julgou improcedente a excepção da caducidade por, conforme dela resulta, “após o falecimento da progenitora, a Autora e seu irmão aceitaram a herança, senão vejamos: uma parte do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob o nº 8...da freguesia de Sande São Clemente, adquirido por doação por aquela e registado a seu favor a 9 de Maio de 1927, era ocupada por Porfírio da Silva, gratuitamente e por mero favor na sequência de acto jurídico dos autores da herança, situação que os herdeiros consentiram que se mantivesse;a outra parte desse imóvel encontrava-se arrendado a Francisco sendo que a demandante e seu irmão, mandataram BS para cobrança das rendas.
Estamos claramente perante actos que consubstanciam uma aceitação tácita, pelo que improcede a excepção de caducidade invocada pelos réus”.
18- A discordância dos RR relativamente à sentença recorrida reside exactamente na questão da caducidade.
19- Nos termos da conjugação dos artigos 2056º e 2059º do Código Civil, a aceitação da herança, expressa ou tácita, terá que ser aceite no prazo de 10 anos.
20-A douta sentença recorrida considerou, erradamente, ter ocorrido uma aceitação tácita da herança por parte dos AA., na medida em que estes terão alegadamente consentido que PS mantivesse uma ocupação gratuita de parte do prédio urbano e por terem mandatado BS para cobrança das rendas de outra parte desse mesmo prédio.
21-E errou porque, conforme supra se referiu, houve erro no julgamento relativamente à matéria de facto no que concerne a tais factos, pelo que daí resulta que jamais houve aceitação, no prazo legal, das heranças ilíquidas e individas por óbito dos pais da A. mulher.
22-Mas mesmo que assim não se venha a entender- o que apenas para efeitos de raciocínio se concede- o certo é que tais actos (alegado consentimento para ocupação de parte de prédio urbano e o facto de ter mandatado terceira pessoa para proceder à cobrança de rendas) jamais consubstanciam uma aceitação tácita.
23-Na verdade, o nº 3 do artigo 2056º do Código Civil expressamente refere que os actos de administração praticados pelo sucessível não implicam a aceitação tácita da herança, sendo certo que os actos que a Mma Juíza a quo refere como justificativos para a aceitação tácita são puros actos de administração, pelo que jamais poderiam implicar tal aceitação. Aliás, na própria decisão fundamento da matéria de facto, a Mma. Juíza a quo considera- e bem- aqueles actos como actos de administração (“...daqui decorre claramente que ambos aceitaram a herança e administravam os bens que a integravam...”).
24-A lei, a doutrina e a jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores a que se faz referência no corpo destas alegações vão no sentido de considerar que a aceitação tácita terá de resultar de factos concludentes, sendo necessária uma actuação inequívoca.
25- Ora, a Mma Juiz a quo ao considerar, erradamente, que os actos de administração a que se aludem na sentença recorrida (consentimento para ocupação de parte de prédio urbano e mandatar terceira pessoa para proceder à cobrança de rendas, rendas essas que jamais foram recebidas pela A.) implicavam uma aceitação tácita da herança por parte dos AA, não teve em consideração o normativo constante do nº 3 do artº 2056º do Código Civil, pelo que decidiu contra disposição legal expressa.
26-Os AA. não aceitaram as heranças ilíquidas e indivisas abertas por óbito dos pais da A. mulher dentro do prazo a que alude o nº 1 do artº 2059º do Código Civil, sendo certo que os actos de administração alegadamente praticados por eles não são de molde a consubstanciar uma aceitação tácita, pelo que à data da entrada da presente acção em juízo – 14 de Maio de 2009- já há muito que tinha caducado o direito de aceitação das heranças abertas por óbito dos pais da A. mulher, sendo certo que apenas em 3 de Abril de 2009 – cfr. certificado de fls 22 dos autos- é que a A. veio declarar-se como herdeira, isto é, 68 anos após a morte de seu pai e 52 anos após a morte de sua mãe.
27-Com a caducidade do direito de aceitação da herança “não são apenas os bens da herança que se perdem; é a própria qualidade de herdeiro. Não pode aquele, cujo direito de aceitar caducou, vir declarar-se herdeiro”- Oliveira Ascensão (Sucessões, 1967, 101)”,
28-Ou, como refere Capelo de Sousa, in Lições de Direiro das Sucessões, Vol. II, pág. 32 e seguintes: “Pressupondo a acção de petição de herança a aceitação desta, é óbvio que tal acção já não poderá ter lugar se tiverem decorridos dez anos contados a partir do conhecimento pelo herdeiro dos eventos referidos no artº 2059º, pois então terá caducado o direito de aceitação da herança em causa”.
29-A presente acção de petição de herança, por ter sido interposta sem que tenha havido aceitação da herança dentro do prazo previsto na lei, terá que improceder.
30- A Douta Sentença recorrida violou o preceituado nos artigos 2056º, nº 3, 2059º e 2075º, nº 2, todos do Código Civil.
Termos em que, na procedência do recurso, deve:
a) Ser alterada a matéria de facto, por incorrectamente julgada, dando-se como “Não Provados” os quesitos nºs 4º, 5º, 6º, 8º, 9º da base instrutória e como “Não Provado” o facto constante do quesito nº 20º da mesma peça processual;
b) E, em qualquer caso, ser proferido Acórdão a julgar a acção totalmente improcedente, por não provada, absolvendo-se os RR. de todos os pedidos formulados, revogando-se assim a sentença recorrida.
Para que se faça JUSTIÇA!

Os AA. apresentaram as contra-alegações que constam a fls. 356 e ss., as quais terminam com as seguintes CONCLUSÕES:
PRIMEIRA: A sucessão em ambas as heranças abriu-se em França, no lugar do último domicílio dos pais da Autora e do seu irmão EC. (artigo 2031.º do C.C.)
SEGUNDA: Os únicos e universais herdeiros chamados à sucessão são a Autora e o seu irmão EC, ambos cidadãos franceses residentes em França.
TERCEIRA: As heranças compreendiam diferentes bens, nomeadamente, móveis e documentos existentes na casa de habitação dos “de cujus”, em França, e o prédio dos autos.
QUARTA: A Autora e o seu irmão aceitaram, receberam e entraram imediatamente na posse e no domínio dos bens das heranças.
QUINTA: A aceitação da herança é o acto jurídico único através do qual os herdeiros adquirem o domínio e a posse de todos os bens que a compõem – art.º 2050.º -; e tanto pode ser expressa como tácita – art.º 2056.º -. O acto jurídico da aceitação da herança respeita à universalidade dos bens que a compõem, e os herdeiros não têm que a repetir em relação a cada um desses bens.
SEXTA: No exercício dos seus direitos de posse e de domínio sobre os bens da herança, a Autora e o seu irmão praticaram, entre outros, os seguintes actos:
- a) receberam e guardaram os bens móveis e documentos deixados por morte dos pais; e a Autora juntou parte destes documentos, aos autos, na audiência de julgamento (docs. de fls. 176 a 187);
- b) mandataram o seu familiar BF para cobrar as modestas rendas devidas pelo arrendatário FF e para os representar na administração dos bens e direitos das heranças existentes em Portugal; (documento n.º 7 junto com a P.I.)
- c) autorizaram os seus familiares, PS e Joaquina, a ocuparem as casas e terreno do prédio dos autos, para sua habitação, e sem pagamento de qualquer renda.
SÉTIMA: A prova produzida por documentos e por depoimento das testemunhas impunha e impõe as respostas dadas pela Meritíssima Juíz “a quo”, aos artigos 1.º, 4.º, 5.º, 6.º, 8.º, 9.º e 20.º da Base Instrutória.
OITAVA: Os recorrentes são filho e nora do dito ECl e sobrinhos da Autora; sabem e sempre souberam que o prédio dos autos faz parte das heranças de que estes são os únicos titulares, abertas por óbito de seus pais, João e mulher, Joaquina; o próprio recorrente PC só teve conhecimento das casas e terreno dos autos, por volta de 1980; o mesmo PC foi mandatado pelo seu pai para cuidar desse prédio, por instrumento de procuração lavrado no dia 17 de Setembro de 1988 (documento n.º 08 junto com a P.I.); e por tudo isto resulta incompreensível a posição sustentada pelos recorrentes, de que a Autora e o seu irmão Emmanuel não aceitaram as heranças.
Nestes termos, e pelo douto suprimento, deve ser negado provimento ao recurso, mantendo-se a douta sentença recorrida, como é de JUSTIÇA.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

O objecto do recurso está delimitado pelas conclusões das alegações (arts. 684º, nº 3, e 685º-A, nº 1, do CPC), salvo questões do conhecimento oficioso (art. 660º, nº 2, in fine). Assim, as questões a decidir traduzem-se em apreciar da:
- alteração ou não da matéria de facto;
- caducidade ou não do direito dos autores aceitarem a herança.
*
II - FUNDAMENTAÇÃO
Na 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos:
1. No dia 10 de Setembro de 1941, em ..., Commune de Lewarde, da República Francesa, faleceu João, no estado de casado com Joaquina, nascido no dia 21 de Dezembro de 1896, na freguesia de Sande S. Clemente, desta comarca [alínea A) dos factos assentes e certidão junta a fls. 19].
2. No dia 20 de Agosto de 1957, em ..., Commune de Lewarde, faleceu, Joaquina, que também usava Joaquina..., no estado de viúva [alínea B) e certidão junta a fls. 22 dos autos].
3. Como únicos e universais herdeiros de João e de Joaquina, sucederam os dois filhos do casamento de ambos, EC e a ora Autora, nascidos em França, respectivamente, no dia 27 de Dezembro de 1927 e no dia 15 de Abril de 1930 [alínea C) e certidões juntas a fls. 19 a 22 dos autos].
4. Das heranças ainda ilíquidas e indivisas abertas por óbitos dos pais da Autora fazem parte os seguintes bens imóveis, situados no lugar de Vila Fria, da freguesia de Sande S. Clemente, desta comarca:
Verba número UM
Uma morada de casas térreas, telhadas, com leiras de terrenos de horta com árvores de vinho, tudo junto e unido, limitado por parede, valado e silvado. A confrontar do Nascente com a estrada nova, do Sul com a estrada nova e caminho público, do Norte com o rio Fêveras e terra do Casal da Corredoura e do Poente com caminho e terra do Casal da Corredoura. Este prédio está omisso à matriz, mas descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob o número 8...da freguesia de Sande São Clemente.
Foi desanexado do prédio descrito sob o n.º 3... a fls. 155 do Livro B-15 e a respectiva aquisição, por doação, inscrita a favor de Joaquina da Conceição conforme Ap. 3 de 1.../09 (cfr. cópia do registo predial junta a fls. 23 dos autos);
Verba número DOIS
Leira de terreno de monte, do outro lado da estrada, confronta do Norte com caminho público, do Poente com caminho público e terra do Casal de Sumarães, do Sul com a estrada nova e terra de mato do Casal de Sumarães e do Nascente com a estrada. Este prédio está omisso à matriz, mas descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob o número 8... da freguesia de Sande São Clemente. Foi desanexado do prédio descrito sob o n.º 3..., a fls. 155 do Livro B-15 e a respectiva aquisição, por doação, inscrita a favor de Joaquina da Conceição conforme AP. 3 de 1.../09 (cfr. cópia do registo predial junta a fls. 26 dos autos) [alínea D)];
5. Por documento público outorgado perante o notário no dia 17 de Setembro de 1988, em Aux Andelys, França, EC e mulher, declararam conferir ao Réu PC o poder de, por eles e em seu nome, gerir e administrar todos os seus bens, direitos e negócios, presentes e futuros, situados em Portugal [alínea E) e documento junto a 29 e ss. dos autos].
6. PC e mulher intentaram contra incertos no dia 07.01.1992, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 284/84 de 22 de Agosto, acção judicial que correu termos pela 5.ª Secção do Tribunal Judicial da Comarca de Guimarães – Processo n.º .../92 – em que pediram fosse reconhecido que o prédio rústico denominado “Leira...”, sito no lugar do Paúl, freguesia de São Clemente de Sande, concelho de Guimarães, com área de 1007 m2, a confrontar de Norte com o Rio Febras, Sul com Estrada Municipal, Nascente com Estrada Nacional n.º 310 e Poente com prédios da firma “Baptista & Irmão, Limitada”, omisso à respectiva matriz pertence exclusivamente aos Autores, ordenando-se que na Conservatória do Registo Predial de Guimarães seja registado a favor dos Autores a aquisição desse mesmo prédio, nos termos e com os fundamentos de facto que constam do documento junto a fls. 36 e ss. dos autos [alínea F)].
7. Encontra-se registado sob o n.º 002... da freguesia de Sande São Clemente, na 1ª Conservatória do Registo Predial de Guimarães a descrição, o prédio com a seguinte descrição:
“RÚSTICO – Lugar do Paúl – Norte, Rio Febras; Sul, estrada municipal; Nascente, estrada nacional n.º 310; e Poente, prédios da firma Baptista & Irmão, Limitada – Leira socalcada – 1.070 m2, inscrito na respectiva matriz sob o art.º 6...”.
Do registo constam as seguintes Inscrições – Averbamentos – Anotações:
“G – 1 Ap. .../140193 – AQUISIÇÃO – a favor de PC, c. c. MC, na comunhão de adquiridos – lugar da Ribeira – Sande São Martinho – por usucapião”;
“G – 2 Ap. .../27052005 – AQUISIÇÃO – A FAVOR DE MS c. c. JF, na comunhão de adquiridos – Lugar do Paúl, n.º 2, Sande S. Clemente, Guimarães – por compra [alínea G) e cópia do registo predial junta a fls. 33 e ss. dos autos].
8. O averbamento ao registo referido em 7) – aquisição por usucapião – foi efectuado a requerimento do Réu PC, instruído com os seguintes documentos:
a) Certidão da sentença proferida na acção de justificação judicial que os Réus PC e mulher intentaram contra incertos e correu termos sob o n.º .../92 pela 5.ª Secção do Tribunal Judicial da Comarca de Guimarães;
b) Certidão passada pela 1.ª Repartição de Finanças de Guimarães, no dia 13 de Janeiro de 1993, por fotocópia do requerimento apresentado pelo mesmo Réu, naquela Repartição, para inscrição do prédio na matriz;
e nesse requerimento, o Réu PC fez as seguintes declarações complementares:
“1.ºs ANTEPOSSUIDORES – Manuel, casado, residente no lugar de Vila Fria, freguesia de S. Clemente de Sande, Guimarães.
2.ºs ANTEPOSSUIDORES – José, casado, residente no lugar da Ribeira, freguesia de S. Clemente de Sande, Guimarães.”
“A composição do Prédio é a constante do Pedido de Inscrição Matricial agora
apresentada” [alínea H) e documento junto a fls. 46 e 47 dos autos].
9. Por escritura de compra e venda outorgada no dia 25 de Maio de 2005, no Cartório Notarial sito na Avenida de Londres, desta cidade, do Notário Carlos Manuel Forte Ribeiro Tavares, os Réus PC e mulher declararam vender aos Réus MS e marido e estes declararam aceitar, pelo preço de sete mil e quinhentos euros, o prédio rústico composto por leira socalcada, situado no lugar do Paúl, da freguesia de Sande São Clemente, descrito na Primeira Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob o número ..., identificado em 7) [alínea I) e cópia de escritura pública de compra e venda junta a fls. 48 e ss.].
10. A Autora não se deslocava a Portugal desde 1970 [alínea J)].
11. A Autora Hotense e o seu irmão EC declararam aceitar as heranças deixadas por óbito dos seus pais [resposta ao artigo 1º da base instrutória].
12. O prédio urbano identificado na verba número um do ponto 4) supra era ocupado, em parte, por FF, ao abrigo de uma cedência temporária pela mãe da Autora com pagamento de contrapartida [artigo 2º].
13. A parte restante do mesmo prédio era ocupada por PS, cedida, por mero favor e gratuitamente, pelos pais da Autora [artigo 3º].
14. Após o falecimento dos seus pais, a Autora e o seu irmão consentiram que PS continuasse a habitar na parte do prédio que os pais da Autora lhe haviam destinado [artigo 4º].
15. Mantendo-se a gratuitidade e favor dessa situação [artigo 5º].
16. A Autora e seu irmão incumbiram BS, morador que foi na Rua de Santo António, da freguesia de Caldelas, para proceder à cobrança das rendas devidas pela ocupação de FF [artigo 6º].
17. Em Fevereiro de 1973 os herdeiros de FF puseram termo à referida ocupação [artigo 7º].

18. A Autora e o seu irmão permitiram que Joaquina passasse a ocupar essa parte da casa por mero favor e gratuitamente [artigo 8º].
19. Posteriormente permitiram que ocupasse, também por favor e gratuitamente, a parte da casa e dos terrenos de horta deixados vagos pelo falecimento de PS [artigo 9º].
20. Passando Joaquina, a partir de então e até hoje, a ocupar todo o prédio identificado na verba número um do ponto 4) supra [artigo 10º].
21. Em data não apurada os Autores foram informados que os Réus PC e mulher teriam vendido o prédio identificado na verba número um do ponto 4) supra aos Réus MS e marido e que estes já teriam construído um edifício e barracos nos terrenos de horta do mesmo prédio [artigo 11º].
22. Na Páscoa de 2009, os Autores verificaram no local que tinham sido construídos um edifício de rés-do-chão e andar, com paredes de tijolo não rebocadas exteriormente e barracos nos terrenos de horta do prédio urbano descrito na verba “um” do ponto 4) supra [artigo 12º].
23. O prédio referido em 4) e 9) é constituído apenas pelos terrenos de horta do prédio urbano identificado na verba “um” do ponto 4) supra [artigo 13º].
24. Os Réus MS e marido tinham e têm conhecimento do facto referido no anterior artigo [artigo 14º].
25. E que esse prédio pertencia e pertence às heranças ilíquidas e indivisas abertas por óbito João e de Joaquina [artigo 15º].
26. Os Réus praticaram os actos alegados mencionados em 6), 8) e 9), concertadamente, com o único propósito de se apropriarem do prédio referido em “um” do ponto 4) supra [artigo 16º].
27. O prédio referido na verba 1ª do ponto 4) supra tem um valor de mercado de € 50.000, sendo € 30.000 correspondente aos terrenos de horta [artigo 17º].
28. Devido à actuação dos Réus, descrita em 23) a 26), os Autores deslocaram-se e fizeram estadias em Portugal, assim como buscas para recolha de documentos, despendendo quantia não apurada [artigo 18º].
29. A actuação dos Réus, descrita em 23) a 26) causou à Autora dor e tristeza [artigo19º].
*
Da impunação da matéria de facto
Os recorrentes, alegando incorrecta apreciação pela Mm.ª Juíza “a quo da prova produzida na 1ª instância, insurgem-se contra as respostas dadas aos quesitos nºs 1º, 4º , 5º, 6º, 8º, 9º e 20º da base instrutória, devendo a matéria de facto em questão ser julgada em conformidade com o que propõem nas conclusões 9 e 10 das suas alegações de recurso.
Considerando o corpo das alegações e as suas conclusões, pode-se dizer que os recorrentes cumpriram formalmente os ónus impostos pelo nº 1 do artº 685-B do CPC, tendo em conta que o que realmente importa “é que, de maneira clara, haja indicação dos concretos meios de prova e, se testemunhal, a identificação das testemunhas e também a inequívoca indicação dos pontos de facto que se pretendem ver reapreciados”, cfr. Ac.STJ de 23.2.2010 in www.dgsi.pt, proc. Nº 1718.2TVLSB.L1.S1.
Os apelantes, no caso, indicam os concretos pontos da materialidade fáctica que consideram incorrectamente julgados, com referência ao que foi decidido na sentença recorrida e referem os concretos meios de prova que, na sua óptica, impunham decisão diversa, sem deixar de assinalar o que, em seu entender, disseram em julgamento algumas das testemunhas cujos depoimentos (que transcreveram sinteticamente) pretendem ver reapreciados e que se mostram gravados no CD de suporte.
No que respeita à questão da alteração da matéria de facto face à incorrecta avaliação da prova testemunhal cabe a esta Relação, ao abrigo dos poderes conferidos pelo artº 712 do CPC, e enquanto tribunal de 2ª instância, reapreciar, não apenas se a convicção expressa pelo tribunal a quo tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova e os restantes elementos constantes dos autos revelam, mas, também, avaliar e valorar (de acordo com o princípio da livre convicção) toda a prova produzida nos autos em termos de formar a sua própria convicção relativamente aos concretos pontos da matéria de facto objecto de impugnação, modificando a decisão de facto se, relativamente aos mesmos, tiver formado uma convicção segura da existência de erro de julgamento da matéria de facto. No que a este aspecto respeita, a jurisprudência tem vindo a evoluir no sentido de se formar um entendimento mais abrangente no que se refere aos poderes de alteração da matéria de facto pela Relação, considerando-os com a mesma amplitude que a dos tribunais de 1ª instância. Nessa medida e, no que respeita à questão da convicção, já não estará em causa cingir, apenas, a sua actividade de apreciação ao apuramento da razoabilidade da convicção do julgador da 1ª instância, mas, antes, formar a sua própria convicção nos elementos probatórios disponíveis nos autos, cfr. entre outros, Ac.STJ de 16.12.2010, in www.dgsi.pt. proc. 2401/06.1TBLLE.E1.S1.
No entanto, pese embora isso, deve ter-se sempre presente que o sistema legal, tal como está consagrado, com recurso à gravação sonora dos meios probatórios oralmente produzidos, não assegura a fixação de todos os elementos susceptíveis de condicionar ou influenciar a convicção do julgador perante o qual foram produzidos os depoimentos em causa, sofrendo a apreciação da matéria de facto pela Relação, naturalmente, a limitação que a inexistência da imediação, de forma necessária, acarreta.
Feitas estas considerações e depois de ouvirmos na íntegra, durante horas, os depoimentos de todas as testemunhas inquiridas na audiência de julgamento, vejamos então a factualidade posta em causa e o que se afere dos meios de prova que na 1ª instância estiveram na base das respostas que foram dados aos artigos da base instrutória em questão.
Analisemos, o teor dos quesitos, a resposta que obtiveram e a resposta pretendida.
Quesito 1º- A Autora e o seu irmão declararam aceitar as heranças deixadas por óbito dos seus pais?”
Resposta dada: Provado.
Resposta pretendida: Não Provado.
Quesito 4º- Após o falecimento dos seus pais, a Autora e o seu irmão consentiram que PS continuasse a habitar na parte do prédio que os pais da Autora lhe haviam destinado?
Resposta dada: Provado.
Resposta pretendida: Não Provado.
Quesito 5º- Mantendo-se a gratuitidade e favor dessa situação?
Resposta dada: Provado.
Resposta pretendida: Não Provado.
Quesito 6º- A Autora e o seu irmão mandataram então BS, morador que foi na Rua de Santo António, da freguesia de Caldelas, para proceder à cobrança das rendas devidas pelo arrendatário António?
Resposta dada: Provado que a Autora e seu irmão incumbiram BS, morador que foi na Rua de Santo António, da freguesia de Caldelas, para proceder à cobrança das rendas devidas pela ocupação de Francisco Faria.
Resposta pretendida: Não Provado.
Quesito 8º- A Autora e o seu irmão cederam então o gozo dessa parte da casa, por mero favor e gratuitamente, a Joaquina?
Resposta dada: Provado que a Autora e o seu irmão permitiram que Joaquina passasse a ocupar essa parte da casa por mero favor e gratuitamente.
Resposta pretendida: Não Provado.
Quesito 9º- E posteriormente cederam-lhe também, por mero favor e gratuitamente, o gozo da parte da casa e dos terrenos de horta deixados vagos pelo falecimento de PS?
Resposta dada: Provado que posteriormente permitiram que ocupasse, também por favor e gratuitamente, a parte da casa e dos terrenos de horta deixados vagos pelo falecimento de PS.
Resposta pretendida: Não Provado.
Quesito 20º- Logo após a morte de Joaquina os AA. manifestaram o seu desinteresse pelas heranças abertas por óbito desta e do seu marido?
Resposta dada: Não Provado.
Resposta pretendida: Provado.
Ouvidos os depoimentos, sobre o conteúdo dos mesmos, nenhum reparo se nos oferece fazer à síntese, que deles foi feita pela Mª Juíza “a quo”, que de modo correcto retirou de cada um, aquilo que efectivamente foi dito, com interesse para a decisão da causa, revelando aquilo de que nos apercebemos do modo como dirigiu a audiência, colocando sempre as perguntas que se mostravam pertinentes, pelo que se nos mostra desnecessária consignar, aqui, qualquer síntese, da nossa própria apreensão após a audição dos depoimentos.
No entanto, com o devido respeito, a nossa convicção resultante desses depoimentos em conjugação com os demais elementos de prova tidos em consideração para decidir da matéria que foi impugnada e, que nos foi aqui colocada à reapreciação, não é totalmente coincidente com a que a Mª Juíza “a quo” formou, como passamos a explicar.
Efectivamente, não podemos de modo nenhum concordar com a resposta positiva que foi dada aos quesitos 1º e 4º, nem do modo como foram dadas as respostas restritivas aos quesitos 6º, 8º e 9º, já que isso não resultou de modo algum da prova produzida em julgamento. Para nós a convicção que nos resulta do depoimento das testemunhas, não é suficiente para concluirmos que a A. e o seu irmão, após a morte da sua mãe, tenham tido qualquer comportamento em relação à administração dos bens em causa, tudo continuou na mesma situação que vinha a existir desde sempre e que tinha sido decidida e autorizada pela sua mãe falecida. Em Portugal, a mãe tinha encarregue de receber as rendas dos seus bens o Sr. BS, que o continuou a fazer nos mesmos moldes que o fazia antes da morte da mãe da A..
Para nós, tudo o que as testemunhas referem ter acontecido, depois da morte da mãe da A. em relação à permanência das pessoas que continuaram a ocupar as casas, que as mesmas acham que terá sido com a autorização da A. e seu irmão, não nos convence, de modo a concluir que aqueles tenham autorizado fosse o que fosse. Em nosso, entender, as testemunhas “acham” que assim terá sido, porque, como é evidente, é o que seria natural.
No entanto, nós não conseguimos retirar essa convicção dos seus depoimentos. De toda a prova que foi produzida a esse propósito, nada mais conseguimos apurar que não seja que a A. e o seu irmão, após a morte de sua mãe, nada fizeram, deixando que tudo continuasse do modo que vinha acontecendo por decisão da sua mãe.
Esta nossa convicção resultou do depoimento da testemunha, Manuel, quando refere que por volta dos anos de 65 a 69, precisando fazer obras na casa, o Sr. BS lhe disse que ele tinha de as pagar, já que ele não tinha dinheiro para isso, afirmando que tal se devia a “eles não aparecem por aqui”. É relevante, o depoimento desta testemunha, quando admite que o BS para cobrar as rendas tinha ordens dos donos. E, não temos dúvidas, porque isso, resulta à saciedade dos documentos juntos aos autos, que o BS estava autorizado a receber as rendas, autorizado pela mãe da A., que também, autorizava o pagamento de despesas, veja-se o documento de fls. 186 e, já em 1970, a A., assinou com o seu irmão o documento junto a fls. 28, através do qual autorizam o BS a receber as rendas, como anteriormente.
Quanto a este documento, não retiramos nós do mesmo a mesma convicção que o Tribunal “a quo” retirou. Este documento, que diga-se a A. declarou, em depoimento, ter assinado mas sem saber o que era, não pode ser valorado como contendo qualquer declaração da A. e do seu irmão, susceptível de configurar qualquer acto de aceitação dos bens. O mesmo é uma autorização concedida ao BS para em relação às rendas continuar a recebê-las como anteriormente. O mesmo configura pela A. e seu irmão, a prática de uma acto de administração da herança aberta por óbito de sua mãe. Nunca a declarção constante do mesmo poderia ser entendida como uma declaração de aceitação dessa herança. Acresce que o mesmo é datado de 1970, muito para além dos 10 anos, (artº 2059, do CC), que a lei confere à A. e seu irmão para aceitarem a herança aberta por óbito da sua mãe ocorrido em 1957.
Entendemos assim, que assiste, em parte, razão aos apelantes quando pugnam pela alteração da matéria de facto dada por assente, pelo Tribunal “a quo” e, em consequência disso, alteram-se as respostas dadas ao quesito 1º, que damos por não provado como pretendem os apelantes, a resposta dada ao quesito 4º, que entendemos, ser de responder restritivamente e, as respostas restritivas dadas aos quesitos 6º, 8º e 9º. Mantemos as respostas dadas aos quesitos 5º, correspondendo ao que ficou assente sob o nº15, e a resposta dada ao quesito 20º.
E, em consequência do decidido, dá-se sem efeito o facto assente sob o nº11 e alteram-se os factos assentes sob os nºs 14, 16, 18 e 19, que passam a ter o seguinte conteúdo:
14 - Após o falecimento dos seus pais, o PS continuou a habitar na parte do prédio que os pais da Autora lhe haviam destinado. (Quesito 4º).
16 - BS, morador que foi na Rua de Santo António, da freguesia de Caldelas, procedia à cobrança das rendas devidas pela ocupação de Francisco Faria, a partir de 1970 autorizado pela A. e seu irmão Emanuel. (Quesito 6º).
18 - Após o referido na resposta ao quesito 7º, a Joaquina passou a ocupar essa parte da casa por mero favor e gratuitamente. (Quesito 8º).
19 - Posteriormente, também, por mero favor e gratuitamente passou a ocupar a parte da casa e dos terrenos de horta deixados vagos pelo falecimento de PS. (Quesito 9º).

Procedem, assim, as conclusões 2 a 13 da apelação.
*
Vejamos, agora, a questão da caducidade ou não do direito dos autores aceitarem a herança.
Os apelantes discordam da decisão do Tribunal “a quo”, que a este propósito decidiu o seguinte, que se transcreve:
” O artigo 2.075º do Código Civil estatui que o herdeiro pode pedir judicialmente o reconhecimento do direito da sua qualidade sucessória, e a consequente restituição de todos os bens da herança ou de parte deles, contra quem os possua como herdeiro, ou por outro título, ou mesmo sem título.
No nº 2 estabelece que é uma acção que pode ser intentada a todo o tempo, mas salvaguarda a possibilidade de aplicação das regras de usucapião relativamente a cada uma das coisas possuídas e o disposto no artigo 2059º.
Esta norma prevê que o direito de aceitar a herança caduca ao fim de dez anos contados desde que o sucessível tem conhecimento de haver sido a ela chamado.
Note-se que, aberta a sucessão, os sucessíveis que gozam de prioridade são chamados à titularidade das relações jurídicas do falecido podendo tomar uma de duas atitudes: repudiar ou aceitar a herança.
...
Como decorre do artigo 2.059º supra citado, o acto de aceitação da herança constitui um ónus jurídico do direito de suceder.
Retomando a acção de petição de herança, é condição para o seu exercício que o direito de aceitação não tenha caducado.
...
Revertendo para a situação dos autos impõe-se concluir que estamos perante uma acção de petição da herança: a demandante invocando a qualidade de herdeira de João e Joaquina, seus pais, juntamente com seu irmão de EC, pretende o reconhecimento dessa qualidade e a restituição à herança ilíquida e indivisa de um prédio rústico, correspondente ao quintal de um prédio urbano que a integra, imóvel este que o primeiro Réu, arrogando-se seu proprietário, vendeu à segunda Ré.
Perante a excepção invocada, coloca-se a questão de saber se o direito que a Autora pretende exercer caducou.
Provou-se que João faleceu a 10 de Setembro de 1941, no estado de casado com Joaquina, cujo óbito, por sua vez, veio a ocorrer a 20 de Agosto de 1957.
Após o falecimento da progenitora, a Autora e seu irmão aceitaram a herança, senão vejamos: uma parte do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 8... da freguesia de Sande São Clemente, adquirido por doação por aquela e registado a seu favor a 9 de Maio de 1927, era ocupada por PS, gratuitamente e por mero favor na sequência de acto jurídico dos autores da herança, situação que os herdeiros consentiram que se mantivesse; a outra parte desse imóvel encontrava-se arrendado a FF sendo que a demandante e seu irmão, mandataram BS para cobrança das rendas.
Estamos claramente perante actos que consubstanciam uma aceitação tácita, pelo que improcede a excepção de caducidade invocada pelos Réus.”. Ora, aqui chegados e tendo em conta os actos que a Mª Juíza “a quo” considerou terem consubstanciado uma aceitação tácita por parte da A. e seu irmão, há que analisar se os mesmos subsistiram após a decisão que procedeu à alteração da matéria de facto assente e após, se existiram, efectivamente, actos que possam consubstanciar a aceitação da herança, ou se tal não ocorreu, verificando-se a caducidade do direito à herança como invocam os apelantes,(o que se mostra necessário, já que essa caducidade não é de conhecimento oficioso, nos termos do disposto nos artºs 333, nº 2 e 303, do CC e, cfr. Ac.RP de 2.4.1981, in CJ, 1981, T.2º, pág.106).
Vejamos, então se houve aceitação da herança por parte da A., como se decidiu, ou não como defendem os apelantes.
É sabido que, a qualidade de sucessor implica a aceitação da sucessão com efeitos a retroagirem-se à data da abertura, cfr. artº 2050, do CC..
A aceitação, como manifestação de vontade positiva, pode ser feita expressa ou tacitamente, é irrevogável e, na modalidade de expressa, não está sujeita à forma exigida para a alienação da herança, cfr. artigos 2056º, 2063º “a contrário”" e 2061º todos do CCivil.
A distinção, entre elas, tem a ver com a natureza directa ou indirecta da declaração.
“Será expressa a declaração que se destina unicamente ou em primeira linha a exteriorizar certa vontade negocial (declaração directa ou imediata); e tácita a que se destina unicamente ou em via principal a outro fim, mas "a latere" permite concluir com bastante segurança uma dada vontade negocial (declaração indirecta ou mediata)”, cfr. Prof. Manuel de Andrade in “Teoria Geral da Relação Jurídica” Vol II, Coimbra 1083, pág. 131.
“Na declaração tácita o comportamento declarativo não aparece como visando directamente - como que de modo frontal - a exteriorização da vontade que se considera declarada por essa forma. Apenas dele se infere que o declarante, em via mediata, oblíqua, lateral, quis também exteriorizar uma tal vontade - ou pelo menos teve consciência disso. Costuma falar-se, a este propósito, em procedimento concludente, em factos concludentes (facta concludentia: facta ex quibus voluntas concludi potest), acrescentando-se que tais factos devem ser inequívocos”, mesmo autor e obra citada, pág. 132.
Nos termos do disposto no artigo 2056º nº 2 do CC, “A aceitação é havida como expressa quando nalgum documento escrito o sucessível chamado à herança declara aceitá-la ou assume o título de herdeiro com a intenção de a adquirir.”.
No que respeita à definição do conceito de aceitação tácita, o legislador não o definiu, contrariamente ao que acontecia no CCivil de 1867, que no artigo 2027º & 2º, dispunha: “É tácita, quando o herdeiro pratica algum facto de que necessariamente se deduz a intenção de aceitar, ou de tal natureza, que ele não poderia praticá-la senão na qualidade de herdeiro”.
Actualmente, o legislador deixou o preenchimento desse conceito ao intérprete, dando no nº 3 daquele mesmo artigo 2056º uma definição negativa de aceitação tácita, seja, “Os actos de administração praticados pelo sucessível não implicam aceitação tácita da herança.”.
“Em qualquer caso a manifestação da aceitação deve ser inequívoca”, como refere Oliveira Ascensão, in “Sucessões 1967”, pág.290. E, de igual modo é defendido pelo Prof. Pereira Coelho in “Direito das Sucessões”, Coimbra 1974, pág. 156 onde refere que a aceitação tácita terá de resultar “de factos concludentes”, acrescentando que “Deve ter-se em conta, porém, que os actos de administração praticados pelo sucessível não implicam aceitação tácita da herança (artº 2056, nº 3), o que se compreende, pois os herdeiros podem praticar esses actos sem pretenderem comprometer-se no sentido da aceitação”.
Regressando ao caso, a decisão impugnada concluiu que, após o falecimento da progenitora, a Autora e seu irmão aceitaram a herança, por ter considerado assente que os mesmos terão consentido que PS mantivesse uma ocupação gratuita de parte do prédio urbano e por terem mandatado BS para cobrança das rendas de outra parte desse
mesmo prédio.
Ora, essa não pode ser de modo algum a conclusão a tirar nestes autos, nem poderia ser, ainda que tivesse sido dada por assente aquela factualidade nos termos em que o Tribunal recorrido a considerou, (alegado consentimento para ocupação de parte de prédio urbano e o facto de ter mandatado terceira pessoa para proceder à cobrança de rendas), já que estes factos só podem considerar-se como actos de administração, que jamais consubstanciam uma aceitação tácita, nos termos referidos no nº3, do artigo 2056 referido.
Acresce, que os factos que ficaram assentes, daqueles que o Tribunal recorrido considerou, foram apenas os que constam sob os nºs 14, 16, 18 e 19, nos termos apurados neste acórdão e, dos mesmos não podemos concluir, como o fez a decisão recorrida, que, após o falecimento da progenitora, a Autora e seu irmão tenham aceitado a herança.
O documento de fls. 28, não tem a virtualidade de configurar nada mais que não seja o que nele se refere. Autorizar o antigo feitor, BS, para receber como anteriormente, as rendas do prédio. Dele não é possível deduzir de modo nenhum a intenção dos seus subscritores em aceitarem a herança. Nem de forma tácita.
Tal acto, só pode ser considerado como praticado no âmbito da administração da herança o que inviabilizava aquela forma de aceitação, nos termos do nº3 do artigo 2056º do CCivil. Acresce que, nunca a A., como referiu no seu depoimento, recebeu ou reclamou qualquer montante relativo àquelas rendas.
De todo o exposto, não se pode concluir de outro modo que não seja no sentido de declarar a caducidade do direito da autora de aceitar a herança aberta por óbito de sua mãe, ocorrido em 1957, já que não o fez dentro do prazo a que alude o nº 1 do artº 2059º do CC., resultando de fls. 22 dos autos que, apenas, o fez em 3 de Abril de 2009.
Com a caducidade do direito de aceitação da herança, refere Oliveira Ascensão in obra citada, pág. 101, “não são apenas os bens da herança que se perdem; é a própria qualidade de herdeiro. Não pode aquele, cujo direito de aceitar caducou, vir declarar-se herdeiro.”.
E, “Pressupondo a acção de petição de herança a aceitação desta, é óbvio que tal acção já não poderá ter lugar se tiverem decorridos dez anos contados a partir do conhecimento pelo herdeiro dos eventos referidos no artº 2059º, pois então terá caducado o direito de aceitação da herança em causa.”, cfr. Capelo de Sousa, in “Lições de Direiro das Sucessões”, Vol. II, págs. 32 e ss.

Face ao exposto, conclui-se pela procedência da invocada excepção da caducidade do direito de aceitação da herança por parte da Autora e, consequentemente, pela total procedência da apelação e revogação da decisão recorrida .
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SUMÁRIO (artº 713, nº7, do CPC):
I – A caducidade do direito à petição de herança não é de conhecimento oficioso, nos termos do disposto no artº 303 “ex vi” do artº 333, nº2, ambos do Código Civil.
II – Não tendo os herdeiros aceitado a herança dentro dos dez anos, após terem conhecimento de haverem sido a ela chamados, o seu direito a peticionarem os bens da mesma herança, através de acção de petição de herança, caduca no mesmo prazo.
III – A aceitação de herança pode consubstanciar-se de modo expresso ou tácito, nos termos do artº 2056, do Código Civil.
IV - A declaração dos herdeiros a autorizarem o feitor a receber, como anteriormente, o montante da renda, de prédio pertencente à herança aberta por óbito de seus falecidos pais, não constitui acto inequívoco susceptível de configurar aceitação tácita da herança.
V – Aos herdeiros é lícita a prática de actos de administração da herança, nos termos do artº 2047, do Código Civil, o que não implica aceitação tácita da herança, conforme dispõe o nº 3, do artº 2056, do mesmo diploma.
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III - DECISÃO:
Pelo exposto, acorda-se em julgar procedente a apelação, revogar a sentença recorrida e, em consequência, julgando-se improcedente a acção, absolvem-se os Réus do pedido.

Custas em ambas as instâncias a cargo dos Autores.

Guimarães, 16 de Fevereiro de 2012
Rita Romeira
Amílcar Andrade
Manso Rainho