Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
520/04.8GCGMR.G1
Relator: MARIA AUGUSTA
Descritores: PROVA PERICIAL
PROIBIÇÃO DE PROVA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/14/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: JULGADO IMPROCEDENTE
Sumário: Os resultados da análise de amostra recolhida numa zaragatoa bocal efectuada no âmbito de um processo, podem ser comparados com os resultados da análise a vestígio de sangue recolhido noutro processo instaurado em data anterior à recolha da amostra
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães.

No processo comum colectivo nº520/04.8GCGMR, da 2ª Vara Criminal de Guimarães, por sentença de 27/11/08 foi o arguido/recorrente PAULO condenado:
· pela prática de cada um de dois crimes de roubo qualificado, p. e p. pelos artºs210º, nºs1 e 2, al.b) e 204º, nº2, al.f) do C.P., na pena de 3 anos e 4 meses de prisão;
· pela prática de cada um de dois crimes de sequestro, p. e p. pelo artº158º, nº1 do C.P., na pena de 1 ano e 6 meses de prisão;
· pela prática de um crime de burla informática, p. e p. pelo artº221º, nº1 do C.P., na pena de 80 dias de multa, à taxa diária de € 2,0060 dias de multa, à taxa diária de € 10,00
Em cúmulo foi condenado na pena única de 5 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo e 80 dias de multa, à taxa diária de € 2,00.


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Inconformado, o arguido recorreu, terminando a sua motivação com extensas conclusões Nos termos do nº1 do artº412º as conclusões devem ser um resumo das razões do pedido. Por isso, devem ser concisas, precisas e claras a fim de que se tornem fácil e rapidamente apreensíveis pelo tribunal ad quem.
As conclusões do recorrente, salvo o devido respeito, são exactamente o contrário. Contudo, por uma questão de celeridade e eficácia e porque é possível determinar quais as questões a decidir e o sentido da pretensão do recorrente, optou-se por não o convidar a reformulá-las.
- 21 - das quais se retira serem as seguintes apenas duas as questões a decidir:
1. Saber se nos termos do n.º 6 do artº156º do C. P. P., a prova pericial realizada no âmbito do processo nº589/06.0GAPTL pode ser utilizada neste processo;
2. Saber se foi incorrectamente julgada a factualidade dada como provada sob os nºs3 a 14 e 19 a 27, por violação dos princípios da presunção de inocência, in dubio pro reo, da verdade material, da legalidade e da livre apreciação da prova.


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Admitido o recurso, a ele respondeu o MºPº que se pronunciou pela sua improcedência.

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Também nesta instância o Exmo Procurador–Geral Adjunto se pronunciou pela mesma forma.

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Foi cumprido o disposto no artigo 417º n.º 2 do C.P.P..

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Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos legais, cumpre decidir:

1ª Questão:
Saber se nos termos do n.º 6 do artº156º do C.P.P., a prova pericial realizada no âmbito do processo nº589/06.0GAPTL pode ser utilizada neste processo:
Os presentes autos tiveram início em 27/11/04 com uma participação contra incertos.
Na mesma data foram recolhidos vestígios biológicos entre os dois bancos da frente, junto ao travão de mão (fls.19), do veículo conduzido pelo ofendido Nelson, em causa nos autos, que se veio a revelar serem de origem hemática mas com origem em pessoa diferente da dos ofendidos nestes mesmos autos.
Na sequência de investigação levada a cabo no NUIPC 598/06.0GAPTL, ao qual foram apensados outros dois processos, onde se investigavam assaltos realizados por forma idêntica à destes autos, ocorridos em finais de 2006, tendo como suspeitos os aqui arguidos, foram-lhes colhidas zaragatoas bocais, com o seu consentimento expresso – cfr. fls.153 e 154.
Solicitado ao IML a sua comparação com o vestígio colhido no interior da viatura 88-72-..., a que se refere este processo, apresentou identidade de polimorfismos (cfr. fls.246) com o arguido/recorrente PAULO.
Defende este arguido/recorrente que a zagatoa bocal recolhida naquele processo nº589/06 não pode ser valorada neste processo por se tratar de prova proibida.
Vejamos:
A Lei nº48/2007, de 29/08, veio introduzir dois novos números ao artº156º do C.P.P., inserido no capítulo VI, que regula a prova pericial, dispondo no seu nº6:
3. (…)
4. Quando se tratar de análises de sangue ou de outras células corporais, os exames efectuados e as amostras recolhidas só podem ser utilizadas no processo em curso ou em outro já instaurado, devendo ser destruídos, mediante despacho do juiz, logo que não sejam necessários.

Assim, a partir da entrada em vigor da Lei nº48/2007, o que ocorreu em 15/09/07, as amostras recolhidas e os exames efectuados a sangue ou outras células corporais recolhidas num processo só podem ser utilizadas nesse mesmo processo ou em outro processo já instaurado.
Da resenha acima efectuada resulta que aquando da entrada em vigor da referida Lei, em 15/09/07, já haviam sido recolhidas amostras aos arguidos para realização de exames de ADN Note-se que a autorização dada pelos arguidos para a colheita de zaragatoa bocal é de 22/12/06, conforme consta de fls.153 e 154., no NUIPC 598/06.0GAPTL e tinham sido iniciados os exames comparativos com os vestígios destes autos De fls.244 consta como data do seu início 12/01/07. , mas os resultados apenas em 22/10/07 foram conhecidos Cfr. fls.247.. Isto é, à data em que foram conhecidos os resultados dos exames comparativos vigorava já o nº6 do artº156º, nos termos do qual as zaragatoas recolhidas só podiam ser utilizadas no processo onde foram recolhidas - nº589/06.0GAPTL – ou em outro já instaurado.
Tendo este processo nº520/04.8GCGMR, ora em apreço, sido instaurado em data anterior àquele, é manifesto que nada obsta a que essas amostras sejam utilizadas para comparação com os vestígios recolhidos nestes autos.
Assim e para concluir, não foi violado o disposto no nº6 do artº156º do C.P.P. nem qualquer das demais normas invocadas pelo recorrente, designadamente, os artigos do C.P.P. e o artº32º, nº8 da CRP, bem como o princípio da legalidade. Não estando, como não estamos, perante prova proibida, pode, por isso, ser validamente valorada pelo tribunal.
Note-se que a Lei nº5/2008, de 12/02, que aprova a criação de uma base de dados de perfis de ADN para fins de identificação civil e criminal, também invocada pelo arguido, como claramente dela resulta, estabelece tão só os princípios de criação e manutenção dessa base de dados e não se destina a regular a recolha de prova pericial.


2ª Questão:
Saber se foi incorrectamente julgada a factualidade dada como provada sob os nºs3 a 14 e 19 a 27, por violação dos princípios da presunção de inocência, in dubio pro reo, da verdade material, da legalidade e da livre apreciação da prova:
Defende o arguido/recorrente que a matéria de facto referida foi incorrectamente julgada, já que a convicção do Tribunal a quo se baseou única e exclusivamente no vestígio hemático encontrado dentro do veículo. Não existindo prova directa dos factos, a prova indiciária é diminuta e despicienda e a prova documental e pericial foi deficientemente analisada.
Vejamos:
No nosso sistema processual penal vigora o princípio da chamada prova livre, o que significa que, em regra, não existem critérios legais que determinem o valor a atribuir à prova. Esta será valorada de acordo com as regras da experiência e a livre convicção do juiz (artº127º do C.P.P.).
Esta regra sofre algumas excepções ou “limites” Assim lhes chama Castanheira Neves – Sumários de Processo Criminal – Coimbra 1968., designadamente, as respeitantes ao valor probatório dos documentos autênticos e autenticados (art.169.º); ao caso julgado, não obstante este apenas se encontrar indirectamente regulado no CPP, a propósito do pedido cível (art.84.º); à confissão integral e sem reservas no julgamento (art.344.º) e à prova pericial (art.163.º).
Porque a livre apreciação da prova não significa livre arbítrio ou falta de limites mas antes a não vinculação a regras legais sobre a prova, ao julgador impõe-se que a prova produzida seja valorada de acordo com as regras da lógica, princípios da experiência e conhecimentos científicos.
Numa correcta asserção deste princípio há que distinguir dois momentos distintos na valoração da prova – um primeiro, em que a imediação, ou seja a percepção directa da prova, é inultrapassável; um segundo em que já entra em linha de conta o processo racional realizado sobre a prova. Valoração da prova e convicção não são conceitos equivalentes mas distintos. A primeira, é a actividade intelectual do órgão jurisdicional e precede sempre a segunda, que não é mais do que o resultado da valoração ou apreciação efectuada. Mas, enquanto a primeira é incontrolável por este tribunal de recurso, não por, como se disse, a convicção assumir carácter livre e absoluto, mas por ser impossível entrar na mente do julgador que teve perante si a prova produzida oralmente e avaliou atitudes, comportamentos, etc, a segunda é perfeitamente controlável, pois baseia-se em critérios objectivos, que impõem ao(s) julgador(es), através da obrigatoriedade de motivação da sentença, uma explicação lógica, racional, coerente e de acordo com os conhecimentos científicos e as máximas da experiência.

No caso dos autos os Senhores Juízes, como resulta da motivação, deram como provados os factos com base nos depoimentos das testemunhas Nelson C... e Ana M... , conjugados com as provas periciais de fls.127/128 e 246. E, embora sem prova directa, não denunciaram qualquer dúvida quanto à intervenção do arguido/recorrente na prática dos factos . Apesar de aquelas testemunhas não terem identificado “os assaltantes, que traziam luvas, blusões pretos e capuzes”, “não é credível” que o vestígio hemático encontrado no veículo 88-72-..., em que se faziam transportar, “recolhido pouco depois dos factos dos autos terem sido produzidos, que identifica inequivocamente o arguido Paulo, localizado no veículo do ofendido Nelson - que o não conhecia sequer –, tenha sido produzido noutras circunstâncias que não no decorrer do assalto e sequestro descritos”.
Concordamos com o recorrente quando defende que a perícia hematológica não constitui, por si só, prova de que foi ele quem praticou os crimes por que vem condenado. Embora sendo, actualmente, a prova forense mais poderosa, na verdade, sem outros elementos probatórios dela apenas se pode concluir que este arguido esteve no interior do veículo TQ. O vestígio hematológico não constitui prova directa do delito nem da autoria ou participação do acusado. Mas, conjugada com outros elementos probatórios concorrentes, pode permitir-nos chegar à autoria e/ou participação. E há, como veremos a seguir, prova complementar que, conjugada com esta, nos permite afirmar que a conclusão a que chega o Tribunal a quo, embora não explicada da melhor forma, não é destituída de fundamento como o arguido/recorrente o quer fazer crer.
Senão, vejamos:
Embora as testemunhas Nelson e Ana M... não tenham identificado os autores dos factos por estes terem agido encapuzados e com luvas, explicaram o modus operandi e todas as circunstâncias em que eles decorreram, designadamente, o tempo.
Dos seus depoimentos bem como da prova pericial feita ao veículo resultou provado que:
- os factos ocorreram por volta das 23.30h, do dia 26/11/04;
- um dos agentes partiu o vidro do veículo, do lado condutor;
- ambos os agentes obrigaram os ofendidos a entregar-lhes os cartões multibanco e a fornecer-lhes os respectivos códigos;
- enquanto um dos agentes se manteve com os ofendidos, o outro, munido dos cartões e respectivos códigos, deslocou-se, no veículo TQ, que ele próprio conduziu, a uma caixa multibanco onde levantou dinheiro, no que demorou cerca de uma hora;
- de regresso, abandonaram os ofendidos no local, donde se retiraram no TQ, que acabaram por abandonaram, nessa mesma noite, em local próximo.
Ora, tendo um dos agentes partido o vidro da frente do veículo, para o que necessariamente teve que dar uma pancada do exterior para o interior, como é do conhecimento geral e resulta das fotografias de fls.15 e 16, os estilhaços espalham-se, principalmente, no seu interior. Mesmo usando luvas, não sendo estas espessas, é fácil alguém cortar-se nos pequenos estilhaços e, em consequência, deixar sangue no veículo.
Por outro lado, resulta do exame pericial efectuado pelo LPC que o sangue recolhido junto do travão de mão do TQ apresenta identidade de polimorfismos com o arguido. Trata-se de um seguro indício da presença do arguido/recorrente no interior do veículo.
Acresce que, como resulta da fundamentação de facto, o arguido/recorrente não é conhecido do ofendido nem se provou que seja amigo ou conhecido de alguma das pessoas que habitualmente conduzem o TQ, ou que, noutras circunstâncias, nele tenha entrado Note-se que ao arguido não incumbe qualquer ónus de a prova. Porém, nada impediria, antes aconselharia que, caso tivesse tido algum contacto anterior com o veículo TQ tivesse proposto prová-lo. . Daí que não exista explicação plausível para a sua presença no interior do veículo.

Conjugando todos estes indícios, é forçoso concluir, com um muito elevado grau de certeza, que o arguido/recorrente foi um dos autores dos factos provados, ocorridos na noite de 26 para 27/11.
O processo mental que levou o Tribunal a quo a dar como provado ter sido o arguido/recorrente um dos autores dos factos, assim explicada, é lógica, racional, coerente e está em total consonância com as regras da experiência comum.
Ao assim concluir não é violado o direito à presunção de inocência, que não se opõe a que a convicção se possa formar com base em prova indiciária, quando não existe prova directa, nem os princípios in dubio pro reo, da verdade material, da legalidade e da livre apreciação da prova. Na verdade, a convicção não foi edificada com base num só indício isolado mas com base em vários indícios provados e com relação directa com os factos, existindo correlação entre esses indícios e as suas consequências. Aqueles fragmentos de prova que isoladamente pouco valores parecem ter, conjugados entrelaçam-se numa conclusão lógica e coerente, permitindo, com segurança, justificar a convicção formada.
Como se escreve no Acórdão desta Relação, de 19/01/09 Relatado pelo Exmº Des. Cruz Bucho. , Ao contrário do que por vezes se pensa e se ouve a todo o tempo, a prova indiciária, devidamente valorada, permite fundamentar uma condenação (cfr., v.g., Cavaleiro de Ferreira, Curso de Processo Penal, vol. II, reimp. Lisboa, 1981, págs. 288-295, Id., Curso de Processo Penal, 2º vol., Lisboa, 1986, págs. 207- 208, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Lisboa/ S. Paulo, 1993, vol. II, pág. 83 Sérgio Gonçalves Poças, Da Sentença Penal-Fundamentação de Facto, in Julgar, n.º3, Set-Dez. 2007, págs. 27-29 e 42-43, Acs. do S.T.J. de 8-1-1995, B.M.J. n.º 451, pág. 86 e de 12-9-2007, proc.º n.º 4588/07, rel. Cons.º Armindo Monteiro in www.dgsi.pt, Acs. da Rel. de Coimbra de 6-3-1996, Col. de Jur. ano XXI, tomo 2, pág. 44 e de de 9-2-2000, Col. de Jur. ano XXV, tomo 1, pág. 51, de 11-5-2005, proc.º n.º 1056/05, rel. Oliveira Mendes, de 9-7-2008, proc.º n.º 501/01.3TAAGD, rel. Ribeiro Martins, in www.dgsi.pt e os Acs da Rel. de Guimarães de 9-10-2006, proc.º n.º 2429/05-1, de 29-1-2007, proc.º n.º 2053/06-1, e de 25-6-2007, proc.º n.º 537/07-1, todos relatados por Cruz Bucho).
Em muitos casos, nomeadamente no âmbito da criminalidade organizada, a prova indiciária, circunstancial ou indirecta é mesmo o único meio de chegar ao esclarecimento de um facto criminoso e à descoberta dos seus autores (cfr., v.g., Eduardo Araújo da Silva, Crime Organizado - procedimento probatório, editora Atlas, São Paulo, 2003, págs. 154-157, Fábio Brumana, Autonomia do Crime de Lavagem e Prova Indiciária, in Revista CEJ, Brasília, Ano XII, n.º41, abri.-jun. 2008, págs. 11-14 e Euclides Dâmaso Simões, Prova Indiciária - contributos para o seu estudo e desenvolvimento em dez sumários e um apelo urgente, in Julgar, n.º2, 2007, págs. 203- 215).
A valorização da prova indiciária não se verifica apenas no mundo anglo-saxónico (cfr. vg. Dennis, The Law of Evidence, 3ªed., Londres, 2007, págs. 9-10 e 58-84 e seguintes, Peter Murphy, Murphy on Evidence, 6ª ed., Londres, 1997, págs. 10-11, 199- 208), mas também em ordenamentos jurídicos bem mais próximos do nosso.
Assim, em Espanha desde 1985 que o Tribunal Constitucional vem reafirmando que a presunção de inocência não proíbe que a convicção judicial no processo penal se fundamente na prova indiciária.
Sobretudo desde então têm florescido os estudos doutrinais e jurisprudências sobre a matéria (cfr., vg., Enrique Ruiz Vadillo, Algunas breves consideraciones sobre los indícios, las presunciones y la motivación de las sentencias, in Poder Judicial, 2ª epoca, Setembro 1986, págs. 75-90, Juan Alberto Belloch Julbe, La Prueba Indiciaria e Eduardo de Urbano Castrillo, La Prueba Indiciaria en la jurisprudencia constitucional, ambos in La Sentencia Penal- Cuadernos de Derecho Judicial, vol. XIII, Madrid, 1992, págs. 29-93 e 327-335, respetivamente, Andrés Martinez Arrieta, La prueba indiciaria, in Centro de Estudios Judiciales, La Prueba en el Proceso Penal, Madrid, 1993, págs. 53-73, Jaime Vegas Torres, Presunción de inocencia y prueba en el proceso penal, Madrid, 1993, págs. 137-155, Francisco Pastor Alcoy, Prueba Indiciaria y Presuncion de Inocencia, Valência, 1995, Antonio Pablo Rives Seva, La Prueba en el Proceso Penal- Doctrina de la Sala Segunda del Tribunal Supremo, 2ª ed, Pamplona, 1996, págs. 99-119, Carlos Climent Duran, La prueba penal, Valencia, 1999, pág. 575-698, Miguel Angel Montañes Pardo, La Presunción de Inocencia- Analisis Doctrinal y Jurisprudencia, Pamplona, 1999, págs. 107-108) Juan Antonio Rosas Castaneda, Algunas consideraciones sobre la teoria da la prueba indiciaria en el proceso penal y los derechos fondamentales del imputado, in www.porticolegal) os quais, embora venham influenciando toda a América Latina de língua castelhana, só há muito pouco têm merecido alguma atenção, e ainda assim muito modesta, por parte da doutrina e jurisprudência portuguesa.
Segundo a jurisprudência espanhola do Tribunal Constitucional e do Tribunal Supremo, com o aplauso geral da doutrina, a eficácia probatória da prova indiciária está dependente da verificação de quatro requisitos:
Prova dos indícios: Os indícios devem estar plenamente provados por meio de prova directa e não serem meras conjecturas ou suspeitas, por não ser possível construir certezas sobre simples probabilidades;
Concorrência de uma pluralidade de indícios: embora a validade da regra “indicium unus indicium nullus” seja cada vez mais questionada (cfr., criticamente, Miranda Estrampes, La minima actividad probatoria en el proceso penal Barcelona, 1997, págs. 233-240), salvo em casos excepcionais, um único facto (indício) impede a formulação de uma convicção judicial com base na prova indiciária. Para além dessa pluralidade exige-se ainda que os indícios sejam periféricos relativamente ao facto a provar, assim como estejam interligados com o facto nuclear carecido de prova e que não percam força pela presença de contraindícios que neutralizem a sua eficácia probatória;
Raciocínio dedutivo: entre os indícios provados e os factos que deles se inferem deve existir um nexo preciso, directo, coerente, lógico e racional. A falta de concordância ou irracionalidade deste nexo entre o facto base e o facto deduzido tanto pode ter por fundamento a falta de lógica ou de coerência na inferência como o carácter não concludente por excessivamente aberto, débil ou indeterminado.
Motivação da sentença: o tribunal deve explicitar na sentença o raciocínio em virtude do qual partindo dos indícios provados chega à conclusão da culpabilidade do arguido. Por isso, “a sentença baseada em indícios deve ter uma extensa e abundante motivação” (Francisco Pastor Alcoy, Prueba Indiciaria y Presuncion de Inocencia, cit. pág. 63).
Em Itália o artigo 192º, n.º2 do Código de Processo Penal Italiano estatui que “a existência de um facto não pode ser deduzida de indícios a menos que estes sejam graves, precisos e concordantes”.
Segundo Paolo Tonini, são graves os indícios que são resistentes às objecções e que, portanto, têm uma elevada capacidade de persuasão; são precisos quando não são susceptíveis de diversas interpretações, desde que a circunstância indiciante esteja amplamente provada; são concordantes quando convergem todos para a mesma direcção (La prova penale, 4ª ed., Pádua, 2000, apud Eduardo Araújo da Silva, Crime Organizado-procedimento probatório, editora Atlas, São Paulo, 2003, pág. 157).
Finalmente, também no Brasil há muito que a riquíssima doutrina (Tourinho Filho, Magalhães Noronha, Frederico Marques, Júlio Mirabete, Adalberto Camargo Aranha) e a jurisprudência do país irmão, vêm salientando que o juiz pode proferir decisão condenatória baseado em prova indiciária. “Assim indícios múltiplos, concatenados e impregnados de elementos positivos de credibilidade são suficientes para dar base a uma decisão condenatória, maxime quando excluem qualquer hipótese favorável ao acusado” (Mirabete, Processo Penal, São Paulo, Ed. Atlas 1991, pág. 302).

Assim, também nesta parte improcede o recurso.

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DECISÃO:
Pelo exposto e em conclusão, acordam os Juízes deste Tribunal em julgar improcedente o recurso, confirmando a decisão recorrida.
Custas pelo arguido/recorrente, fixando em 6 UCs a taxa de justiça.