Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2182/15.8PBBRG.G1
Relator: FILIPE MELO
Descritores: VIDEOVIGILÂNCIA EM CONDOMÍNIO
CAPTAÇÃO DE IMAGENS
JUSTA CAUSA
PROVA VÁLIDA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/11/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
Pode ser valorado pelo tribunal, o teor das filmagens recolhidas pelo sistema de videovigilância de um condomínio, independentemente de ter ou não havido comunicação à CNPD e de ter ou não anúncio do seu accionamemto, por estar em causa prova válida e, por existir justa causa para a captação das imagens, concretamente documentar um crime de furto ocorrido em área particular contígua à condominial, não sendo atingidos dados sensíveis da pessoa visionada nem o "núcleo duro" da sua vida privada.
Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães:

No processo em referência, foi decidido condenar o arguido Eduardo como autor material, de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artº 203º, nº 1 e 204º, nº 1, al. f) do Código Penal, por convolação do crime de furto qualificado, p. e p.p. artº 204, nº 2, al. e) do Código Penal que lhe vinha imputado, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão.
Inconformado, o arguido vem recorrer, pondo em causa, em síntese: erro de julgamento, com utilização de meios de prova ilegais e, em consequência, violação dos princípios da livre apreciação da prova e do in dubio pro reo.
*
É a seguinte a matéria de facto fixada na decisão recorrida:

A. Factos provados

1. No dia 18 de Dezembro de 2015, por volta das 22H00M, o arguido Eduardo acercou-se do prédio sito no nº 6, da Praceta B., nesta cidade de Braga e, por meio não concretamente apurado, logrou abrir o portão de acesso à garagem individual do ofendido, que se encontrava trancado, donde retirou, fazendo-os seus:
.1 bicicleta marca Force, cinzenta, no valor de 600 €,
.1 capacete preto no valor de 15 €,
.1 par de luvas no valor de 10 €,
.1 par de óculos Ray-Ban no valor de 100 €,
.1 par de óculos Hawkers no valor de 30 €, objectos cujo valor global ascende a 755 €, que integrou na sua esfera patrimonial, dando-lhes destino que se desconhece.
2. Agiu o arguido no propósito de se apropriar dos referidos objectos, que sabia não lhe pertencerem, ciente de que actuava contra a vontade do dono.
3. Agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo serem as suas condutas proibidas e punidas por lei.
Da situação socioeconómica do arguido:
4. O processo de crescimento e socialização de Eduardo decorreu num contexto familiar monoparental, fruto de uma relação de namoro da progenitora, familiar com quem viveu até aos 16 anos de idade. O arguido indicou a existência de mais 6 irmãos, 3 uterinos e 3 consanguíneos, com os quais nunca viveu.
5. Após o falecimento da progenitora, contava 16 anos de idade, o arguido foi acolhido pelo avô materno, elemento que dispunha de uma condição económica favorecida, assente na actividade de agiotagem junto ao casino da Povoa de Varzim, situação que lhe conferia grande domínio sobre os seus 12 descendentes.
6. Contudo a dinâmica familiar foi referenciada como disfuncional ao nível de relacionamento, sem laços afectivos consistentes, diluindo-se o acompanhamento/orientação educativa do arguido entre os vários elementos do grupo familiar (tios/irmãos).
7. Durante o percurso escolar, o arguido manifestou grande desinteresse pelas actividades lectivas, atitude que associada a comportamentos disruptivos, esteve subjacente ao abandono da escolaridade, contava 12 anos de idade, sem ter concluído o 1º ciclo de ensino.
8. O contacto e convívio com grupo de pares e com um tio materno com comportamentos aditivos parece ter favorecido o comportamento que passou a apresentar após a morte da figura materna associado ao consumo de estupefacientes, com um cariz diário e permanente, comportamento que compeliu à cessação do apoio por parte do avô, e terá conduzido ao envolvimento do arguido em práticas transgressivas, bem como a condições vivenciais características de sem-abrigo.
9. Foi neste contexto que Eduardo contactou com o sistema judicial penal, aos 20 anos de idade, tendo sido preso em 29.01.1997. Foi condenado na pena única de três anos de prisão que cumpriu até 28.01.2000. Em liberdade, durante este período beneficiou do apoio de duas tias maternas, junto das quais passou a residir, ora na Rua das P., – Dume – Braga.
10. Em 05.12.2001 deu novamente entrada no Estabelecimento Prisional de Braga, condenado na pena de 3 anos de prisão, que após cúmulo jurídico viria a converter-se na pena única de 7 anos de prisão, pela prática de crimes contra o património. Transferido para o E.P. de Santa Cruz do Bispo onde permaneceu até 13.05.2008, altura em que lhe foi concedida a liberdade condicional aos 5/6 da pena. Em liberdade beneficiou do apoio de uma tia, residente em Porto Santo/Madeira localidade onde permaneceu a maior parte do tempo integrado profissionalmente na construção civil, por conta da empresa “Sebastião”.
11. Regressado ao concelho de Braga, em Novembro/2008 o arguido manteve a sua actividade nesta empresa e terminou o período de liberdade condicional em 28.08.2009, de forma adequada. Em 10.01.2011 deu entrada no Centro de Alojamento Temporário onde apresentou uma evolução positiva em termos pessoais, quer devido aos comportamentos de abstinência em relação a drogas que apresentava, quer pela sua inserção no “Programa Vida Emprego”, que lhe permitiu exercer funções de vigilante na referida organização, durante um período de 18 meses, até 01.02.2014, altura em que se desvinculou do acompanhamento que beneficiava no Centro de Respostas Integradas. Entretanto, o reinício do consumo de substâncias psicoactivas de forte poder aditivo contribuiu para a desorganização/desestruturação do seu quotidiano e, para a alternância de períodos de integração no Centro de Alojamento Temporário, de 01.07.2014 a 17.07.2015, com um período de dois meses de vivências de rua, como sem abrigo em condições de grande precariedade vivencial, circunstância que determinou a reentrada naquela organização, em 29.09.2015.
12. À data dos factos, Eduardo integrava o Centro de Alojamento Temporário, tendo sido expulso no dia 07.05.2016, pelo incumprimento das regras internas da instituição. Após a saída da mesma procurou abrigo numa habitação abandonada no monte do Picoto.
13. O arguido requereu o RSI junto do Gabinete de Acção Social do Centro Cultural e Social, tendo sido orientado para a cantina social dessa instituição e para o arrendamento de um quarto. Recebeu 90 € até Agosto/2016, altura em que foi cessada a prestação por incumprimento das regras fixadas, nomeadamente por manter os hábitos de consumo de cocaína, apesar de integrado no programa de substituição com metadona, considerado de baixo limiar de exigência/redução de danos.
14. Actualmente Eduardo mantém-se integrado neste programa deslocando-se diariamente à unidade móvel da Equipa de Rua da Cruz Vermelha, que permanece junto à central de camionagem da cidade de Braga, ainda que admita consumos diários de cocaína e viva num contexto de pobreza extrema, de sem abrigo, em que a satisfação das necessidades básicas é assegurada através da mendicidade, junto a um supermercado no centro da cidade.
15. O arguido apresenta uma condição física e psíquica frágil e não demonstra capacidades de reorganização e adesão a propostas de mudança.
16. O arguido teve uma audiência de julgamento no dia 07.11.2016 no âmbito do processo nº 1113/16.2T9BRG – Braga - Inst. Central – 1ª Sec. Criminal – J2, indiciado na prática de um crime de furto qualificado, um crime de ameaça agravada e um crime de injúria.
17. Tem ainda, pendente, um processo de inquérito indiciado na prática de um crime de furto qualificado no âmbito do processo n.º 1065/16.9PBBRG – Comarca de Braga – DIAP – 2ª Secção e foi ainda notificado para interrogatório no dia 28.10.2016 no âmbito do processo nº 440/16.3GAVNF – V.N. de Famalicão – DIAP – 1ª Secção.
18. Perante a problemática em causa o arguido manifesta diminutas capacidades para reconhecer a sua ilicitude, bem como a existência de potenciais danos e vítimas.
19. O arguido não referiu qualquer repercussão decorrente deste processo no seu quotidiano.
Dos antecedentes criminais do arguido:
20. Por factos praticados em 01/04/1996, foi o arguido condenado, por decisão de 14/03/1997, pela prática de um crime de furto qualificado, na pena de 8 meses de prisão – Procº 11/97, do Tribunal Judicial de Braga.
21. Por factos praticados em 19/01/1995, foi o arguido condenado, por decisão de 01/04/1997, pela prática de um crime de furto qualificado, na pena de 6 meses de prisão, substituída por multa – Procº 769/96, do Tribunal Judicial de Braga.
22. Por factos praticados em 31/03/1996, foi o arguido condenado, em cúmulo jurídico, por decisão de 13/06/1997, pela prática de um crime de furto qualificado, na pena de 2 anos e 3 meses de prisão – Procº 164/96, do Tribunal Judicial de Braga.
23. Por factos praticados em 26/06/1996, foi o arguido condenado, por decisão de 20/06/1997, pela prática de um crime de furto, na pena de 5 meses de prisão – Procº 240/97, do Tribunal Judicial de Braga.
24. Por factos praticados em 26/03/1996, foi o arguido condenado, por decisão de 01/07/1997, pela prática de um crime de furto qualificado, na pena de 10 meses de prisão – Procº 77/97, do Tribunal Judicial de Braga.
25. Por factos praticados em 31/05/1996, foi o arguido condenado, por decisão de 07/10/1997, pela prática de um crime de furto, na pena de 4 meses de prisão – Procº 207/97, do Tribunal Judicial de Braga.
26. Por factos praticados em 26/08/1995, foi o arguido condenado, por decisão de 28/10/1997, pela prática de um crime de furto qualificado, na pena de 8 meses de prisão – Procº 661/97, do Tribunal Judicial de Braga.
27. Por factos praticados em 28/01/1997, foi o arguido condenado, por decisão de 26/03/1998, pela prática de dois crimes de furto qualificado, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão – Procº 198/97, do Tribunal Judicial de Braga.
28. Por factos praticados em 02/05/1995, foi o arguido condenado, por decisão de 05/06/1998, pela prática de um crime de furto qualificado, na pena de 16 meses de prisão – Procº 323/98, do Tribunal Judicial de Braga.
29. Por factos praticados em 03/01/1997, foi o arguido condenado, por decisão de 08/06/1998, pela prática de um crime de furto, na pena de 5 meses de prisão – Procº 664/97, do Tribunal Judicial de Braga.
30. Por factos praticados em 27/02/1996, foi o arguido condenado, por decisão de 23/06/1998, pela prática de um crime de furto e introdução em lugar vedado ao público, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão – Procº 100/97, do Tribunal Judicial de Braga.
31. Por factos praticados em 2000, foi o arguido condenado, por decisão de 12/01/2001, pela prática de um crime de furto qualificado, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão – Procº 123/01, do Tribunal Judicial de Braga.
32. Por factos praticados em 22/06/1995, foi o arguido condenado, por decisão de 04/03/2002, pela prática de um crime de furto e um crime de violação de correspondência, em pena de multa – Procº 176/00.3, do Tribunal Judicial de Braga.
33. Por factos praticados em 09/04/2001, foi o arguido condenado, por decisão de 08/04/2002, pela prática de um crime de furto qualificado, como reincidente, na pena de 3 anos de prisão – Procº 10124/02.4TBBRG, do Tribunal Judicial de Braga.
34. Por factos praticados em 26/06/1996, foi o arguido condenado, por decisão de 20/06/1997, pela prática de um crime de furto, na pena de 5 meses de prisão – Procº 240/97, do Tribunal Judicial de Braga.
35. No Processo 2497/01.2PBBRG, foi realizado cúmulo jurídico, sendo o arguido condenado na pena de única de 4 anos e 8 meses de prisão.
36. Por factos praticados em 04/10/2001, foi o arguido condenado, por decisão transitada em julgado em 22/11/2002, pela prática de um crime de furto, na pena de 10 meses de prisão – Procº 2248/01.1PBBRG, do Tribunal Judicial de Braga. Neste processo veio a ser realizado cúmulo jurídico sendo o arguido condenado na pena única de 5 anos de prisão.
37. Por factos praticados em 10/09/1996, foi o arguido condenado, por decisão transitada em julgado em 23/03/2004, pela prática de um crime de furto qualificado, na pena de 2 anos e 2 meses de prisão – Procº 1341/96.5JABRG, do Tribunal Judicial de Braga.
38. Por decisão transitada em julgado em 22/04/2004, foi o arguido condenado, pela prática de um crime de furto qualificado, na pena de 2 anos e 2 meses de prisão – Procº 3432/95.0PBBRG, do Tribunal Judicial de Braga.
39. Por factos praticados em 10/08/1995, foi o arguido condenado, por decisão transitada em julgado em 03/05/2004, pela prática de um crime de furto qualificado, na pena de 15 meses de prisão – Procº 3580/95.7PBBRG, do Tribunal Judicial de Braga.
40. Por factos praticados em 14/05/2001, foi o arguido condenado, por decisão transitada em julgado em 05/11/2004, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, em pena de multa – Procº 161/01.1SIPRT, do Tribunal Judicial do Porto. Neste processo foi realizado cúmulo jurídico, sendo o arguido, para além do mais, condenado na pena única de 7 anos de prisão. Por decisão do TEP do Porto, foi concedida liberdade condicional, com efeitos reportados a 13/05/2008.
B. Factos não provados:
- O arguido utilizou chave falsa para abrir o portão de acesso à garagem.
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O Ministério Público, na 1ª instância, conclui pela manutenção do decidido.
Nesta instância, o Exmº Procurador-Geral Adjunto tem igual entendimento.
Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre decidir.
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Invoca o arguido, como se viu, ter havido erro de julgamento, com utilização de meios de prova ilegais e, em consequência, violação dos princípios da livre apreciação da prova e do in dubio pro reo.
Vejamos assim, antes de mais, a motivação que o Tribunal expendeu para a matéria de facto:
O Tribunal baseou a sua convicção no conjunto da prova produzida, designadamente:
- No auto de denúncia de fls 5;
- Aditamento de fls 6;
- Auto de visionamento de fls 24, contendo imagens de videovigilância (CD de fls 32), reproduzidas em audiência.
- Certificado de registo criminal de fls 81-89;
150;
- Relatório social elaborado pela DGRS, de fls 90-95;
- O arguido não prestou declarações em audiência, remetendo-se ao silêncio, no uso do direito que a lei lhe confere.
- A testemunha Tiago, explicou de forma séria e credível, os bens que foram furtados da sua garagem, sem causar qualquer estrago e sem que tenha percebido como se processou a entrada naquele espaço; as diligências encetadas junto do condomínio que levaram à visualização das imagens de videovigilância.
- A testemunha Manuel, agente da PSP, procedeu à visualização das imagens no âmbito do inquérito e identificou o arguido, por ser pessoa que bem conhece do exercício das suas funções.
- Nas regras da experiência comum, quanto ao apurado elemento subjectivo, que se extrai dos factos acima dados como provados.
- Conjugando o depoimento do ofendido, a visualização das imagens de videovigilância, bem assim o depoimento da testemunha Manuel, entendemos que não resultaram dúvidas quanto aos factos acima dados como provados, sendo o arguido cabalmente identificado, como sendo a pessoa que inicialmente entra no espaço de garagens e ali faz a pesquisa de bens; e pessoa que, posteriormente se retira do local, já com a bicicleta furtada e com uma mochila às costas.
Diga-se ainda a respeito das imagens de vídeo captadas no referido espaço de garagem por um particular (condomínio), submetidas que foram a contraditório em audiência, que o registo de imagens recolhido no apurado contexto fáctico, constitui prova lícita, à luz do artº 167º do Código de Processo Penal, que, como tal, não pode ser desconsiderado. Veja-se a este respeito, entre outros:
- Ac. da Rel. de Évora de 28/06/2011, in www.dgsi.pt;
- Ac. da Rel. Lisboa de 06/03/2012, in CJ Ano XXXVII, Tomo II, pp 127 e sgs; e
- Ac. Rel. Porto de 25/02/2015, www.dgsi.pt: “I. A obtenção de fotografias ou filmagens, sem o consentimento do visado, sempre que exista justa causa nesse procedimento, nomeadamente quando as mesmas estejam enquadradas em lugares públicos, visem a realização de interesses públicos ou hajam ocorrido publicamente não constitui ilícito típico. II. Nessas circunstâncias mesmo que haja falta de licenciamento da CNPD podem ser usadas como meio de prova.”.
Quanto ao facto não provado que, nem a própria acusação o imputa ao arguido de forma assertiva, resulta da ausência de produção de prova quanto ao mesmo, desconhecendo-se por que forma o arguido acedeu ao interior da garagem para praticar o furto.

Esta motivação, por si só, é bastante para afastar a ideia de que o julgador poderá ter tido qualquer dúvida quanto à autoria dos factos aqui em causa.
Não teve o Tribunal recorrido, como nós não temos, de que o arguido praticou os factos por que vinha acusado, na forma como a final ficou plasmada na decisão, pelo que não há violação do princípio do in dubio pro reo.
Quanto à valoração das filmagens recolhidas pelo sistema de videovigilância do condomínio, invoca o recorrente que a gravação de imagens foi obtida de forma ilegal, sem consentimento do visado e por isso em violação do artº 126° do CPPenal, acrescentando que tal videovigilância não se encontrava autorizada nem assinalada.
Dispõe o art. 125º, do CPPenal que “são admissíveis as provas que não forem proibidas por lei.”
Daqui decorre que não foi estabelecido o princípio da tipicidade dos meios probatórios mas antes o da legalidade.
Os métodos proibidos de prova foram consignados no art. 126.º, do CPPenal, e estão intimamente associados às garantias constitucionais de defesa consagradas no invocado art. 32º da Constituição da República Portuguesa.
Assim, a consagração do n.º 8 desse artigo 32º de que “São nulas todas as provas obtidas mediante …abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações” aparece legalmente transposta no n.º 3, do citado art. 126º, que estatui, além do mais, que “são nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante intromissão na vida privada (…) sem o consentimento do respectivo titular”.
Todavia, ressalvadas as situações de intromissão no núcleo duro na vida privada (que o que, como veremos, não ocorre no casos dos autos), actualmente é quase entendimento uniforme da jurisprudência portuguesa de que não constituem provas ilegais e como tal podem ser valoradas pelo tribunal a gravação de imagens por particulares em locais públicos ou acessíveis ao público assim como os fotogramas oriundos dessas gravações, «desde que exista uma justa causa para a sua obtenção, como é o caso de documentarem a prática de uma infracção criminal, e não digam respeito ao «núcleo duro da vida privada» da pessoa visionada (onde se inclui a sua intimidade, a sexualidade, a saúde, a vida particular e familiar mais restrita, que se pretende reservada e fora do conhecimento das outras pessoas)» – Ac. da Relação do Porto de 23/10/2013 (proc. n.º 585/11.6TABGC.P1, relatora Maria do Carmo Silva Dias, in www.dgsi.pt). No mesmo sentido, entre outros, Ac. do STJ de 28/9/2011 (proc. n.º22/09.6YGLSB-S2, relator Santos Cabral), Ac. da Relação de Guimarães, de 19/10/2015 (proc. 1348/13.0PBBRG, relator Luís Coimbra), Ac. da Relação do Porto de 16/1/2013 (proc. n.º 201/10.3GAMCD.P1, relator Ernesto Nascimento), Ac. da Relação de Lisboa de 28/5/2009 (proc. n.º 10210/08.9, relatora Fátima Mata-Mouros) e Acs. da Relação de Coimbra de 10/10/2012 (proc. n.º 19/11.6TAPBL.C1, relatora Elisa Sales e proc. nº 148/12.9PBLMG, de 18/05/2016, relatora Maria Pilar Oliveira, que seguimos de perto), todos estes também acessíveis in www.dgsi.pt.
O art. 126.º do CPPenal, que tem por epígrafe “Métodos proibidos de prova” e que traduz o consagrado no art. 32.º n.º 8 da CRP, prevê assim nos n.ºs 1 e 2 as provas absolutamente proibidas e no n.º 3 as provas relativamente proibidas.
Porém, este normativo não é suficiente para compreender ou comprometer a questão da validade das provas em processo penal, nomeadamente no caso das provas obtidas por registos e reproduções mecânicas. É isso que resulta do art.167.º do CPPenal (cuja epígrafe é “Valor probatório das reproduções mecânicas) quando no seu n.º 1 refere que as mesmas «só valem como prova dos factos ou coisas reproduzidas se não forem ilícitas, nos termos da lei penal», ou seja, há uma influência do direito penal no regime de proibição das provas. Sobre esta ligação ao direito penal substantivo, refere o supra mencionado Ac. da Relação de Lisboa de 28/5/2009: «na verdade, ao estabelecer-se, no art. 167.º do CPP, que as reproduções fotográficas ou cinematográficas só valem como prova dos factos ou coisas reproduzidas se não forem ilícitas, nos termos da lei penal, não se estabeleceu uma condicionante de validade da prova assente na mera verificação da tipicidade de uma conduta como crime. Exigiu-se mais: exigiu-se a não ilicitude das mesmas. Ora a ilicitude não se esgota no preenchimento de um tipo legal de crime. Para que um comportamento seja punido como crime exige-se que, além se encontrar tipificado na lei penal, configure também um acto ilícito e culposo
Dispõe o art.199.º do Código Penal, sob a epígrafe “Gravações e fotografias ilícitas”:
«1. Quem, sem consentimento:
a) Gravar palavras proferidas por outra pessoa e não destinadas ao público, mesmo que lhe sejam dirigidas; ou
b) Utilizar ou permitir que se utilizem as gravações referidas na alínea anterior, mesmo que licitamente produzidas;
é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 240 dias.
2- Na mesma pena incorre quem, contra vontade:
a) Fotografar ou filmar outra pessoa, mesmo em eventos em que tenha legitimamente participado; ou
b) Utilizar ou permitir que se utilizem fotografias ou filmes referidos na alínea anterior, mesmo que licitamente obtidos.
3 - É correspondentemente aplicável o disposto nos artigos 197º e 198º
O direito à imagem está tutelado criminalmente neste normativo, mas na medida em que não esteja coberto por uma causa de justificação da ilicitude.
É nessa medida que se vem entendendo que não é crime a obtenção de fotografias ou de filmagens, mesmo sem consentimento do visado, sempre que exista justa causa nesse procedimento, designadamente quando as mesmas estejam enquadradas em lugares públicos, abertos ao público, visem a realização de interesses públicos ou que hajam ocorrido publicamente – cfr., entre outros, os Acórdãos da Relação do Porto de 23/11/2011 (proc. n.º1373/08.2PSPRT.P1, relator Mouraz Lopes) e de 29/02/2015 (proc. nº 349/13.2PEGDM.P1, relatora Maria Deolinda Dionísio), ambos também acessíveis in www.dgsi.pt.
No caso presente, está em causa a valoração do que consta do CD junto aos autos que reproduz a filmagem que havia sido efectuada por uma câmara de gravação privada pertencente ao condomínio, que foi visionado em audiência, com pleno exercício do contraditório.
À videovigilância, como decorre do art. 4.º n.º 4 da Lei n.º 67/98, de 26/10, aplica-se o regime da protecção de dados pessoais estabelecido na referida Lei.
No entanto, e a menos que a questão respeitasse ao tratamento de dados sensíveis (o que não é o caso porque Dados Sensíveis são os «dados pessoais referentes a convicções filosóficas ou políticas, filiação partidária ou sindical, fé religiosa, vida privada e origem racial ou étnica, bem como o tratamento de dados relativos à saúde e à vida sexual, incluindo os dados genéticos», conforme decorre do nº 2 do art. 7º deste diploma), a lei não exige o prévio licenciamento por parte da Comissão Nacional de Protecção de Dados.
A videovigilância dos autos, independentemente de ter sido ou não comunicado à CNPD e ou ter ou não algo a anunciar que estava accionado, constitui prova válida, e nessa medida pode ser valorada pelo tribunal, por existir justa causa para a captação das imagens, concretamente documentar a prática de infracção criminal consistente num crime de furto ocorrido em área particular contígua à condominial, não sendo atingidos dados sensíveis da pessoa visionada nem o “núcleo duro” da sua vida privada.
Em conclusão, a prova em causa constitui prova válida, e como tal, pode e deve ser valorada pelo tribunal.
No demais, e como foi dito, é coerente e fundada a motivação do Tribunal, ao esclarecer como, mesmo não tendo as imagens mostrado o arguido a entrar naquela concreta garagem, coloca-o nas proximidades, ao alcance da videovigilância, e já na posse dos objectos furtados e acabados de retirar.
Nestes termos, e sem mais considerações, por desnecessárias e inúteis, improcede natural e integralmente o recurso.

Decisão:
Pelo acima exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso do arguido.
Custas pelo recorrente, fixando-se em 4 (quatro) UC’s a taxa de justiça.
Guimarães, 11 de Setembro de 2017