Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
334/22.3T9VPA.G1
Relator: ANABELA VARIZO MARTINS
Descritores: AUDIÇÃO DO ARGUIDO EM AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO
RECURSO DE CONTRA-ORDENAÇÃO
NULIDADE
IRREGULARIDADE
VÍCIO DE INSUFICIÊNCIA DA MATÉRIA DE FACTO PARA A DECISÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/02/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I- O indeferimento do pedido de audição do legalmente representante da arguida, em audiência de julgamento relativa a recurso de processo de contraordenação, não se encontra previsto entre as nulidades enumeradas nas diversas alíneas do art.º 119º do CPP, nem em qualquer outra disposição legal, pelo que não pode reputar-se de nulidade insanável.
II- A verificar-se algum vício, encontrar-se-ia, segundo alguma jurisprudência, abrangido pela parte final da alínea d) do nº2 do art. 120º do CPP, que se refere à omissão posterior [ao inquérito e instrução] de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade, que necessitava de ser tempestivamente arguida, sob pena de não o poder mais ser, o que se verifica no caso presente, uma vez que não resulta dos autos e não é sequer alegado pela recorrente, que a tenha arguido antes de terminada a audiência do julgamento, conforme impõe a alínea a) do nº 3 do citado artigo 120º.
III- Idêntica solução ocorreria para aqueles que entendem que esse vício constitui mera irregularidade, pois o art.º 123º do CPP impõe igualmente que a mesma seja invocada no próprio ato, pelo que sempre a omissão invocada se encontraria igualmente sanada.
IV- Por outro lado, também não foi violado o art.º 32º n.º 10 da CRP, que prevê que nos processos de contraordenação, bem como em quaisquer processos sancionatórios, são assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa, nem do art.º 49º .º Lei Quadro das Contraordenações Ambientais.
V- Efetivamente, a arguida, depois de previamente notificada nos termos da última disposição legal citada, veio apresentar resposta escrita e indicar testemunhas, que foram ouvidas, tendo assim sido cumprido o direito constitucional de audição e defesa legalmente previsto no citado art.º 32º, nº 10 da CRP (anotando-se que a arguida não concretizou em que medida foi violado o art.º 20º da mesma CRP, que de todo modo não foi violado).
VI- A insuficiência a que se reporta al. a) do nº 2 do art.º 410º do CPP é um vício que ocorre quando a matéria de facto é insuficiente para a decisão de direito, o que se verifica porque o tribunal deixou de apurar a matéria de facto que lhe cabia apurar dentro do objeto do processo, tal como este está circunscrito pela acusação e pela defesa. Tal vício consiste na formulação incorreta de um juízo: a conclusão extravasa as premissas;
VII- A suscitada omissão da realização de diligências adicionais, a saber: a inquirição do Presidente da Junta de Freguesia, bem como a junção de documento que comprove a propriedade do terreno (se existir), não consubstancia o vício que estamos a analisar. Com efeito, não estão em causa factos necessários para a decisão, que o tribunal devesse averiguar, mas sim uma alegada insuficiência de prova e de omissão de diligências suplementares que reputa necessárias e relevantes para a descoberta da verdade e para a decisão a proferir.
VIII- A aludida omissão de diligências, a verificar-se, apenas seria suscetível de configurar uma nulidade prevista na al. d) do nº 2 do art.º 120º do C. P. Penal, a arguir antes que o ato esteja terminado (art.º 120º, n.º 3, al. a)), sob pena de se considerar sanada.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães.

I. RELATÓRIO

Em processo contra-ordenacional movido pela Inspeção-Geral da Agricultura do Mar, do Ambiente e do Ordenamento (“IGAMAOT”) contra a União de Freguesias ... (...) e ..., com sede na Rua ..., ... Ribeira ..., foi decidido:

- condenar a arguida no pagamento da coima no valor de € 12.000 (doze mil euros) pela prática de uma contra-ordenação ambiental grave, nos termos dos artºs. 3.º, nº 3 e 18.º, n.º 2, al. a) do DL n.º 46/2008, de 12/03, com as alterações introduzidas pelo DL n.º 73/2011, de 17/06.
Não se conformando com essa decisão administrativa, a arguida impugnou-a judicialmente, dando origem aos autos com o nº 334/22...., que corre termos no  Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo de Competência Genérica ..., no âmbito do qual, após realização do julgamento, foi proferida sentença, no dia 02-11-2022, depositada na mesma data, em que se decidiu (transcrição do dispositivo):
“- julgar parcialmente procedente a impugnação judicial e, em consequência, aplicar à arguida, pela prática da contra-ordenação ambiental grave nos termos art.º 3.º, nº 3 e 18.º, n.º 2, al. a) do DL n.º 46/2008, pelo incumprimento do dever de assegurar a gestão de materiais provenientes de obras de construção e demolição, uma coima no valor de € 6.000 (seis mil euros).”
*
Mais uma vez inconformada veio a arguida interpor o presente recurso, apresentando a respectiva motivação, que finaliza com as conclusões que a seguir se transcrevem:

“1ª - O presente Recurso vem interposto da Douta Decisão, referência ...34, que condenou a arguida, além do mais, numa Coima no valor de € 6.000,00, pela prática da contra-ordenação ambiental grave nos termos do art. 3.º, nº 3 e 18.º, n.º 2, al. a) do DL n.º 46/2008, pelo incumprimento do dever de assegurar a gestão de materiais provenientes de obras de construção e demolição;
2ª - Está inconformada a Recorrente, pois, entende, salvo devido respeito, atenta a matéria que se provou no Julgamento, que o Tribunal “ a quo “ não andou bem;
3ª - A Douta sentença de que se recorre, salvo devido respeito e melhor opinião, quanto à prática da aludida contra-ordenação imputada à arguida, apreciou mal as questões de facto que lhe são inerentes, atropelando os fundamentos de direito nos quais assentou a decisão ora em crise.
4ª - A arguida, União de Freguesias ... (...) e ..., no articulado de Impugnação Judicial, requereu a sua audição, sendo certo que, por mero lapso evidente, requereu que fosse ouvida em declarações de parte, quando, na verdade, o que pretendia era informar o Tribunal que pretendia prestar declarações.
5ª - Porém, o Tribunal, indeferiu tal pedido, através do Douto despacho referência ...64, dizendo, e sem mais “Tendo em conta que se trata de recurso de contra-ordenação ao qual são subsidiariamente aplicáveis as normas do processo penal, indefere-se a requerida prestação de declarações de parte do recorrente
6ª - Se é certo que não é obrigatória a comparência à Audiência por banda da Arguida, o certo é que, esta, em declarações expressas ao Tribunal, manifestou o desejo de estar presente e prestar declarações, a fim de contribuir para a descoberta da verdade e boa decisão do litígio;
7ª - O Tribunal, como se disse já, e alegando que se tinha invocado o C. P. C., e que estávamos perante uma situação enquadrável do Código Penal, decidiu que não eram atendíveis as declarações da arguida;
8ª - No nosso modesto entender foi cometida uma nulidade insanável, invocável a todo o tempo, ao abrigo do preceituado no art.º 119º, entre outros do C. P. Penal, artigo 20º e 32º n.º 10, da Constituição da República Portuguesa e artigo 68º do RGCO que aqui se invoca para todos os devidos e legais efeitos, cujo conhecimento se requer seja levado em linha de conta por banda de Vªs Exªs;
9ª - A arguida, no Recurso de Impugnação interposto, veio alegar a sua ilegitimidade, factualidade que não mereceu qualquer pronuncia por banda da Douta decisão ora em crise, explicando que o terreno/área em apreço, (...) onde, segundo o auto de notícia, foi encontrado um numero indeterminado e de dimensões consideráveis de deposição de resíduos de construção e demolição, designadamente blocos, tijolos, telhas e outros como também um acentuado numero de descargas de resíduos urbanos, nomeadamente plásticos, roupas, móveis entre outros, integra área baldia, de administração da Assembleia de Compartes dos Baldios de ..., que nada tem a ver nem é confundível com a União das Freguesias ... (...) e ...,
10ª - A dita Assembleia de Compartes dos Baldios de ..., gere a área baldia onde, e como se disse já, segundo o auto de notícia, foi encontrado um número indeterminado e de dimensões consideráveis de deposição de resíduos de construção e demolição, designadamente blocos, tijolos, telhas e outros como também um acentuado número de descargas de resíduos urbanos, nomeadamente plásticos, roupas, móveis entre outros, pelo que não é a arguida responsável;
11ª - Resultou provado na Audiência de Discussão e Julgamento, através do depoimento das testemunhas, AA e BB, cujas precisas passagens dos seus depoimentos infra se transcreverão, que o local onde foram encontrados os referidos resíduos, é terreno baldio sob administração e gestão da Assembleia de Compartes dos Baldios de ..., que integra as povoações de ..., ... e ...;
12ª - Vejamos as precisas passagens dos depoimentos destas duas testemunhas, que supra se transcreveram, AA,
Advogada da Arguida – Está muito bem Sr. AA, mas diga-me uma coisa (0:55) ..., ..., o Sr. tem conhecimento que tem uma Assembleia de Compartes de Gestão dos Baldios?
Testemunha – Tem.
Advogada da Arguida – Tem? E olhe e já existe há muito tempo?
Testemunha – Sim, sim. Há anos (1:09)
Advogada da Arguida – Como?
Testemunha – Já existe há anos. (1:11)
Advogada da Arguida – Há anos. O que é isso há anos?
Testemunha – (1:13) Já, eu quedo-me lá já há uns bons anos, já existia. (1:17)
Advogada da Arguida – Ai o Sr. também é membro?
Testemunha – Sim.
Advogada da Arguida – Ai é membro. E essa Assembleia de Compartes que povoações é que abrange?
Testemunha – (1:25) ... e ... e ....
(…)
Advogada da Arguida – Ora bem, diz aqui que o parque de merendas da localidade de ..., este parque de merendas da localidade de ... situa-se na área dos baldios de ...
Testemunha – (1:50) de ...
Advogada da Arguida – De ..., de ...?
(…)
Advogada da Arguida – E que este parque de merendas fica na localidade de ..., mas sob a Administração e Fiscalização da Assembleia de Compartes dos Baldios de ...
Testemunha – Dos Baldios, é isso. (2:33)
(…)
Advogada da Arguida – Mas também ... nunca fez parte da Assembleia de Compartes do ... ?
Testemunha – (2:58) Não.
13ª - BB,
“Advogada da Arguida – (0:42) Olhe diga-me uma coisa Sr. BB, ..., tem Assembleia de Compartes, da Administração e Gestão dos Baldios?
Testemunha – Sim, tem a Assembleia de Compartes
Advogada da Arguida – Tem Assembleia de Compartes
Testemunha – Já há muitos anos. (0:53)
Advogada da Arguida – Há muitos anos.
Testemunha – Já há muitos anos.
Advogada da Arguida – Desde que o Sr. se lembra?
Testemunha – Ui, desde que me lembro, desde que sou BB. (1:00)
Advogada da Arguida – Desde que é BB, sim Sr. (1:02) E essa Assembleia de Compartes, envolve que Povoações? O Sr. sabe?
Testemunha –(1:07) ..., ... e .... (1:08)
(…)
Advogada da Arguida – Tem, pois há povoações para lá que têm Conselhos Diretivos, mas esta aqui, ..., ... e ..., tem uma Assembleia de Compartes?
Testemunha – Sim, sim, sim. (1:30)
Advogada da Arguida – O Sr. faz parte de algum Órgão?
Testemunha – Não. Vou às reuniões (1:35)
Advogada da Arguida – Vai às reuniões. (1:38) Olhe diga-me uma coisa, diz aqui também que no parque de merendas da localidade de ... que foi lá detetado um número de deposição de (impercetível). Este parque de merendas na localidade de ..., estão então englobado, no seu dizer, na Administração da Assembleia de Compartes de ...?
Testemunha – Sim, sim. (1:57)
Advogada da Arguida – É isso?
Testemunha – É isso.
(…)
Advogada da Arguida – Em ..., então esta área aqui pertence então à administração da Assembleia de Compartes, é isso?
Testemunha – (2:31) É isso.
14ª - Acresce que, o Sr. Militar, CC, referiu, também, conforme depoimento supra transcrito, que veio a saber depois que havia a Assembleia de Compartes dos Baldios de ..., a qual, tem sob a sua gestão o local onde se encontravam os ditos resíduos, tendo contudo referido, que a identificação do proprietário era da responsabilidade do seu colega, autor do Auto;
15ª - Vejamos o seu depoimento CC,
“(…)
Advogada da Arguida – Depois de .... (2:30) E diga-me uma coisa o Sr. sabe se ..., e ..., têm Assembleia de Compartes dos Baldios?
Testemunha – (2:40) Pelo que nos foi informado tem, mas eu nunca pude verificar com certeza essa situação.
(…)
Advogada da Arguida – Mas disseram-lhe que já existe há muitos anos?
Testemunha – (2:56) Disseram que já existe há muitos anos.
Advogada da Arguida – Há muitos anos.
Testemunha – (3:00) Mas, se me permite, isso é uma diligência que havia de ter sido tomada pelo meu colega, sendo que ele é o participante, eu apenas acompanhei, ou seja, pode ter sido informado o meu colega dessa situação e não a mim, pode ter acontecido isso. (3:13)
16ª - Por seu turno, o Sr. Militar, Autor do auto, DD, veio referir ao Tribunal que lhe disseram que aquele terreno pertencia à Freguesia ... e ..., sem contudo indagar, como lhe competia da propriedade de tal espaço, pois que, o direito de propriedade, adquire-se, como é da lei, artigo 1.316º do Código Civil: “O direito de propriedade adquire-se por contrato, sucessão por morte, usucapião, ocupação, acessão e demais modos previstos na lei.”
17ª - Do auto de noticia não consta, nem se extrai por qualquer forma ou modo, pelo contrario, que tenha havido quaisquer diligências probatórias, no sentido de se apurar a quem pertencia a área de terreno onde foram encontrados os referidos depósitos de resíduos, que situou perto do parque de merendas de ...,
18ª - As testemunhas a que supra se fez já referência disseram, de forma vítrea, que o espaço onde se encontravam os resíduos, é área baldia, da Administração da Assembleia de Compartes dos Baldios de ..., o qual integra as aldeias de ..., ... e ...;
19ª - Assembleia esta, que como se disse já, a quem compete a administração e gestão dos prédios baldios, nos termos do preceituado na Lei 68/93 de 04.09 aplicável à data dos factos, e ora pela Lei 75/2017 de 17.08;
20ª - É nosso entendimento, salvo melhor juízo, que não dispunha o Tribunal de elementos factuais ou documentais para dar como provado os pontos 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10 e 11 dos factos assentes, os quais, face à prova feita em Audiência deviam ter sido dados como não provados;
21ª - O Tribunal “a quo” deu também como não provado “Que a arguida não seja responsável ou proprietária do terreno dos autos” alegando que, a tese da arguida não foi corroborada pela existência de qualquer prova documental que permitisse suportar o por si alegado, razão pela qual o mesmo foi dado como não provado;
22ª - Sendo que tal factualidade devia ter sido dada como provada, pois que as testemunhas ouvidas e que atrás se fez já referencia, foram unanimes em afirmar que o local onde foram encontrados os ditos resíduos, ..., é área baldia, sob administração da Assembleia de Compartes dos Baldios de ..., que não se confunde nem pode confundir com a União das Freguesias ... (...) e ..., tendo cada uma delas competências próprias;
23ª - O Tribunal “a quo” salvo melhor juízo, tem dois pesos e duas medidas, para a matéria dada como provada e não provada, pois, dá como assente a matéria de 2 a 11 baseada num auto de noticia, impreciso, inconclusivo, atabalhoado, não corroborado por qualquer prova documental que permitisse ao Tribunal concluir como concluiu que o terreno é propriedade da arguida,
24ª - Auto este que tão depressa refere que os resíduos se encontravam na “Freguesia ...”, como refere que na da “União de freguesias ... e ...”, e que não merece qualquer credibilidade, pois, e como atras se fez já referencia, o seu autor, não sabe onde são as localidades em questão, sendo que a sua razão de ciência, plasmada na Audiência de Julgamento, foi do que lhe disseram, ou seja, nada esclarece, pelo contrário;
25ª - E desatende toda a prova testemunhal por banda da Arguida, em que a própria testemunha AA, referiu ao Tribunal de modo credível, isento, sincero, espontâneo, que fazia parte dos órgãos da Assembleia de Compartes dos Baldios de ..., e o local onde foram encontrados os resíduos, é área baldia, sob administração da dita Assembleia, o que foi totalmente ignorado pelo Tribunal;
26ª – Atente-se a definição de prédios baldios, como define a lei, 75/2017 de 17.08, nos seus artigos 3º e 7º, que atrás se transcreveram e cujo teor aqui se dá por reproduzido para efeitos de economia processual.
27ª - Seguindo aqui de perto João Carlos Gralheiro, uma referência nacional, estudioso brilhante e sabedor do mundo dos baldios, na sua obra, Dos Baldios até à Lei 75/2017 de 17 de agosto, página 43, “Com a publicação da Lei 75/2017 a questão da noção de baldio ver-se-ia clarificada, pois que passou a ser definido como “os terrenos com as suas partes e equipamentos integrantes, possuídos e geridos por comunidades locais” (“Definições”: art. 2.º/a)) que “constituem, em regra, logradouro comum dos compartes, designadamente para efeitos de apascentação de gado, de recolha de lenha e de matos, de cultura e de caça, de produção elétrica e de matos, de cultura de caça, de produção elétrica e de todas as outras atuais e futuras potencialidades económicas” (“Finalidades, uso e fruição dos baldios”: art. 3.º/1), podendo as assembleias de compartes deliberar que se constituam como baldios “logradouro comum dos compartes para fins culturais e sociais de interesse para os habitantes do núcleo ou núcleos populacionais da área de residência dos compartes” (art. 3.º/2). O “uso, a posse, a fruição e a administração dos baldios faz-se de acordo com a presente lei, os usos e costumes locais e as deliberações dos órgãos competentes das comunidades locais, democraticamente eleitos” (n.º 3).” (itálico, negrito e sublinhado nosso)
28ª - Como referiram as testemunhas e compartes dos Baldios de ..., BB e AA, este último também membro da referida Assembleia de Compartes dos Baldios de ..., corroborado com o depoimento do Sr. Militar, CC, que como se disse já, o terreno onde foram encontrados os ditos depositados os resíduos, integra área baldia sob administração e gestão da referida Assembleia, razão pela qual é a arguida parte ilegítima nos presentes autos.
29ª - Por último refere o Douto Tribunal “a quo” na aplicação da coima à arguida, o DL 46/2008, que foi revogado pelo artigo 17º do DL nº 102-D/2020, o que aqui se invoca para devidos e legais efeitos;
30ª - A Douta decisão, salvo melhor juízo, padece de falta de fundamentação de facto e de direito, violando o preceituado no artigo 374º n.º 2 do Código de Processo Penal, pelo que é nula ao abrigo do preceituado no art.º 379º n.º 1 al. a) e c), por violação do n.º 2 do referido normativo 374º, bem como violou, direta e/ou indiretamente o preceituado nos artigos 119º C. P. Penal, artigos 20º e 32º n.º 10 da Constituição da República Portuguesa, artigo 68º RGCO, artigo 1.316º do Código Civil, Lei 68/93 de 04.09 e Lei 75/2017 de 17.08, pelo que, deve a Douta sentença proferida, ser revogada e substituída por outra que decida nos termos preditos.

O Ministério Público, em 1ª instância, respondeu ao recurso, pugnando pela sua improcedência e, consequentemente, pela manutenção da decisão recorrida, formulando a final as seguintes conclusões:

“1. A Recorrente foi condenada no pagamento de uma coima valor de € 12.000 (doze mil euros) pela prática de uma contra-ordenação ambiental grave, nos termos dos artigos 3.º, nº 3 e 18.º, n.º 2, al. a) do DL n.º 46/2008, de 12/03, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 73/2011, de 17/06.
2. Não se conformando com a decisão proferida, a arguida impugnou judicialmente a decisão.
3. A sua tese não mereceu o acolhimento do Tribunal a quo que confirmou a decisão da entidade administrativa, ainda que tenha atenuado especialmente o montante daquela coima.
4. Inconformada com esta condenação, dela veio interpor recurso alegando, em suma, que (i) foi cometida uma nulidade insanável, prevista no artigo 119.º do Código de Processo Penal, por ter sido indeferido o seu pedido de declarações de parte (ii) a nulidade da sentença, por falta de fundamentação da matéria de facto e de direito e omissão de pronúncia, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alíneas a) e c) do Código de Processo Penal (iii) ser parte ilegítima, uma vez que o terreno/área em apreço, integra área baldia, de administração da Assembleia de Compartes dos Baldios da Povoação de ..., União das Freguesias ... (...) e ..., Concelho ... (iv) ter sido violado o princípio da legalidade (presume-se!) porque foi condenada numa contraordenação prevista em legislação que foi revogada pelo artigo 17.º do Decreto-Lei n.º 102.º-D/2020;
5. Ora, salvo o devido respeito, entendemos que não lhe assiste razão, pelos razões que, seguidamente, se expõem.
6. Diga-se, em primeiro lugar, que a Recorrente nem sequer concretiza qual das alíneas do artigo 119.º do Código de Processo Penal, no seu entender, foi violada, limitando as suas alegações, nesta parte, a uma remissão genérica para este artigo.
7. De qualquer modo, mesmo que assim não fosse, sempre se diria que o elenco das nulidades insanáveis previsto naquele artigo é taxativo e a invalidade invocada pela Recorrente não tem cabimento em qualquer uma das circunstâncias ali previstas.
8. A verificar-se algum vício, o que não se equaciona (já que a arguida esteve representada pela sua Il. Mandatária em todas as sessões da audiência de discussão e julgamento) o mesmo tratar-se-ia apenas de uma mera irregularidade.
9. A existir tal irregularidade, por violação do seu direito de defesa, já há muito que a mesma se encontra sanada, por não ter sido arguida atempadamente.
10. Apenas a total ausência ou absoluta falta de fundamentação de facto e não a errada, incompleta ou insuficiente fundamentação afecta o valor legal da sentença, provocando a respectiva nulidade, o que não é o caso.
11. Lendo a motivação de facto da sentença recorrida, constata-se que o Tribunal a quo analisou a prova produzida e explicou a ponderação global que fez da mesma.
12. Da sentença recorrida consta, além da enumeração dos factos provados e não provados, a motivação da matéria de facto, descrevendo-se de seguida os documentos e depoimentos que serviram para formar a convicção do Tribunal.
13. Bem ou mal, a sentença recorrido pronunciou-se sobre a alegada ilegitimidade da arguida, pelo que não pode a Recorrente afirmar que não se pronunciou sobre uma questão que, apertis verbis, o Tribunal a quo enfrentou.
14. A factualidade constante do auto de notícia foi confirmada pelos Srs. Militares em sede de audiência de discussão e julgamento.
15. Na sua defesa escrita e bem ainda na impugnada judicial apresentada a Recorrente, apesar de ter invocado que o terreno em integrava a área baldia de administração da Assembleia de Compartes dos Baldios da Povoação de ..., União das Freguesias ... (...) e ..., Concelho ..., não juntou qualquer prova documental que contrariasse a factualidade apurada no acto de fiscalização e descrita no auto de notícia.
16. Em sede de audiência de discussão e julgamento foram ouvidas as testemunhas arroladas pela Recorrente e, ao contrário do que pretende agora fazer crer, nenhuma delas referiu expressamente que o terreno em causa não pertencia à arguida.
17. Aliás, se assim não fosse, isto é, se o terreno não lhe pertencesse, jamais se compreenderia porque é que, depois do aviso feito pelo Sr. Militar da GNR à arguida, na pessoa do Sr. Presidente da Junta de Freguesia, estava afixada nesse local uma placa com a identificação da arguida anunciado a proibição de vazamento de lixo e entulho, como consta da reportagem fotográfica junta aos autos.
18. Da leitura das alegações de recurso da Recorrente presume-se ainda que aquela pretende invocar a violação do princípio da legalidade, por ter sido condenada pela prática de uma contra-ordenação prevista em legislação (cfr. artigos 3.º, n.º 3 e 18.º, n.º 2, alínea a) do DL n.º 46/2008, de 12/03, com as alterações introduzidas pelo DL n.º 73/2011, de 17/06) que foi, entretanto, revogada.
19. Sucede que o DL n.º 102-D/2020, de 10 de Dezembro (Regime Geral da Gestão de Resíduos) veio revogar o DL n.º 46/2008, de 12/03, com as alterações introduzidas pelo DL n.º 73/2011, de 17/06, mas dessa alteração não resultou a despenalização ou o desagravamento dos factos em apreço, que continuam sancionados no actual diploma (cfr. novo artigo 9.º, n.º 3 e 117.º, n.º 2, alínea b).
20. Ora, o presente procedimento de contra-ordenação teve início no dia 5 de Outubro de 2015, às 15h30m, data e hora em que se registou a contra-ordenação de que vem acusada a recorrente.
21. Atendendo a que a lei vigente à data em que se registou a prática da contra-ordenação era o DL n.º 46/2008, de 12/03 (com a redacção dada pelo DL n.º 73/2011, de 17/06) e porque do novo diploma não resulta um tratamento mais favorável à arguida, à situação dos autos continua a aligar-se a lei vigente ao tempo dos factos, isto é, o DL n.º 46/2008, de 12/03, alterado pelo DL n.º 73/2011, de 17/06, conforme o princípio ínsito no artigo 4.º da Lei n.º 50/2006, de 29/08 (LQCA – Lei Quadro das Contraordenações Ambientais), na sua redacção actual.
22. Assim, aqui chegados e salvo melhor entendimento, importa concluir que não assiste razão a todas as pretensões invocadas pela Recorrente e, contrariamente ao por si propugnado, a condenação a quo não merece qualquer censura. “

Nesta instância, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta, emitiu parecer no sentido de que não assiste razão à recorrente quanto às questões suscitadas, porquanto:
Quanto às invocadas nulidades, quer da falta de audição da recorrente, quer da sentença, acompanha os argumentos da resposta ao recurso do Ministério Público.
Relativamente à não audição da arguida, conforme o requerido, a mesma não integra o elenco das nulidades previstas no art.º 119.º do CPP, tratando-se, quando muito, de uma irregularidade que, entretanto, ficou sanada por falta de arguição no prazo previsto no art.º 123.º 1 do CPP.
De resto, o direito de audição a que se refere o art.º 50.º do RGCO, enquanto consagração do direito constitucional de audição e de defesa do arguido em processo contra-ordenacional, previsto no art.º 32º, nº 10 da CRP, foi exercido na fase administrativa, não tendo sido considerado necessário pelo Tribunal nos termos e ao abrigo do art.º 67.º n.º 1 daquele diploma.
Por outro lado, analisada a sentença, conclui-se não enfermar de nulidade já que que o Tribunal a quo analisou a prova produzida e explicou a ponderação global que fez da mesma, enumerando os factos provados e não provados, a motivação da matéria de facto, descrevendo os meios de prova que serviram para formar a convicção do Tribunal e debruçando-se expressamente sobre a questão da ilegitimidade (responsabilidade) da recorrente em relação à contra-ordenação em questão nos autos.
Deverá ser rejeitado o recurso na parte em que se invoca o alegado erro de julgamento, porquanto dada natureza deste processo, está vedado ao Tribunal da Relação conhecer da matéria de facto, por força do disposto no art.º 75º, do Dec. Lei nº 433/82, de 27/10 .
Entendeu, no entanto, que se deverá considerar verificado o vício previsto no art.º 410.º n.º 1 al. a) do CPP, ordenando-se, ao abrigo do art.º 426.º n.º 1 do CPP, o reenvio do processo à 1.ª instância para reabertura da audiência e realização das diligências mencionadas e subsequente prolação de nova sentença onde seja colmatada a insuficiência detectada.

Cumprido o art.º 417º, nº 2 do C. P. Penal, a arguida veio responder manifestando a sua concordância com o referido parecer.

Colhidos os vistos, procedeu-se à realização da conferência, por o recurso aí dever ser julgado - artigo 419º, nº 3, al. c), do Código de Processo Penal.
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II-FUNDAMENTAÇÃO
           

1 – OBJECTO DO RECURSO

Dispõe o art.º 412º, nº 1 do C. Processo Penal, aplicável por força do disposto no art.º 41º, nº 1 do Dec.-Lei nº 433/82, de 27/10 que, “a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido”. [1]

Assim, atentas as conclusões formuladas pela recorrente, as questões a decidir, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, são as seguintes:

1- Nulidade insanável, por falta de audição da recorrente, ao abrigo do preceituado no art.º 119º, do C. P. Penal;
2- Nulidade da sentença, por falta de fundamentação da matéria de facto e de direito, e omissão de pronúncia, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alíneas a) e c) do Código de Processo Penal;
3- Erro de julgamento quanto aos factos provados sob os pontos 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10 e 11 e na al. A) dos factos não provados;
4- Violação do princípio da legalidade.

2- DA DECISÃO RECORRIDA

Factos provados, não provados e motivação da decisão de facto:
“II. Fundamentação de facto
Matéria de Facto Provada:

Resultam provados os seguintes factos, de entre os constantes dos autos que se mostram relevantes para a decisão da causa:

1. No dia 05/10/2015, pelas 151130, verificou-se a existência de uma quantidade considerável de materiais resultantes de obras de construção e demolição, designadamente restos/pedaços de blocos de cimento, tijolos, telhas e outros, constituindo assim resíduos de construção e demolição (RCD), bem como resíduos urbanos, nomeadamente plásticos, roupas, móveis, entre outros, depositados e abandonados num terreno sem vedação na localidade de ..., Freguesia ... e ..., Concelho ..., local com as coordenadas geográficas 41 0 32.828'N e 007 049.364' W.
2. O terreno é propriedade da Arguida, a Freguesia ... e ...;
3. Aquele local não se encontrava autorizado/licenciado para a receção dos mencionados RCD;
4. A Arguida não possuía licença ou autorização para deter os resíduos naquele terreno;
5. É do conhecimento da Junta de Freguesia/Arguida a utilização do citado terreno como depósito de resíduos/RCD.
6. Não foi possível apurar a identidade dos autores dos depósitos;
7. Foi o Presidente da Junta de Freguesia informado pela GNR que, em virtude de não se apurar a identidade de todos os responsáveis, é da sua responsabilidade a correta gestão dos resíduos, uma vez que era detentor dos mesmos, pelo que deveria removê-los e encaminhá-los para operador de gestão de resíduos autorizado.
8. Posteriormente, no dia 19/11/2015, pelas 14h, a GNR verificou que no mesmo terreno ainda se encontravam os referidos resíduos/RCD e, dessa vez, em maior quantidade, tendo sido depositada terra por cima de alguns RCD e colocadas placas identificadas com o nome da Freguesia e a frase "Proibido Vazar Lixo ou Entulho", bem como uma fita balizadora no intuito de interditar o acesso ao local.
9. A Arguida não procedeu ao encaminhamento dos RCD, pelos quais era responsável e que detinha no seu terreno, para operador autorizado.
10. A Arguida, enquanto detentora e responsável pela gestão dos RCD, tinha obrigação de conhecer e cumprir com o encaminhamento adequado dos RCD que detinha;
11. Não o tendo feito, através dos seus responsáveis e funcionários, não agiu com a diligência necessária e de que era capaz, não resultando dos autos elementos que retirem ilicitude aos factos ou censurabilidade à sua conduta.
12. A arguida não regista quaisquer antecedentes criminais.
Factos não provados:
A. Que a Arguida não seja responsável ou proprietária do terreno dos autos.
Não resultaram não provados quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa.
*
Não foi considerada a matéria conclusiva, de Direito e sem relevância para a boa decisão da causa.
Motivação da Decisão de Facto

A convicção do Tribunal quanto à factualidade considerada provada radicou na análise crítica e ponderada da prova documental junta aos autos, designadamente:

- Decisão administrativa constante dos autos e documentação a esta anexa;
- CRC da arguida;

A testemunha DD, agente autuante, explicou as várias deslocações que fez ao local, tendo confirmado o teor do auto de notícia.
A testemunha depôs de modo isento e credível, tendo merecido a credibilidade do Tribunal, tendo o mesmo depoimento sido corroborado pelo da testemunha CC.
Por sua vez, as testemunhas da arguida AA e BB não revelaram qualquer conhecimento aprofundado quanto aos factos alegados pela arguida, não revelando qualquer razão de ciência acrescida que permitisse abalar as constatações dos agentes autuantes presentes no local.
Acresce que a tese da arguida também não foi corroborada pela existência de qualquer prova documental que permitisse suportar o por si alegado, pelo que resultou não provado o facto referido em A).
Assim sendo, o teor do auto de notícia mostra-se integralmente confirmado e provado, pelo que o Tribunal não teve quaisquer dúvidas em dar como assentes os factos supra provados, tal como constantes da decisão administrativa.”
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3. APRECIAÇÃO DO RECURSO

3.1. Da nulidade insanável, por falta de audição da recorrente, ao abrigo do preceituado no art.º 119º, do C. P. Penal.

A este respeito entende a recorrente que o tribunal a quo cometeu uma nulidade insanável, invocável a todo o tempo, ao abrigo do preceituado no art.º 119º, entre outros do C. P. Penal, artigo 20º e 32º n.º 10, ambos da Constituição da República Portuguesa e artigo 68º do RGCO, porquanto não procedeu à sua audição no início da audiência.
Para conhecimento desta questão cumpre salientar as seguintes incidências processuais observadas nos presentes autos:
-Na impugnação judicial da coima por que tinha sido condenada pela Inspeção-Geral da Agricultura do Mar, do Ambiente e do Ordenamento (“IGAMAOT”), a arguida requereu a final o seguinte : “ Requer-se a tomada de declarações de parte do ora recorrente, na pessoa do seu presidente, ao abrigo do preceituado no artº 466º do C. P. Civil, aos factos por si alegados ao longo desta peça processual, porquanto são factos sobre os quais tem conhecimento direto e pessoal, além de que teve intervenção, em grande parte dos mesmos.”
-Sobre esse requerimento recaiu o seguinte despacho (referência citius ...64, proferido no dia 12/09/2022): “ Tendo em conta que se trata de recurso de contra-ordenação ao qual são subsidiariamente aplicáveis as normas do processo penal, indefere-se a requerida prestação de declarações de parte do recorrente.”
- Notificada deste despacho, a recorrente nada disse ou requereu.
- Na audiência não foram tomadas declarações ao legal representante da arguida, mas esta esteve sempre representada pela sua ilustre mandatária.
Tendo em consideração este enquadramento, vejamos se assiste razão à recorrente.
Nos presentes autos está em causa a prática de uma contra-ordenação p.p. pelos artºs. 3.º, nº 3 e 18.º, n.º 2, al. a) do DL n.º 46/2008, de 12/03, com as alterações introduzidas pelo DL n.º 73/2011, de 17/06.
Assim, os presentes autos regem-se pelos princípios e normas previstas na Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto (Lei Quadro das Contra-Ordenações Ambientais) e suas sucessivas alterações, a qual prevê, no seu artigo 2.º, n.º 1 que: “as contraordenações ambientais são reguladas pelo disposto na presente lei e, subsidiariamente, pelo regime geral das contraordenações”.                                                                                                                                                         
Ora, prevê o art.º 67º, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27/10, aplicável, subsidiariamente, por força do citado art.º 2.º que:

“1-O arguido não é obrigado a comparecer à audiência, salvo se o juiz considerar a sua presença como necessária ao esclarecimento dos factos.
2 - Nos casos em que o juiz não ordenou a presença do arguido este poderá fazer-se representar por advogado com procuração escrita.”

Por conseguinte, enquanto no processo penal a regra é a da obrigatoriedade da presença do arguido no julgamento, no processo de contra-ordenação a regra é a da não obrigatoriedade dessa presença, como dispõe o citado art.º 67.º, n.º 1, ou seja, o arguido pode ser obrigado a comparecer à audiência, apenas se o Juiz considerar a sua presença como necessária ao esclarecimento dos factos (cfr. 72º, nº 1 do citado Decreto-Lei n.º 433/82, de 27/10).
No caso a Mmª Juiz a quo, além de ter considerado que a arguida não requereu correctamente que fossem tomadas declarações ao seu legal representante em audiência, não determinou a sua presença.
Acresce que, de acordo com o princípio da tipicidade consagrado no artigo 118.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (diploma subsidiariamente aplicável por força do disposto no art.º 41º, nº 1 do Dec.-Lei nº 433/82 de 27/10), a violação ou inobservância das disposições da lei de processo só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei, sendo que o seu n.º 2 prevê que nos casos em que a lei não comina a nulidade, o acto ilegal é irregular.
A citada omissão não se encontra prevista entre as nulidades enumeradas nas diversas alíneas do art.º 119º do CPP, nem em qualquer outra disposição legal, pelo que não pode reputar-se de nulidade insanável, contrariamente ao afirmado pela recorrente, que de todo modo se limita a fazer uma remissão genérica para este artigo sem concretizar a alínea que foi violada.
A verificar-se algum vício, encontrar-se-ia, segundo alguma jurisprudência[2] abrangido pela parte final da alínea d) do nº2 do era. 120º do CPP, que se refere à omissão posterior [ao inquérito e instrução] de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade, que necessitava de ser tempestivamente arguida, sob pena de não o poder mais ser, o que se verifica no caso presente, uma vez que não resulta dos autos e não é sequer alegado pela recorrente, que a tenha arguido antes de terminada a audiência do julgamento, conforme impõe a alínea a) do nº 3 do citado artigo 120º.
Idêntica solução ocorreria para aqueles que entendem que esse vício constitui mera irregularidade, pois o art.º 123º do CPP impõe igualmente que a mesma seja invocada no próprio acto, pelo que sempre a omissão invocada se encontraria igualmente sanada.
Por outro lado, também não foi violado o art.º 32º n.º 10 da CRP, que prevê que nos processos de contra-ordenação, bem como em quaisquer processos sancionatórios, são assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa, nem do art.º 49º .º Lei Quadro das Contra-Ordenações Ambientais que, sob a epígrafe de direito de audição e defesa do arguido, estatui no nº 1 que: “ O auto de notícia, depois de confirmado pela autoridade administrativa e antes de ser tomada a decisão final, é notificado ao infrator conjuntamente com todos os elementos necessários para que este fique a conhecer a totalidade dos aspetos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito, para, no prazo de 15 dias úteis, se pronunciar por escrito sobre o que se lhe oferecer por conveniente.”
Efectivamente, a arguida, depois de previamente notificada nos termos da última disposição legal citada, veio apresentar resposta escrita e indicar testemunhas, que foram ouvidas, tendo assim sido cumprido o direito constitucional de audição e defesa legalmente previsto no citado art.º 32º, nº 10 da CRP (anotando-se que a arguida não concretizou em que medida foi violado o art.º 20º da mesma CRP, que de todo modo não foi violado).
Deste modo não se verifica a arguida nulidade.

3.2. Nulidade da sentença por falta de fundamentação e por omissão de pronúncia, nos termos das als. a) e c) do nº 1 do art.º 379º do C. P. Penal.

A fundamentação da sentença é uma exigência constitucional prevista no art.º 205º da Constituição da República Portuguesa, que prevê que, “As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei”.
Como salientam Gomes Canotilho e Vital Moreira «…o dever de fundamentação é uma garantia integrante do próprio conceito de Estado de Direito Democrático, ao menos quanto às decisões judiciais que tenham por objecto a solução da causa em juízo, como instrumento de ponderação e legitimação da própria decisão judicial e de garantia do direito ao recurso»[3].
Este imperativo constitucional densifica-se em várias disposições legais, desde logo, no princípio geral consagrado no art.º 97º nº 5 do Código de Processo Penal, aplicável por força do disposto no artigo 2.º, n.º 1 da Lei Quadro das Contra-Ordenações Ambientais e art.º 41, nº 1º do Dec.-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro.
Germano Marques da Silva,[4] sublinhando de igual modo a importância da fundamentação, na análise das suas finalidades, escreve: “A fundamentação dos actos é imposta pelos sistemas democráticos com finalidades várias. Permite o controlo da legalidade do acto, por uma parte, e serve para convencer os interessados e os cidadãos em geral acerca da sua correcção e justiça, por outra parte, mas é ainda um importante meio para obrigar a autoridade decidente a ponderar os motivos de facto e de direito da sua decisão, actuando, por isso como meio de autocontrolo.”
Para cumprir a sua dupla função, a motivação da decisão de facto terá de conter os elementos suficientes e necessários que permitam aos seus destinatários e aos cidadãos em geral concluir que a mesma indica os fundamentos que foram decisivos para a formação da convicção do julgador, ou seja, os meios concretos de prova e as razões ou motivos pelos quais relevaram ou obtiveram credibilidade no seu espírito. Não basta, pois, indicar o concreto meio de prova gerador do convencimento, é também necessário expressar a razão pela qual, apoiando-se nas regras de experiência comum, o julgador adquiriu, de forma não temerária, a convicção sobre a realidade de um determinado facto.
Também, a propósito, se escreve no acórdão do STJ de 24.10.2012[5], “o dever de fundamentação da decisão começa e acaba, nos precisos termos que são exigidos pela exigência de tornar clara a lógica de raciocínio que foi seguida”.
A recorrente invoca em termos genéricos que a sentença viola a obrigação de fundamentar de facto e de direito.
Tendo em conta o citado enquadramento, impõe-se desde já sublinhar que a sentença recorrida não padece de deficiente fundamentação, porquanto, num primeiro momento faz a enumeração dos factos provados e não provados que fundamentam a decisão e, num segundo momento, faz um exame crítico da prova, através de uma exposição dos motivos de facto e de direito, que levaram à convicção do Tribunal.
Quanto a este segundo momento, prevê o nº 2 do art.º 374º do C.P.P., que é obrigatória a indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal e o seu exame crítico, ou seja, o julgador tem, na fundamentação, que indicar “os elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos constituem o substracto racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência”[6].
A titulo ilustrativo o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de  16-03-2005[7] define o exame crítico como consistindo “na enunciação das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas administradas, a razão de determinada opção relevante por um ou outro dos meios de prova, os motivos da credibilidade dos depoimentos, o valor de documentos e exames, que o tribunal privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários (e um homem médio suposto pelo ordem jurídica, exterior ao processo, com a experiência razoável da vida e das coisas) fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção.”
Também no que concerne a este segmento do recurso, a recorrente carece de razão, pois, ao contrário do propugnado, o tribunal a quo, embora de forma sucinta, fundamentou os factos dados como provados e como não provados, descrevendo de forma lógica e clara os elementos de prova em que se apoiou para considerar provada ou não provada a factualidade que considerou revelante, e fez o exame crítico da prova, designadamente dos depoimentos das testemunhas ouvidas, que lhe mereceram ou não credibilidade.
Resulta, assim, que a sentença recorrida analisou a prova produzida e explicou a ponderação global que fez da mesma e expressou a razão pela qual, apoiando-se nas regras de experiência comum, adquiriu, a convicção sobre os factos provados e não provados.
A recorrente sustenta ainda que a sentença é nula porque não se pronunciou sobre
a sua (i)legitimidade/responsabilidade.
O art.º 379º nº 1 al. c) do C. P. Penal, estabelece que: “é nula a sentença quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Importa salientar que a doutrina[8] e a jurisprudência dominante dos tribunais superiores[9] é no sentido de que omissão de pronúncia é um vício que ocorre quando o tribunal não se pronuncia sobre o concreto objecto que é submetido à cognição do tribunal e não  sobre argumentos, razões, opiniões ou doutrinas expendidos pela parte na defesa da sua pretensão.
De todo o modo, ao contrário do alegado pela recorrente, o acórdão pronunciou-se sobre todas as questões por ela suscitadas, nomeadamente sobre a sua alegada ilegitimidade/ responsabilidade.
Com efeito, deu-se como provado no ponto 2. “O terreno é propriedade da Arguida, a Freguesia ... e ...” e, como não provado Facto A: Que a Arguida não seja responsável ou proprietária do terreno dos autos”.
Por seu turno, na motivação da decisão de facto, após análise da prova testemunhal produzida, pode ler-se que “a tese da arguida também não foi corroborada pela existência de qualquer prova documental que permitisse suportar o por si alegado, pelo que resultou não provado o facto referido em A)”.
E, no enquadramento jurídico fundamentou-se, além do mais, que “ A Arguida alega que "(...) é parte ilegítima, na medida em que a área/terreno em questão integra o baldio da ... e tal administração compete à Assembleia de Compartes da Povoação da União das Freguesias ... (...) e ..., que compete a Administração e Gestão dos prédios baldios, nos termos do preceituado na Lei dos Baldios 68/93 de 4 de Setembro".
Não juntou, porém, a Arguida quaisquer provas dos factos por si alegados ou que contrariem a factualidade apurada no ato de fiscalização e descrita no competente Auto de Notícia, pelo que mantém a responsabilidade pelos atos que lhe são imputados.
Importa referir que durante as diligências efetuadas pela GNR, esclareceu o Sr. Presidente da Junta de Freguesia que o terreno era pertença da Freguesia ... e ..., além de nas placas afixadas junto ao terreno, em que se proíbe o vazamento de lixo e entulho, se encontrar a identificação da mesma Freguesia, conforme decorre do Auto de Notícia.”
Dúvidas não subsistem, pois, de que a sentença recorrida, independentemente de o recorrente concordar ou não com decisão que veio a ser dada a essa questão, se pronunciou sobre a alegada ilegitimidade/responsabilidade da arguida/recorrente.
Consideramos, assim, que a sentença se encontra devidamente fundamentada e, consequentemente, não padece da arguida nulidade.

3.3. Erro de Julgamento.

Como resulta das suas conclusões a recorrente impugna a matéria de facto provada contida nos nºs 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10 e 11, que devia ter sido considerada não provada, e a não provada na al. A), que deveria ter sido considerada provada, porquanto entende que houve erro na apreciação da prova, mais concretamente dos depoimentos das testemunhas que arrolou.
De facto, a recorrente, no essencial, funda a sua divergência sobre a decisão de facto expressa na primeira instância na apreciação e interpretação da prova produzida, na medida da sua convicção, naturalmente diferente da formada pelo tribunal a quo.
Porém, como é sabido, não pode este tribunal, como pretendido, sindicar a matéria de facto provada e não provada.

Atenta a natureza deste processo, está vedado ao Tribunal da Relação conhecer da matéria de facto, porquanto, de acordo com o art.º 75º, do Dec. Lei nº 433/82, de 27/10:

1 - Se o contrário não resultar deste diploma, a 2.ª instância apenas conhecerá da matéria de direito, não cabendo recurso das suas decisões.”

Como escreveu António Leones Dantas [10]Consagra este dispositivo duas proposições relevantes: por um lado, a de que não cabe recurso das decisões do tribunal da Relação; por outro lado, a de que o tribunal da Relação conhece apenas de direito.”
Neste sentido foi decidido no Ac. da RP de 23-11-2020[11]: “IV - O que a recorrente está a pretender consubstancia inequivocamente uma impugnação da decisão sobre a matéria de facto, com vista à sua alteração, para se dar como provado matéria que a 1.ª instância deu como não provada. Ora, tal não é admissível, pois conforme decorre do art.º 51.º n.º 1, da Lei 107/2009 – em termos paralelos ao disposto no art.º 75.º n.º 1, do RGCO - como regra a segunda instância apenas conhece da matéria de direito”.
Quer isto dizer que a prova que ficou assente na primeira instância se considera fixada, a não ser que do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, se verifiquem alguns dos vícios a que alude o artigo 410º, nº 2 do Código de Processo Penal[12].
No caso, ainda que o recorrente não tenha suscitado qualquer um dos vícios elencados no citado nº 2 do art.º 410º do C. P. Penal, a Exmª Procuradora -Geral Adjunta no parecer, embora também entendendo que, face à natureza deste processo, está vedado ao Tribunal da Relação conhecer da matéria de facto,  concluiu que se deverá considerar verificado o vício previsto no art.º 410.º n.º 2 al. a) do CPP, ordenando-se, ao abrigo do art.º 426.º n.º 1 do CPP, o reenvio do processo à 1.ª instância para reabertura da audiência e subsequente prolação de nova sentença onde seja colmatado a insuficiência de diligências detectadas, que se consubstanciam na inquirição do Presidente da Junta de Freguesia (conforme o art.º 87.º do RGCO), de quem represente a assembleia de compartes, bem como a junção de documento que comprove a propriedade do terreno (se existir).
Assim, sendo, como já salientamos, jurisprudência obrigatória[13] que o tribunal de recurso deve conhecer oficiosamente dos vícios indicados no citado artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, passamos a pronunciar-nos sobre esta questão.[14]
 A decisão sobre a matéria de facto é susceptível de ser sindicada através da arguição dos vícios decisórios previstos nas als. a), b) e c) do n.º 2 do art.º 410.º do CPP, em que os vícios da decisão têm de emergir, resultar do próprio texto, o que significa que os mesmos têm de ser intrínsecos à própria decisão como peça autónoma.
No artigo 410.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Penal refere-se que, mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamento a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum.
Como persistentemente e uniformemente se vem sustentando na doutrina e jurisprudência[15] a insuficiência a que se reporta a citada al. a) do art.º 410º é um vício que ocorre quando a matéria de facto é insuficiente para a decisão de direito, o que se verifica porque o tribunal deixou de apurar a matéria de facto que lhe cabia apurar dentro do objecto do processo, tal como este está circunscrito pela acusação e pela defesa. Tal vício consiste na formulação incorrecta de um juízo: a conclusão extravasa as premissas; a matéria de facto provada é insuficiente para fundamentar a solução de direito encontrada.
Esse vício não se verifica quando os factos dados como provados permitem a aplicação segura do direito ao caso submetido a julgamento.
Nas palavras de Germano Marques da Silva [16] “ Para se verificar este fundamento é necessário que a matéria de facto se apresente como insuficiente para a decisão proferida e submetida a recurso por se verificar lacuna no apuramento da matéria de facto necessária para uma decisão de direito.
A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada não tem nada a ver com a eventual insuficiência da prova para a decisão de facto proferida. “
Entende a Exmª Procurada- Geral Adjunta  no seu parecer que o teor do auto de notícia e a referida actuação da recorrente são, salvo melhor opinião, manifestamente insuficientes para a prova dos (controvertidos) factos provados nos pontos 2 e 10, insuficiência esta que, na sua perspectiva, seria colmatada com a realização de diligências adicionais, a saber: a inquirição do Presidente da Junta de Freguesia ( conforme o art.º 87.º do RGCO), bem como a junção de documento que comprove a propriedade do terreno (se existir) e que” conduzirão à prolação de uma decisão cabalmente fundamentada e justa sobre o caso, seja ela de condenação, confirmando a responsabilização da arguida recorrente, designadamente, se for o caso, pela verificação da mencionada situação prevista no artigo 35.º n.º 1 al a) da Lei n.º 75/2017, de 17 de Agosto, ou de absolvição.”
Salvo o devido respeito por opinião em contrário, entendemos que essa invocação não consubstancia, pelos fundamentos supra expostos, o vício que estamos a analisar. Com efeito, não estão em causa factos necessários para a decisão, que o tribunal devesse averiguar, mas sim uma alegada insuficiência de prova e de omissão de diligências suplementares que reputa necessárias e relevantes para a descoberta da verdade e para a decisão a proferir.
Só que o citado vício e a invocada alegação não são passíveis de ser confundidos, uma vez que no vício previsto na al. a) do nº 2 do art.º 410º, é a decisão de facto que é insuficiente para suportar a decisão de direito, enquanto o alegado vício suscitado pela Exmª PGA enquadra-se num momento logicamente anterior- é a prova produzida que é insuficiente para suportar a decisão de facto.
Como afirma, Paulo Pinto de Albuquerque[17], “ o vício da insuficiência não coincide com a nulidade da omissão de diligências probatórias essenciais (art.120.º n.º2, alin. d). O vício da insuficiência não inclui a omissão de diligências probatórias essenciais para a descoberta da verdade, pois a consequente nulidade deve ser tempestivamente arguida pelo respectivo interessado.
Não se pode invocar a insuficiência da matéria de facto para uma decisão de facto diferente da que foi proferida, uma vez que aquela insuficiência tem de ser apreciada em função da solução adoptada para o caso na decisão recorrida. Isto é, a insuficiência da matéria de facto para a decisão de direito não se confunde com a insuficiência da prova para a decisão de facto proferida. Esta é uma questão que respeita ao recurso da matéria de facto, sendo que é com este enquadramento que o recorrente aponta este vício à sentença recorrida, pois entende que com a junção de um suposto relato de uma acção encoberta, cuja existência o tribunal recorrido não houve por confirmada, lhe permitiria a prova de outros factos que ora invoca. “
Como se escreveu também no Acórdão da Relação de Lisboa de 18-10-2006[18]A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada não se confunde com uma suposta insuficiência dos meios de prova para a decisão de facto tomada.”. (sublinhado nosso).
Em igual sentido o Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 24-04-2018[19] “Tal lacuna de factos deve resultar da própria decisão recorrida, mediante a aferição interna que apenas atende ao que nela consta, e não se confunde, pois, com a eventual falta de provas que pudessem sustentar a demonstração da factualidade que ali foi dada como apurada.”
A suscitada omissão de diligências a verificar-se, apenas seria susceptível de configurar uma nulidade prevista na al. d) do nº 2 do art.º 120º do C. P. Penal, a arguir antes que o acto esteja terminado (art.º 120º, n.º 3, al. a)), sob pena de se considerar sanada.
Como se diz no acórdão desta Relação de 27/04/2009[20], “O juízo de necessidade ou desnecessidade de diligências de prova não vinculada, nos termos do artigo 340º do Código de Processo Penal (CPP), não é sindicável por via de recurso directo”, pois, “A omissão de diligências que possam reputar-se como essenciais para a descoberta da verdade acarreta, antes, uma nulidade relativa (sanável) prevista no artigo 120º, n.º 2, alínea d), do CPP, a arguir “antes que o acto esteja terminado” (art. 120º, n.º 3, al. a)), que servirá de eventual fundamento de recurso (cfr, art. 410º, n.º 3 do CPP)”.
Concluímos, assim, que a ilação jurídica que o tribunal a quo retirou dos factos provados mostra-se, pois suficientemente sustentada nestes, sem que ocorra qualquer omissão susceptível de ser integrada no vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
Por conseguinte, torna-se se inviável a modificabilidade da decisão proferida sobre a matéria de facto.
Improcede também esta questão.

3.4. A violação do princípio da legalidade.

Se bem conseguimos compreender a recorrente invoca ainda que foi violado o princípio da legalidade por ter sido condenada pela prática de uma contra-ordenação prevista em legislação que foi, entretanto, revogada (cfr. conclusão 29º).
Vejamos se lhe assiste razão.
Em obediência ao princípio da legalidade previsto no art.º 3º da Lei quadro das contra-ordenações ambientais toda a conduta contra-ordenacional terá de se encontrar inerente a respectiva proibição legal, uma vez que só pode ser punido como contra-ordenação ambiental o facto descrito e declarado passível de coima por lei anterior ao momento da sua prática.
O presente procedimento de contra-ordenação teve início no dia 5 de Outubro de 2015, às 15h 30m, data e hora em que se verificou a contra-ordenação.
No dia 09-12-2021 foi a arguida condenada na autoridade administrativa no pagamento de coima no valor de €12.000 (doze mil euros) pela prática de uma contra-ordenação ambiental grave, nos termos dos artºs. 3.º, nº 3 e 18.º, n.º 2, al. a) do DL n.º 46/2008, de 12/03, com as alterações introduzidas pelo DL n.º 73/2011, de 17/06.
Posteriormente, no dia 02-11-2022, foi proferida sentença, em que se decidiu julgar parcialmente procedente a impugnação judicial e, em consequência, aplicar à arguida, pela prática da contra-ordenação ambiental grave nos termos dos artºs 3.º, nº 3 e 18.º, n.º 2, al. a) do DL n.º 46/2008, com as alterações introduzidas pelo DL n.º 73/2011, de 17/06, pelo incumprimento do dever de assegurar a gestão de materiais provenientes de obras de construção e demolição, uma coima no valor de € 6.000 (seis mil euros).
O artigo 18.º, n.º 2 alínea a), do Decreto-Lei n.º 46/2008, previa que “Constitui contra-ordenação ambiental grave: a) O incumprimento do dever de assegurar a gestão de RCD, a quem, nos termos previstos no art.º 3.º, caiba essa responsabilidade, com excepção dos casos previstos no n.º 1;
Por sua vez, o artigo 3.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 46/2008 previa que “Em caso de impossibilidade de determinação do produtor do resíduo, a responsabilidade pela respectiva gestão recai sobre o seu detentor”.
A violação dessas disposições legais é sancionável a título de negligência, nos termos previstos no art.º 22º nº 3 al. b) da Lei nº 50/2006, de 29/08, alterada pela Lei nº 114/2015, de 28/08, com a coima de (euro) 12 000 a (euro) 72 000, reduzida para metade por força da atenuação especial aplicada (cfr artº 23.º-B).
O DL n.º 102-D/2020, de 10 de Dezembro (Regime Geral da Gestão de Resíduos) veio revogar o DL n.º 46/2008, de 12/03, com as alterações introduzidas pelo DL n.º 73/2011, de 17/06, sem que dessa alteração tivesse resultado a despenalização ou o desagravamento dos factos em apreço, que continuam sancionados no actual diploma.
Com efeito, o artigo 9.º, n.º 3, à semelhança do que já constava no artigo 3.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 46/2008, prevê que “em caso de impossibilidade de determinação do produtor do resíduo, a responsabilidade pela respetiva gestão recai sobre o seu detentor”.
E, no seu artigo 117.º, n.º 2, alínea b) passa a prever-se que “constitui contraordenação Ambiental grave, nos termos da Lei-Quadro das Contraordenações Ambientais, a prática dos seguintes atos (…) b) O incumprimento do dever de assegurar a gestão de resíduos, a quem, nos termos do previsto no artigo 9.º, caiba essa responsabilidade”, sendo sancionável com a mesma coima.
Ora, o artigo 4.º da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto (Lei-Quadro das Contra-Ordenações Ambientais) prevê, no seu n.º 1, que “a punição da contra-ordenação é determinada pela lei vigente no momento da prática do facto ou do preenchimento dos pressupostos de que depende” e, no seu n.º 2 que “se a lei vigente ao tempo da prática do facto for posteriormente modificada, aplicar-se-á a lei mais favorável ao arguido”.
Deste modo, atendendo a que a lei vigente à data em que se registou a prática da contra-ordenação era o DL n.º 46/2008, de 12/03 (com a redacção dada pelo DL n.º 73/2011, de 17/06) e porque do novo diploma não resulta um tratamento mais favorável à arguida, à situação dos autos continua a aplicar-se a lei vigente ao tempo dos factos, isto é, o DL n.º 46/2008, de 12/03, alterado pelo DL n.º 73/2011, de 17/06, conforme o princípio ínsito no mencionado artigo 4.º da Lei n.º 50/2006, de 29/08, como se decidiu na sentença recorrida.
Improcede, pois, também esta questão.

III. DECISÃO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente o recurso, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em três unidades de conta (art. 513º, n.º 1, do Código de Processo Penal, arts. 57º e 58º da Lei-Quadro das Contra-Ordenações Ambientais, 92º, n.ºs 1 e 3, e 93º, n.º 3, do DL n.º 433/82, de 27 de Outubro, e artº. 8º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III anexa a este último diploma).

(Texto elaborado pela relatora e revisto pelos signatários - art.º. 94º, n.º 2, do CPP)


Guimarães, 2 de Maio de 2023
                                                        
Anabela Varizo Martins (relatora)
Paulo Almeida Cunha (1º adjunto)
Helena Lamas ( 2ª adjunta)



[1] Cfr. entre outros Ac.do STJ de 27-10-2016  e de 06-06-2018, disponíveis in www.dgsi.pt  e, na doutrina, Germano Marques da Silva- Direito Processual Penal Português, 3, pag. 335.
[2] Cfr. entre outros Ac. da Relação de Évora de 22-09-2015, processo 126/14.3 T8 LAG. E1, relator António Latas.
[3] cf. “Constituição da República Portuguesa Anotada”, 2.º vol., 3.ª edição, Coimbra Editora, pp. 798/799.
[4] In Curso de Processo Penal, III, Editorial Verbo, 1994, pg. 290.
[5] proc. n.º 2965/06.0TBLLE.E1 in www.dgsi.pt.
[6] Marques Ferreira – Meios de Prova, in Jornadas de Direito Processual Penal - o Novo Código de Processo Penal, pág.229/230.
[7] Processo nº 05P662, disponível em www dgsi.pt.
[8] Cfr. Alberto dos Reis e Código de Processo Civil Anotado, Volume V, pag.497.
[9] Cfr. entre outos, Ac. do STJ de 21-02-2007, Processo nº 06P3932, Ac. da Relação de Coimbra de 03-10-2018, processo nº 19/18.5PEFIG.C1 e de 24-10- 2012, processo n.º 2965/06.0TBLLE.E1 e Ac. da Relação de Lisboa de 08-05-2019, processo nº 1211/09.9GACSC-A.L2, todos disponíveis in www.dgsi.pt.
[10] In Direito Processual das Contraordenações, pag. 279.
[11] Proc. nº 1508/19.0T8MAI.P1 e no mesmo sentido Ac. da Relação do Porto de 18-05-2020, no Proc. nº 1205/19.6T8OAZ.P1, disponíveis em www.dgsi.pt.
[12] Entre outros, Ac. do STJ de 04-12-2003 Proc. n.º 3188/03- 5.ª Secção, de 04-09-2015, AC. da R. de Coimbra de 10-07-2018 Proc. nº 26/16.2GESRT.C1, de 04/02/2015 Proc. nº 42/13.6GCMBR.C1, todos disponíveis in www.dgsi.pt.
[13]
[14] Neste sentido, o já citado acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 7/95, proferido pelo Plenário das Secções Criminais do STJ em 19 de outubro de 1995.
[15] nomeadamente, entre outros, Acórdão do S. T. J de 20-04-2006, processo n.º 06P363, 05-12-2007, Processo nº 07P3406, de 14-07-2010, Processo 149/07.9JELSB.E1.S1O e Ac. da Relação de Coimbra de 12-06-2019, Processo GDCBR C1disponível www.dgsi.pt.
[16] In Direito Processual Penal, Do Procedimento (Marcha do Processo), Vol. 3, 2020, pag. 324.
[17] in Comentário do Código de Processo Penal, Edição da Universidade Católica, a fls.1042.
[18] Proc. 6894 3ª Secção, disponível em www.dgsi.pt.
[19] Processo nº 1086/17.4T9FIG.C1 disponível in www.dgsi.pt.
[20] Processo º 12/03.2 TAFAF.G1, no mesmo sentido Acórdão do TRL de 26/02/2019 e do TRP de 25/05/2016, disponíveis in www.dgsi.pt.