Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
503/15.2T9BRG.G1
Relator: CÂNDIDA MARTINHO
Descritores: SUSPENSÃO PROVISÓRIA DO PROCESSO
INJUNÇÕES IMPOSTAS
AVERIGUAÇÃO DE INCUMPRIMENTO
OMISSÃO AUDIÇÃO ARGUIDO
IRREGULARIDADE PROCESSUAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 07/13/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I) A certificação do cumprimento efectivo ou não das injunções impostas no âmbito da suspensão provisória do processo não tem que passar obrigatoriamente pela colaboração/audição do arguido para tais efeitos. Um mero ofício dirigido à segurança Social e um outro à Associação Portuguesa de Leucemias e Linfomas (APLL) eram bastantes para aferir do cumprimento, ou não, das mencionadas injunções.
II) E, caso se viesse a concluir pelo seu incumprimento, então sim, importaria avançar para um segundo momento, o qual passaria por averiguar as causas do mesmo, aferindo da sua censurabilidade, à semelhança do que acontece com a suspensão da execução das penas (arts.55º e 56º do C.Penal), garantindo ao arguido o direito de ser ouvido e se pronunciar sobre os motivos do incumprimento, dando cumprimento ao exercício do direito do contraditório.
III) Mas, em momento prévio, no qual se averigua do cumprimento ou incumprimento das injunções, não se estando perante um dever fundamental de audição do arguido, o vício atinente à omissão de tal desiderato pode ser atingido por outros meios, não se verifica pois a nulidade invocada, mas antes, uma irregularidade processual, nos termos do artigo 123º,nº2 do C.P.P. .
Decisão Texto Integral:
Desembargadora Relatora: Cândida Martinho
Desembargador Adjunto: António Teixeira

Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães.

I. Relatório

1. No processo com o número 503/15.2T9BRG que corre termos no Juízo Local Criminal de Vila Nova de Famalicão pelo Mmo Juiz de Instrução foi proferido despacho que determinou o prosseguimento dos autos para julgamento, nos seguintes termos:

“Concordando com os fundamentos do MP expostos na promoção que antecede, porque se considera que os arguidos não cumpriram as injunções que foram estipuladas nem sequer apresentaram razões justificativas para o referido incumprimento, não obstante a notificação para o efeito, ao abrigo do disposto no artº 282º, nº 4, al, a), do CPP determino o prosseguimento dos autos para julgamento.”

2. Não se conformando com este despacho, o arguido recorreu da sentença, extraindo da motivação as conclusões que a seguir se transcrevem:
Conclusões:

«1. O Douto despacho em crise, considerou e decidiu, em suma, o prosseguimento dos autos para julgamento porque se considera que os arguidos não cumpriram as injunções que foram estipuladas nem sequer apresentaram razões justificativas para o referido incumprimento.
2. Após consulta dos autos, constatou-se que o Arguido foi notificado, em 07/10/2019, na pessoa da sua mandatária, para comprovar nos autos o cumprimento das injunções determinadas na decisão de suspensão provisória do processo, ou informar o que tivesse por conveniente.
3. Essa notificação foi remetida para um domicílio profissional que, à data da notificação, já não era o da mandatária há mais de um ano, pelo que, o Requerente não tomou conhecimento da notificação em causa.
4. Verificou-se, ainda, que a própria sociedade arguida, nem sequer foi notificada de tal despacho, sendo certo que a mandatária do Arguido não representa a Sociedade Arguida.
5. Não obstante o supra exposto, a alegada notificação à mandatária do Arguido, ocorreu antes de decorrido o prazo de que este dispunha para proceder e/ou demonstrar o cumprimento das injunções, ou seja, antes de estar em incumprimento.
6. Ora, uma vez decorrido o prazo da suspensão, o Tribunal não notificou o Arguido do alegado incumprimento e nem o ouviu a esse respeito, ou seja, foi ordenado o prosseguimento dos autos sem que antes o Tribunal apurasse a culpa do Arguido no incumprimento.
7. Tal como tem sido considerado pela doutrina e pela jurisprudência, esta apreciação não depende de um mecanismo automático da verificação do decurso do tempo e do não cumprimento “formal” das injunções em causa, envolvendo antes um juízo de culpa ou vontade de não cumprir por parte do arguido.
8. O douto despacho é, por isso, nulo, nos termos do artigo 120, nº 2, al, d) por desrespeito ao disposto nos artigos 61º, nº 1, al. b) do CPP e nos artigos 55º e 56º do CP.
9. Acresce, ainda, que, o Tribunal antes de decidir o prosseguimento do processo, deveria ainda ter dado cumprimento ao disposto no artigo 498º, nº 3 e 495º, nº 2 do CPP.
10. Ressalvado o devido respeito, impunha-se ao Tribunal o impulso de, para além da audição do Arguido, a notificação quer à Segurança Social, quer à Associação Portuguesa de Leucemias e Linfomas, no sentido de aferir o cumprimento, ou o incumprimento, das injunções impostas.
11. Na verdade, o Arguido cumpriu as injunções que lhe foram impostas na decisão instrutória que determinou a suspensão provisória do processo, ou seja, entregou à ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE LEUCEMIAS E LINFOMAS (APLL) a quantia de 300,00€ em 04-04-2019, e procedeu, ao pagamento à Segurança Social, da quantia em dívida.
12. Pelo exposto, o Tribunal decidiu sem cumprir todas as diligências que se impunham, em claro desrespeito pelo disposto nos artigos artigo 498º, nº 3 e 495º, nº 2 do CPP e art. 32º da CRP e 61, nº 1, al. a) e b) do CPP..
13. Impondo-se, em consequência, a procedência da arguição da nulidade processual suscitada pelo arguido e a revogação do despacho que designou o prosseguimento dos autos para julgamento por não terem sido cumpridas as injunções fixadas, revogando-se ainda, todos os atos posteriormente realizados.
14. Sem prescindir, caso assim se não entenda, nos termos do nº 2 do artigo 123º pode ordenar-se oficiosamente a reparação de qualquer irregularidade, no momento em que da mesma se tomar conhecimento, quando puder afetar o valor do ato praticado.
15. Após isso, e uma vez decorrido o prazo da suspensão, deverá o tribunal a quo proferir um despacho de convite ao arguido (e à sua defesa) para se pronunciarem, e bem ainda, de averiguar junto da segurança social, e da Associação Portuguesa de Leucemias e Linfomas, no sentido de aferir o cumprimento, ou o incumprimento, das injunções impostas.

TERMOS EM QUE,
revogando o douto despacho impugnado e bem ainda todos os atos posteriormente realizados, farão Vossas Excelências J U S T I Ç A »

3. A Exma Procuradora da República na primeira instância respondeu ao recurso, concluindo pela sua improcedência.
Alegou, em síntese, que, no caso dos autos, apesar de devidamente notificado, o arguido não juntou aos autos comprovativos de ter cumprido as injunções que lhe foram impostas, nem mesmo justificou tal conduta, quer na vertente de não cumprimento, nem mesmo de não junção, se fosse esse o caso, de tais comprovativos.

O arguido bem sabia as obrigações que sobre si impendiam e, notificado até para dizer o que tivesse por conveniente, nada fez.
Tal comportamento constitui negligência grosseira, a saber, o esquecimento dos deveres gerais de observância e a demissão pelo arguido dos mais elementares deveres que não escapam ao comum dos cidadãos, o que é susceptível de evidenciar a culpa do arguido, para a apreciação da qual não é exigível ao juiz a quo, após notificação ao arguido para o efeito e este nada diz, diligenciar pela comprovação de cumprimento de tais injunções.

4. Neste Tribunal da Relação, o Exmo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da procedência do recurso, concluindo nos seguintes termos:

“O eventual incumprimento das regras ou injunções da decretada suspensão provisória do processo e na ausência de previsão legal de um mecanismo próprio, deve ser aplicado analogicamente o regime próprio da suspensão da execução da pena, constante dos artigos 492º a 495º do CPPenal e nos artigos 55º e 56º do C.Penal; em tal situação, deve proceder-se à audição do condenado, audição presencial do mesmo, sempre que tenham sido fixadas regras de conduta condicionantes daquela – artigo 495º,nº2, do C.P.Penal; porque ao arguido recorrente para usufruir da referida suspensão lhe foram determinadas específicas regras de conduta visando o cumprimento de precisas obrigações de natureza financeira e porque não foi ouvido presencialmente pelo JIC assegurando-se do cumprimento daquelas, porque ele nem sequer foi notificado para sobre isso se pronunciar, verifica-se uma omissão processual que materializa uma nulidade relativa que se aconchega na alínea d), do nº2 do art.º120 do CPPenal, tempestivamente arguida por aquele.”

5. Cumprido o art. 417º,nº2, do C.P.P., o arguido não respondeu ao parecer.

6. Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência, por o recurso dever ser aí julgado, de harmonia com o preceituado no art.419º,nº3,al.c), do diploma citado.

II. Fundamentação

A) Delimitação do Objeto do Recurso

Dispõe o art. 412º,nº1, do Código de Processo Penal ( diploma a que pertencem os preceitos doravante citados sem qualquer referência) que “a motivação enuncia especificadamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido”.
O objeto do processo define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respetiva motivação, onde deverá sintetizar as razões da discordância do decidido e resumir as razões do pedido - arts. 402º,403º e 412º- naturalmente sem prejuízo das matérias do conhecimento oficioso (Cf.Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, VolIII, 1994,pág.340, Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 3ª edição,2009,pág.1027 a 1122, Simas Santos, Recursos em Processo Penal, 7ªEd, 2008, pág.103).
O âmbito do recurso é dado, assim, pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, delimitando para o tribunal superior ad quem, as questões a decidir e as razões que devem ser decididas em determinado sentido, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso que eventualmente existam.

No caso vertente, atentas as conclusões apresentadas pelo recorrente, a questão a decidir prende-se apenas em saber se o despacho recorrido ao determinar o prosseguimento dos autos sem audição do arguido e sem averiguar junto da Segurança Social e da Associação Portuguesa de Leucemias e Linfomas sobre o eventual incumprimento das injunções que lhe foram impostas como condição da suspensão provisória do processo, padece de nulidade nos termos dos artigos 120,nº2,al.d) e 61º,nº1,al.b) do C.P.P. e 55º e 56º do C.Penal ou de uma irregularidade nos termos do artigo 123º, nº2, do C.P.P..

B) Apreciação do recurso

Com vista a decidir a questão objecto do presente recurso, importa ter presentes os seguintes elementos.

- No debate instrutório que se realizou no dia 2 de outubro de 2017, após a prolação do despacho de pronúncia, foi ponderada a aplicação do regime do regime da suspensão provisória do processo, requerida subsidiariamente pelo arguido, a qual veio a ter lugar por decisão proferida pelo Mmo Juiz nesse mesmo dia, decisão essa que tendo concluído pelo preenchimento de todos os pressupostos exigidos nos artigos 281º e 282º, ambos do Código de Processo Penal, determinou a suspensão provisória do processo por dois anos, mediante a imposição ao arguido P. C. (por si e em representação da sociedade arguida), das seguintes injunções:
- Proceder ao pagamento da Segurança Social, no referido prazo, da quantia em dívida nos autos e juros legais;
- Entregar, no referido período, à Associação Portuguesa de Leucemias e Linfomas (APLL), sita na Estrada Interior da Circunvalação, Porto, da quantia de €300,00.
- Nesse mesmo dia foi pessoalmente notificado da obrigatoriedade de comprovar em juízo dentro do prazo concedido (dois anos), a entrega das quantias supra referidas em documento onde conste expressamente a referência ao cumprimento da injunção no âmbito do processo-crime e também advertido de que não sendo cumpridas as injunções no prazo referido, o processo seria remetido à distribuição para julgamento.
- Na sequência de promoção, o Mmo Juiz de Instrução, por despacho proferido em 7/10/2019, determinou a notificação do arguido para, por si e em representação da sociedade arguida, comprovar nos autos, no prazo de 10 dias, o cumprimento das injunções determinadas na decisão.
- Tal despacho veio a ser notificado à Exma mandatária do arguido por carta registada remetida em 7/10/2019 e nada tendo sido dito pela mesma veio a ser proferido o despacho recorrido.
O regime da suspensão provisória do processo (aplicável em sede de instrução nos termos do nº2 do art.307 do C.P.P.) está regulado nos arts. 281º e 282º do Código de Processo Penal.
Da análise deste regime resulta evidente que não pode haver suspensão sem imposição de injunções e regras de conduta, que o arguido é livre, ou não, de aceitar mas, aceitando-as o seu cumprimento é obrigatório, sob pena de o processo prosseguir.

Com efeito, como resulta do disposto no artigo 282º,nº4 do Código de Processo Penal:

4 – O processo prossegue e as prestações feitas não podem ser repetidas:
a)Se o arguido não cumprir as injunções e regras de conduta; ou
b)Se durante o prazo de suspensão do processo, o arguido cometer crime da mesma natureza pela qual venha a ser condenado.”

Daqui poderá extrair-se também que terminado o prazo de suspensão do processo, a autoridade judiciária que preside à respectiva fase em que é aplicado o instituto da suspensão provisória do processo (o Ministério Público ou o Juiz) deve apreciar e averiguar de motu próprio, procedendo às diligências necessárias para o efeito, o cumprimento das injunções, sem estar à espera da colaboração do arguido.
Já referimos que o arguido foi notificado, no momento da suspensão do processo, da obrigação de comprovar nos autos, até ao termo do prazo, o cumprimento das injunções.
Mas será que tal notificação e a não comprovação posterior, dentro do prazo, do cumprimento das injunções, permite inferir o efectivo incumprimento das injunções e, consequentemente, concluir pelo prosseguimento dos autos.
Cremos claramente que não.

Com efeito, estamos perante realidades distintas.

As injunções consubstanciam o comando imposto ao arguido para que cumpra determinadas obrigações, que, no caso concreto, como referimos, foram duas:

- proceder ao pagamento à Segurança Social da quantia em dívida nos autos e juros legais;
- entregar, no referido período, à Associação Portuguesa de Leucemias e Linfomas (APLL), a quantia de 300,00€.

Já a “comprovação” dessas injunções corresponde à formalidade para documentar/provar o cumprimento das injunções.
Ora, o arguido pode não ter efectuado a comprovação do cumprimento das injunções porque na realidade não as cumpriu, como pode, de facto, tê-las cumprido e por qualquer razão não ter feito essa comprovação.

Compulsados os autos podemos constatar que a única diligência levada a cabo pelo Mmo Juiz foi a notificação do arguido, na pessoa da sua Exma defensora, para, no prazo de dez dias, vir aos autos comprovar o cumprimento das injunções determinadas na decisão ou dizer o que tivesse por conveniente.
Nada mais foi feito.
E o silêncio da Exma defensora bastou para que o Mmo Juiz de Instrução concluísse, sem mais, pelo incumprimento.
Temos, para nós, ter sido bastante temerário retirar do mencionado silêncio a conclusão do incumprimento das injunções, tendo em conta a consequência daí decorrente – prosseguimento dos autos, submetendo o arguido a julgamento, o que afecta de forma grave os seus direitos.
Impunha-se, ao invés, a certificação do cumprimento efectivo ou não das injunções impostas.
Certificação que nem tinha que passar obrigatoriamente pela colaboração/audição do arguido para tais efeitos, acompanhada, simultaneamente ou não, da documentação probatória pertinente.
Na verdade, um mero ofício dirigido à segurança Social e um outro à Associação Portuguesa de Leucemias e Linfomas (APLL) eram bastantes para aferir do cumprimento, ou não, das mencionadas injunções.
E, caso se viesse a concluir pelo seu incumprimento, então sim, importaria avançar para um segundo momento, o qual passava por averiguar as causas do mesmo, aferindo da sua censurabilidade, à semelhança do que acontece com a suspensão da execução das penas (arts.55º e 56º do C.Penal), garantindo ao arguido o direito de ser ouvido e se pronunciar sobre os motivos do incumprimento, dando cumprimento ao exercício do direito do contraditório.
Como referiu Maia Costa, in anotação ao artigo 282º, Código de Processo Penal, Comentado, pág. 989
"o incumprimento deverá ser culposo, ou repetido, em termos idênticos aos que o Código Penal prevê para a revogação da suspensão da pena, no art. 56º, nº 1, a). Ou seja, o incumprimento não terá que ser doloso, mas deverá ser imputável pelo menos a título de negligência grosseira ao arguido, ou então repetidamente assumido (Neste sentido, Maia Gonçalves, CPP Anotado, pág.678; e Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do C.P.P., 4ªed., pág.768).
Assim, a constatação do incumprimento não pode conduzir automaticamente à "revogação" da suspensão, devendo o Ministério Público (ou o juiz de instrução, se a suspensão tiver sido decretada nessa fase) indagar das razões do incumprimento, em ordem a decidir-se pelo prosseguimento do processo para julgamento ou pelo decurso do prazo da suspensão, consoante apure haver, ou não, comportamento culposo, ou repetido, por parte do arguido".
Mas, no caso vertente, estamos num momento prévio a esse – averiguar do eventual incumprimento das injunções.
E concluindo-se que o Mmo Juiz de Instrução omitiu diligências que se afiguram determinantes com vista à decisão que tomou de prosseguimento dos autos, importa agora qualificar esta mesma omissão.
Não pugnamos do entendimento de que tal configura uma nulidade.
Com efeito, não cabe em qualquer uma das previstas nos artigos 119º e 120º, designadamente na invocada pelo recorrente, a prevista no nº2, alínea d), deste ultimo preceito legal, por desrespeito ao disposto nos artigos 61º, nº 1, al. b) do CPP e 55º e 56º do CPenal.
E isto porque não está em causa ouvir necessariamente o arguido sobre qualquer decisão que o vai afetar pessoalmente, mas antes e tão somente averiguar do cumprimento do acto de pagamento à Segurança Social da quantia em dívida nos autos e juros legais e do acto de entrega à Associação Portuguesa de Leucemias e Linfomas (APLL), da quantia de 300,00€.
Como já referimos, ainda que se admita que a averiguação de tal cumprimento possa fazer-se através da audição do arguido, também é verdade que o pode ser através de outros meios.
Razão pela qual se entende que neste momento prévio, no qual se averigua do cumprimento ou incumprimento das injunções, não se esteja perante um dever fundamental de audição do arguido.
E concluindo-se que o vício atinente à omissão de tal desiderato pode ser atingido por outros meios, não se verifica pois a nulidade invocada.
No entanto, já configurará o mencionado vício uma irregularidade processual, nos termos do artigo 123º,nº2 do C.P.P. .
Dispõe este preceito legal que “pode ordenar-se oficiosamente a reparação de qualquer irregularidade no momento em que da mesma se tomar conhecimento, quando puder afetar o valor do acto praticado”.
Ora, não se suscitando qualquer dúvida de que a irregularidade em causa afeta o ato praticado pelo Mmo Juiz, no sentido de remeter os autos para a fase do julgamento, sem cuidar de averiguar do cumprimento das injunções, declara-se a mesma, nos termos do citado artigo 123º,nº2, devendo os autos ser remetidos à fase da instrução para suprimento da irregularidade, declarando-se inválidos todos os actos praticados posteriores à omissão verificada.

III. Dispositivo

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar procedente o recurso interposto pelo arguido P. C. e, consequentemente, ainda que por fundamentos diferentes – verificação de irregularidade de conhecimento oficioso que afeta o ato praticado pelo Mmo Juiz de Instrução da remessa dos autos para julgamento, sem previamente averiguar do cumprimento das injunções – determina-se a remessa dos autos à instrução para suprimento da irregularidade, declarando-se inválidos todos os actos praticados posteriores à omissão verificada.

Sem tributação.
Guimarães, 13 de julho de 2020