Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | JOÃO LEE FERREIRA | ||
Descritores: | APROVEITAMENTO DE OBRA USURPADA CRIME TENTADO ABSOLVIÇÃO | ||
Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 01/11/2016 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | JULGADO PROCEDENTE | ||
Sumário: | I-A actividade de quem adquire um conjunto de obras contrafeitas e as transporta num veículo, ainda que com o propósito de as vir a vender, preenche o tipo de crime do art.º 199.º do CDADC na forma tentada II- Tendo em conta a moldura penal abstractamente aplicável para o crime consumado a prática do mesmo ilícito típico na forma tentada não é punível – artigos 22º, 23º Código Penal e 197º n.º1 CDADC. | ||
Decisão Texto Integral: | Processo 30/13.2GAFAF.G1 Tribunal da Relação de Guimarães
Acordam, em conferência, os juízes da secção penal do Tribunal da Relação de Guimarães,
1. Nestes autos de processo comum, o tribunal singular na Instância Local de Fafe da Comarca de Braga condenou o arguido Jab... pela prática de um crime de aproveitamento de obra usurpada, previsto e punido pelos artigos 197º, nº 1 e 199º do Código Direitos de Autor e Direitos Conexos, aprovado pelo Decreto-Lei nº 63/85, de 14 de Março na pena de quatro meses de prisão, suspensa na sua execução por idêntico período e, na pena de duzentos dias de multa, ao quantitativo diário de euros e cinquenta cêntimos. O Ministério Público, por intermédio do magistrado na instância local de Fafe, interpôs recurso e das motivações extraiu as seguintes conclusões: (transcrição) “1. Nos presentes autos, foi o arguido Jab... condenado, pela prática de um crime de aproveitamento de obra usurpada, previsto e punível pelos artigos 197°, n.° 1 e 199° do Código do Direito de Autor e Direitos Conexos (CDADC), aprovado pelo Decreto-Lei n.° 63/85, de 14 de Março, na pena de 04 (quatro) meses de prisão, suspensa na sua execução por idêntico período e, na pena de 200 (duzentos) dias de multa, à razão diária de 5,50 € (cinco euros e cinquenta cêntimos). 2. Da matéria imputada e dada como provada apenas resulta que no dia 08 de Janeiro de 2013, cerca das 14 horas e 45 minutos, na Estrada Nacional n.° 206, junto …, nesta comarca de Fafe, o arguido transportava na sua viatura automóvel, com a matrícula …, marca Renault , de cor preta, um fonograma, em suporte físico, de formato “Compact Disc Recordable” e 82 videogramas, em suporte físico, de formato “Digital Versatible Disc - Recordable” (DVD-R), que continham e constituíam cópias de obras protegidas ilegitimamente produzidas que o mesmo destinava à venda ao público. O arguido, por intermédio da ilustre defensora oficiosa, formulou resposta, concluindo que deve ser concedido provimento ao recurso, determinando-se a absolvição do arguido pela prática do crime de aproveitamento de obra usurpada. Neste Tribunal da Relação de Guimarães, a Exmª. procuradora-geral adjunta emitiu fundamentado parecer concluindo pela procedência do recurso. Recolhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir. 2. Para fundamentação da presente decisão impõe-se transcrever parcialmente a sentença recorrida. A matéria de facto provada é a seguinte (transcrição): “1. No dia 08 de Janeiro de 2013, cerca das 14 horas e 45 minutos, na Estrada Nacional n° 206, junto à …, nesta comarca de Fafe, o arguido transportava na sua viatura automóvel, com a matrícula …, marca Renault, de cor preta, um fonograma, em suporte físico, de formato "Compact Disc Recordable" e 82 videogramas, em suporte físico, de formato Digital Versatible Disc - Recordable (DVD-R), que destinava à venda ao público; 3. A questão fundamental suscitada no recurso consiste em saber se os factos provados preenchem os elementos objectivos do tipo de crime de aproveitamento de obra contrafeita ou usurpada. Na descrição típica constante do artigo 199.º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos (com a redacção da Lei n.º 45/85, de 17/9) comete o crime de que o arguido vem condenado na sentença recorrida « Quem vender, puser á venda, importar, exportar ou por qualquer meio distribuir ao público obra usurpada ou contrafeita ou cópia não autorizada de fonograma ou videograma, quer os respectivos exemplares tenham sido produzidos no país ou no estrangeiro será punido com as penas previstas no art.º 197.º » . No caso destes autos está provado que o arguido transportava na sua viatura automóvel e destinava à venda ao público um fonograma e oitenta e dois videogramas que não tinham sido editados pelos legítimos detentores dos respectivos direitos de autor e de que não possuía qualquer autorização para a comercialização. Sendo inequívoco que à luz de elementares regras de vivencia comum se seguiria o comércio daqueles registos, houve seguramente a prática dos actos objectivamente necessários para a realização do crime, mas o resultado e o dano decorrente da colocação à venda, ou da venda ou da distribuição ao público das obras contrafeitas não veio a ocorrer pela intervenção das autoridades policiais, ou seja, por circunstâncias estranhas à vontade do agente. Seguindo o entendimento expresso nos acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 2-12-2009 proc. n.º 42/05.OFBPVZ.P1 e do Tribunal da Relação de Coimbra de 05-05-2010 proc 56/08.8GDFND.G1, já citados nestes autos e acessíveis in www.dgsi.pt, o crime do artigo 199º/1 CDADC não pode deixar de ser caracterizado como um crime de dano e não como um crime de perigo (concreto ou abstracto). Exige-se uma lesão do bem jurídico, traduzido no interesse patrimonial do autor da obra e não o simples colocar, do mesmo, em perigo, como acontece no caso do mero transporte. O tempo verbal constante da norma incriminadora exige uma efectiva venda, ou colocação em venda ou distribuição ao público. Assim, a actividade de quem adquire um conjunto de obras contrafeitas e as transporta num veículo, ainda que com o propósito de as vir a vender, não preenche totalmente o tipo de crime do art.º 199.º do CDADC e se deve concluir que neste caso o crime se ficou pela forma tentada (art.º 22.º Código Penal). Por fim, tendo em conta a moldura penal abstractamente aplicável para o crime consumado (prisão até três anos e multa de 150 a 250 dias) a prática do mesmo ilícito típico na forma tentada não é punível – artigos 22º, 23º Código Penal e 197º n.º1 CDADC. Sem necessidade de mais considerandos, concluímos que por falta de tipicidade da conduta e por não ser punível a tentativa, tem de se absolver o arguido. 4. Pelos fundamentos expostos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Guimarães em julgar procedente o recurso do Ministério Público e em absolver o arguido Jab.... Sem tributação. Guimarães, 11 de Janeiro de 2016. Texto elaborado em computador e integralmente revisto pelos juízes desembargadores que o subscrevem.
João Carlos Lee Ferreira
Alcina Costa Ribeiro |