Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
30/17.3T8CBT-A.G1
Relator: ANIZABEL SOUSA PEREIRA
Descritores: AMPLIAÇÃO DO PEDIDO
CUMULAÇÃO SUCESSIVA
REDUÇÃO DO PREÇO
INDEMNIZAÇÃO PELO INTERESSE CONTRATUAL POSITIVO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/20/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
Sumário (da relatora):

- Deverá ser admitida a ampliação do pedido (quer inicial, quer reconvencional) que tenha essencialmente causas de pedir, senão totalmente idênticas, pelo menos integradas no mesmo complexo de factos.
- A ampliação do pedido pode envolver a formulação de um pedido diverso, em cumulação sucessiva com o inicial; mas quando importe a alegação de factos novos, esta só pode ter lugar se eles forem supervenientes, isto é, quando ocorram ou sejam conhecidos posteriormente aos articulados e nos termos e prazo previstos para o articulado superveniente.
- Tendo o réu optado pelo cumprimento do contrato quando formulou o pedido (reconvencional) da redução do preço, poderia sempre cumular tal pedido com o pedido de indemnização pelo interesse contratual positivo ( já o podendo ter feito inicialmente).
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I- Relatório:

1. Os presentes autos de ação declarativa foram propostos por A. G. contra J. L..
Trata-se de uma ação de condenação, com base em incumprimento contratual (do contrato realizado entre as partes e que qualificou de empreitada), pedindo o A. que o R seja condenado a pagar a parte restante do preço no valor de € 43.025, acrescida de juros de mora contados desde Novembro de 2015 até efetivo e integral pagamento.

2. O R contestou e, além do mais, deduziu pedido reconvencional pedindo a redução do preço do contrato realizado entre as partes.

Para o efeito, alegou, em síntese:
“- Relativamente às obras orçamentadas pelo A. e acordadas com o R. e melhor descritas na petição inicial, o A. não efetuou a totalidade dos trabalhos, faltando efectuar: - Muro lateral encostado ao vizinho apresenta-se tosco, sem qualquer acabamento, faltando o reboco, arear e pintar; - O piso de acesso lateral não está devidamente acabado, pois não apresenta a tijoleira em granito em conformidade com a área restante; - Falta a porta de protecção e segurança de garrafas de gás butano, na zona debaixo das escadas; - Fachadas incompletas sem acabamento em sistema capoto;
- E a obra em causa apresenta os seguintes defeitos: - A tijoleira colocada no hall da entrada apresenta diferença na colocação e respectivas juntas, e foi aplicado líquido de limpeza inadequado, que alterou o acabamento natural da mesma; - A banheira na casa de banho do piso inferior tem fissuras; - Os quartos têm humidade e têm fissuras ao nível do tecto;- O muro exterior junto ao caminho público não tem grade, e o portão não funciona convenientemente; - A grade das escadas e varanda não foi colocada com o tipo de material solicitado, e não está nas devidas condições de segurança; - A porta do quarto que dá para as escadas de acesso não tem abertura pelo exterior; - o resguardo do tubo de esgoto em chapa, não tem qualquer acabamento, estando colocado de forma tosca e sem estética;
- O valor dos trabalhos em falta e o valor dos trabalhos necessários a reparar os defeitos totaliza cerca de 15.000,00€;
- Pelo que o valor acordado de 65.000,00€ deve pois ser reduzido para 50.000,00€;
- E sempre contabilizados em conformidade, os valores já pagos pelo R. ao A, pelo que não estão reunidos os requisitos legais para o A. poder exigir do R. o valor peticionado e estão reunidos requisitos legais para que o R. possa exigir do A. a redução do preço, e tudo com as legais consequências.”

3. O A, na replica, além de ter impugnado os factos alegados na contestação/reconvenção, invocou a ineptidão do pedido reconvencional e a caducidade do pedido de redução do preço.

4. Na audiência prévia foi proferido despacho saneador e foi admitido o pedido reconvencional e fixado valor à ação.

5. Na sequência da junção do relatório da perícia ordenada, através do requerimento datado de 23 de Novembro de 2020, veio o réu/reconvinte apresentar articulado superveniente, ao abrigo do disposto no artigo 588.º do Código de Processo Civil e ampliar o pedido.
Alegou, em suma, que tomou conhecimento, entre o Natal de 2019 e o corrente ano, de vícios e defeitos na obra objeto dos autos, anteriormente ocultos e que vieram a revelar-se ao seu conhecimento apenas nesta altura; outros, já identificados anteriormente, agravaram- se substancialmente.
A intervenção necessária para eliminação destes defeitos consiste no emassamento e repintura das paredes de alvenaria e a substituição do material partido nas paredes com azulejo.
O custo estimado da reparação destas anomalias é, no mínimo de € 2,300,00.
Os defeitos acima enunciados, supervenientes, desvalorizam a obra objeto do contrato de empreitada, no mínimo, em mais € 11.550,00,
Porquanto os trabalhos necessários para eliminar os defeitos acima enunciados importam no valor mínimo de € 11.550,00.
Pelo formula o seguinte pedido: o valor da redução do pedido exigido pelo Reconvinte na reconvenção deve ser ampliado no valor de € 11.550,00.

Mais:
- o Réu/Reconvinte veio alegar que se vê totalmente privado do uso da habitação porquanto esta não apresenta, neste momento, condições de salubridade e conforto aceitáveis, facto que implica uma modificação negativa no seu património que é indemnizável.
- Entre a situação que existira na ausência de privação da utilização da habitação e a que se verifica na pendência da privação da sua fruição existe um desequilíbrio compensável.
- Compensação que apenas poderá efetuar-se, mediante a atribuição ao Reconvinte de uma quantia adequada, uma vez que este não tinha, não tem, nem lhe foi facultada uma habitação equivalente àquela de que dispunha para as suas estadias em Portugal.
- A privação da utilização da habitação manifesta-se pelo menos desde este mês de novembro de 2020, dado que o agravamento dos vícios da obra compromete totalmente as condições de habitabilidade do imóvel, impedindo que o mesmo seja usado para o fim a que se destina.
- Tal situação causou e continua a causar ao Reconvinte prejuízos que sustentam adequada indemnização por quantia não inferior a €15,00 por dia (€450,00/mês), num total já vencido Euros €450,00 e vincendo.
- O valor apontado tem por base o valor económico estimado daquele imóvel na perspetiva do custo da sua recuperação e o valor das utilidades económicas que o reconvinte retirava ou poderia retirar da mesma e das quais se vê privado e que se estimam no modesto valor mensal de €450,00.
E visa atribuir ao Reconvinte/lesado uma importância adequada a repor no seu património o gozo das utilidades de que se viu despojado por efeito dos defeitos da obra.”

Em suma: Pede que o Autor seja condenado a indemnizar o Réu/Reconvinte pela privação do uso da habitação que lhe está vedado desde novembro de 2020, no montante de €15,00 por dia, vencido no valor de €450,00 e vincendo.
Tudo acrescido de juros moratórios vincendos desde a notificação e até integral pagamento.

6. Por requerimento apresentado a 7 de Dezembro de 2020, o autor/reconvindo opôs- se, pugnando pela rejeição do articulado e indeferimento da ampliação do pedido.

7- Sobre a matéria em questão foi proferido despacho que decidiu admitir o articulado superveniente apresentado pelo R/reconvinte, bem como, a ampliação da causa de pedir aí operada pelo mesmo apenas na parte respeitante ao pedido de ampliação da redução do preço.

Quanto ao demais pedido foi decidido, neste particular,:
Já no que concerne ao pedido de indemnização por privação do uso da habitação, compulsada a contestação/reconvenção, verifico que o réu/reconvinte nada alega ou peticiona a este título, limitando-se a peticionar a redução do preço da empreitada.
Ou seja, o réu/reconvinte veio trazer aos autos factos novos (os da privação do uso) e formula um novo pedido que não é desenvolvimento nem consequência do pedido primitivo.
Assim, e não havendo acordo do autor/reconvindo, que expressamente a isso se opôs, não se encontrando verificados os pressupostos legais para tanto, não admito o pedido de indemnização formulado pela privação do uso da habitação.”
*
Inconformado com aquele despacho, na parte respeitante à não admissão do pedido de indemnização pela privação do uso da habitação, veio o R/reconvinte dela interpor recurso, e a terminar as respetivas alegações, formulou as seguintes conclusões (que se transcrevem):

A) Interpõe-se recurso da parte do douto despacho proferido em 01/02/2021, que julga não ser admissível o pedido de indemnização pela privação do uso da habitação, peticionado pelo réu/reconvinte, no articulado superveniente, por entender que o réu/ reconvinte alegou factos novos (os da privação do uso) e formulou um novo pedido que não é desenvolvimento nem consequência do pedido primitivo.
B) O pedido de indemnização por privação do uso da habitação foi alegado e peticionado no articulado superveniente, tendo o recorrente invocado amplamente os factos constitutivos do seu direito e a respetiva superveniência dos mesmos, circunstância que sempre determinaria a sua admissão ao abrigo do disposto no artigo 588º nº1 e 2 CPC.
C) O pressuposto para a admissibilidade deste articulado é a ocorrência de factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito, desde que supervenientes, pelo que tendo-se verificado a ocorrência de tais factos, deveria ter sido admitido o formulado pedido de indemnização pela privação do uso do imóvel.
D) Existe um encadeamento lógico dedutivo no sentido de que a privação do uso da habitação por parte do réu/reconvinte deriva dos defeitos, tanto dos defeitos alegados na contestação/reconvenção, como dos defeitos supervenientes, alegados no mesmo articulado superveniente.
E) Não obstante, entende ainda o recorrente que o pedido de indemnização por si formulado decorre, de forma direta e consequente, da causa de pedir e do pedido reconvencional, dado o nexo de causalidade adequado entre os defeitos ali alegados, os defeitos supervenientes, e o facto danoso que sustenta o pedido de indemnização formulado no novo articulado.
F) O agravamento dos defeitos da obra votou o imóvel a um estado de insalubridade e desconforto que o tornou inapto para o fim de habitação a que o mesmo se destina, e por causa de tal estado, o recorrente viu-se privado do uso do mesmo.
G) Esta situação traduz-se numa modificação negativa do património do recorrente e é um prejuízo em si mesmo suscetível de avaliação pecuniária, que pode ser compensado com a imposição de uma obrigação indemnizatória ao lesante.
H) Os factos que estão na origem da obrigação de redução do preço e da obrigação de indemnizar são comuns: a ocorrência de patologias (que num caso fundamenta a redução do preço do negócio e noutro, dado o seu agravamento, a indemnização pela privação do uso do objeto do negócio), sendo forçoso concluir-se que a ampliação do pedido resulta ou é mero desenvolvimento do pedido primitivo.
I) O pedido de indemnização constitui, pois, uma verdadeira ampliação do pedido nos termos constantes do artigo 265º nº2 CPC, pelo que, salvo o devido respeito, também com tal fundamento, deveria ter sido admitido.
J) A admissão do pedido de indemnização pela privação do uso é a mais consentânea com o princípio da economia processual, pois permite a apreciação da situação globalmente considerada, em todos as suas consequências, evitando a necessidade de propositura de uma nova ação, com os inerentes custos e demora.
K) Ao decidir pela não admissibilidade do pedido de indemnização civil com fundamento na privação do uso do imóvel, o tribunal a quo violou as normas constantes nos artigos 588º nº1 e 2 e 265º do CPC.”
*
Foram apresentadas contra-alegações sustentando-se a manutenção da decisão recorrida.
*
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II. Questões a decidir.

Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, a questão essencial que se coloca à apreciação deste Tribunal consiste em saber:
- saber se a ampliação do pedido reconvencional deduzido pelo R/reconvinte e respeitante à indemnização deveria ter sido admitida.
*
III. Fundamentação de facto.

Os factos a atender com relevo jurídico-processual constam do relatório elaborado.
*
IV. Fundamentação de direito.

Prima facie, importa ter presente o princípio do dispositivo consagrado, entre outros, no plano da conformação da instância: nos termos do art. 259º do CPC a instância constitui-se com a propositura da ação, mas é com a citação do réu que a instância se torna estável ( art. 260º do CPC) quanto às partes, pedido e causa de pedir. É ao autor que cumpre formular o pedido contra o réu e indicar a causa de pedir.
O objeto da causa é, assim, em regra, o que resulta da causa de pedir configurada pelo autor na petição inicial. Contudo, esta pode ser ampliada pelo réu através da reconvenção ( art. 266º do CPC), alterada ou ampliada em consequência de confissão feita pelo réu e aceite pelo autor ( art. 265º do CPC) e alterada ou ampliada, por acordo das partes, em qualquer momento do processo, em 1ª ou 2ª instância ( art. 264º).
No que diz respeito ao pedido, este pode ser reduzido em qualquer altura ( art. 283º do CPC) ou ampliado até ao encerramento da discussão da matéria de facto em 1ª instância, quando a ampliação for o desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo ( art. 265º,nº2 do CPC).
Em suma, a modificação dos elementos objetivos da lide (causa de pedir e pedido) pode ter lugar por acordo das partes ou sem esse acordo, nas condições e termos plasmados nos artigos 264.º e 265.º do Código de Processo Civil.
Assim, nos termos do art. 265.º, n.º 2, do CPC, na falta de acordo entre as partes, como sucede in casu, qualquer tipo de modificação do pedido é legalmente admissível desde que feita até ao encerramento da audiência de julgamento e que seja o desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo.
“ Põem-se, por isso, dois limites à ampliação: um limite de tempo e um limite de qualidade e de nexo” ( cfr. A. Reis, Comentário ao CPC, Vol.3º, p. 92).
Quando a ampliação do pedido nos termos da 2.ª parte do n.º 2 do art.º 265.º do CPC não implique a alegação de factos novos, como acontece no caso de pedido de juros ou de actualização monetária, pode ser formulada em simples requerimento apresentado até ao encerramento da discussão da causa, mesmo verbalmente em audiência de julgamento (cfr. A. dos Reis, obra citada).
Diferentemente, quando a ampliação importe a alegação de factos novos, só pode ter lugar se estes forem supervenientes segundo o conceito dado pelo n.º 2 do art.º 588º do CPCN, e forem alegados nos termos e prazos previstos no n.º 3 do mesmo preceito, como defende Lebre de Freitas, in ‘Introdução ao Processo Civil’, pg. 29, nota 30.
De salientar que estes considerandos valem também para o caso do pedido reconvencional ( cfr.AC da RG de 2.11.2018:relatora: Dr. Maria dos Anjos Melo Nogueira).
Daí o artigo 588.º, 1, do CPC, estatuir que os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que forem supervenientes podem ser deduzidos em articulado posterior ou em novo articulado, pela parte a quem aproveitem, até ao encerramento da discussão.
Dito isto, e desde logo, retira-se do teor do despacho apelado que não se baseou a Exma Juiz a quo, para determinar a rejeição do articulado superveniente do apelante, no fundamento legal da sua extemporaneidade.
De resto, tendo presente o alegado pelo apelante no articulado superveniente ora em apreço, manifesto é que os pretensos factos supervenientes em análise terão ocorrido desde o mês de Novembro de 2020 ( “com o agravamento dos defeitos da obra e que comprometeram totalmente as condições de habitabilidade do imóvel”) .
Assim sendo, e não estando em causa a tempestividade do articulado, o que dizer do outro limite à ampliação: de qualidade e de nexo e que a doutrina faz corresponder ao desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo.
O que entender por «desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo»?
Para Alberto dos Reis ( in b. cit, p. 93) «a ampliação há de estar contida virtualmente no pedido inicial».
A este propósito ensinava Alberto dos Reis (in Ob. Loc. Cit., pág. 94) que: «para se distinguir nitidamente a espécie “cumulação” da espécie “ampliação” há que relacionar o pedido com a causa de pedir. A ampliação pressupõe que, dentro da mesma causa de pedir, a pretensão primitiva se modifica para mais; a cumulação dá-se quando a um pedido, fundado em determinado ato ou facto, se junta outro, fundado em ato ou facto diverso.». E exemplifica com um caso duma ação em que se pedia a anulação de duas escrituras de doação por simulação e depois se vem a pedir a anulação duma terceira escritura de doação com o mesmo fundamento. Nesse caso, conclui esse insigne processualista, que: «o Autor não se mantém no mesmo ato ou facto jurídico, formula um pedido com individualidade e autonomia perfeitamente diferenciada dos pedidos primitivos».
É por isso que, como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12/3/2009 (Relatora: Rosário Gonçalves – Proc. n.º 427/07.7TCSNT.L1-1, disponível em www.dgsi.pt), a ampliação do pedido pressupõe que, dentro da mesma causa de pedir, a pretensão se modifique para mais, só assim não sendo quando a ampliação se materializa num novo pedido, não formulado, que alteraria a estrutura da ação.
Noutro acórdão daquela mesma Relação de Lisboa (Ac. TRL de 5/7/2018 – Relator: Arlindo Crua – Proc. n.º 1175/13.4T2SNT.B.L1-2) também se sustentou que se os factos invocados na ampliação se traduzirem em meros factos complementares duma causa de pedir complexa já alegada na petição inicial, como sejam a concretização de um dano já alegado, é processualmente admissível a ampliação do pedido, sem necessidade do consentimento da parte contrária.
De igual modo, no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 10/10/2019 ( Relatora: Cristina Dá Mesquita – Proc. n.º 38/18.1T8VRL-A.E1.) se admitiu a ampliação do pedido que tenha essencialmente causas de pedir, senão totalmente idênticas, pelos menos integradas no mesmo complexo de factos.
O Prof. Lebre de Freitas (in Introdução ao Processo Civil, Conceitos e Princípios Gerais à Luz do Código Revisto, 1996, Coimbra Editora, p. 128, 129, nota 30) dá os exemplos de “desenvolvimento do pedido de condenação do réu numa prestação de capital, o de condenação na sua atualização monetário ou dos juros e consequência do de anulação da compra e venda de um imóvel o de cancelamento da respetiva inscrição predial”. Conclui depois de citar aqueles dois exemplos que “ a ampliação pode envolver a formulação de um pedido diverso, em cumulação sucessiva com o inicial; mas quando importe a alegação de factos novos, esta só pode ter lugar se eles forem supervenientes, isto é, quando ocorram ou sejam conhecidos posteriormente aos articulados e nos termos e prazo previstos para o articulado superveniente”.
Ainda é costume distinguir-se a modificação do pedido enquanto ampliação do pedido (modificação por acrescentamento) da sua alteração ou transformação ( em vez do pedido inicial, deduz-se outro, suprimindo-se o primeiro) ( cfr. in ob cit, p.170, Lebre de Freiras e Castro Mendes, “D.P.C.”, II, p. 348.
Em suma: a ampliação pode, por conseguinte, envolver a formulação de um pedido diverso. Ponto é que tal pedido e o pedido primitivo tenham essencialmente causas de pedir, senão totalmente idênticas, pelo menos integradas no mesmo complexo de factos.
Todavia, quando essa transformação importe a alegação de factos novos, esta só pode ter lugar se eles forem supervenientes, isto é, quando ocorram ou sejam conhecidos posteriormente aos articulados, nos termos e prazos previstos para o articulado superveniente (art. 588.º do CPC).
Cumpre ainda alertar para o seguinte: alguma jurisprudência tem vindo recentemente a sustentar que não é admissível a ampliação do pedido decorrente de mero esquecimento de formulação do pedido logo na petição inicial, altura em que o A. já saberia da existência das circunstâncias nas quais baseia a ampliação (vide: Ac. TRE de 11/10/2012 – Relator: Canelas Brás, Proc. n.º 1691/11-2; e Ac. TRE de 28/6/2017 – Relator: Manuel Bargado, Proc. n.º 87/08.2TBBNV.E1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt).
Sem embargo, este entendimento é diretamente contrariado pelo acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 3/5/2011 (Relatora: Helena Melo, Proc. n.º 1150/08.0TBVCT-A.G1), do qual resulta que a ampliação do pedido é admissível mesmo quando o valor resultante da ampliação já pudesse ter sido reclamado na petição inicial.
Assim é, na verdade, pois em todos os exemplos de ampliação do pedido analisados na doutrina e na maior parte da jurisprudência, que não se sustentem na superveniência objetiva de factos novos em que assentam, traduzem-se em pretensões que poderiam ser formuladas logo na data da propositura da ação. Nestas situações, desde sempre a doutrina e jurisprudência, consideraram a ampliação do pedido ( v.g. ampliação do pedido de pagamento em quantia certa, numa ação de dívida, por forma a passar a compreender também a condenação em juros de mora: neste caso, como é evidente, o novo pedido só não foi formulado logo na petição inicial por “mero esquecimento” da parte peticionante e ninguém questiona tratar-se de verdadeira ampliação do pedido).
*
Retornando ao caso sub judice, o réu/recorrente fundou o pedido reconvencional num incumprimento no âmbito de um contrato de empreitada realizado entre as partes
O concreto incumprimento traduz-se, essencialmente, na alegação da execução da obra com defeitos.
Pediu o Réu a redução do preço acordado ( art. 1222º,nº1 do CC).
No seu requerimento de ampliação do pedido, além da ampliação do valor da redução do preço ( e nesta parte foi admitida), o Réu ainda requereu a condenação do A/reconvindo no pagamento da indemnização por privação do uso da habitação.
O despacho recorrido entendeu que “ o réu/reconvinte veio trazer aos autos factos novos (os da privação do uso) e formula um novo pedido que não é desenvolvimento nem consequência do pedido primitivo”.
Salvo o devido respeito, não concordamos com este entendimento.
O réu alegou, em síntese, que o progressivo agravamento dos defeitos da obra realizada pelo ora recorrido determinou a impossibilidade de o réu/reconvinte usar e fruir o imóvel ( cfr. artigos 35º e seguintes do articulado superveniente).
A causa de pedir daquela ampliação é também uma decorrência do incumprimento da obrigação decorrente do mesmo contrato de empreitada celebrado entre as partes.
A causa de pedir da ampliação do pedido está integrada no «mesmo universo de factos» do pedido primitivo, na medida em que se relaciona com o mesmo alegado incumprimento do mesmo contrato.
Todavia, tal ampliação envolve a alegação de um facto novo não invocado na contestação/reconvenção, a saber, a impossibilidade de o réu/reconvinte usar e fruir o imóvel e cujo dano pretende ver ressarcido com a indemnização peticionada, e tudo fruto do agravamento dos vícios da obra ( defeitos).
No seu requerimento para ampliação do pedido reconvencional, o réu alegou o conhecimento e ocorrência superveniente de tais factos, para além da constatação do agravamento dos defeitos em sede de perícia entretanto realizada nos autos.
A alegação de factos novos só pode ter lugar se estes forem objetiva ou subjetivamente supervenientes e obedecerem ao regime legal previsto no art. 588.º, do CPC, o que ocorreu in casu.
Por outra banda, em obediência ao princípio da estabilidade da instância ( cfr. 260º, do CPC), mister é que, os novos factos alegados, caso conduzam a uma alteração da causa de pedir - baseada claro está em factos supervenientes - e, concomitantemente, alicercem e justifiquem uma modificação do pedido, tal não implique obrigatoriamente a uma convolação para relação jurídica diversa da controvertida ( cfr. nº 6, do artº 265º, do CPC). Ou seja, sendo atualmente, e de uma forma expressa ( cfr. nº 6, do artº 265º, do CPC), permitida a modificação simultânea do pedido e da causa de pedir, porém o objecto da acção há de manter ainda assim algum nexo com o pedido inicial e com a originária causa petendi.
Neste conspecto, pertinente é ainda deixar claro que, no que à alteração e/ou ampliação da causa de pedir diz respeito, não afasta sequer alguma doutrina a possibilidade de poder ela ocorrer - a alteração - fora do circunstancialismo dos arts. 264º e 265º , o que se justifica designadamente pelo seguinte: o que está em causa é a consonância do princípio da estabilidade da instância com o princípio da economia processual, dando-se prevalência a este último na estrita medida em que se verificam reais vantagens na solução definitiva num único processo do conflito existentes entre as mesmas partes, desde que a relação controvertida seja essencialmente a mesma, assente virtualmente na mesma causa de pedir.
Sendo que, no caso vertente, a ampliação do pedido compreende-se claramente na previsão do Art. 265.º n.º 2 do C.P.C., por ser o desenvolvimento do pedido primitivo.
Veja-se que “ em matéria de cumprimento defeituoso do contrato de empreitada vigora o princípio de que a indemnização é subsidiária relativamente aos pedidos de eliminação de defeitos, resolução, redução do preço; tem, pois, função complementar destes meios jurídicos com os quais se pode cumular…só se justifica a sua exigência na medida em que os outros meios jurídicos não se possam efetivar ou em relação a prejuízos que não tenham ficado totalmente ressarcidos” ( in Pedro Romano Martinez, “ Responsabilidade Civil no Contrato de Empreitada”, Julgar nº 42, p. 102,103).
No caso vertente, o núcleo essencial da causa de pedir da ação/reconvenção é constituído pela existência de defeitos da obra.
No articulado superveniente vem o R alegar o conhecimento, entre o natal de 2019 e o ano de 2020, de defeitos anteriormente ocultos e agravamento dos já conhecidos (saliente-se que o articulado superveniente foi apresentado em 23.11.2020 e que a ação foi instaurada em 2017 e contestação/reconvenção apresentada em 11.07.2017, sem que ainda tenha sido realizado o julgamento) e, para além de desvalorizarem a obra no valor alegado e pedido de redução do preço em € 11.550€, ainda veio alegar que se vê totalmente privado do uso da habitação porquanto não apresenta condições de habitabilidade, o que lhe causa prejuízos em quantia não inferior a 15 euros por dia, num total já vencido de 450€ e vincendo do mesmo valor mensalmente, tudo acrescido de juros moratórios.
Ou seja, requereu a modificação (ampliação, acrescento) do pedido, no sentido de ser ainda o autor condenado a pagar ao réu a referida quantia.
A causa de pedir primitivamente invocada, ou seja, os invocados defeitos de construção e que conduzem ao pedido de redução do preço mantêm-se como causa de pedir, mas agora, com o articulado superveniente foram alegados factos supervenientes que determinam uma modificação do efeito pretendido com a ação, por efeito da cumulação de pedidos.
E que factos supervenientes são esses? O conhecimento de defeitos ocultos e agravamento dos defeitos já alegados ( quiçá, causado pela delonga da ação), sustentam o pedido de indemnização do réu pela privação do uso da habitação por falta de condições de habitabilidade decorrentes daqueles defeitos.
Com efeito, trata-se ainda de um dano emergente do não cumprimento do contrato de empreitada realizado entre as partes, cujo ressarcimento integra o interesse contratual positivo, visando, assim, colocar o réu na situação em que se encontraria se o contrato tivesse sido pontualmente cumprido, e tudo em consonância com o pedido de redução do preço.
Em verdade, tendo o réu optado pelo cumprimento do contrato quando formulou o pedido ( reconvencional) da redução do preço ( com fundamento em incumprimento do contrato), poderia sempre cumular tal pedido com o pedido de indemnização ( já o podendo ter feito inicialmente, caso os alegados danos se reportassem à data da contestação/reconvenção).
Se é certo que o réu não abandonou os factos inicialmente invocados na contestação/reconvenção, aditou-lhe com o articulado superveniente novos factos constitutivos do direito à indemnização, o que configura uma verdadeira alteração da causa de pedir.
Todavia, como salientámos, podia o réu/reconvinte, em articulado superveniente, ampliar ou alterar, não só a causa de pedir, como também o pedido reconvencional, nos termos do nº6 do art. 265º do CPC.
E quanto à ampliação do pedido, esta a ampliação há de estar contida virtualmente no pedido inicial, como dizia o prof. A. dos Reis.
Cremos ser esta, também, a situação dos autos.
Remeter o réu/reconvinte para uma nova ação autónoma, a fim de poder reclamar uma indemnização pelos seus prejuízos, agravados pela delonga da ação, parece-nos nada justo e pouco sensato, tal como sustentado pelo recorrente na conclusão J), sendo certo que além de traduzir um desperdício processual, levaria o réu a correr o risco de nunca vir a ser ressarcido dos danos por ele sofridos.
O que significa, em conclusão, que não havia fundamento para rejeitar o articulado superveniente nessa parte respeitante à ampliação do pedido reconvencional e que os factos supervenientes agora alegados, devem ser aditados aos temas de prova e ser objeto de instrução.
Procede por isso o recurso.

V. Decisão:

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam as Juízes deste Tribunal da Relação em julgar o recurso procedente e, em consequência, revogam a decisão recorrida substituindo-a por outra que admite o articulado superveniente apresentado pelo réu, e nessa medida admite a ampliação do pedido no que respeita ao pedido de indemnização por privação do uso da habitação.
Custas do recurso pela parte vencida a final (tabela I-B).
Guimarães, 20 de maio de 2021

Assinado eletronicamente por:

Anizabel Sousa Pereira ( relatora)
Rosália Cunha e
Lígia Venade