Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2622/15.6T8GMR.G1
Relator: MARIA AMÁLIA SANTOS
Descritores: PERÍCIA MÉDICO-LEGAL
PERÍCIA COLEGIAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/15/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I - A regra, em matéria de perícias, é a da sua requisição a estabelecimento, laboratório ou serviço oficial apropriado, apenas o não sendo, se tal for impossível ou inconveniente (artº 467º nº 1 do CPC).
II - Tratando-se de perícia médico-legal, a mesma deve ser realizada, nos termos do nº 3 do preceito em análise, pelos serviços médico-legais ou pelos peritos médicos contratados, nos termos previstos no diploma que as regulamenta, que é a lei nº 45/04, de 19.08.
III - Em conformidade com o disposto no art. 21º, nºs 1 e 4 da mencionada Lei, as perícias são, em princípio, singulares, sendo que as perícias colegiais previstas no CPC ficam reservadas para os casos em que o juiz, na falta de alternativa, o determine de forma fundamentada.
Decisão Texto Integral: Proc. Nº 2622/15.6T8GMR
Comarca de Braga
Relatora: Maria Amália Santos
1ª Adjunta: Desembargadora Ana Cristina Duarte
2º Adjunto: Desembargador João Diogo Rodrigues
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Nos autos à margem identificados, em que é A. Sílvia C, e ré F, Cª de Seguros, S.A., ambas melhor identificadas nos autos, foi proferido o seguinte despacho:
“Veio a A. requerer a realização de uma segunda perícia, em moldes colegiais. A R. opôs-se a tal pretensão.
Cumpre decidir.
Nos termos do disposto no art°. 487° do Código de Processo Civil qualquer das partes pode pedir a realização de segunda perícia alegando, fundadamente, as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado.
A A. demonstrou profusamente as razões da sua discordância face ao relatório pericial apresentado, razões essas que não se me afiguram como sendo meramente dilatórias, estando devidamente justificada a realização da pretendida segunda perícia, não procedendo as objecções indicadas pela R.
Assim sendo, será deferida a realização da pretendida segunda perícia, com o mesmo objecto, nos termos do disposto no art°. 487°/3 do Código de Processo Civil, a qual, contudo, será realizada igualmente no G. M. Legal de Guimarães, por um único perito, que não aquele que elaborou o relatório que consta dos autos (cfr. art°. 488°/ b). do C. P. Civil e art°. 21°/1 e 4 da Lei 45/2004, de 19 de Agosto; Ac. RP 4.2.2010, proc. 20l/06.8TBMCD.Pl, Ac. RP 9.06.2009, proc. 13492/05.2TBMAI.BPl, ambos em www.dge.mj.pt), sendo de indeferir, por conseguinte, a requerida colegialidade.
Com efeito, "da conjugação do disposto no artigo 467°/1 e 3 do C. P. Civil com o art°. 21° da Lei 45/2004 resulta que, apenas por lei especial relativa a perícias e exames médicos, são afastadas as regras gerais contidas no Código de Processo Civil, relativamente à realização das perícias médico legais, sendo em regra a primeira e a segunda perícias singulares. Sendo essa a regra - posição que é maioritariamente acolhida pela jurisprudência dos Tribunais Superiores (cfr., por exemplo, Ac. RG 5.06.2014, proc. 400/12.3TBVLN-A.Gl, disponível em www.gde.mj.pt) - é manifesto, também em face da redacção do n°. 4 do citado artigo 21 ° da Lei 45/2004, que não basta que uma das partes requeira a realização da perícia médico-legal em moldes colegais para que ela assim se realize. Ademais, entender-se que o n° 3 do art°. 21 ° da Lei 45/2004 ressalva expressamente as situações previstas no Código do Processo Civil em que é possível a perícia médico-legal colegial, seria esvaziar de sentido útil a norma do n°. 4 do mesmo art°. 21° que, referindo-se expressamente às perícias colegiais previstas no C. P. Civil, determina que as mesmas apenas sejam colegiais quando o juiz, na falta de alternativa, o justifique fundamentadamente. Por último, mesmo quando admissíveis, as perícias colegiais médico-legais e forenses estas não podem ser integradas por peritos indicados pelas partes, nos termos do art° 468°/2 do C. P. Civil, já que tais perícias são efectuadas por médicos do quadro do Instituto ou contratados nos termos da referida lei (cfr. art°. 27°/1) ou, eventualmente, por docentes ou investigadores do ensino superior no âmbito de protocolos para o efeito celebrados pelo Instituto com instituições de ensino públicas ou privadas (cfr. art° 27°/2). Do que vem de se dizer, resulta o afastamento da possibilidade de deferir a indicação de um Sr. Perito" pelas partes.
Por outro lado, não tendo a primeira perícia sido colegial, a segunda também não o poderá ser - cfr. artigo 488°/ b). do C. P. Civil.
Ademais, a invocação de que se conhece a perspectiva do INML e que a descoberta da verdade necessita a contribuição de outros peritos não justifica a pretendida colegialidade, ademais quando, como acabou de se justificar, essa composição colegial não poderia integrar peritos indicados pelas partes.
De facto, há que dizer que o que interessa ao Tribunal e à boa decisão da causa é, nas palavras da Impetrante, "a perspectiva" de uma entidade credenciada, isenta e de grande prestígio mundial (perspectiva essa que, naturalmente, não dispensa a ponderação dos contributos trazidos pelas posições defendidas pelas partes) e não a perspectiva, certamente também válida e competente, de peritos indicados pelas partes e, nessa medida, eventualmente condicionados pela posição destas no processo.
Por fim, o facto de a perícia não ser colegial em nada afecta o exercício do contraditório e o cabal controlo participado das partes, pois que, como resulta do disposto no artigo 480°/3 e 4 do C. P. Civil, as partes podem fazer-se assistir à diligência por assessor técnico, podendo fazer ao perito as observações tidas por convenientes.
Por tudo o exposto, defiro à realização da segunda perícia, com o mesmo objecto, nos termos do disposto no art°. 487°/3 do Código de Processo Civil, a qual, contudo, será realizada igualmente no G. M. Legal de Guimarães, por um único perito, que não aquele que elaborou o relatório que consta dos autos (cfr. art°. 488°/ b). do C. P. Civil e art°. 21 0/1 e 4 da Lei 45/2004, de 19 de Agosto; Ac. RP 4.2.2010, proc. 20l/06.8TBMCD.Pl, Ac. RP 9.06.2009, proc. 13492/05.2TBMAI.BPl, ambos em www.dge.mj.pt), indeferindo-se, por conseguinte, a requerida colegialidade.
Notifique...”
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Não se conformando com a decisão proferida, veio a A. dela interpor o presente recurso de Apelação, apresentando Alegações e formulando as seguintes Conclusões:
1- A perícia colegial requerida nos presentes autos, apesar de ser médica, não é de clínica médico-legal e forense;
11- Não há, no caso, qualquer interesse de ordem pública (ou até de saúde pública, como é o caso das autópsias) que imponha a intervenção exclusiva do INML na realização do exame pericial pedido pelas partes num processo em que se discutem direitos disponíveis;
111- Assim, considera a Recorrente, não é aplicável ao exame solicitado o disposto na Lei 45/2004.
IV- O nº 3 do artigo 21° da Lei 45/2004 prevê a inaplicabilidade do nº 1 desse mesmo preceito "aos exames em que outros normativos legais determinem disposição diferente";
V- O artigo 468° nº 1 alínea b) do NCPC estabelece que "A perícia é realizada por mais de um perito, até ao número de três, funcionando em moldes colegiais ou interdisciplinares:.. b) quando alguma das partes, nos requerimentos previstos no artigo 475º e no nº 1 do artigo 476º requerer a realização de perícia colegial', cabendo, nesse caso, ao tribunal indicar um perito e a cada uma das partes outro (cfr artigo 468° nº 2 do mesmo diploma);
VI- As normas da alínea b) do nº 1 e do nº 2 do artigo 468° do Código de Processo Civil, constituem um dos "normativos legais" a que alude o nº 3 do artigo 21° da Lei 45/2004 e que determinam disposição diferente ao princípio geral da intervenção nas perícias de apenas um só perito.
VII- É, precisamente, por força dessa ressalva que a perícia médica a realização no âmbito de um acidente de trabalho, prevista no artigo 138° do CPT, continua a ser realizada em moldes colegiais, com dois peritos indicados pelas partes e um outro pelo tribunal (cfr 139° nº 5); de facto, existe uma norma que prevê regime distinto ao da Lei 45/2004 - a do artigo 138° do CPT -, como ocorre nas perícias em direito civil por força dos artigos 468° nº 1 alínea b) e nº 2.
VIII- Será, pois, no disposto no artigo 21° nº 3 da Lei 45/2004, de 19 de Agosto, conjugado com as normas dos artigos 468° nº 1 alínea b) e nº 2 do NCPC, que se encontrará fundamento para a admissão da perícia em moldes colegais, sendo um dos peritos indicados pelo tribunal (ou GML) e os dois restantes por cada uma das partes.
IX- Para que não seja totalmente desprovida de sentido a regra do nº 3 do artigo 21° da Lei 45/2004, o disposto no nº 4 desse artigo deverá ter a sua aplicação restringida às situações em que o Tribunal, oficiosamente, ordene oficiosamente a realização da perícia em moldes colegiais (sem que as partes o tenham requerido).
X- E mesmo que essa norma se aplicasse à situação em análise, sempre a mesma teria sido tacitamente revogada pelo disposto no artigo 468° nº 1 alínea b) do NCPC.
XI-A realização da perícia em moldes colegiais mostra-se, no caso, imprescindível, pelas vantagens que acarreta na descoberta da verdade material;
XII- A unanimidade dos três peritos (um deles indicado pelo GML) quanto a uma determinada conclusão desse relatório pericial, ressalvando, claro, as situações de erro técnico (muito menos provável de ocorrer com a intervenção de três peritos), constituiria uma absoluta certeza por parte do Tribunal de que a situação médica a examinar foi bem avaliada e não oferece qualquer dúvida, nem mesmo para a parte quem, eventualmente, pudesse ser menos favorecida com tal conclusão.
XIII- Mesmo nas situações em que essa unanimidade não se verificasse, a intervenção de três peritos seria útil para que o Juiz, na qualidade de perito dos peritos, se pudesse aperceber das diferentes perspectivas que a mesma situação médica pode merecer, podendo formar a sua convicção de uma forma mais sustentada ou até aprofundar as matérias em que se verificasse essa divergência, de forma a apreciar a eventual justificação para a ausência de unanimidade nas respostas.
XIV- A eventual discordância de um perito quanto às conclusões obtidas pelos demais, se fundada em razões sólidas, seria decisiva para que o Tribunal pudesse evitar uma decisão baseada em pressupostos inexactos.
XV- Do mesmo passo, a presença e discussão entre os peritos, no decurso do próprio exame, dessas eventuais diferenças de perspectiva poderia ser suficiente para evitar conclusões erradas e ser conducente à pretendida unanimidade.
XVI- De um perícia singular levada a efeito no IML não pode resultar qualquer divergência, nem o Tribunal poderá aperceber-se das diferentes perspectivas para a mesma realidade, com o inerente prejuízo para a boa decisão da causa e para as partes, a quem é imposta uma determinada conclusão, muitas vezes subjectiva, do perito, sem que surja qualquer voz dissonante que alertem para o seu eventual desacerto.
XVII- Sejam quais forem as regras processuais em vigor em cada momento, nunca será propósito do legislador impor ao Tribunal o julgamento dos factos com base numa perspectiva forçadamente limitada ou insuficiente da realidade relevante.
XVIII- Bem pelo contrário, o objectivo último do legislador é o de garantir uma solução justa para o litígio, mediante o apuramento, o tanto mais detalhado quanto possível, dos factos em análise.
XIX- Estando ao alcance do Tribunal ordenar uma diligência que garantirá essa maior amplitude na análise e, portanto, propiciará uma mais acertada constatação e avaliação dos factos médicos carecidos de prova, não vemos como possível que se possa rejeitar a sua realização nos moldes propostos.
XX- Atendendo ao relevante contributo que a discussão da questão médica a apurar por três peritos poderia trazer ao processo, será se convocar ainda a regra do artigo 547º do NCPC, como forma de admitir a perícia em moldes colegiais, com intervenção de peritos das partes, o que expressamente se requer.
XXI- Entende a Recorrente que será ser desproporcionada e violadora do direito Constitucional ao "Acesso aos Tribunais e Tutela Jurisdicional Efectiva', previsto no n 4 do artigo 20º da Constituição da República Portuguesa, na sua vertente de direito a decisão judicial mediante "processo equitativo", a interpretação das regras dos artigos 467º n. 3 do NCPC e 21º nº 1, 3 e 4 da Lei 45/2004 no sentido de que não é admissível o deferimento de perícia médica em moldes colegais, com indicação dos peritos pelas partes, quando estas assim o requeiram.
XXII- Tal interpretação impede a intervenção na perícia de peritos indicados pelas partes, degradando, dessa forma, os seus meios de defesa de forma desproporcional, uma vez que as sujeita ao laudo de um médico que, apesar do seu grau de especialização, não está imune a cometer erros, nomeadamente ao nível do diagnóstico e avaliação, muitas vezes subjectiva;
XXIII- E impede que a parte exerça um efectivo contraditório no que toca ao desfecho da perícia, na medida em que lhe é vedada a possibilidade de ter um médico da sua confiança no momento em que são descritas as sequelas, cuja existência não pode, de outra forma, confirmar ou infirmar.
XXIV- Pelo que a única interpretação de tais normas do novo Código de Processo Civil e da Lei 45/2004 consentânea com a indicada norma da Constituição da República Portuguesa é a de que, caso as partes o tenham requerido, a perícia, inclusive a primeira, pode ser realizada em moldes colegiais.
XXV- Devendo, nesse caso, ser conferido às partes, como vem sendo entendido pela jurisprudência já acima citada, a possibilidade de indicarem os seus peritos, em obediência do disposto no artigo 468º nº 1 alínea b) e nº 2 do NCPC.
XXVI- A douta decisão sob censura violou as regras dos artigos 468° nº 1 alínea b e nº 2 do NCPC e 21° nº 3 da Lei 45/2004, de 19 de Agosto e fez uma interpretação que não respeita o direito consagrado no nº 4 do artigo 20° da Constituição da república Portuguesa, das regras dos artigos 467° nº 3 do NCPC e artigo 21° nº 1, 3 e 4 da Lei 45/2004, de 19 de Agosto.
Pede, a final, que seja revogada a decisão sob censura e decidindo-se antes nos moldes apontados, ordenando-se, assim, a realização de perícia médica na pessoa da A em moldes colegiais, com três peritos, um deles indicado pelo Tribunal e dois outros pelas partes.
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Dos autos não consta que tenham sido apresentadas contra-alegações.
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Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente (acima transcritas), sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, a questão a decidir é apenas a de saber se a 2ª perícia requerida pela A deverá ser uma perícia colegial, composta por três peritos, um deles nomeado pelo GML e os outros dois indicados pelas partes.
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Os factos a considerar para a decisão da questão colocada são os enunciados na decisão recorrida, acima transcrita (que não foram postos em causa pela recorrente)
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Insurge-se a recorrente contra a decisão recorrida, que indeferiu o seu pedido de realização da 2ª perícia em moldes colegiais, com a intervenção de um perito nomeado pelo GML e dois outros indicados pelas partes.
Mas sem razão, como é bom de ver.
Regula a matéria em análise, desde logo, o CPC, nos artºs 467º e ss, intitulada, “Prova pericial” (praticamente nos mesmos moldes já previstos no anterior código, nos artºs 568º e ss.), prevendo-se no artº 467º nº 1 que “A perícia, requerida por qualquer das partes ou determinada oficiosamente pelo juiz, é requisitada pelo tribunal a estabelecimento, laboratório ou serviço oficial apropriado ou, quando tal não seja possível ou conveniente, realizada por um único perito, nomeado pelo juiz de entre pessoas de reconhecida idoneidade e competência na matéria em causa, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte”.
Acrescentando-se depois no nº 3 do preceito que “As perícias médico-legais são realizadas pelos serviços médico-legais ou pelos peritos médicos contratados, nos termos previstos no diploma que as regulamenta”, podendo as restantes perícias ser realizadas por entidade contratada pelo estabelecimento, laboratório ou serviço oficial, desde que não tenha qualquer interesse em relação ao objecto da causa nem ligação com as partes (nº 4).
Dispõe, por seu turno, o art. 468º (ressalvado na última parte do nº1 do artigo anterior) que “A perícia é realizada por mais de um perito, até ao número de três, funcionando em moldes colegiais ou interdisciplinares:
a) Quando o juiz oficiosamente o determine, por entender que a perícia reveste especial complexidade ou exige conhecimento de matérias distintas;
b) Quando alguma das partes, nos requerimentos previstos nos artigos 475º e no nº 1 do artº 476º, requerer a realização de perícia colegial.
No caso previsto na alínea b) do número anterior, se as partes acordarem logo na nomeação dos peritos, é aplicável o disposto na segunda parte do nº 2 do artigo anterior; não havendo acordo, cada parte escolhe um dos peritos e o juiz nomeia o terceiro (nº 2).
As partes que pretendam usar a faculdade prevista na alínea b) do nº 1 devem indicar logo os respectivos peritos, salvo se, alegando dificuldade justificada, pedirem a prorrogação do prazo para a indicação (nº 3).
Se houver mais de um autor ou mais de um réu e ocorrer divergência entre eles na escolha do respectivo perito, prevalece a designação da maioria; não chegando a formar-se maioria, a nomeação devolve-se ao juiz (nº 4)”.
Do confronto das normas legais transcritas resulta, cremos que de forma clara – como era entendimento pacífico no anterior CPC -, que a perícia deverá ser, em princípio e sempre que possível, requisitada pelo tribunal a estabelecimento, laboratório ou serviço oficial apropriado.
Só quando isso não seja possível ou conveniente, a perícia será efectuada por um perito nomeado pelo juiz ou, nas situações mencionadas no art. 468º, nº 1, por três peritos (nomeados e escolhidos nos termos que se encontram estabelecidos nos nºs 2 a 4 do citado art.).
Assim sendo, a expressão “…sem prejuízo do disposto no artigo seguinte” que consta na parte final do nº 1 do art. 467º, não se reporta a tudo o que está disposto no nº 1, mas apenas à 2ª parte (aquela onde se refere que a perícia é efectuada por um único perito nomeado pelo juiz).
Ou seja, a perícia colegial a que alude o art. 468º apenas é possível nos casos em que a perícia não deva ser requisitada a estabelecimento, laboratório ou serviço oficial.
Sendo esse o caso - e tratando-se de perícia médico-legal -, elas são realizadas pelos serviços médico-legais ou pelos peritos médicos contratados, nos termos previstos no diploma que as regulamenta (nº 3 do artº 467º).
Ou seja, nesta situação, o tribunal limita-se a requisitar a sua realização, sem qualquer interferência no que diz respeito aos concretos peritos que a vão realizar e que, naturalmente, serão designados de acordo com as regras legais ou regulamentares do estabelecimento, laboratório ou serviço a quem a perícia foi requisitada.
Consequentemente, afigura-se-nos evidente que, sendo a perícia requisitada a estabelecimento, laboratório ou serviço oficial, o juiz e as partes não têm a possibilidade de indicar peritos para a sua realização e, por conseguinte, não tem aqui aplicação o disposto no art. 468º do CPC (apenas previsto, como se disse, para as situações em que seja o tribunal a nomear o perito).
Uma vez requisitada a estabelecimento, laboratório ou serviço oficial, a perícia é feita por peritos do próprio estabelecimento ou serviço ou é feita por entidades que, para o efeito, sejam contratadas pelo estabelecimento ou serviço a quem a perícia foi requisitada (467º, nº 4), sem que o juiz ou as partes tenham a faculdade de indicar os peritos concretos que a deverão realizar.
Conclui-se assim do exposto, que o disposto no art. 468º do CPC, convocado pela apelante para a situação dos autos, não é aplicável às perícias que devam ser requisitadas a estabelecimento, laboratório ou serviço oficial – como foi o caso dos autos, com a concordância das partes -, ficando a sua aplicação reservada para as perícias que, não devendo ser requisitadas naqueles termos, são efectuadas por um perito nomeado pelo juiz ou em moldes colegiais, nos termos previstos no citado art. 468º. Todavia, como já referiu e como resulta do disposto no art. 467º, nº 1, a perícia só deverá ser efectuada nesses termos se não for possível ou conveniente a sua requisição a estabelecimento, laboratório ou serviço oficial apropriado.
Tratando-se de uma perícia médico-legal – como acontece no caso dos autos – é evidente que é possível e conveniente a sua requisição ao serviço oficial apropriado, dispondo expressamente o nº 3 do citado art. 467º que tais perícias são realizadas pelos serviços médico-legais ou pelos peritos médicos contratados, nos termos previstos no diploma que as regulamenta, que é actualmente a Lei 45/2004, de 19/08.
Com efeito, o citado nº 3 do artº 467º está em perfeita concordância com o disposto no nº 1 onde se institui, como regra, que a perícia deve ser requisitada a estabelecimento, laboratório ou serviço oficial apropriado, só devendo ser efectuada noutros termos quando tal não seja possível ou conveniente.
O nº 3 do citado artº 467º do CPC tem, assim, dois objectivos: concretizar os serviços que são apropriados para realizar as perícias médico-legais (os serviços médico-legais ou os peritos médicos contratados) e determinar os termos em que devem ser realizadas (nos termos previstos no diploma que as regulamenta), distinguindo e tratando, autonomamente, as perícias médico-legais das demais perícias requisitadas a estabelecimento, laboratório ou serviço oficial que, não sendo da especialidade médica-legal, poderão ser realizadas por entidades contratadas por aqueles serviços, nos termos previstos no nº 4.
Conclui-se do exposto que a perícia médico-legal deve ser requisitada ao serviço oficial apropriado (em conformidade com a primeira parte do nº 1 do art. 467º), devendo ser realizada pelos serviços médico-legais ou pelos peritos médicos contratados, nos termos previstos no nº 3 da mesma disposição legal, sendo, por isso, inaplicável ao caso o disposto no art. 468º.
Não sendo aplicável o citado art. 468º, a possibilidade de realização de perícia colegial terá que ser apreciada em face das normas que regulamentam as perícias médico-legais e para as quais remete, expressamente, o citado art. 467º nº 3.
O diploma que regulamenta as perícias médico-legais é a Lei nº 45/2004 de 19/08.
De facto, o citado diploma estabelece o regime jurídico da realização das perícias médico-legais e forenses (cfr. art. 1º) que podem ter lugar em processo civil ou em processo penal, resultando do art. 21º, nº 4, que o diploma em causa é aplicável às perícias médico-legais no âmbito do direito civil.
Alega a apelante que não estamos perante uma perícia médico-legal. Diz que apesar de ser médica, não é de clínica médico-legal e forense pois não há, no caso, qualquer interesse de ordem pública (ou até de saúde pública, como é o caso das autópsias) que imponha a intervenção exclusiva do INML na realização do exame pericial pedido pelas partes num processo em que se discutem direitos disponíveis.
Mas sem razão, como é bom de ver, pois não só a lei impõe que a perícia seja realizada (independentemente da sua especialidade), sempre que possível e seja conveniente, pelo serviço oficial apropriado, como também as partes não se opuseram a essa requisição, apenas colocando a recorrente a questão da perícia colegial numa fase posterior, após ter sido realizado o 1º exame, com o qual não concordou.
Por outro lado, é certo que a Lei 45/2004 de 19/08 não apresenta qualquer definição do que se deve entender como integrando a perícia médico-legal, para os efeitos de aplicação daquele diploma legal.
Contudo, se isso é verdade, daí não decorre, sem mais, que o seu regime se não aplique aos exames médicos a realizar no âmbito de um processo civil, com vista à determinação das sequelas advenientes de um acidente, e das consequências delas decorrentes, designadamente, o grau de incapacidade permanente, o rebate profissional, o período de incapacidade temporária e a data da estabilização médico-legal das lesões, que, habitualmente, neste tipo de perícias, se pretende alcançar.
Os exames médico legais não são apenas realizados em caso de morte em que se pretende saber a causa da mesma.
Com efeito, analisado o conteúdo da referida Lei 45/2004, constata-se que ela prevê diversas situações que não apenas a autópsia médico-legal, nomeadamente a realização de exames, perícias (21º/1/2 e 6º/1) e pareceres (artº 5/1), bem como, e de modo expresso, a realização de exames no âmbito do C.P.C. (nº 4 do artº 21º), sendo que também o Código de Processo Civil faz expressa menção às perícias médico legais e à legislação especial que as regulamenta, no nº 3 do artº 467º do C.P.C., não restando, por isso, senão concluir, pela aplicação da Lei 45/2004, aos casos como o presente (cfr. neste sentido Ac desta Relação, de 5.6.2014, em www.dgsi.pt).
Resta saber em que termos é possível – de acordo com esse diploma – a perícia colegial.
Regula a matéria o artº 21º da citada Lei, enquadrado na SECÇÃO III - Exames e perícias no âmbito da clínica médico-legal e forense, intitulado, “Realização das perícias”.
Dispõe o nº1 do artº 21º que “Os exames e perícias de clínica médico-legal e forense são realizados por um médico perito”, prevendo-se no nº2 que “Os exames de vítimas de agressão sexual podem ser realizados, sempre que necessário, por dois médicos peritos ou por um médico perito auxiliado por um profissional de enfermagem”, acrescentando o nº 3 que “O disposto no n.º 1 não se aplica aos exames em que outros normativos legais determinem disposição diferente” e dispondo, finalmente o nº 4 que “Dado o grau de especialização dos médicos peritos e a organização das delegações e gabinetes médico-legais do Instituto, deverá ser dada primazia, nestes serviços, aos exames singulares, ficando as perícias colegiais previstas no Código de Processo Civil reservadas para os casos em que o juiz, na falta de alternativa, o determine de forma fundamentada”.
Ora, em conformidade com o disposto no art. 21º, nºs 1 e 4, as perícias são, em princípio, singulares, sendo que as perícias colegiais previstas no Código de Processo Civil ficam reservadas para os casos em que o juiz, na falta de alternativa, o determine de forma fundamentada.
É certo que a mesma norma prevê, no nº4, a possibilidade de exames e perícias colegiais. Dispõe-se aí que “Dado o grau de especialização dos médicos peritos e a organização das delegações e gabinetes médico-legais do Instituto, deverá ser dada primazia, nestes serviços, aos exames singulares, ficando as perícias colegiais previstas no C.P.C. reservadas para os casos em que o juiz, na falta de alternativa, o determine de forma fundamentada.”.
Em face desta disposição legal, a perícia médico-legal será submetida à apreciação de mais de um médico perito nos casos em que, na ausência de escolha (por exemplo, não estar a comarca abrangida na área de actuação das delegações do INML), o juiz o determine em despacho fundamentado, não parecendo que essa falta de alternativa tenha a ver com os resultados a que conduziu a primeira perícia, uma vez que esse dispositivo não tem aplicação obrigatória à segunda perícia.
Defende a recorrente que o nº 3 do citado artº 21º permite a realização de perícia colegial, ao excluir da aplicação do n.º 1 os exames em que outros normativos legais determinem disposição diferente, incluindo nestes normativos o artº 468º do CPC.
Cremos já ter rebatido, de forma suficiente, que o artº 468º do CPC tem a sua aplicação restringida aos casos previstos no artº 467º nº 1, “in fine” daquele diploma legal, sendo certo que o legislador do novo CPC não alterou a redacção dos preceitos em análise, apesar da divergência jurisprudencial já existente, em face da Lei nº 45/2004, pelo que, não cabe na previsão do nº 3 do artº 21º daquela Lei o artº 468º do CPC (contrariamente ao que sucede, cremos, com o artº 138° do CPT).
Ou seja, mesmo quando admissíveis, as perícias colegiais, no âmbito da clínica médico-legal e forense, nunca serão efectuadas por peritos indicados ou nomeados, nos termos do art. 468º do C.P.C., já que tais perícias são efectuadas por médicos do quadro do Instituto ou contratados nos termos da referida lei (art. 27º, nº 1) ou, eventualmente, por docentes ou investigadores do ensino superior no âmbito de protocolos para o efeito celebrados pelo Instituto com instituições de ensino públicas ou privadas (nº 2 do art. 27º).
Assim, e ao contrário do que pretende a Apelante, no âmbito das perícias médico-legais, para que a perícia seja efectuada em moldes colegiais, não basta que uma das partes requeira a sua realização nesses termos, na medida em que, nos termos do citado art. 21º, nº 4, as perícias colegiais apenas têm lugar quando o juiz, na falta de alternativa, o determine de forma fundamentada.
E, mesmo quando admissíveis (nos termos da citada disposição legal) tais perícias colegiais não são efectuadas nos moldes pretendidos pela recorrente e com a intervenção de peritos designados pelas partes, nos termos do art. 468º, mas sim com a intervenção de peritos designados nos termos previstos na citada Lei nº 45/2004, em conformidade com o disposto no art. 467º, nº 3, do C.P.C.
Concluímos do exposto que a realização da perícia médica em causa nos autos devia ser pedida, como foi, aos serviços médico-legais do Instituto de Medicina legal e, nada justificando que tal perícia fosse efectuada em moldes colegiais (sendo certo que nada de concreto foi invocado nesse sentido), a mesma não tinha que ser efectuada nesses termos, sendo efectuada por um único perito, em conformidade com o disposto no art. 21º da citada Lei (cfr. neste sentido os acórdãos da RP de 26.4.2001, de 9.6.2009 e de 4.2.2010, este último que seguimos de perto, em www.dgsi.pt).
Não há violação, com as disposições em análise, dos princípios e preceitos constitucionais invocados pela recorrente, nomeadamente do princípio do "Acesso aos Tribunais e Tutela Jurisdicional Efectiva”, previsto no nº 4 do artigo 20º da Constituição da República Portuguesa, na sua vertente de direito a decisão judicial mediante "processo equitativo".
O que importa é que, o segundo exame ou segunda perícia à A, porque não se considerou convincente o resultado obtido no primeiro exame, seja feito por outro médico perito ainda que dos mesmos serviços do INML, que averiguará e apreciará os mesmos factos que foram averiguados no anterior exame – como se determinou.
Como decorre do disposto no art. 487º nº3 do CPC, a segunda perícia destina-se à averiguação dos mesmos factos que foram objecto da primeira e para correcção de eventual inexactidão dos resultados desta.
Ora, não é pelo facto de a recorrente discordar do relatório do primeiro exame, que a segunda perícia terá de ser colegial.
Nada nos autos apontava, como se disse, para que assim fosse, pelo que Improcedem as conclusões do recurso da recorrente.
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Sumário do Acórdão:
I - A regra, em matéria de perícias, é a da sua requisição a estabelecimento, laboratório ou serviço oficial apropriado, apenas o não sendo, se tal for impossível ou inconveniente (artº 467º nº 1 do CPC).
II - Tratando-se de perícia médico-legal, a mesma deve ser realizada, nos termos do nº 3 do preceito em análise, pelos serviços médico-legais ou pelos peritos médicos contratados, nos termos previstos no diploma que as regulamenta, que é a lei nº 45/04, de 19.08.
III - Em conformidade com o disposto no art. 21º, nºs 1 e 4 da mencionada Lei, as perícias são, em princípio, singulares, sendo que as perícias colegiais previstas no CPC ficam reservadas para os casos em que o juiz, na falta de alternativa, o determine de forma fundamentada.
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DECISÃO:
Pelo exposto, julga-se improcedente a apelação e confirma-se a decisão recorrida.
Custas (da Apelação) pela recorrente.
Notifique
Guimarães, 15.9.2016.