Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
456/14.4JABRG.G1
Relator: FERNANDO PINA
Descritores: ACTOS PROCESSUAIS
DOCUMENTAÇÃO OBRIGATÓRIA
REGISTO ÁUDIO OU AUDIOVISUAL
REGIME PREVISTO NOS ARTºS 99º E 101º
DO CPP
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/09/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: TOTALMENTE IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I) Da conjugação do disposto nos artºs 99º, nº 1 e 101º, nº 4,ambos do CPP, resulta a prevalência do auto escrito, para a documentação do acto processual, face ao registo áudio desse mesmo acto processual, ou seja, em caso de concorrência de documentação do acto processual, em auto escrito e em registo áudio, só arguindo a falsidade do primeiro, ainda que utilizando como meio de prova o segundo, se poderá invalidar o constante desse registo escrito, pois resulta expresso do citado artº 99º, nº 1, do CPP, que o auto faz fé quanto aos termos em que se desenrolaram os actos processuais.

II) Contudo, mesmo sendo utilizado como meio de prova, a gravação áudio do mesmo acto processual, terá de ser sempre ponderada, a sua genuinidade e integralidade, ou seja, se reproduz na íntegra o acto processual, não contendo qualquer tipo de corte, interrupção, ou pausa e, se não foi objecto de qualquer tipo de manipulação posterior.

III) No caso concreto, existindo manifestamente na gravação efectuada do primeiro interrogatório judicial de arguido detido, um corte na gravação áudio efectuada, no preciso momento em que o juiz que presidiu faz ao arguido a advertência constante do artº 141º, nº 4, alínea b), do CPP e, constando do auto lavrado nesse mesmo acto processual, que essa advertência foi efectivamente efectuada, nem como meio de prova, poderá o registo áudio afectar a credibilidade resultante do auto lavrado.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM OS JUÍZES, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÂO DE GUIMARÃES:

I. RELATÓRIO

A –

Nos presentes autos de Processo Comum Colectivo, com o nº 456/14.4JABRG, da Comarca de Braga – Braga - Instância Central – 1ª Secção Criminal – Juiz 3, foi pronunciado o arguido:

- D. M., casado, vigilante, filho de … e de …, natural da freguesia de Merelim, concelho de …, nascido a … e, residente na Rua …, Braga, pela prática, como autor material e na forma consumada, de um crime de abuso sexual de crianças agravado, previsto e punido pelo artigo 172º, nº 1, com referência à alínea a), do nº 1, do artigo 177º, ambos do Código Penal.
O arguido D. M. não apresentou contestação, mas arrolou testemunhas.
A assistente B. L. deduziu pedido de indemnização civil contra o arguido, requerendo a sua condenação no pagamento do montante de € 22.800,00 (vinte e dois mil e oitocentos euros), a título de danos não patrimoniais e de danos patrimoniais futuros, face à necessidade de acompanhamento psicológico permanente, pelo menos por 10 anos.
O arguido/demandado apresentou contestação ao pedido civil, impugnando os factos e o montante indemnizatório reclamado.

Realizado o julgamento, veio a ser proferido pertinente Acórdão, no qual se decidiu:

- Condenar o arguido D. M., pela prática de um crime de abuso sexual de criança, previsto e punido pelos artigos 171º, nº 1 e, nº 2 e, 177º, nº 1, alínea b), ambos do Código Penal, na pena de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão;
- Julgar parcialmente procedente o pedido cível deduzido e, em consequência, condenar o demandado/arguido D. M. a pagar à demandante/ofendida B. L. a quantia indemnizatória global de € 18.980,00 (dezoito mil novecentos e oitenta euros), sendo € 1.980,00 (mil novecentos e oitenta euros) relativos aos danos patrimoniais e € 17.000,00 (dezassete mil euros) para compensação dos danos não patrimoniais sofridos, a acrescer de juros de mora à taxa legal sucessivamente em vigor desde a data da notificação para contestar até integral pagamento, absolvendo-o do restante valor peticionado.

Inconformado com esta decisão condenatória, o arguido D. M. da mesma interpôs o presente recurso, extraindo da respectiva motivação, as seguintes conclusões (transcrição):

1. O recorrente foi condenado pela prática de um crime de abuso sexual de crianças (p. e p. artigo 171º, nº 1 e 2 e 177º, nº 1, alínea b) do CP), na pena de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão.
2. O recurso tem como objecto a reapreciação de matéria de facto e de direito.
3. Consideradas as questões suscitadas sobre a matéria de facto, o condenado reafirma o interesse no recurso interlocutório já interposto sobre a valoração das declarações prestadas no primeiro interrogatório judicial – artigos 407º, nº 3 e 412º, nº 5 do CPP.
4. Quanto a estas declarações, o Tribunal a quo valorou aquilo que o arguido não excluiu, aquilo que não negou e ainda o que não confirmou; apelando à lógica, os silogismos realizados conduzem a conclusões que não são válidas: pois da não negação ou da não exclusão da prática de factos não se pode concluir pela sua verificação – o que configura erro notório na apreciação da prova.
5. Por outro lado, o douto acórdão extrai conclusões do silêncio (não exclusões; não negações) do arguido e nessa medida viola o princípio da presunção da inocência – limitação constitucional à livre apreciação da prova.
6. Ao julgar provados os factos constantes dos pontos 5 e 6 o Tribunal a quo incorreu num erro de julgamento, posto que o arguido negou que tais factos tivessem ocorrido à noite (ao invés do explicitado na fundamentação constante a fls. 12 do douto acórdão); devendo aqueles factos ser julgados não provados.

Sem prescindir:

7. Assente a decisão no depoimento de E. L. e nas declarações da ofendida – e a motivação não o explicita –, também aqui existe um erro de julgamento, porquanto não foi feita prova de que tal tivesse ocorrido, e em consequência, os factos constantes dos pontos 5 e 6 devem ser julgados não provados.
8. Ao julgar provados os factos constantes do ponto 7, o douto acórdão recorrido enferma de erro notório na apreciação da prova; erro de julgamento e verifica-se uma nulidade da sentença, devendo os mesmos ser julgados não provados. Com efeito,
9. O douto acórdão valorou aquilo que o arguido não excluiu e não negou nas declarações prestadas no primeiro interrogatório judicial, enfermando assim dos vícios apontados nas conclusões 4 e 5; as conclusões extraídas com base em juízos de normalidade carecem de fundamento empírico; e no mais: o recorrente negou em julgamento a prática dos factos.
10. A convicção do Tribunal firmou-se também nas declarações da ofendida; mas a fundamentação do acórdão não esclarece devidamente porque é que as declarações da ofendida foram valoradas de forma diversa: o Tribunal ficou convencido, para além de dúvida razoável, e julgou provado que o recorrente apalpou e introduziu os dedos na vagina da ofendida mas julgou não provado que os abusos se iniciaram em 1999.
11. Sem beliscar o princípio da livre apreciação da prova ou apresentar uma interpretação diversa dos factos, não é claro, nem perceptível o processo de valoração de um mesmo meio de prova; donde, neste inciso, existe uma nulidade da sentença (cfr. artigos 379º, nº 1, alínea a) e 374º, nº 2 do CPP).
12. O Tribunal a quo incorreu num erro de julgamento ao dar como provado os factos constantes sob o ponto 8: o arguido nega a sua prática, e as declarações da ofendida não os confirmam, não havendo outra prova que sustente os mesmos, devendo os factos constantes do ponto 8 ser julgados não provados.
13. Ao julgar provada a matéria factual do ponto 11, o douto acórdão valorou aquilo que o arguido não excluiu e não negou nas declarações prestadas no primeiro interrogatório judicial, enfermando assim dos vícios apontados nas conclusões 4 e 5 – erro notório na apreciação da prova.
14. No que se refere à motivação da decisão verifica-se igualmente uma nulidade de sentença pelos fundamentos explicitados nas conclusões 10 e 11.
15. Acresce que o arguido negou a prática dos factos, e em nenhum momento a ofendida relata que o arguido se tenha masturbado perante si, inexistindo qualquer outra prova – o que constitui um erro de julgamento, e em consequência, os factos vertidos no ponto 11 devem ser julgados não provados.
16. Ao julgar provado os factos constantes dos pontos 13 e 14, o douto acórdão padece dos vícios apontados nas conclusões 4 e 5 – erro notório na apreciação da prova.
17. Além de que, ao basear parte do seu juízo naquilo que o arguido não conseguiu explicar, o Tribunal a quo valorou desfavoravelmente a sua não confissão parcial, o que, ainda que conjugado com outros meios de prova, constitui uma ofensa das leis da lógica e, consequentemente, um erro notório na apreciação da prova.
18. A valoração do silêncio do arguido no sentido de o desfavorecer – ainda que tal valoração se inclua num juízo mais amplo – constituirá sempre a violação do princípio da presunção da inocência (artigo 32º, nº 2 da CRP).
19. Pelo que deve ser julgado não provada a introdução dos dedos na vagina da ofendida pelo recorrente, passando então os pontos 13 e 14 dos factos provados a ter a seguinte redacção: 13. Para satisfazer as suas intenções libidinosas, o arguido ainda apalpou as “mamas” à sua enteada B. L. e acariciou-lhe a vagina. 14. Esta gritou ao que os vizinhos chamaram a PSP, ao que o arguido não abriu a porta.
20. No que se refere à motivação da decisão verifica-se igualmente uma nulidade de sentença pelos fundamentos explicitados nas conclusões 10 e 11, daqui resultando necessariamente uma nulidade da sentença.
21. Ao julgar provado os factos constantes do ponto 15, o acórdão evidencia os vícios indicados nas conclusões 4 e 5, incorrendo num erro notório na apreciação da prova.
22. Acresce que, nas declarações que a ofendida prestou não faz menção a perseguições por parte do recorrido com o pénis erecto; o arguido nega este específico facto; e a testemunha E. L. no que relata não faz qualquer alusão ao facto de o recorrente se encontrar com o pénis erecto – o que não deixaria de relatar se tal tivesse ocorrido, atenta a relevância.
23. Ao julgar provados factos sem que tivesse sido feito prova dos mesmos, o Tribunal a quo incorreu num erro de julgamento; em consequência, o ponto 15 deve ter a seguinte redacção: 15. O arguido, em Março/Abril de 2010, exibiu o pénis à ofendida, na cozinha da habitação; assim como entrou na casa de banho enquanto esta se encontrava a tomar banho e tirou fotografias da mesma nua.
24. Por outro lado, a motivação relativa ao natural funcionamento da erecção masculina (cfr. fls. 13 do acórdão) assenta em noções fisiologicamente erradas, e nessa medida o Tribunal a quo incorreu num erro notório na apreciação da prova.
25. A inexistência de fundamentação quanto à prova de que os factos ocorriam com a frequência de duas a três vezes por semana, nos termos do ponto 17 dos factos provados gera a nulidade da sentença.
26. Nas declarações para memória futura, a ofendida declarou que os factos ocorreriam com uma frequência de uma vez por semana quando era mais pequena e que posteriormente passou a ser uma vez por mês – pelo que a motivação é omissa quanto ao caminho lógico percorrido pelo julgador para chegar à conclusão de que os factos ocorreram com a frequência julgada provada.
27. Com a alteração dos factos provados, na sequência da impugnação da matéria de facto, concretamente dos pontos 7, 11 e 13, deixa de ter lugar a aplicação do artigo 171º, nº 2 do CP, passando os factos a subsumirem-se à previsão normativa do nº 1 daquela norma com a agravação estabelecida na alínea b), do nº 1 do artigo 177º do CP.
28. Dentro de uma moldura penal de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses a 10 (dez) anos de prisão, atentas as finalidades da aplicação das penas, a culpa como limite inultrapassável da medida da pena e ainda as circunstâncias que depõem a favor do arguido (cfr. ponto 23 dos factos provados) deve ser aplicada ao recorrente uma pena de prisão sempre inferior a 5 anos, suspensa na sua execução.

Sem prescindir:

29. No processo de determinação da moldura de prevenção o Tribunal a quo não ponderou devidamente o regular percurso escolar da ofendida, o seu baixo risco de revitimação e a conduta anterior do arguido.
30. Por outro lado, a determinação da medida concreta da pena não atendeu a circunstâncias essenciais que depõem a favor do arguido: inserção social, profissional e familiar; apoio dos progenitores e da irmã; cumprimento com a prestação mensal de alimentos devidos aos seus dois filhos menores e a frequência, após a prática dos factos, de consulta de psicologia no Hospital de Braga – circunstâncias subsumíveis ao artigo 71º, nº 2, alíneas d) e, e), do CP.
31. Considerando as condições de vida do arguido, a conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste e tendo em conta a sensibilidade à pena e a susceptibilidade de ser por ela influenciado (cfr. aut. e ob. cit. Pág. 249), e ainda as possibilidades elencadas nos artigo 51º, nº 1 e 52º do CP, é possível fazer um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento do arguido e suspender a execução da pena de prisão (cfr. artigo 50º, nº 1 do CP).
32. Pelo que deve este Venerando Tribunal revogar a decisão recorrida e substituí-la por uma outra que condene o arguido numa pena de prisão sempre inferior a 5 (cinco) anos, devendo a mesma ser suspensa na sua execução – vd., pela pertinência, Ac. TRE, de 07-03-2017, Processo nº 246/10.3JAFAR.E1.
33. Considerando os factos que, na sequência do recurso, sejam julgados provados e não provados, deverá ser arbitrada uma (nova) indemnização adequada, proporcional e razoável atendendo ao novo quadro factual provado.

Sem prescindir,

34. Deve a indemnização arbitrada no acórdão recorrido ser reduzida por se revelar excessiva em função dos factos provados.
35. Foram violadas as normas dos artigos 32º da CRP; 40º, nº 1, 51º, nº 1, 52º, 71º, nº 1 e 2 do CP; e os artigos 127º, 374º, nº 2, 379º, nº 1, alínea a) e, 410º, nº 2, alínea c) do CPP.
Termos em que, deve ser revogado o acórdão recorrido, fazendo assim, V. Exas, a costumada Justiça.

Previamente, havia interposto um recurso interlocutório, extraindo da respectiva motivação, as seguintes conclusões (transcrição):

1. O presente recurso incide sobre o douto despacho proferido na sessão de julgamento de 08-09-2017, que decidiu não existir qualquer inconstitucionalidade na norma do artigo 357º, nº 1, alínea b), conjugada com a do artigo 141º, nº 4, alínea b), ambos do Código de Processo Penal (CPP).
2. Do auto do primeiro interrogatório judicial do arguido (fls. 53 e 54) consta que a Mm.ª Juiz de Instrução o informou nos termos do artigo 141º, nº 4, alínea b).
3. Mas tal não sucedeu: o registo áudio [1ª gravação do interrogatório de 30-07-2014, em especial no período 00:01:59 a 00:04:50] demonstra cabalmente e sem margem para quaisquer dúvidas – porquanto não existe neste ponto qualquer corte na gravação, interrupção na mesma ou ininteligibilidade das declarações – que a Mm.ª Juiz de Instrução omitiu a informação ao arguido, prevista no artigo 141º, nº 4, alínea b).
4. A lei não impõe que as informações constantes do artigo 141º, nº 4, sejam incluídas no registo áudio; mas no caso dos autos há uma realidade inescapável: a gravação áudio registou toda a diligência, incluindo as comunicações ao arguido e revela a omissão já aludida.
5. Resulta da própria natureza da gravação áudio a sua maior fidedignidade quando comparada com a narração constante do auto, realizada por um intermediário e, por tal, sujeita ao erro humano.
6. Um processo penal de natureza garantístico – proclamado como verdadeiro direito constitucional aplicado –, marcado por uma forte preocupação em concretizar o artigo 32º, nº 1, da CRP, não pode deixar de atender ao acquis processual que sirva justamente a defesa do arguido. E mais: que corresponda à verdade.
7. Não valorar o registo áudio quando este documenta a omissão no cumprimento de uma informação fundamental para a defesa, equivale a dizer que o arguido não se pode socorrer da verdade em sua própria defesa. E descurar de forma intolerável a verdade material prosseguida pelo processo penal.
8. Sempre que o registo áudio do primeiro interrogatório judicial de arguido detido demonstre de forma evidente e cabal – desde logo por conter o registo de toda a diligência processual – que o arguido não foi informado nos termos e para os efeitos prevenidos no artigo 141º, nº 4, alínea b) do CPP (ainda que a acta assim o refira), a admissão da reprodução ou leitura das declarações em julgamento, ao abrigo do disposto na norma do artigo 357º, nº 1, alínea b), configura uma flagrante violação das garantias da defesa do arguido em processo criminal tal como consagrado no artigo 32º, nº 1 da CRP.
9. E determina a inconstitucionalidade material do artigo 357º, nº 1, alínea b), conjugada com o artigo 141º, nº 4, alínea b) quando interpretada nos termos supra expostos, por violação das garantias de defesa do arguido em processo criminal (cfr. artigo 32º, nº 1 da CRP).

Termos em que, deve ser julgado procedente o presente recurso e consequentemente revogado o douto despacho recorrido, substituindo-se por outro que determine a não valoração das declarações do arguido, prestadas no primeiro interrogatório judicial, fazendo assim, V. Exas, Venerandos Desembargadores, a costumada Justiça.

Notificado nos termos do disposto no artigo 411º, do Código de Processo Penal, para os efeitos do disposto no artigo 413º, do mesmo diploma legal, o Ministério Público pronunciou-se no sentido da improcedência dos recursos interpostos, apresentando as seguintes conclusões (transcrição):

1. A alegação da inconstitucionalidade do art. 357º do Código de Processo Penal quando interpretado no sentido de que as declarações do arguido no âmbito do 1º interrogatório podem ser valoradas ainda que o mesmo não tenha sido advertido nos termos do nº 4 do art. 141º do Código de Processo Penal não se encontra ajustada às circunstâncias que se encontram elencadas nos autos;
2. Porquanto o Tribunal valorou o depoimento considerando – tal como ordenado pelo Tribunal Superior – que a advertência tinha sido efectuada, tanto mais que constava da acta da diligência;
3. Pelo que se alega uma circunstância que não ocorreu nos autos e que determina que não se possa concluir que a norma foi aplicada e interpretada no sentido pretendido pelo arguido;
4. O Acórdão recorrido não enferma de nulidade por falta de fundamentação já que da leitura do mesmo resulta que o Tribunal motivou de forma exaustiva as circunstâncias que levaram à prova/não prova dos factos;
5. Como também do texto da decisão recorrida não se verifica a existência de erro notório na apreciação da prova já que todos os juízos formulados se revelam adequados e ajustados à realidade;
6. Também não se verifica a existência de erro de julgamento já que o Tribunal, de acordo com o princípio da livre apreciação da prova, conjugou a confissão parcial do arguido em audiência de julgamento com a confissão que efectuou no âmbito do 1.º interrogatório de arguido detido e ainda com as declarações para memória futura da ofendida e bem assim com o depoimento da sua mãe E. L. e conclui de forma inequívoca pela prática dos factos que levaram à condenação;
7. A pena concretamente aplicada mostra-se justa e adequada e, ainda que estivesse em causa a moldura abstracta prevista nos art.s 171º, nº 1 do Código Penal com a agravação do art. 177º, nº 1, al. b) do mesmo diploma legal – entre 1 e 8 anos, agravada de 1/3 nos limites mínimo e máximo –, ainda assim não poderia ser aplicada ao arguido pena de prisão inferior a 5 anos;
8. Mas mesmo que assim não fosse, nunca poderia a pena de prisão ser suspensa na sua execução já que dos autos não resultam quaisquer elementos relevantes que permitam concluir que seria suficiente a ameaça da prisão;
9. São relevantes as exigências de prevenção e também a ausência de arrependimento por parte do condenado, o que não permite formular um juízo de prognose favorável quanto à possibilidade de o mesmo voltar a delinquir.
Pelo que no Acórdão recorrido fez-se uma correcta interpretação dos factos e aplicação do direito, devendo o mesmo ser mantido na íntegra.
Porém V. Exas decidindo farão Justiça.

Notificada nos termos do disposto no artigo 411º, do Código de Processo Penal, para os efeitos do disposto no artigo 413º, do mesmo diploma legal, a assistente B. L. pronunciou-se no sentido da improcedência dos recursos interpostos, apresentando as seguintes conclusões (transcrição):

Quanto ao recurso interlocutório:
Nestes termos e nos melhores do Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve ser negado provimento ao recurso interposto pelo Arguido, julgando improcedente a inconstitucionalidade arguida, mantendo-se a decisão recorrida.
Fazendo-se, assim, a necessária Justiça.

Quanto ao recurso do Acórdão condenatório:

Termos em que, e nos demais de Direito, que V. Exas. doutamente suprirão, deve ser negado provimento ao recurso interposto pelo recorrente, fazendo-se assim, a habitual e necessária Justiça.

O Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto, neste Tribunal da Relação emitiu parecer no sentido da improcedência dos recursos interpostos pelo arguido, conforme melhor resulta de fls. 1151 e 1153, dos autos.
Foi cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, não foi apresentada qualquer resposta.
Procedeu-se a exame preliminar.
Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

B -
Do despacho proferido em 8 de Setembro de 2017, resulta:

Não obstante o invocado pela defesa do arguido D. M., a verdade é que, compulsados os autos, e começando por esta questão se verifica que o auto de interrogatório de arguido de 30 de Julho de 2014 (fls. 53 a 61 dos autos) contém as advertências que derivam do artº 141º, nº 4, alíneas a) a e) do C P. Penal.

De facto no 1º parágrafo de fls. 53, lê-se “Em seguida, nos termos do disposto no art. 141º, nº 4, al. a), do C. P. Penal, a Mm.ª Juiz informou o arguido dos direitos no artº 61º, nº 1 …”. No segundo segmento, diz-se singelamente que informou o arguido que não exercendo o direito ao silêncio, as declarações a prestar “serão usadas no processo mesmo que julgado na ausência ou não preste declarações em audiência, estando sujeito à livre apreciação da prova”, o que corresponde à advertência do nº 4 al. b) do art. 141º, embora aqui não se refira efectivamente a norma.

E diz-se no terceiro segmento a fls. 54, no respeito às advertências, “Informou-o ainda, nos termos das alíneas c), d) e e) do nº 4 do art. 141º”.

Uma vez que do auto constam tais advertências e por outro lado, que a questão ora suscitada já havia sido também arguida, e objecto de um recurso por parte do MP, que mereceu a decisão de provimento nos termos do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães no dia 22-05-2017, que efectivamente determinou à primeira instância a produção do meio de prova que consta deste auto, isto é, das declarações então prestadas pelo arguido em 1º interrogatório judicial perante o Sr. Juiz de Instrução Criminal, obviamente que o tribunal está vinculado por esta decisão e a reabertura se destina, única e somente, à produção deste meio de prova, o que o tribunal terá de fazer, pois a questão está decidida por caso julgado formal.

Além do mais, e por fim, diga-se ainda que a arguição de qualquer discrepância, irregularidade ou falsidade de acta, isto é, a eventual divergência entre o que consta do auto e eventualmente o que consta da gravação, ou aquilo que se passou na diligência, deveria ter sido feita no próprio acto, ademais, porque o arguido estava representado pelo Defensor nomeado e porquanto estava presente o MP, defensor da legalidade, evidentemente, a questão devia ter sido suscitada no auto ou nos 10 dias após a realização da diligência, como é jurisprudência também uniforme nas Relações do Porto e de Guimarães, onde se podem consultar vários acórdãos a propósito desta questão.

Por tudo isto o tribunal indefere o requerido, no sentido da não leitura das declarações do auto, que terão de ser lidas consoante o ordenado pelo tribunal da Relação de Guimarães, e, afigura-se ainda ao tribunal não existir qualquer inconstitucionalidade na norma do art. 357º, nº 1, al. b), a par do art. 141º, nº 4, al. b), ambos do C.P.P., o que se decide.
Notifique.

No Acórdão recorrido e em termos de matéria de facto, consta o seguinte:

Factos provados:

Com relevância para a causa resultou provado neste autos que:

1. O arguido D. M. é padrasto da ofendida B. L., nascida a 27 de Julho de 1996.
2. O arguido casou com a mãe da ofendida, E. L., em 27 de Novembro de 1999, tendo do casamento nascido R. M. e M. M., respectivamente, a 30 de Agosto de 2002 e a 11 de Setembro de 2010.
3. Quando o arguido casou com E. L., foram viver, juntamente com a ofendida para junto da Rua …, em Braga.
4. Posteriormente, quando E. V. estava grávida de R. M. mudaram-se para a Rua …, Braga.
5. Pelo menos desde que a B. L. fez 5 anos de idade (27 de Julho de 2001), até ao ano de 2010, por diversas vezes, o arguido, que, à data trabalhava como segurança, com horários rotativos, quando chegava a casa durante a noite, aproveitando-se que a esposa se encontrava a dormir, deslocava-se ao quarto da ofendida B. L..
6. Aí chegado, retirava a roupa da B. L., esfregava-se em cima dela e apalpava-a.
7. No mesmo período de tempo supra referido, em data que não se logrou apurar concretamente apurar, mas quando a B. L. tinha 5 anos, por diversas vezes, o arguido sentou-a no seu colo enquanto esta estava a jogar computador, apalpou-lhe a vagina e introduziu os dedos no interior da vagina, causando-lhe dor e desconforto.
8. No mesmo período de tempo supra referido, em data que não se logrou concretamente apurar, mas por diversas vezes, o arguido apareceu durante a noite no quarto de B. L., todo o nu, exibindo-lhe o pénis.
9. No mesmo período de tempo supra referido, em data que não se logrou concretamente apurar, mas por diversas vezes, o arguido deslocou-se ao quarto da ofendida B. L. durante a noite, deitou-se em cima da mesma, apalpou-lhe os seios e esfregou-se em cima da mesma.
10. Em data que não se logrou apurar, mas no período de tempo supra referido, mas quando a B. L. se encontrava já no 5.º ano de escolaridade, na sala de estar, o arguido agarrou-a, atou-lhe as mãos e as pernas e deitou-a no sofá, e com uma câmara de filmar, filmou-a nua, projectando a sua imagem na televisão.
11. Em data que não se logrou apurar, mas no período compreendido entre 2001 (depois de a menor completar 5 anos) e 2010, o arguido, por diversas vezes, introduziu os seus dedos na vagina da B. L. e masturbou-se em frente à mesma.
12. Em Fevereiro de 2009, quando a ofendida B. L. tinha 12 anos de idade, aproveitando o facto de se encontrar sozinho em casa com esta e que estava no sofá, o arguido despiu-a, retirou-lhe as calças e as cuecas, retirou as suas calças e cuecas, agarrou nas mãos da B. L. com as suas próprias mãos e roçou o seu pénis nas costas e nas nádegas da B. L..
13. Para satisfazer as suas intenções libidinosas, o arguido ainda apalpou as “mamas” à sua enteada B. L. e acariciou-lhe a vagina, tendo, acto contínuo, introduzido os seus dedos na vagina daquela.
14. Por ter causado grande dor à menor B. L., esta gritou ao que os vizinhos chamaram a PSP, ao que o arguido não abriu a porta.
15. Por diversas vezes, no período supra indicado, e no interior da habitação em que ambos residiam, o arguido perseguiu a ofendida B. L. pela casa, com o pénis erecto, nomeadamente em Março/Abril de 2010 em que lho exibiu na cozinha da habitação, assim como entrou na casa de banho enquanto esta se encontrava a tomar banho e tirou fotografias da mesma nua.
16. Estes factos começaram a ocorrer com menor periodicidade, já em 2009, após os factos que levaram a que os vizinhos tivessem chamado a PSP, pois o arguido começou a ter mais receio.
17. Os factos descritos ocorreram sempre no interior da habitação e que o arguido vivia com a ofendida B. L., filha da sua esposa, com a frequência de pelo menos duas vezes por semana e sempre que o arguido se encontrava sozinho com esta ou quando os restantes habitantes se encontravam a dormir.
18. O arguido só cessou o seu comportamento quando a ofendida B. L. já tinha 14 anos de idade e começou a resistir aos seus avanços.
19. O arguido agiu de forma livre deliberada e consciente, com o propósito concretizado de satisfazer os seus apetites sexuais, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.
20. O arguido sabia bem a idade da menor, e que os seus actos feriam gravemente a sensibilidade e dignidade da ofendida, bem como a autodeterminação sexual desta, ainda assim decidiu cometê-los.
21. Mais sabia serem as suas condutas proibidas e punidas por lei.

Mais se provou que:

22. O arguido não tem antecedentes criminais.
23. O processo de socialização decorreu em … Braga, onde residiu até contrair casamento, tendo integrado uma família de adequados recursos socioeconómicos, dado a condição de emigrantes dos progenitores.

O arguido tem duas irmãs, sendo o segundo descendente do casal.
Foi criado pelos avós paternos entre os 7 e os 11 anos de idade, período em que a sua progenitora esteve emigrada na Alemanha, onde o próprio residiu um ano.
O ambiente familiar foi pautado por um clima de violência física e verbal perpetrado pelo progenitor (ao qual é atribuído um quadro de stress pós traumático de guerra) sobre os vários elementos do agregado familiar.
A família explorou um café depois do progenitor regressar em definitivo a Portugal.
Precocemente o arguido teve de colaborar no café com o pai e em trabalhos agrícolas.
Frequentou o ensino regular até o 8.º ano de escolaridade, com registo de uma retenção no 2.º ano. Em adulto completou o 9.º ano, fez frequência do 11.º ano, que conciliou com o trabalho no café do pai.
Fora do contexto familiar, entre 1995 e 1999, o arguido trabalhou no “Supermercado A”,mudando-se para a área de vigilância com o objectivo de melhorar o seu vencimento.
Exerce a profissão de vigilante há 17 anos, sendo funcionário da “X- Prestação de Serviços de Segurança e Vigilância, S.A”, em horário rotativo e com a a possibilidade de realização de trabalho extraordinário.
Foi casado com E. L. entre 1999 e Março de 2015, divórcio, precedido de separação desde Julho de 2014, aquando da aplicação ao arguido da medida de coacção de proibição de permanência na habitação nos presentes autos.
No período a que se reportam os factos o arguido integrava o agregado constituído pela mulher, auxiliar administrativa em estabelecimento público de saúde, a ofendida/enteada B. L., e os dois filhos menores, R. M. e M. M..
O relacionamento familiar e conjugal foi descrito como equilibrado, embora algo condicionado pelos horários desencontrados do arguido e da mulher, devido à rotatividade do horário de trabalho daquele.
A família residiu em apartamento T3, adquirido por recurso ao crédito bancário, situado em meio urbano com condições referidas como adequadas de habitabilidade e conforto.
Sobreviviam dos seus vencimentos, sendo a despesa com o empréstimo bancário do apartamento, no valor mensal de 300,00 € (trezentos euros), a mais significativa.
Desde Julho de 2014, o arguido reside em casa dos pais, pessoas reformadas e com problemas de saúde, que dentro das suas possibilidades o apoiam, tal como uma irmã que reside na mesma rua.
Esta irmã tem facilitado condições para que ocorram os encontros entre o arguido e os seus dois filhos, judicialmente confiados à progenitora e a residir na casa de morada de família, situação que merece o acompanhamento técnico dos serviços de segurança social.
D. M. continua a exercer a profissão de vigilante na “X”, auferindo cerca de 700,00 € (setecentos euros) de vencimento, dos quais paga 200,00 € (duzentos euros) de alimentos aos filhos R. M. e M. M., e quando necessário comparticipa ainda em 50% nas respectivas despesas de saúde.
Refere ter ficado prejudicado na carreira, não tendo acedido a um cargo de chefia pelo facto de a ex-mulher ter informado a entidade patronal do processo.
O arguido frequentou consultas de psicologia no Hospital de Braga, processo de acompanhamento iniciado em 17.09.2014 e que foi finalizado em 12.04.2016 por alta clínica.
Apesar de o processo ter causado surpresa aos familiares, estes estão disponíveis para apoiar o arguido.

Do pedido cível provou-se que:

24. A B. L. frequenta o curso de Belas Artes na Faculdade do Porto, onde beneficia de bolsa de estudos para alunos com dificuldades económicas, de cerca de 200,00 Eur. (duzentos euros).
25. A mãe trabalha e aufere de salário 668,00 Eur. (seiscentos e sessenta e oito euros) por mês.
26. B. L. frequenta consultas de Psicologia desde Novembro 2015 na “BG”, com a frequência de uma vez por semana, com o custo de 60,00 Eur. (sessenta euros) por consulta.
27. Até à data já despendeu 1.980,00 Eur. (mil novecentos e oitenta euros) nas aludidas consultas.
28. Sente-se revoltada com os abusos de que foi vítima, sofre de insónias e ansiedade, mostra raiva e tristeza em face da situação vivenciada.
29. Teve receio e medo do arguido, sendo incapaz de compreender plenamente o que lhe sucedia aquando dos abusos, sentindo vergonha e desgosto.
30. Sofre de sintomatologia de carácter clínico - perturbação de stress pós-traumático, com sintomas de somatização (isto é, mal-estar resultante da percepção do funcionamento somático, por exemplo, falta de forças em partes do corpo) e psicoticismo (isolamento interpessoal, ideia de punibilidade e castigo, etc.), além de sintomas de irritabilidade, dificuldades de atenção e concentração e sinais de hipervigilância, perturbação que tem de ser tratada através de acompanhamento psicológico e/ou psiquiátrico com várias consultas ou sessões.

Factos não provados.
Não se provou que:

1. Que foi pelo menos o ano de 1999, data em que B. L. tinha 3 anos de idade, que se iniciaram os abusos sexuais perpetrados pelo arguido D. M.;
2. Que os abusos só começaram a ocorrer com menor periodicidade em 2010.

Motivação da decisão de facto:

AA convicção do tribunal alicerçou-se na análise crítica e ponderada do conjunto da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, valorando as declarações prestadas pelo arguido (no 1º interrogatório e em audiência), as declarações para memória futura da ofendida B. L., os depoimentos às demais testemunhas arroladas pela acusação, pela ofendida e pela defesa, a par da prova documental e pericial existente nos autos, tudo apreciado à luz das regras da experiência comum e de acordo com os critérios legais da valoração dos meios de prova.
Em obediência ao acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães a 22 de Maio de 2017, reaberta a audiência, reproduziram-se na íntegra as declarações então prestadas pelo arguido à Sr.ª Juiz de Instrução criminal a 20.7.2014, e que constam transcritas por súmula no auto de 1º interrogatório de fls. 53 a 61 do 1º volume dos autos.
Tais declarações foram prestadas na presença da Sr.ª Juiz de instrução, do Ministério Público e do Defensor nomeado ao arguido, sendo gravadas, depois de o arguido ser confrontado com os motivos da detenção e da sua apresentação para efeitos de 1º interrogatório judicial.
Iniciou o arguido por dizer que, quanto aos factos “a maioria deles não me lembro ao pormenor, mas são verdade”, questionado sobre se todos os factos lidos eram verdade, após breve interrupção por afirmar que se estava a sentir mal, não obstante num período inicial ter respondido clara e firmemente às questões relativas à identidade, disse o mesmo “lamento muito profundamente o mal que causei à miúda … as coisas aconteceram de forma inesperada, algo se apoderava de mim, ficava bloqueado, fazia as coisas e depois deitava mãos e pensava “o que é que eu fiz” … não sei … devia andar mal da cabeça, nessa altura tinha muitas dores de cabeça, era segurança, dormia pouco, nem sei se cheguei a ter um esgotamento”, e mais acrescentou “estava a ouvir os factos e não acredito como fiz isto”.
A insistência da Sr.ª Juiz que presidiu ao interrogatório, o arguido apenas ressalvou o período de tempo de início dos factos, afirmando, tal como em sede de audiência, que o início dos abusos se situará quando a B. L. já tinha 5 ou 6 anos de idade, isto é, após 27 Julho de 2001, e que começou com “pequenas brincadeiras de colo”, não excluindo que a apalpasse na vagina e que aí lhe introduzisse dedos, o que lhe foi comunicado expressamente, bem ainda disse que entre os 7 e os 10 anos da B. L. (Julho de 2003 a Julho de 2006) não se recordava de nada, não negando a prática de actos da mesma natureza nesse período, apenas afirmando que a B. L. nesse lapso temporal estava todo o dia na escola e no ATL, o que obviamente não invalida a existência dos abusos nos períodos pós lectivos.
Mais referiu o arguido que depois da menor ficar menstruada, que a mesma lhe despertou maior interesse, que pensava “está uma mulherzinha”, o que situou entre os 10 e os 12 anos daquela, e que a partir daí “sempre que tinha uma oportunidade ficava bloqueado e não via mais nada à minha frente, depois arrependia-me”, não excluindo desde logo a prática de actos de masturbação na frente da menor, que se esfregasse na mesma, que lhe retirava a roupa, que lhe exibia o pénis no quarto dela, que a apalpava nos seios, assim como não excluiu o episódio ocorrido no 5.º ano da B. L. (quando a deita no sofá com mãos e pernas atadas e que a filma e projecta a sua imagem na televisão), que lhe continuou a apalpar e introduzir dedos na vagina, que a perseguia pela casa com o pénis erecto, que entrou na casa de banho quando ela tomava banho e que lhe tirou fotografias nua.
Mais referiu que deixou de abusar da menor a partir de 2009, sendo que depois desse ano apenas admitiu ter-lhe exibido o pénis na cozinha, o que terá sido “fruto de um surto”.
De novo questionada sobre os factos pela Sr.ª Juiz e se os ouviu e confirma na íntegra disse que sim, informou ainda o Tribunal de que no mesmo dia iria mudar-se para casa dos pais, e confrontado pelo Defensor se assumia ou aceitava ter algum género de patologia, afirmou “só posso ter uma doença, que bloqueava, e que esquecia depois o que fazia”, mas que tendo noção de que o fazia que ainda pensou procurar ajuda mas que recuou ante a hipótese de o médico o denunciar às autoridades, manifestando no entanto a disponibilidade para se sujeitar a tratamento médico.
São pois estas as declarações do arguido em sede de 1.º interrogatório, relativamente às quais, em sede de reabertura de audiência, o arguido começou por dizer que “estava há trinta horas sem dormir”, que disse que era tudo verdade mas que “estava ‘perturbado” e “que não sabia o que dizia”, mantendo, em suma, apenas e só aquilo que disse em sede da 1.ª sessão da audiência de julgamento.
Ora, comece-se por dizer que o afirmado pelo arguido quanto ao seu alegado estado de perturbação e/ou cansaço aquando do 1º interrogatório não colhe, desde logo o arguido estava representado por Defensor, a quem poderia comunicar tal estado, se ele se verificasse, e que asseguraria o tempo necessário ao retomar da serenidade necessária ao acto, assim como o Sr. Juiz de instrução, o que de resto sucedeu, quando o arguido disse estar a sentir-se mal, interrompendo-se a diligência, por outro lado, ouvidas as referidas declarações, podemos afirmar sem pejo que o arguido estava sereno, lúcido e esclarecido dos motivos da detenção e dos factos que lhe eram imputados de forma indiciária naquela diligência.
É que o arguido não só assumiu um discurso perceptível e lógico, segundo a sua posição processual, pois afirmou querer prestar declarações, quando podia ter obviamente optado por não o fazer, usando do direito ao silêncio, fazendo exarar em acta até que não o fazia apenas por não estar no momento em condições de o fazer, como ao prestar essas declarações, conseguiu, confrontado com a questão “Todos os factos que li são verdade?”, iniciar um raciocínio lógico-dedutivo no sentido de afirmar que estava arrependido de todo o mal que fez à ofendida, que o lamentava mas que tudo acontecia de forma inesperada, porque algo se apoderava dele, que bloqueava, e que agia dessa forma porque andava mal da cabeça, que não consegue explicar a sua conduta a não ser porque estaria doente, isto é, assumindo a prática dos actos, apenas ressalvou a data inicial dos abusos, que fixou sempre a partir do 5 anos da menor (2011), não negando absolutamente nenhuma parte do acervo fáctico que lhe foi comunicado pela Sr.ª Juiz de Instrução.
Isto é, o arguido não se limitou a subscrever por mera afirmação os factos que lhe foram comunicados, o arguido admitiu a sua prática, apenas ressalvando a data de início dos abusos, o que implicou a lucidez para discernir o ano de início das práticas abusivas, ainda que por referência à idade da menor, isto é, conseguiu encontrar naquele acervo fáctico algo que não subscreveu, limitando o período temporal em causa (dos 3 para os 5 anos da menor), e ainda conseguiu dizer que entre os 7 e os 10 anos da menor não se recordava de nada, isto é, não negou a ocorrência de abusos, mas não conseguiu recordar os concretos actos praticados. Por outro lado, assumiu ainda que as condutas se intensificaram quando a menor passou a ser menstruada e conseguiu balizar o ano em que cessou as práticas abusivas (2009), ressalvando ainda um episódio ocorrido em 2010 na cozinha da habitação.
As primeiras declarações do arguido foram claras e inequívocas, não revelando qualquer perturbação ou cansaço, ou sequer qualquer confusão mental derivada da alegada falta de descanso posterior à detenção, aliás o arguido fez questão de afirmar, questionado pelo Defensor presente, que aceitando sofrer de alguma patologia, que já em 2009 pensou em procurar ajuda mas que não o fez porque teve receio que o médico o denunciasse e que não tinha posses económicas para tal, mais uma vez revelando uma capacidade de argumentação justificativa do não recurso a auxílio médico.
A capacidade de raciocínio e de argumentação do arguido vai ao ponto de, no final do interrogatório, fazer questão de afirmar, depois de questionado sobre a sua situação profissional e vencimento, sem que tal questão lhe fosse directamente colocada por ninguém, que “gostaria de continuar a contribuir para a educação dos meus dois filhos”, referindo-se aos menores R. M. e M. M., filhos em comum com E. L., mãe da sua enteada B. L., por estar naturalmente preocupado com a repercussão do processo-crime no exercício das suas responsabilidades parentais.
Não pode dizer-se que o raciocínio do arguido estivesse toldado, limitado ou de alguma forma reduzido pelo contrário, conseguiu logo o arguido ressalvar a data de início dos abusos, mas nada mais, nem negou quaisquer actos concretos dos referidos como tendo sido por si praticados, nem a periodicidade semanal da sua ocorrência, nem tão-pouco o local onde eram praticados e a forma de abordagem da menor.
Assim sendo, não pode o Tribunal deixar de ter em conta essas mesmas declarações – cfr. arts. 127º, 141º, nº 4, al. b) e 357º, nº 1, al. b), todos do C.P.Penal - pois que embora não valendo as mesmas como confissão, constituem mais um meio de prova a valorar, a par dos demais, e que foi de encontro aos demais concatenados nos autos e produzidos em audiência.
De facto, tendo a Sr.ª Juiz de Instrução dado conhecimento ao arguido dos elementos do processo que indiciavam os factos imputados e nos quais se baseava para o sujeitar a interrogatório e eventual aplicação de uma medida de coacção, dando-lhe obviamente a hipótese de se pronunciar sobre eles, dando-lhe assim oportunidade para exercer de forma esclarecida o direito de defesa, e tendo o mesmo prestado as declarações referidas, não exercendo ali o direito ao silêncio, não pode o colectivo deixar de retirar as devidas ilações daquelas que foram as suas primeiras declarações no Tribunal, ainda que a par dos demais meios de prova produzidos em audiência.
Ora, e no que respeita às declarações prestadas no decurso dos trabalhos da audiência ante o Tribunal colectivo (nas sessões iniciais e também na sessão de reabertura, esta apenas a propósito da audição do conteúdo daquele auto de 1.º interrogatório), e que resultam na inflexão da posição do arguido quanto ao que disse à Sr.ª Juiz de Instrução criminal, pois ali tudo admitiu apenas ressalvando a data de início dos abusos, deve dizer-se que não existe congruência na postura assumida pelo arguido, nem as declarações prestadas em audiência retiram validade àquelas e aos demais meios de prova produzido nos autos.
Em audiência de julgamento o arguido admitiu parte dos factos que lhe são imputados, os quais confirmou terem ocorrido na casa de morada de família e tanto à noite como de dia, caso ficasse sozinho em casa com a menor neste último caso, depois desta sair da escola/ATL, já que tinha horários rotativos como vigilante, profissão que exercia já à época, situando os abusos no período em que aquela iniciou a escola (5/6 anos) e até ao episódio ocorrido em 2010, em que é surpreendido pela mãe da B. L., quando lhe exibia o pénis, referindo que não podia explicar o porquê da sua atitude, verbalizando-se arrependido.
Referiu que quando a menor era pequena, antes de o filho R. M. nascer, que começou a sentir necessidade de a acariciar e apalpar, admitindo que a sentava ao seu colo, que se esfregava nela, que a apalpava em várias partes do corpo, sem pormenorizar, sucedendo isto também quando lhe dava banho, e que se sentia bem com tais a prática de tais actos.
Admitiu que conforme a menor foi crescendo, que os abusos foram num crescendo, tanto ocorrendo no quarto da menor, se estava em casa mais alguém (a mãe e o irmão) ou na sala (se estavam sós), “crescendo” esse que não sendo expressão do arguido, se vê o Tribunal forçado a usar, já que admitiu que a apalpava nos seios, que lhe acariciava e tocava a vagina (afirmando ser um “toque superficial”), que lhe exibiu várias vezes o pénis, que lhe chegou a tirar fotografias no banho (dizendo que isso só sucedeu uma vez e que logo apagou as fotografias), que a despia e que também se despia ou ficava semi-nu.
No que respeita ao episódio da filmagem da menor, embora admitindo que agarrou a B. L., que a deitou no sofá, que a manietou, sem pormenorizar como, e que se roçou e esfregou nela, negou ter feito qualquer filmagem e/ou projecção de imagens da enteada na televisão.
Assim como negou que tenha introduzido os seus dedos na vagina da ofendida B. L. e se tenha masturbado em frente à mesma e/ou ter ejaculado para cima dela, em qualquer ocasião.
Assumiu que, quando a B. L. tinha 12 anos de idade, aproveitando o facto de se encontrar sozinho em casa com ela, que no sofá a despiu, que lhe retirou as calças e as cuecas, que retirou as suas calças e cuecas, e que agarrou nas mãos da B. L. com as suas próprias mãos e que roçou o seu pénis nas costas e nas nádegas dela. Mais assumiu que lhe apalpou as “mamas” e acariciou a vagina, recusando que tenha de seguida introduzido os seus dedos na vagina.
Porém, não conseguiu explicar, atenta a idade da menor à data e a sequência em crescendo dos abusos praticados, que já se mantinham há pelo menos sete anos, o porquê de a menor ter gritado nesta ocasião, ao ponto de os vizinhos chamarem a PSP, e o facto de não ter aberto a porta à autoridade policial, quando este episódio, retirando a introdução dos dedos na vagina, nada de novo traz à sua prévia actuação e comportamento perante a enteada. Só se compreendendo aliás a reacção da B. L. (gritos audíveis pelos vizinhos e de forma a convencê-los de que algo se passava, ao ponto de chamarem a PSP ao local), por a mesma ter sentido dor, com a existência da introdução dos dedos na zona vaginal. É isso que nos levam a concluir as regras da normalidade, face à anterior conduta já mantida com a menor pelo arguido.
Admitiu ainda o arguido que, por diversas vezes, no período supra indicado, e no interior da habitação em que ambos residiam, lhe exibiu o pénis, afirmando que este não estava erecto, o que obviamente também não colhe, ante a natureza dos actos que praticou e que visava praticar, e ante a própria natureza funcional deste órgão, já que admitindo que sentia excitação e prazer na sua prática, não se compreenderia que não tivesse o pénis erecto por não padecer de qualquer disfunção a esse nível, pelo menos nunca o declarou ao Tribunal, nem juntou qualquer prova médica que o atestasse.
Segundo o arguido, depois de a PSP lá ter ido a casa, a E. L. confrontou-o com tal situação, da qual teve conhecimento por uma vizinha, e não pelo próprio, e que acabou por lhe confessar o que fez, que disse que se ia entregar à polícia, o que não chegou a fazer porque a própria E. L. lhe disse que ia resolver a situação e que a B. L. o perdoava, relato que não mereceu qualquer credibilidade ao Tribunal, porque foi contrariado pelo depoimento da E. L., que explicou as circunstâncias em que acabou por manter a vida conjugal com o arguido, embora já com outras cautelas e desconfianças do arguido.
O arguido foi-se manifestando arrependido da conduta perpetrada afirmando que, após o episódio ocorrido em 2010, quando foi surpreendido pela E. L. na cozinha, quando exibia o pénis à menor, que sentiu necessidade de se tratar mas que não o fez nessa ocasião por ter medo de ser denunciado, e que já após a denúncia, por sua iniciativa, e depois de ter saído de casa, o que sucedeu no Verão de 2014 (o que terá sucedido na data da sua detenção, a 29.7.2014), que fez tratamento durante ano e meio no Hospital de Braga, no serviço de psicologia, por ter uma compulsão sexual.
Como as declarações confessórias do arguido em audiência foram parciais, foram ainda reproduzidas, por leitura, em face da transcrição já constante dos autos, as declarações para memória futura prestadas pela ofendida, à data com 18 anos de idade (cfr. certidão do assento de nascimento de fls. 46 – nasceu a 27 de Julho de 1996), quando inquirida perante o Mm.º Juiz de Instrução Criminal a 16 de Fevereiro de 2015, conforme o auto de fls. 185 e 186, onde relata os factos que se sucederam durante anos e que estão transcritas de fls. 214 a 275 dos autos.
Destas declarações resulta patente, pela clareza do relato, pela persistência da descrição e da sequência de actos recordados (sem prejuízo de pequenas hesitações justificadas pelo decurso do tempo e pela sua idade aquando do início dos abusos, bem como pelo trauma daí decorrente, reconhecidamente recalcador de algumas memórias), aliadas à postura assumida pela B. L., desde logo ao nível da linguagem, revelando sofrimento e dor, que a mesma foi repetidamente abusada pelo padrasto, entre os 5 e os 14 anos (data em que a mãe presencia o episódio da cozinha e ela, já mais velha, começa a resistir ao arguido), nos moldes descritos nos factos provados.
Ao contrário do referido pelo arguido, cuja confissão é restrita a alguns actos (carícias várias partes do corpo, roçar, despir, exibir pénis flácido, apalpar mamas e acariciar a vagina, deitar-se sobre a menor, com ela de costas, roçar o pénis, etc), ficou evidente para o Tribunal que os abusos foram muito para além disso, incluindo a introdução dos dedos na vagina da menor, ao longo dos anos em que os abusos se repetiram (pelo menos de 26.7.2001 e 2010), e ainda no episódio ocorrido em Fevereiro de 2009, além da existência de masturbação, da exibição do pénis erecto, da projecção de filme da menor nua, etc.
De facto, admitindo o arguido que em 2010, estando a mulher em casa, bem como o filho menor de ambos, R. M., e depois de já ter previamente ocorrido o episódio da PSP (2009), que segundo o arguido relatou lhe causou receio, abrandando os seus anteriores comportamentos, veio nesta mesma ocasião incompreensivelmente a agir, em plena luz do dia e quando decorria a normal rotina familiar, pelo que temos de concluir, atentas as regras da experiência comum e da normalidade do acontecer, que tudo o que sucedida quando se mostrava a sós com a enteada ia muito para além deste tipo de acto exibitório do pénis.
E. L., mãe da ofendida, confirmou que a separação de facto entre o casal ocorreu apenas em Julho 2014, quando a B. L. fez 18 anos de idade, tendo sido o divórcio decretado em Março de 2015.
Relativamente à relação existente entre o arguido e a B. L. caracterizou-a como distante, por não gostarem um do outro, o que lhe parecia evidente ante a diversa relação mantida entre aquele e os dois filhos do casal (R. M. e M. M.), e já assim se revelando desde o tempo de namoro com o arguido.
Embora a ordem sequencial do depoimento não tenha sido esta, a mãe da menor começou por afirmar que nunca suspeitou da existência dos abusos, que viveu um “casamento de fachada”, o que se acentuou com o nascimento dos filhos.
Relativamente ao episódio ocorrido em 2010, recordou estar grávida da M. M. com cerca de 4 meses (nascida a 11.9.2010), e que se estava a arranjar para levar o R. M. e a B. L. à escola, quando ouviu um grito desta, dirigindo-se logo para a cozinha, onde surpreendeu o arguido de boxers e a B. L. sentada, com as lágrimas a correr, a tomar o pequeno-almoço. Que questionou “o que se passa aqui?”, sem que nenhum respondesse, questionando então a filha se o arguido lhe tinha feito alguma coisa, negando esta, insistindo ela, acabando a B. L. por dizer que aquele lhe tinha mostrado a “pila”.
Nesta ocasião levou os filhos para a escola, depois de atirar com um castiçal ao arguido, num acto de fúria, apenas se reunindo de novo com ele à noite, sendo que após falarem os dois e ela a sós com a B. L., reconhecendo que não foi forte, que “não quis ver o que se passava”, e não obstante tenha sido esse o ponto de ruptura na relação do casal, que se mantiveram a viver todos juntos.
Tal depoimento suscitou questões variadas do MP, da própria assistente e da defesa, nomeadamente a propósito do facto de não ter logo ali posto um termo ao seu casamento, mas a verdade é que, as palavras da E. L. foram de tal forma claras e impressivas, sendo patente o sofrimento e o arrependimento desta mãe, que o Tribunal as aceitou como inteiramente credíveis, em face da natureza do comportamento humano, sobretudo ante uma situação de gravidez, já que esta justificou o ter compactuado com tal situação, e ter mantido um casamento de fachada, pelo facto de estar grávida da M. M., razão porque nunca quis acreditar que o arguido fosse capaz de comportamentos mais gravosos, como veio depois a aperceber-se, sentindo-se fragilizada porque “não queria estragar o que tinham
Quanto ao prévio episódio ocorrido no ano de 2009, explicou que chegou a casa no final do dia de trabalho e que a vizinha Maria, de quem era próxima, já que o filho R. M. e o filho desta brincavam juntos, a informou que a PSP se tinha dirigido lá a casa, porque outros vizinhos, ao ouvirem gritos da B. L., ligaram para as autoridades, que se fartaram de tocar à campainha, e que ninguém atendeu ou abriu a porta, embora se ouvisse música e sons provindos da habitação.
Perante tal relato, confrontou a B. L. com a situação, questionando-a sobre o sucedido, afirmando esta variadas vezes que “nada” se havia passado, porém, insistindo com ela, viu que ela reagiu de forma estranha, pelo que a questionou se o arguido estava em casa com ela, o que esta confirmou, insistindo que explicasse o porquê dos gritos, dando como hipóteses se ele a havia castigado, se lhe havia batido, se lhe havia tocado ou se ela havia tocado no pai, dizendo sempre ela que não, até que afirmou que o arguido a havia tocado. Depois deste relato dirigiu-se a testemunha a casa da Maria para desabafar, pois ficou “destruída” ao aperceber-se que vivia com uma pessoa diferente da que imaginava.
Explicou que quando o arguido chegou a casa à noite, recusou falar com ele, fechando-se no quarto com a B. L., e que lhe ligou pelo telemóvel a dizer que não queria ouvir nada porque sabia que a PSP lá havia estado, afirmando-lhe aquele que não abriu a porta porque não queria problemas e porque tinha de ir trabalhar.
Relatou ainda que já no dia seguinte, que foram levar os filhos à escola, para não quebrar as rotinas dos menores e para que eles não se apercebessem da situação de conflito, acordando em dirigir-se juntos à esquadra da PSP. No percurso de carro, o arguido começou a chorar, e afirmou que não sabia o que se passava consigo, que era viciado em sexo (E. L. confirmou que o arguido via muita pornografia, e que exigia muito de si a esse nível), e que estando a B. L. no sofá naquele dia, que “fui para cima dela” e que “não sei o que me passou pela cabeça”.
Chegados à esquadra da PSP, o arguido explicou que no dia anterior não abriu a porta por estar com pressa para ir trabalhar, afirmando o agente que já haviam recolhido informações no prédio, que uma outra vizinha tinha dado boas referência do casal, e que muito provavelmente a denúncia seria arquivada, acabando o arguido por não reconhecer qualquer abuso sexual, com a sua conivência, já que não reagiu nem nada disse na esquadra, sentindo-se “devastada e destruída com a consciência da fachada que era o seu casamento”, depoimento que mais uma vez pela honestidade e palavras empregues revelou total credibilidade, afirmando de novo de forma sofrida que até aqui foi sempre muito feliz e que se sentia até então plenamente realizada com o seu casamento.
Depois disto insistiu para que o arguido se tratasse, mas como ele dizia que não tinham dinheiro, e na realidade não tinham grandes possibilidades económicas, face aos respectivos vencimentos à época, que permaneceram nas rotinas de sempre embora, no que respeita à B. L., passasse a estar mais atenta, evitando que ficasse a sós com o arguido, passou a controlar os movimentos e os horários de ambos, também por telemóvel, ligando à filha constantemente, para saber onde estava e o que fazia.
Entre os anos de 2010 e 2014, após a ocorrência do episódio da cozinha, não teve conhecimento qualquer outro abuso ocorrido, sendo certo que no dia da festa de aniversário dos 18 anos da B. L. (a 27.7.2014, sendo a festa a 28.7.2014), esta deixou-lhe uma carta dobrada em cima do balcão da cozinha, que na ocasião arrumava, dizendo-lhe “sei que vais sofrer muito, seis que vais ficar muito magoada” mas lê, retirando-se para o seu quarto.
Esta carta corresponde ao manuscrito de fls. 16 dos autos, cujo teor confirmou em audiência, afirmando que a letra é da filha B. L., carta esta que leu, mas não na íntegra no imediato, por não ter tido forças para o fazer à medida que se apercebeu do seu conteúdo, “caindo-lhe o mundo aos pés”, logo se dirigindo para junto dela pedindo-lhe perdão “por ser tão burra”, agarrando-se ambas a chorar.
Mais confirmou que no dia a seguir se dirigiu à PSP, conforme resulta do teor da participação de fls. 73 dos autos, dar conta do recebimento da tal carta, que lhe foi endereçada pela filha, na sequência do que foi alertado o piquete da PJ para averiguações, tudo ainda em conformidade com o auto de denúncia de fls. 2 a 5, apresentado pela B. L. dois dias após atingir a maioridade - 29.7.2014, na própria Polícia Judiciária, conjugado com o teor da carta por si subscrita e dirigida à mãe, esta junta como referido a fls. 16 dos autos, cujo teor impressivo se abstém o Tribunal de reproduzir, mas elucidativa dos abusos a que foi sujeita anos a fio.
E. L. prestou ainda depoimento na parte respeitante ao pedido de indemnização cível, mais uma vez de forma credível, relatando os sofrimentos, a dor, a angústia que a filha lhe transmitiu, decorrentes da situação abusiva sofrida, esclarecendo que a mesma ainda hoje se sente revoltada, que odeia ser vista como “vítima”, que tem insónias e sofre de ansiedade, que chumbou no último ano do curso de Belas Artes, por faltas, e que está a fazer sessões semanais de psicologia com o Dr. R. F. da “BG”, cujo custo ascende a 60,00 Eur. (sessenta euros) por sessão, já tendo despendido até à data cerca de dois mil euros no apoio psicoterapêutico, tudo em conformidade com o teor dos recibos e declarações juntas aos autos de fls. 527 a fls. 530.
Mais referiu que a filha evidencia tristeza em face da situação vivenciada e que, depois da denúncia, percebeu que a mesma nunca lhe relatou as situações abusivas, sem ser os episódios de 2009 (em que nem contou tudo) e de 2010, por ter receio e medo do arguido, por sentir vergonha e desgosto com o que sucedia.
Maria – vizinha do casal, relatou o episódio ocorrido no período abrangido pelos pontos 14 e 15 dos factos provados, quando a PSP se dirige ao prédio por denúncia de vizinhos (que não ela, a relatar gritos provindos do apartamento), o que situou em Fevereiro de 2009.
Explicou que a PSP lhe pediu informações sobre o casal E. L. e D. M., seus vizinhos da frente, porque no dia anterior a vizinha do 2.º direito havia ligado à esquadra a relatar ter ouvido vários gritos da B. L., sendo que quando ali se dirigiu a patrulha da PSP, apesar de haver gente em casa, que ninguém abriu a porta, sendo que ante esta situação resolveu dizer à E. L. o sucedido, reagindo esta a chorar, e pedindo-lhe que lhe desse uns minutos para ir falar com a B. L. ao seu apartamento para averiguar o sucedido. Relatou que a E. L. regressou ao seu apartamento desesperada afirmando que a B. L. referiu ter sido assediada pelo padrasto, que a havia acariciado.
Relativamente à B. L. disse impressivamente que “não viveu a infância”, que sempre achou esta menina apática, muito reservada, nunca a viu contente ou triste, mas sempre num estado de torpor, e que não se relacionava com as outras crianças, que falava muito pouco, sendo certo que os seus filhos brincavam com o R. M., irmão daquela, e que ela ainda assim não convivia com eles.
Muitíssimo relevantes foram os esclarecimentos prestados em audiência de julgamento pela Sr.ª Dr.ª O. C., Psicóloga, que subscreveu, com outros colegas especialistas na área, o relatório de perícia psicológica de fls. 298 a 309, elaborado na Escola de Psicologia da Universidade do Minho, e cujo teor confirmou.
Tal relatório foi lavrado após realização de três entrevistas à ofendida B. L. e duas entrevistas à mãe, E. L., a após recolha de informação e posterior avaliação por meio de testes, que visou aferir “da credibilidade do testemunho, a sua capacidade de discernimento e de distinguir o bem do mal”.
Quanto à credibilidade do relato explicou a Sr.ª Perita que, para assim se concluir, que ponderam o relato como um todo, que no caso a revelação dos abusos surgiu na 2.ª e 3.ª sessão, que não encontraram incoerências, discrepâncias ou incongruências no mesmo relato, e que o mesmo apresenta todas as características que o permitem classificar de credível e coerente.
Sublinhou que, não obstante tal não signifique que os abusos possam ter-se iniciado em período anterior, que o 1.º episódio que a ofendida recordou e descreveu com vividez, descrevendo-o com grande grau de pormenor foi um ocorrido aos 5 anos de idade, aquando da frequência do pré-escolar.

Concretamente quanto à introdução de dedos na vagina sublinhou que a ofendida B. L. relatou de forma clara um episódio sofrido aos 12 anos, por ter sentido dor, e que já relativamente à eventual prática do abuso sexual por meio da introdução do pénis em partes do corpo daquela, que a ofendida manifestou dúvidas, desde logo porque a mesma, tal como as demais vítimas deste tipo de actos abusivos de cariz sexual, dissociava na ocasião dos abusos, o que é normal neste tipo de situação e nestas faixas etárias, porque as vítimas procuram abstrair-se da situação de que estão a ser alvo e/ou afastar-se para outro pano mental por forma a suportar a essa mesma situação traumática.
Explicou a Sr.ª Perita que a B. L. apresenta ainda hoje, e assim revelou em contexto de entrevistas e testes, um quadro clínico que demanda tratamento psicoterapêutico, pois manifestou raiva, revolta e tristeza em consequência da situação abusiva vivenciada, e que a mesma sofre de perturbação de stress pós-traumático, que tem de ser tratado através de intervenção psicológica e/ou psiquiátrica, com sessões periódicas, cujo número não pode quantificar, pois tudo depende da evolução da doente em concreto e da metodologia/terapêutica aplicada.

Do relatório pericial extrai-se ainda que, em suma:

- a B. L. revela idoneidade e possui os requisitos elementares para fornecer um testemunho credível sobre as suas experiências;
- a B. L. aludiu espontaneamente a experiências de vitimação sexual perpetradas pelo padrasto, situações de abuso continuadas e reiteradas no tempo, ocorridas na casa de morada de família, entre os seus 5 e os 14 anos;
- o relato apresenta características verdadeiras, apresenta consistência interna e há consistência entre os vários relatos, além de que persistiu a ofendida sempre nas mesmas declarações; a narrativa apresentou uma estrutura lógica e coerente, havendo enquadramento temporal e contextual dos eventos com as actividades rotineiras, além de que referiu estratégias dissociativas aquando das práticas abusivas, características deste tipo de casos; além de que não foram detectadas distorções significativas de memória ou eventual mentira da autoria da jovem ou induzida por terceiros;
- do ponto de vista da avaliação do impacto, constatou-se a presença de sintomatologia clinicamente significativa nalguns domínios avaliados, pois evidenciou sintomas de somatização (isto é, mal-estar resultante da percepção do funcionamento somático, por exemplo, falta de forças em partes do corpo) e psicoticismo (isolamento interpessoal, ideia de punibilidade e castigo, etc.), além de que relatou dificuldades em adormecer ou manter-se a dormir, sintomas de irritabilidade, dificuldades de atenção e concentração e sinais de hipervigilância, dificuldades reportadas a vítimas de crimes sexuais, indicadores adicionais para a credibilidade do relato, a respeito da experiência de vitimação;
- o risco de revitimação é baixo pois a ofendida percepciona tais experiências abusivas como negativas, mostra-se consciente da inadequação das mesmas e apresenta conhecimentos suficientes acerca da sexualidade, não mantendo qualquer contacto com o aludido agressor;
- a ofendida B. L. revela idoneidade, demonstrando possuir os requisitos elementares para fornecer um testemunho credível sobre as suas experiências, resulta parecer positivo quanto à credibilidade do relato da ofendida, uma vez que o testemunho apresenta um conjunto significativo de indicadores compatíveis com uma experiência efectivamente vivida, que a mesma evidencia desajustamento psicológico clinicamente significativo, revelando sinais e sintomas congruentes com as experiências abusivas relatadas, sendo benéfica a sua inclusão num processo psicoterapêutico para optimizar os recursos pessoais e diminuir a sintomatologia evidenciada em contexto de avaliação;
- refere ainda tal relatório pericial ser necessário submeter o arguido a uma avaliação psicológica/psiquiátrica no sentido de aferir de forma rigorosa o grau de risco que este representa para os seus filhos menores (R. M. e M. M.) e para outras potenciais vítimas.
Foram ainda inquiridos João e Luís, pessoas que mantiveram relações de namoro com a ofendida B. L., aquele cerca de 3 meses, entre Novembro de 2015 e Janeiro de 2016, e este cerca de 18 meses, entre Janeiro de 2013 e Maio/Junho de 2014, ambos seus amigos, embora este último já há mais tempo, pois que a conheceu ainda em 2012 (quando faltavam três dias para a B. L. fazer 16 anos).

João descreveu a B. L. como pessoa muito fechada a nível emocional, por ter notórias dificuldades em criar laços com outras pessoas, em quem não confia facilmente, tendo dificuldades em expressar os afectos, mesmo nos actos praticados em intimidade.
Relatou que a B. L. lhe disse ter sido vítima de abusos sexuais por parte do padrasto, em lágrimas, afirmando-lhe que tal sucedeu por um longo período de tempo, demonstrando grande sofrimento com tal situação, relato que apenas fez de forma mais pormenorizada, por insistência da testemunha, mês e meio após o início do namoro, situação que no ver da testemunha, justificou toda a sua conduta no decurso do relacionamento.

De facto, a testemunha que disse já ter tido outras experiências de namoro, que envolveram a prática de relações sexuais, afirmou que a B. L. rejeitava o afecto que lhe dava embora fosse uma pessoa carente, que não era receptiva à prática das relações sexuais, que se apercebia que a mesma não sentia desejo e que a consumação do acto sexual era visto como mera obrigação por serem um casal de namorados e não por retirar prazer dele.

Por sua vez, a testemunha Luís descreveu-a como pessoa reservada, triste, tímida, com dificuldades de interacção com os outros (mesmo com os seus pais, que chegou a conhecer e que dela gostavam, evitava contactos), frágil, sendo que com o avançar da confiança entre ambos, que a aquele lhe relatou ter um mau ambiente, que não gostava do padrasto, que tinha algo para lhe dizer, mas que tinha vergonha, que essa situação a deixava triste e nervosa e que tinha receio de contar. Sendo que, cerca de 3 ou 4 meses após relatou ter sido vítima de abusos sexuais perpetrados pelo padrasto, que os mesmos se iniciaram quando ainda era muito nova e que se perpetuaram anos.
Quanto ao relacionamento que mantiveram disse, em consonância com a anterior testemunha, que também ele já tinha tido outros relacionamentos, sendo este muito diferente, porque a B. L. dificilmente aceitava um carinho ou um afecto, e que a mesma não tinha vontade de ter relações sexuais.
Estas duas testemunhas referiram impressivamente que, dado o convívio mantido com a B. L., antes, no decurso e depois dos namoros terminarem, que nunca duvidaram de que o relato por ela feito fosse verdadeiro, acreditando que foi vítima de abusos sexuais, o que se coaduna com toda a sua conduta.
Da conjugação de todos estes meios de prova resultou o convencimento do Tribunal sobre a existência do abuso sexual imputado ao arguido, nos termos descritos nos factos provados, atendendo à confissão parcial do arguido, aliada às declarações para memória futura da B. L., que nos mereceram inteira credibilidade, conjugadas com os depoimentos colhidos à mãe, E. L., à vizinha, Maria, embora quanto a esta relativamente ao episódio ocorrido em 2009, e aos esclarecimentos colhidos à Sr.ª Perita, co-subscritora do relatório pericial junto ao processo, cujas conclusões são claras e coerentes, ainda conjugados com os depoimentos das testemunhas João e Luís, cuja honestidade, frontalidade e clareza acabaram por sustentar toda a demais prova, em face da descrita personalidade e comportamento da ofendida no seu quotidiano.

Uma última palavra se impõe para afirmar que ainda que assim não fosse, da mera valoração das declarações prestadas pelo arguido em sede de 1.º interrogatório - cujo teor o mesmo visou desvalorizar e pôr em causa, embora sem sucesso, acto em que foram asseguradas todas as garantias de defesa, estando representado e assistido por Defensor Oficioso - admitiu então a prática de todos os factos que lhe foram indiciariamente imputados, ressalvando apenas e tão só o período de tempo da sua prática (delimitando a data de início e termo), com o teor das declarações colhidas em memória futura da ofendida, cuja credibilidade resulta para o colectivo inequívoca, seria o bastante para afirmar a convicção segura da ocorrência dos mesmos factos, em face do reconhecimento da prática dos actos que a ofendida igualmente e de forma espontânea descreveu, em sede de declarações para memória futura, e já havia descrito em parte na carta entregue à mãe no dia em que faz dezoito anos de idade.

Tais declarações iniciais do arguido D. M. compaginadas com as declarações para memória futura da ofendida, e ainda enquadradas com o conteúdo da carta de fls. 16, a par daquilo que ficou expresso no relatório pericial, a propósito deste tipo de situações traumáticas (iniciadas em faixas etárias mais baixas, como foi o caso), mas a afirmar que em circunstância ou momento algum se verificou que a menor relatasse factos que não tivessem ocorrido e a sublinhar da credibilidade do relato da ofendida, levaram o Tribunal a dar como demonstrada a factualidade transposta para os factos provados, nomeadamente quanto à prática pelo ofendido dos mais variados actos sexuais na menor e com a menor, entre 2001 e 2010, e quanto à periodicidade semanal da sua prática.
No que concerne à personalidade, condição socioeconómica e familiar do arguido foi apenas valorado o teor do relatório social de fls. 502 a 507, conjugado com o teor dos depoimentos colhidos às testemunhas de defesa arroladas nos autos, R. D. e António, irmã e cunhado do arguido, sendo que curiosamente aquela acabou por dizer no seu depoimento que, quando confrontou o irmão com a situação, após saber da denúncia, e que o mesmo foi detido e interrogado na PJ, ele assumiu tudo menos a “violação”, que no seu entender ocorre apenas quando existe introdução do pénis em partes do corpo de vítima.
Quanto à ausência de antecedentes criminais atesta o teor do boletim de fls. 498.
Ainda quanto ao ponto dois dos factos provados atendeu o Tribunal ao teor dos assentos de nascimento de fls. 344 a 350 e, no que respeita à data do casamento entre o arguido e a mãe da ofendida, ao teor do assento de casamento de fls. 47.

Enquadramento jurídico-penal:

Dispõe o art. 171º do Código Penal em vigor que: “1. Quem praticar acto sexual de relevo com ou em menor de 14 anos, ou o levar a praticá-lo com outra pessoa é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos. 2. Se o acto sexual de relevo consistir em cópula, coito anal, coito oral ou introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou objectos, o agente é punido com pena de prisão de três a dez anos.”.

Este crime é agravado nos termos do art. 177º, nº 1 alínea b) de 1/3 nos seus limites mínimo e máximo (passando a ser punido no caso do nº 1 do artigo 171º com pena de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses a 10 (dez) anos e 8 (oito) meses de prisão e no caso do n.º 2 do mesmo artigo 171.º com pena de 4 (quatro) anos a 13 (treze) anos e 4 (quatro) meses de prisão) se a vítima se encontrar numa relação familiar, de tutela ou curatela, ou de dependência hierárquica, económica ou de trabalho do agente e o crime for praticado com aproveitamento desta relação (a redacção desta norma foi alterada pela Lei nº 103/2015 de 24.08, mas a moldura penal mantém-se a mesma).

A este propósito e para que se perceba a razão de ser da agravação, diga-se que a família assume uma grande importância para o desenvolvimento das crianças, devendo ser o seu porto seguro, a sua fonte de afecto e protecção. Quando os abusos ocorrem no seio familiar (e não se exige para que se esteja perante uma família em que tenha ocorrido o casamento dos cônjuges) os danos são maiores, a perda de sensação de segurança é mais intensa, razão pela qual a lei pune mais gravemente o abuso sexual nestes casos.

Os crimes sexuais são crimes contra as pessoas e contra o valor da liberdade e autodeterminação sexual e assim passaram a sê-lo após a revisão do Código Penal de 1995. Efectivamente até aí eram considerados crimes contra valores e interesses de vida em sociedade.

O crime imputado ao arguido destina-se também ele a proteger a autodeterminação sexual sob uma forma particular, a da conduta de natureza sexual que, em face da pouca idade da vítima, pode, mesmo sem coacção, prejudicar o livre desenvolvimento da sua personalidade (cfr. Figueiredo Dias in Comentário Conimbricense, pág. 541), que é agravado pelo facto de, seguramente, ocorrer uma grande confusão emocional no menor quando o abusador se encontra no seio familiar.

A lei presume que a prática de actos sexuais com menor, em menor ou por menor de certa idade prejudica o seu desenvolvimento global, sendo de notar que o livre exercício da sexualidade, nos primeiros anos de vida, reveste importância fundamental para o desenvolvimento da personalidade individual, já que o tipo de experiências sexuais que um indivíduo tem durante a adolescência ou juventude é importante para as decisões que, no futuro, venha a tomar a este nível.

Importa agora definir o que se deve entender por acto sexual de relevo. No dizer do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.10.1996 (in CJ, STJ, Ano IV, tomo 3, pág. 170, citado por Maia Gonçalves in Código Penal Português, Comentado e Anotado, 12ª edição, 1998, Coimbra, pág. 539) “acto sexual é aquele que tem uma relação com o sexo (relação objectiva) se reveste de certa gravidade e é praticado com intenção de satisfazer apetites sexuais” (…). De todo o modo o tipo está limitado pelo uso de expressão restritiva de relevo.

O direito criminal, como ultima ratio implica que só seja tutelada a liberdade sexual contra acções que revistam certa gravidade. Em tais termos, actos como o coito anal e a masturbação devem ser aqui incluídos; o mesmo não sucederá, em regra, com os beliscões e os beijos, que só o deverão ser, em casos extremos, ou seja, naqueles em que exista grande intensidade objectiva e intuitos sexuais atentatórios da autodeterminação sexual.

Também Leal Henriques e Simas Santos (in Código Penal Anotado, 2.º volume, 2.ª edição, Rei dos Livros, pág. 230), afirmam que “não é qualquer acto de natureza sexual que serve o espírito do artigo, mas apenas aqueles que constituam uma ofensa séria e grave à intimidade e liberdade do sujeito passivo e invadam de maneira objectivamente significativa, aquilo que constitui a reserva pessoal, o património íntimo que no domínio da sexualidade, é apanágio de todo o ser humano”.

No Comentário Conimbricense (Tomo I, pág. 447 a 449) o Professor Figueiredo Dias diz que “acto sexual é todo aquele que de um ponto de vista predominantemente objectivo, assume uma natureza, um conteúdo ou um significado directamente relacionados com a esfera da sexualidade e, consequentemente, com a liberdade de determinação sexual de quem o sofre ou o pratica” (…) “Ao exigir que o acto sexual seja de relevo a lei impõe ao intérprete que afaste da tipicidade não apenas os actos insignificantes ou bagatelares, mas que investigue do seu relevo na perspectiva do bem jurídico protegido (…); é dizer, que determine - ainda aqui de um ponto de vista objectivo – se o acto representa um entrave com importância para a liberdade de determinação sexual da vítima”.

Ficam, pois, excluídos do tipo atos que, embora passados e em si significantes por impróprios, desonestos, ou de mau gosto, todavia, pela sua pequena quantidade, ocasionalidade ou instantaneidade não entravem de forma importante a livre determinação sexual da vítima.

Relevante para a determinação do conteúdo e significado do carácter sexual do acto pode ser também o circunstancialismo de lugar, de tempo, das condições que o rodeiam e que o faça ser reconhecível pela vítima como sexualmente significativo.
À luz da LPCJP (Lei n.º 147/99 de 01.09) o abuso sexual pode ser caracterizado como um tipo de práticas que o menor, dado o seu estádio de desenvolvimento não consegue apreender e para as quais não está preparado, às quais é incapaz de dar o seu consentimento informado e que violam a lei, os tabus sociais e as normas familiares, actos estes que estão fora do carinho e afeto que deve existir na família, que ultrapassam a fronteira entre ternura e abuso e que visam tão só a satisfação ou gratificação do adulto.
Trata-se de um crime doloso e, por isso, o agente deve representar todos os elementos do tipo objectivo do ilícito (nomeadamente a idade do menor).
No caso, provou-se que o arguido, desde que a B. L. fez 5 anos, até ao ano de 2010, por diversas vezes, deslocava-se ao quarto daquela, sua enteada, retirava-lhe a roupa, esfregava-se em cima dela e apalpava-a.
No mesmo período de tempo supra referido, em data que não se logrou apurar concretamente apurar, mas quando a B. L. tinha 5 anos, por diversas vezes, o arguido sentou a ofendida B. L. no seu colo enquanto esta estava a jogar computador, apalpou-lhe a vagina e de seguida introduziu os dedos na mesma, causando-lhe dor e desconforto.
No mesmo período de tempo supra referido, em data que não se logrou concretamente apurar, mas por diversas vezes, o arguido apareceu durante a noite no quarto de B. L., todo o nu, exibindo-lhe o pénis.
No mesmo período de tempo, em data que não se logrou apurar, mas por diversas vezes, o arguido deslocou-se ao quarto da B. L. durante a noite, deitou-se em cima da mesma, apalpou-lhe os seios e esfregou-se em cima da mesma.
Em data que não se logrou apurar, mas no período de tempo supra referido, mas quando a B. L. se encontrava já no 5.º ano de escolaridade, na sala de estar, o arguido agarrou a ofendida B. L., atou-lhe as mãos e as pernas e deitou-a no sofá, e com uma câmara de filmar, filmou a menor nua, projectando a sua imagem na televisão.

Em data que não se logrou apurar, mas no período compreendido entre 2001 e 2010, o arguido, por diversas vezes, masturbou-se em frente à mesma e introduziu os seus dedos na vagina da menor.
Em data que não se logrou apurar, mas quando a ofendida B. L. tinha 12 anos de idade, aproveitando o facto de se encontrar sozinho em casa com esta e que estava no sofá, o arguido despiu-a, retirou-lhe as calças e as cuecas, retirou as suas calças e cuecas, agarrou nas mãos da B. L. com as suas próprias mãos e roçou o seu pénis nas costas e nas nádegas da B. L..

Para satisfazer as suas intenções libidinosas, o arguido ainda apalpou as “mamas” e acariciou a vagina da B. L., tendo, acto contínuo, introduzido os seus dedos na vagina daquela.

Por ter causado grande dor à menor B. L., esta gritou ao que os vizinhos chamaram a PSP, ao que o arguido não abriu a porta.
Por diversas vezes, no período supra indicado, e no interior da habitação, o arguido perseguiu a B. L. pela casa, com o pénis erecto, sendo que em Março/Abril de 2010 lhe exibiu o pénis na cozinha, entrou na casa de banho enquanto esta se encontrava a tomar banho e tirou fotografias da mesma nua.
Estes factos começaram a ocorrer com menor periodicidade, já em 2009, após a denúncia feita pelos vizinhos à PSP, quando ouviram gritos da B. L., pois o arguido começou a ter mais receio.
Os factos descritos ocorreram sempre no interior da habitação e que o arguido vivia com a ofendida B. L., filha da sua esposa, com a frequência de pelo menos duas vezes por semana e sempre que o arguido se encontrava sozinho em casa com esta ou quando os restantes habitantes se encontravam a dormir.
O arguido só cessou o seu comportamento quando a ofendida B. L. já tinha 14 anos de idade e começou a resistir aos seus avanços.
O arguido agiu de forma livre deliberada e consciente, com o propósito concretizado de satisfazer os seus apetites sexuais, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.
O arguido sabia bem a idade da B. L., então menor, e que os seus actos feriam gravemente a sensibilidade e dignidade da ofendida, bem como a autodeterminação sexual desta, ainda assim decidiu cometê-los.
Condutas que sem dúvida se integram na previsão do actual art. 171º, nº 1 do actual Código Penal.
Porém, atendendo ao período de tempo em que decorreram os abusos – entre 2001 (tendo a B. L. 5 anos) e o ano de 2010, importa para já saber se a conduta do arguido consubstancia a prática de um só crime, de trato sucessivo, ou de um crime continuado ou eventualmente de vários crimes de abuso sexual, em face da factualidade apurada.
A conduta do arguido traduz um caso paradigmático de uma série extensa e numerosa de realizações típicas.
Com efeito, os factos provados demonstram numerosas violações do mesmo bem jurídico, realizadas de forma essencialmente homogénea, relacionando-se contextualmente umas com as outras.
E as plúrimas realizações típicas prolongaram-se por um período de tempo alargado, repetindo-se sem que, entre cada uma delas, se verificasse uma quebra de proximidade espácio-temporal.
Ora, a solução do crime de trato sucessivo serve hipóteses de pluralidade de crimes cuja prática conforma uma “actividade” prolongada no tempo e em que se torna tarefa muito difícil, se não arbitrária, definir o concreto número de actos parcelares que a integram.
Já para podermos afirmar estar aqui em causa um crime continuado, se tornaria necessário verifica uma situação exterior que diminuísse sensivelmente a culpa do agente.
Porém, no caso, além de não se ter apurado tal circunstancialismo, sempre seria impossível punir a conduta a esta luz, face à alteração introduzida com Lei n.º 40/2010, de 3 de Setembro, que excluiu a forma continuada nos crimes praticados contra bens eminentemente pessoais.
A figura do crime continuado, com acolhimento em diversas ordens jurídicas, ou por opção expressa do legislador ou por via de criação jurisprudencial, tem sido sujeita a uma crítica intensa.
Contra a figura esgrimem-se argumentos de justiça material que põem em relevo o benefício injustificado e injusto que, particularmente, resulta do seu regime de punição. E afirmam-se, ainda, teses de princípio que partem da afirmação de que, no caso de violação de bens jurídicos eminentemente pessoais nunca poderá haver unificação normativa por falhar – falhar sempre – a culpa diminuída que constitui o seu verdadeiro pressuposto.
O legislador português foi por isso sensível a essas críticas.
Com efeito, o n.º 3 do art. 30.º, na redacção desta Lei n.º 40/2010, de 3 de Setembro, estabelece que “o disposto no número anterior [consagração e pressupostos do crime continuado] não abrange os crimes praticados contra bens eminentemente pessoais”. O crime continuado fica, pois, restringido à violação plúrima de bens jurídicos não eminentemente pessoais.

Assim, presentemente, decorre da própria lei a impossibilidade de subsunção das condutas integradores do crime de abuso sexual de que a ofendida B. L. foi vítima, à figura do crime continuado.
De todo o modo, considerando os factos dados por provados, não pode afirmar-se a existência de um qualquer circunstancialismo exterior que, de maneira considerável, facilitou a repetição da actividade criminosa de D. M., tornando cada vez menos exigível ao arguido que se comportasse de maneira diferente, isto é, de acordo com o direito, e, consequentemente, adequado à formulação de um juízo positivo sobre a diminuição da culpa do arguido.
A prática criminosa reiterada radica, afinal, em factores endógenos – o apurado desvio da personalidade do arguido no plano sexual, sendo que as condições favoráveis à sua concretização foram, por si, procuradas, através da procura da B. L., então menor, quando estava sozinha em casa, ou quando todos os demais ocupantes da casa estavam a dormir.

Sobre o crime de trato sucessivo, escreveu-se no acórdão do STJ de 29/11/2012 (Processo n.º 862.11.6TAPFR.S19): “Os crimes sexuais são muitas vezes atos isolados, fruto de circunstâncias irrepetíveis. É assim no caso de violações durante um assalto a uma residência, ou na sequência de um rapto, ou num encontro em local ermo. Mas, outras vezes seguem um percurso que se prolonga no tempo, isto é, em vez de um ato ou de vários atos ilícitos, há uma atividade sexual ilícita. É próprio da natureza humana a junção dos mesmos parceiros sexuais por períodos prolongados no tempo. O mesmo se passa, muitas vezes, nos crimes sexuais, sempre que as circunstâncias o proporcionam e a diferença entre estes e as uniões sexuais mais correntes entre as pessoas, é a circunstância de nos casos criminosos existir uma vítima, alguém a quem o agente retira [ou condiciona] a liberdade ou a autodeterminação sexual. Na “atividade sexual criminosa” o agente aproveita-se sexualmente de outra pessoa que é acessível ao seu contacto, por ser da família, ou do seu círculo de amizades, ou do seu local de trabalho, ou por outra circunstância similar, fazendo-o pela força, ou pela intimidação, ou pela incapacidade da vítima em se defender, por exemplo, por ser menor. Nesses casos, os crimes sexuais tendem a ter uma frequência por um período prolongado no tempo e a juntar os mesmos «parceiros», um deles vitimizado sucessivamente. Ora, quando os crimes sexuais são atos isolados, não é difícil saber qual o seu número. Mas, quando os crimes sexuais envolvem uma repetitiva atividade prolongada no tempo, torna-se difícil e quase arbitrária qualquer contagem. O mesmo sucede com outro tipo de crimes que, tal como o sexo, facilmente se transformam numa “atividade”, como, por exemplo, com o crime de tráfico de droga. Pergunta-se, por isso, se nesses casos de “atividade criminosa”, o traficante de rua que, por exemplo, se vem a apurar que vendeu droga diariamente durante um ano, recebendo do «fornecedor» pequenas doses de cada vez, praticou, «pelo menos», 200, 300 ou 365 crimes de tráfico [o que aparenta ser uma contagem arbitrária ou, pelo menos, “imaginativa”] ou se praticou um único crime de tráfico, objetiva e subjetivamente mais grave, dentro da sua moldura típica, em função do período de tempo durante o qual se prolongou a atividade. A doutrina e a jurisprudência têm resolvido este problema, de contagem do número de crimes, que de outro modo seria quase insolúvel, falando em crimes prolongados, protelados, protraídos, exauridos ou de trato sucessivo, em que se convenciona que há só um crime – apesar de se desdobrar em várias condutas que, se isoladas, constituiriam um crime - tanto mais grave [no quadro da sua moldura penal] quanto mais repetido. Ao contrário do crime continuado [cuja inserção doutrinária também nasceu, entre outras razões, dificuldade em contar o número de crimes individualmente cometidos ao longo de um certo período de tempo], nos crimes prolongados não há uma diminuição considerável da culpa, mas, antes em regra, um seu progressivo agravamento à medida que se reitera a conduta [ou, em caso de eventual «diminuição da culpa pelo facto», um aumento da culpa enquanto negligência na formação da personalidade ou de perigosidade censurável»]. Na verdade, não se vê que diminuição possa existir no caso, por exemplo, do abuso sexual de criança, por atos que se sucederam no tempo, em que, pelo contrário, a gravidade da ilicitude e da culpa se acentua [ou, pelo menos, se mantém estável] à medida que os atos se repetem. O que, eventualmente, se exigirá para existir um crime prolongado ou de trato sucessivo será como que uma «unidade resolutiva», realidade que se não deve confundir com «uma única resolução», pois que, «para afirmar a existência de uma unidade resolutiva é necessária uma conexão temporal que, em regra e de harmonia com os dados da experiência psicológica, leva a aceitar que o agente executou toda a sua atividade sem ter de renovar o respetivo processo de motivação» (Eduardo Correia, 1968: 201 e 202, citado no “Código Penal anotado” de P. P. Albuquerque). Para além disso, deverá haver uma homogeneidade na conduta do agente que se prolonga no tempo, em que os tipos de ilícito, individualmente considerados são os mesmos, ou, se diferentes, protegem essencialmente um bem jurídico semelhante, sendo que, no caso dos crimes contra as pessoas, a vítima tem de ser a mesma. A propósito desta faceta no crime de tráfico de droga, diz-se no Ac. do STJ de 12-07-2006, proc. 1709/06-3ª, que «o crime exaurido é uma figura criminal em que a incriminação da conduta do agente se esgota nos primeiros atos de execução, independentemente de corresponderem a uma execução completa do facto, e em que a imputação dos atos múltiplos e sequentes é imputada a uma realização única. Mas a incidência do tempo naquela unicidade não pode deixar de se tomar em apreço, e até comprometê-la mesmo, se decorrer um largo hiato de tempo entre as múltiplas condutas; não já se interceder um momento volitivo a despoletá-las todas, que aglutine as primeiras e subsequentes, ainda dentro daquela volição, hipótese que exclui o concurso real de infrações, nos termos do art.º 30.º, n.º 1, do CP». E a propósito de um caso de crime de abuso sexual de crianças, o Ac. do STJ de 23-01-2008, proc. n.º 4830/07-3ª, resume do seguinte modo o que aqui temos vindo a expor: «I - O fundamento da unificação criminal consiste na diminuição da culpa do agente, resultante da “cedência” a uma solicitação exterior, e não na unidade de resolução criminosa ou na homogeneidade da atuação delitiva. Esta última, assim como a proximidade temporal das condutas, é um elemento meramente indiciário da continuação criminosa, que deverá ser confirmado pela verificação de uma solicitação exterior mitigadora da culpa. Por sua vez, a unidade de resolução criminosa nem sequer existe no crime continuado, pois o que caracteriza esta figura é precisamente a renovação de tal resolução perante as solicitações externas exercidas sobre o agente. Por isso, sempre que a repetição da conduta criminosa seja devida a uma tendência da personalidade do agente, a quaisquer razões de natureza endógena, que ocorra independentemente de qualquer solicitação externa, ou que decorra de oportunidade provocada ou procurada pelo próprio agente, haverá pluralidade de crimes e não crime continuado. «II - Estando em causa um crime de abuso sexual de crianças agravado, não pode aceitar-se que o «êxito» da primeira «operação» e das seguintes possa determinar a diminuição da culpa do arguido: este agiu determinado pela vontade de satisfazer os instintos libidinosos, como se diz no acórdão recorrido, e, para tanto, aproveitou as situações mais favoráveis para esse efeito, nomeadamente a ausência da sua mulher e mãe da ofendida. O aproveitamento calculado de situações em que a reiteração é mais propícia exclui, porque não diminui a culpa, o crime continuado. É, de resto, notório, que o arguido agiu determinado por uma única resolução, por ela levado a aproveitar todas as situações que facilitassem a prática dos atos ilícitos, e não formando sucessivamente novas resoluções perante circunstâncias favoráveis entretanto surgidas. «III - Da mesma forma, a não resistência da ofendida, embora certamente tenha facilitado a repetição do comportamento do arguido, também não pode atenuar a culpa, pois a atitude da ofendida terá normalmente resultado do ascendente que, como pai, o arguido tinha sobre ela, e não de um «acordo» entre ela e o arguido, que não se provou. «IV - Nem sequer se podem considerar homogéneas todas as condutas imputadas ao arguido, uma vez que uma delas, a descrita inicialmente na matéria de facto, assume claramente uma gravidade maior do que as restantes. Quando muito, poderia admitir-se a unificação num crime continuado das três condutas que consistiram em o arguido acariciar e chupar os seios da ofendida, condutas inteiramente homogéneas. Contudo, a homogeneidade não é condição suficiente da continuação criminosa, sendo essencial, como já se disse, que haja uma efetiva diminuição da culpa do agente, o que não sucede, pois que a repetição criminosa ficou a dever-se à persistente vontade do arguido em satisfazer os seus desejos, vontade essa que superou as normais inibições que estão ligadas às relações entre pais e filhos. «V - Em todo o caso, essas três condutas, se não podem ser unificadas em termos de continuação criminosa, podem sê-lo como crime de trato sucessivo, que se caracteriza pela repetição de condutas essencialmente homogéneas unificadas por uma mesma resolução criminosa, sendo que qualquer das condutas é suficiente para preencher o tipo legal de crime. Contrariamente ao que acontece no crime continuado, não há aqui qualquer diminuição de culpa, antes a reiteração criminosa, revelando uma persistência da resolução criminosa, encerra uma culpa agravada, que será medida de acordo com o número de condutas e respetiva ilicitude.”

Resumindo, afirma-se no acórdão que o que se exige para existir um crime prolongado ou de trato sucessivo será uma «unidade resolutiva», realidade que se não deve confundir com «uma única resolução», pois que, «para afirmar a existência de uma unidade resolutiva é necessária uma conexão temporal que, em regra e de harmonia com os dados da experiência psicológica, leva a aceitar que o agente executou toda a sua atividade sem ter de renovar o respetivo processo de motivação». Deverá haver uma homogeneidade na conduta do agente que se prolonga no tempo, em que os tipos de ilícitos, individualmente considerados são os mesmos, ou, se diferentes, protegem essencialmente um bem jurídico semelhante, sendo que, no caso dos crimes contra as pessoas, a vítima tem de ser a mesma.

No caso vertente, a actuação do arguido contra a liberdade e autodeterminação sexual da então menor B. L., de quem era padrasto, prolongou-se por um período de tempo alargado – cerca de 9 anos, repetindo-se, sem que se verificasse uma quebra de proximidade espácio-temporal entre cada uma das condutas que integraram a actividade sexual ilícita.

Na verdade, embora o arguido haja afirmado uma quebra de actuação, quando em Fevereiro de 2009 a PSP se dirige à residência da família, por denúncia de vizinhos, ao ouvirem gritos da B. L. provindos do seu interior, a verdade é que, e reconhecendo que o único episódio concretamente apurado após tal situação é o ocorrido em 2010, quando a mãe surpreende o arguido depois de exibir o pénis à B. L., não resultou apurada qualquer interrupção da conduta mas sim uma atenuação dessa mesma actuação face às maiores cautelas adoptadas pelo arguido a partir daí.

Veja-se a matéria descrita nos pontos 15 e 16 dos factos provados, de onde decorre que a conduta se manteve, embora aqui já com a prática actos como a exibição de pénis erecto, entrar na casa de banho enquanto a B. L. tomava banho e tirar fotografias da mesma nua.

Aliás, dos pontos 16 e 18 dos factos provados resulta que os factos começaram a ocorrer com menor periodicidade, já em 2009, após os factos que levaram a que os vizinhos tivessem chamado a PSP, pois o arguido começou a ter mais receio, e que apenas cessaram em 2010, após aquele episódio já referido, quando a menor já tinha 14 anos e passou também a resistir aos seus intentos.
No mais é patente que existe uma única resolução criminosa que se foi renovando ao longo do tempo.
A violação do bem jurídico foi realizada de uma forma essencialmente homogénea, sempre no mesmo contexto, sem que o arguido tenha renovado o respectivo processo de motivação, registando-se, assim, uma “unidade resolutiva”.
A prática criminosa reiterada radica, obviamente, em factores endógenos – o desvio da personalidade do arguido no plano sexual –, sendo que as condições favoráveis à sua concretização foram, por si, procuradas, aproveitando ele o facto de a menor ficar sozinha consigo em casa, estando a mãe ausente no trabalho, ou estando outras pessoas na habitação, como a mãe ou o irmão R. M., aproveitando as ocasiões em que todos estavam a dormir, procurando-a no quarto dela, à noite.
A solução do tratamento de condutas contra bens eminentemente pessoais como um único crime de trato sucessivo também não é pacífica em termos jurisprudenciais, conforme decorre desde logo dos acórdãos do STJ de 12.06.2013 (manteve a subsunção das condutas a crimes de trato sucessivo, embora afirme que “é inadmissível a punição dos crimes contra bens eminentemente pessoais como um único crime «de trato sucessivo», ficcionando o julgador um dolo inicial que engloba todas as ações”), 12.07.2012, 29.11.2012 (posição manifestada no voto de vencido exarado) e 22.04.2015, todos in http://www.dgsi.pt.

Porém, no caso, existindo uma unidade resolutiva apurada - em que o processo de motivação do arguido não sofre alteração significativa desde o início da conduta, a par da homogeneidade da actuação e da proximidade temporal de cada uma das condutas, entendemos que tal constitui a razão de ser da unificação dos vários actos sucessivos num só crime de trato sucessivo.
O dolo do arguido abarcou desde o início uma pluralidade de actos sucessivos que se dispôs logo a praticar, para tanto preparando as condições da sua realização, estando-se no plano da unidade criminosa.
A reiteração, revelando uma resolução determinada e persistente do agente, traduz uma culpa agravada do mesmo, existindo ainda um único dolo a abranger todas as condutas sucessivamente praticadas.
Em face da matéria de facto provada, afigura-se que existiu por parte do arguido um dolo inicial que abarcou os factos que praticou ao longo do período apurado – entre 2001 e 2010. Ou seja, a conduta do arguido é fruto de uma unidade resolutiva, que abarcou desde o seu início as circunstâncias de modo e lugar, sendo que a consumação do crime prolongou-se no tempo.
Conclui-se, assim, que, no caso vertente, o arguido praticou, um único crime de abuso sexual de crianças, de trato sucessivo, pelo qual será condenado.
Realcemos que nestes crimes prolongados não há uma diminuição considerável da culpa, até, e, por via de regra, o que há é um seu agravamento à medida que se reitera a conduta.
Na realidade (como bem salienta o citado Ac. do STJ, de 29.11.2012, in www.dgsi.pt) “não se vê que diminuição possa existir no crime em causa, de abuso sexual de crianças, por actos que se sucederam no tempo, e em que a gravidade da ilicitude e da culpa se acentua à medida que tais actos se repetem”.

Ora, no caso dos crimes de trato sucessivo, a punição faz-se pelo ilícito mais grave cometido, agravada, nos termos gerais, pela sobreposição dos demais.
Atentas estas considerações e atendendo a que o crime de abuso sexual de crianças de trato sucessivo é punido pelo facto mais grave, considera-se que o arguido cometeu um crime de abuso sexual de crianças, que não é punido pelo art. 171.º, n.ºs 1 e 177.º, n.º 1, al. a), ambos do Código Penal, na redacção da dada pela Lei n.º 65/98, de 2 de Setembro, como refere a acusação, mas sim pelos arts. 171.º, n.ºs 1 e 2 e 177.º, n.º 1, al. b), anos do Código Penal, na redacção da Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro.
De facto, e porque já afirmava a acusação deduzida em Novembro de 2015 que, entre a variedade de actos abusivos constava a introdução de dedos na vagina da menor (arts. 7.º, 11.º e 13.º da acusação de fls. 322 a 329 dos autos), e porque já então o Ministério Público considerava estar em causa um único crime de abuso sexual de trato sucessivo, já a subsunção jurídica da conduta deveria ter sido feita por referência ao aludido preceito legal, pois que só com esta alteração legislativa de 2007 se equiparou a prática de cópula e/ou coito (oral ou anal) “à introdução vaginal … de partes do corpo ou objectos”, expressão que se acrescentou no n.º 2 do preceito.
Além do mais resulta até incompreensível a referência ao art. 171.º do Código Penal, já que tal tipo se reportava a “Actos exibicionistas”, na redacção do aludido D.L n.º 48/95, de 15 de Março, e que não sofreu qualquer alteração com a Lei n.º 65/98, de 2.9. Nessa época o crime de abuso sexual de criança estava tipicamente previsto no art. 172.º. Só com a Lei n.º 59/2007, de 4.9, se remeteu o crime de importunação sexual ao art. 170.º e o crime de abuso sexual de crianças ao art. 171.º.

Assim, e porque nos autos sempre esteve em causa, para além do mais, a introdução vaginal de partes de corpo (dedos na vagina da menor), ocorrida desde 2001, e a que corresponde ao acto mais grave apurado no quadro do abuso sexual prolongado no tempo entre 2001 e 2010, é a conduta subsumível nos termos do art. 171.º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal, na versão introduzida pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, entrada em vigor a 15 de Setembro de 2007.
Acresce ainda a verificação da agravativa prevista no art. 177.º, n.º 1, al. b), do Código Penal, na versão introduzida pela mesma Lei n.º 59/2007, alterada pela Lei n.º 103/2015, de 24 de Agosto, que manteve os limites da agravação da moldura penal.

Dispõe este preceito que “1 - As penas previstas nos artigos 163.º a 165.º e 167.º a 176.º são agravadas de um terço, nos seus limites mínimo e máximo, se a vítima: a) For ascendente, descendente, adoptante, adoptado, parente ou afim até ao segundo grau do agente; ou b) Se encontrar numa relação familiar (agora também de coabitação), de tutela ou curatela, ou de dependência hierárquica, económica ou de trabalho do agente e o crime for praticado com aproveitamento desta relação.(…)”.
De facto, resultou apurado sob o ponto 1 dos factos provados que o arguido é padrasto da B. L., nascida a …, pois que casou com a mãe da ofendida, E. L., em 27 de Novembro de 1999.
Quando o arguido casou com E. L., foram viver, juntamente com a ofendida B. L., o que se manteve até à separação de facto do casal, ocorrida em 2014.
Ou seja, na data dos factos existia uma relação familiar entre o arguido e a ofendida, por via do casamento encetado entre ele a E. L., pois que não sendo seu pai biológico, é o seu padrasto e, além do mais, praticou o abuso, através dos repetidos actos sexuais de relevo descritos, explorando e aproveitando esta relação de dependência.
Entre o padrasto e o enteado estabelece-se uma relação familiar, já que, sendo o padrasto casado com um progenitor da criança, estão eles relacionados pelo “vínculo que liga cada um dos cônjuges aos parentes do outro” (art. 1484.º do Código Civil).
Os efeitos jurídicos da afinidade são parcos, mas desta relação resulta a imposição de uma obrigação de alimentos de padrastos em relação aos enteados. Na verdade, no elenco daqueles que são legalmente obrigados a alimentos encontramos “O padrasto e a madrasta, relativamente a enteados menores que estejam, ou estivessem no momento da morte do cônjuge, a cargo deste” (artigo 2009.º, n.º 1, al. f) do do Código Civil).

Ora, tal como relativamente aos obrigados das restantes alíneas do art. 2009.º, esta obrigação resulta de uma relação familiar, que não se extingue com a morte, como decorre do disposto no art. 1585.º do diploma citado, subsistindo a relação de afinidade, ao contrário do que sucede em caso de divórcio, apesar da alteração introduzida pela Lei n.º 61/2008, de 31 de Outubro. – v. neste sentido Paula Távora Vítor, no artigo “A carga do sustento e o «pai social».”, textos organizados por Guilherme de Oliveira in “Textos de Direito da Família”, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2016.
O comportamento do arguido é assim agravado, nos termos do art. 177.º, n.º 1 alínea b) do Código Penal, pelo facto de ser padrasto da B. L. e com ela ter coabitado e convivido entre 1999 e 2014, impondo-lhe o dever de obediência como se ele fosse pai, estando o agregado familiar e, portanto, ela também, na sua dependência económica (porque o arguido colaborava no sustento da casa), circunstâncias que favoreceram o comportamento do arguido ao longo dos anos e que, nessa medida, delas se aproveitou.
De facto o arguido, indiferente à confiança e protecção que devia à sua enteada e ao respeito e obediência, próprios da hierarquia familiar que dela exigia, valendo-se da relação de dependência existente, violou os mais básicos deveres de convivência familiar, traiu a confiança e o sentimento de protecção que ela enquanto criança nutria para consigo, violando a paz, a harmonia e a segurança a que a menor tinha direito no seio da família.
Fê-lo sabendo que a sua conduta era ilícita e criminalmente punida e que com ela perturbava a liberdade de determinação sexual da vítima, invadindo séria e gravemente o seu domínio da sexualidade, impedindo o seu são desenvolvimento integral, o seu bem-estar físico e emocional, pelo que não há dúvida de que praticou o crime de abuso sexual de criança referido, na forma agravada.

Da determinação da medida da pena:

Assente a prática por parte do arguido do crime referido, cumpre agora determinar a pena concreta a aplicar-lhe.
Para o efeito, deve apelar-se ao critério da culpa, com a sua função fundamentadora e limitadora e a critérios de prevenção especial e geral, de acordo com o art. 71.º do Código Penal.
À culpa compete fornecer o limite máximo da pena que ao caso deve ser aplicada, sendo em função de considerações de prevenção geral de integração e especial de socialização, que deve ser determinada, abaixo daquele mesmo máximo, a medida final.
Por seu lado, as exigências de prevenção geral, visam dar resposta às necessidades comunitárias de reposição da ordem jurídica violada.
Finalmente, dentro dos limites consentidos pelas exigências de prevenção geral, operarão ainda exigências de prevenção especial de reintegração. Só assim se alcança uma eficácia óptima de protecção de bens jurídicos.
A escolha e a medida da pena constituem tarefas complexas, o que reclama que o julgador tenha em conta nessas tarefas a natureza, a gravidade e a forma de execução do crime, optando por uma das reacções penais legalmente previstas.

A jurisprudência do STJ tem-se orientado no sentido que, assumindo que a defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, se prossegue no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada, e o máximo, que a culpa do agente consente; entre estes limites, satisfazem-se quando possível, as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização.
Daqui decorre que o juiz pode impor qualquer pena que se situe dentro do limite máximo da culpa, isto é, que não ultrapasse a culpa.
Quanto à pena adequada à culpabilidade, isto é, consonante com a culpa revelada – máximo inultrapassável – certo é dever corresponder à sanção que o agente do crime merece, ou seja, deve corresponder à gravidade do crime.
Ao crime em causa é aplicável uma pena abstracta de 4 (quatro) anos a 13 (treze) anos e 4 (quatro) meses de prisão, nos termos conjugados, do nº 1 e 2 do art. 171º e 177º, nº 1 al, b), ambos do Código Penal citado.
Relativamente à determinação da medida concreta da pena, deve ter-se em consideração as circunstâncias que depõem a favor e contra o arguido.
De facto, para tal o juiz serve-se do critério global contido no referido art. 71º do Código Penal (preceito que a alteração introduzida pela Lei nº 59/2007, de 4 Setembro, deixou intocado, como de resto aconteceu com o artigo 40.º), estando vinculado aos módulos - critérios de escolha da pena constantes do preceito.
Como se refere no acórdão de 28-09-2005 (in CJSTJ, 2005, Tomo 3, pág. 173), na dimensão das finalidades da punição e da determinação em concreto da pena, as circunstâncias e os critérios do art. 71.º têm a função de fornecer ao juiz módulos de vinculação na escolha da medida da pena.

Assim, e recorrendo aos critérios a que alude o art. 71º do Código Penal, além da finalidade da punição (a protecção de bens jurídicos, por um lado, e a reintegração do agente, por outro), as exigências de prevenção e a culpa, devem ainda ser consideradas todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o agente, nomeadamente o grau de ilicitude do facto, a gravidade das suas consequências e modo de execução do crime, a culpa, mormente a intensidade do dolo, os fins ou motivos do crime e as condições pessoais do agente, a sua personalidade, o comportamento anterior e posterior à prática do crime. – cfr. n.º 2 do preceito.
Considerando estes critérios há que considerar as necessidades de prevenção geral, que são muito elevadas, atendendo aos danos causados às vítimas e à sociedade em geral com a prática de crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual sobretudo tendo por vítimas crianças de faixas etárias reduzidas.
Haverá ainda que considerar o grau da ilicitude dos factos, que é muito acentuado, face à prática do abuso sexual por um longo período de tempo, situável pelo menos a partir de 27 de Julho de 2001 (quando a B. L. faz 5 anos) e o ano de 2010, tendo inicialmente a menor apenas cinco anos, sendo filha da sua mulher, isto é sua enteada, e residindo com o casal.
Além do mais, a diversidade dos actos praticados não pode ser escamoteada, pois que foram desde retirar a roupa à B. L., esfregar-se em cima dela, apalpando-a, sentando-a no seu colo, apalpando-lhe e acariciando-lhe a vagina e introduzindo-lhe os dedos na vagina; aparecer durante a noite no quarto da B. L., todo o nu, exibindo-lhe o pénis; por vezes deitar-se em cima da mesma, ocasiões em que lhe apalpava os seios e se esfregava em cima dela; chegou ainda a manietá-la - atou-lhe as mãos e as pernas e deitou-a no sofá, após o que a filmou nua; masturbou-se em frente da B. L., além de que roçou o seu pénis nas costas e nas nádegas da B. L., apalpou-lhe as “mamas”, acariciou-lhe a vagina, tendo, acto contínuo, introduzido os seus dedos na vagina em Fevereiro de 2009; perseguiu-a pela casa, com o pénis erecto, entrou na casa de banho enquanto esta tomava banho e tirou fotografias da mesma nua
A tudo acresce que estes actos foram sempre praticados de forma reiterada, pois fazia-o pelo menos duas vezes por semana, na casa da família, o que mostra bem a elevada gravidade da conduta assumida pelo arguido.
Os actos sexuais descritos e praticados são de carácter vincado e intenso.
Muito forte é ainda o dolo do arguido, para além de directo e tenaz, revelador da persistente determinação do arguido no que respeita às vezes em que logrou satisfazer o seu desejo na casa de morada de família.
O modo de actuação seguido revela grande audácia, pois não só agiu na casa de morada de família, aproveitando períodos em que permanecia a sós com a ofendida, então menor, ou aproveitando os períodos em que a mulher, mãe da menor, e os seus dois outros filhos, se encontravam em casa mas nos respectivos quartos, a dormir, como praticava os mais variados actos, pelo menos duas vezes por semana.
O facto de não terem sido resultado lesões físicas à menor, apesar das dores e incómodos advenientes da introdução dos dedos do arguido na sua vagina, não diminui a gravidade da situação, em face do apurado sofrimento, vergonha e do receio sentidos aquando era vítima dos actos abusivos, e pela circunstância de ao nível psicológico se terem apurado inúmeras consequências da vitimização, pois além do mais sofre ainda hoje de perturbação de stress pós-traumático, quadro clínico que demanda acompanhamento psicológico e/ou psiquiátrico, mantendo neste momento sessões semanais de psicoterapia com Psicólogo.
As consequências da sua conduta foram seguramente devastadoras para o crescimento da vítima, deixando os actos do arguido marcas naquela que, como é sabido, são indeléveis, obrigando-a assim a suportar tal fardo para sempre.
A motivação do arguido foi a de satisfazer os seus instintos libidinosos.
As condições pessoais do agente não mitigam de qualquer forma o seu comportamento, já que embora seja primário e esteja profissionalmente inserido há anos, sendo assim as exigências de prevenção especial mais reduzidas, não se justifica por qualquer forma a actuação.
De facto, o arguido não era desconhecedor dos limites da sexualidade de terceiro e da ilicitude dos actos praticados com e na menor – entre os 5 a 14 anos desta – por variadas ocasiões, de forma reiterada, persistente e da mais variada natureza, gravemente atentatórios da saúde psíquica da mesma, do seu bem-estar emocional e integridade físico-emocional-

Por fim, a intensidade da ofensa e a dimensão do bem jurídico ofendido, assume significado profundamente diferente no caso, face à violação repetida de bens jurídicos ligados à dimensão pessoal, em relação a bens patrimoniais, sendo certo que o início dos abusos se situaram quando a ofendida tinha cinco anos.
A favor do arguido a confissão parcial de parte dos factos que lhe são imputados, e o facto de se não lhe conhecerem outros comportamentos posteriores de natureza semelhante ou igual ao dos autos.
Ainda há que atender ao decurso do tempo, já que os actos abusivos cessaram há cerca de 7 anos, após a menor fazer 14 anos de idade, sendo esta hoje já maior de idade.
Assim, considerados todos estes factores, fixa-se por adequada e proporcional a pena de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão.

Do pedido civil:

B. L., deduziu pedido de indemnização civil contra o arguido de fls. 380 a 386 dos autos, requerendo a sua condenação a pagar-lhe o valor de 22.800,00 Eur. (vinte e dois mil e oitocentos euros), sendo 15.000,00 Eur. (quinze mil euros) de danos não patrimoniais sofridos com os abusos sucedidos, e 7.800,00 Eur. (sete mil e oitocentos euros) a título de danos patrimoniais futuros, face à necessidade de acompanhamento psicológico permanente, pelo menos pelo período de 10 anos.

O art. 129º do Código Penal afirma que a responsabilidade civil emergente da prática de crime é regulada pela lei civil.
Segundo o art. 483º do Código Civil “Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.”
São, pois, elementos da responsabilidade civil extracontratual ou aquiliana, a ilicitude, a imputação do facto ao lesante, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano. Ou seja, a obrigação de indemnizar resultante da prática de factos ilícitos pressupõe:

1.º A voluntariedade do facto praticado - este requisito traz implícita a exigência de que se trate de um comportamento ou forma de conduta humana, voluntário, na medida em que é controlável pela vontade
2.º A ilicitude do mesmo - consubstanciada na contrariedade da conduta face a concretas disposições normativas ou princípios jurídico-normativos;
3.º A imputação do facto ao lesante - traduzida na ideia de culpa. Ou seja, para que o facto ilícito gere responsabilidade, é necessário, para além da contrariedade do comportamento face a concretas disposições ou princípios normativos, que a violação ilícita tenha sido praticada com dolo ou mera culpa;
4.º O dano - traduzido na ideia de prejuízo ou de supressão de vantagem, podendo esta revestir natureza patrimonial ou não patrimonial, consoante seja ou não passível de avaliação pecuniária. O dano está, necessariamente, conexo com a lesão de interesses juridicamente tutelados, de modo que os mesmos se supõem aferidos pelo direito ou disposição legal que confere ao lesado a correspondente protecção;
- O nexo causal entre o facto e o dano - de modo que seja possível afirmar-se, à luz do direito, que o dano é resultante da violação ocorrida, nos termos pressupostos pelo art. 563.º do Código Civil.
Aqui chegados impõe-se saber se a pretensão indemnizatória formulada nos presentes autos é merecedora de protecção no âmbito próprio da responsabilidade civil extra-contratual, apreciando, em particular, da verificação dos aludidos pressupostos da obrigação de indemnizar.
No caso, provou-se que por virtude da actuação criminosa do arguido a ofendida B. L., entre os 5 e os 14 anos de idade, sofreu prejuízos de natureza não patrimonial, por força dos sentimentos de receio e medo do arguido, sendo incapaz de compreender plenamente o que havia acontecido, sentindo dor, sofrimento e desgosto, o que se repercutiu necessariamente na sua saúde psíquica.
Mais se provou que apresenta um quadro clínico compatível com a perturbação stress pós-traumático, despoletado com a situação abusiva.
Estão pois preenchidos os pressupostos da indemnização civil por factos ilícitos, pelo que compete ao arguido/demandado enquanto responsável civil “reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.”. – cfr. art. 562º do Código Civil.
Esta indemnização corresponderá, por sua vez, à “diferença entre a situação patrimonial dos lesados, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos (art. 566º, nº 2 do Código Civil)” – Calvão da Silva, Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 134º, p. 114, correspondendo à chamada “teoria da diferença”.
Quanto aos danos não patrimoniais, e porque a reconstituição natural é impossível, dada a própria natureza dos danos em causa, a obrigação do responsável civil acaba por corresponder à atribuição de uma indemnização ao demandante. – cfr. art. 566º, nº 1 do Código Civil.
No domínio dos danos não patrimoniais regula o art. 496º do Código Civil, segundo o qual na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (nº 1). De acordo com o nº 3 do preceito o montante da indemnização será fixado equitativamente, atendendo-se às circunstâncias referidas no art. 494º do Código Civil.
Esclarece o Prof. Antunes Varela, in “Das Obrigações”, pág. 617 que a gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objectivo, e não à luz de factores subjectivos. Por outro lado, a gravidade apreciar-se-á em função da tutela do direito: o dano deve ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado. Por último, a reparação obedecerá a juízos de equidade, tendo em conta as circunstâncias concretas de cada caso, como se depreende, quer dos termos (equitativamente) em que a lei manda fixar o montante da chamada indemnização, quer da remissão feita para os factores discriminados no artigo 494º. A indemnização, tendo especialmente em conta a situação económica do agente e do lesado, é assim mais uma reparação do que uma compensação, mais uma satisfação do que uma indemnização.
Os danos apurados nos autos não se referem a pequenos incómodos ou contrariedades que resultam de uma sensibilidade anómala, que a doutrina afasta em termos de relevância jurídica. – v. Almeida Costa in “Direito das Obrigações”, 5ª edição, Almedina, pág. 484.
A indemnização por danos não patrimoniais não visa reconstruir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento mas sim compensar de alguma forma o lesado pelas dores físicas ou morais sofridas e também sancionar a conduta do lesante. Deste modo, deverá ponderar-se o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso que o justifiquem, entre as quais se contam, os correspondentes sofrimentos, vexames e humilhações.
No caso, provou-se que, em consequência dos factos perpetrados pelo arguido – despir a ofendida, esfregar-se em cima dela; apalpando-a, sentando-a no seu colo, assim apalpando-lhe e acariciando a vagina; introduzindo-lhe os dedos na vagina, causando-lhe dor e desconforto; aparecer durante a noite no quarto da B. L., todo o nu, exibindo-lhe o pénis; por vezes deitava-se em cima da mesma, apalpava-lhe os seios e esfregava-se em cima dela; chegou ainda a manietá-la - atou-lhe as mãos e as pernas e deitou-a no sofá, após o que a filmou nua; masturbou-se em frente à mesma, além de que roçou o seu pénis nas costas e nas nádegas da B. L., apalpou-lhe as “mamas”, acariciou-lhe a vagina, tendo, acto contínuo, introduzido os seus dedos na vagina; perseguiu-a pela casa, com o pénis erecto, entrou na casa de banho enquanto esta se encontrava a tomar banho e tirou fotografias da mesma nua - a ofendida teve receio e medo do arguido, sendo incapaz de compreender plenamente o que lhe sucedia aquando dos abusos, sentindo vergonha e desgosto.
Sente-se revoltada com os abusos de que foi vítima, sofre de insónias e ansiedade, mostra raiva e tristeza em face da situação vivenciada.
Sofre de sintomatologia de carácter clínico, associada à perturbação de stress pós-traumático, que tem de ser tratada através de acompanhamento psicológico e/ou psiquiátrico com várias consultas ou sessões.
De facto, sublinha o relatório de perícia psicológica realizado à ofendida, que hoje já conta com 21 anos de idade, que a mesma apresenta sintomatologia clinicamente significativa nalguns domínios avaliados, pois evidenciou sintomas de somatização (isto é, mal-estar resultante da percepção do funcionamento somático, por exemplo, falta de forças em partes do corpo) e psicoticismo (isolamento interpessoal, ideia de punibilidade e castigo, etc.), além de que relatou dificuldades em adormecer ou manter-se a dormir, sintomas de irritabilidade, dificuldades de atenção e concentração e sinais de hipervigilância.

Apesar de se vincar ainda que o risco de revitimação é baixo pois a ofendida percepciona tais experiências abusivas como negativas, mostrando-se consciente da inadequação das mesmas, e apresenta conhecimentos suficientes acerca da sexualidade, sublinha-se que a mesma evidencia desajustamento psicológico clinicamente significativo, revelando sinais e sintomas congruentes com as experiências abusivas relatadas, sendo benéfica a sua inclusão num processo psicoterapêutico para optimizar os recursos pessoais e diminuir a sintomatologia evidenciada em contexto de avaliação.
Tomando como referência o que se deixou dito, os factos apurados em julgamento, as consequências advindas à ofendida com a prática do crime e as concretas circunstâncias da acção, fixa-se em 17.000,00 Eur. (dezassete mil euros) o valor indemnizatório devido pelos danos não patrimoniais sofridos, atendendo à idade actual do arguido e da ofendida, às suas concretas ocupações, ele vigilante e ele estudante, aos concretos actos praticados pelo abusador, ao período de tempo abrangido e às consequências advindas a nível psicológico à B. L..

Para fixação deste valor, atendeu-se à circunstância de se ter demonstrado que será necessário suportar despesas com futuras consultas de psicologia e/ou psiquiatria, embora sem que seja possível dizer que tal se manterá por certo período de tempo, mas podendo afirmar-se que é necessário o tratamento em face do estado clínico diagnosticado, em consequência dos actos abusivos praticados pelo arguido.
Embora a assistente tenha peticionado, a este título um valor menor, contendo-se aquele valor, adequado à situação apurada, no valor global do pedido indemnizatório nada invalida que o Tribunal eleve o mesmo nos termos referidos, apesar do hoje disposto no art. 609º, nº 1 do C.P.Civil.

De facto, continua a valer a ressalva anteriormente constante da primeira parte do art. 661º, nº 1 do C.P.Civil (que veio a ser substituído por aquele), no sentido de consentir ao juiz, havendo um pedido global constituído por várias parcelas, valorar essas parcelas em montante superior ao indicado pelo autor, desde que o total não exceda o valor do pedido global, caso em que os limites da condenação se reportam ao pedido global e não a cada uma das parcelas que o integram e que não correspondam a pedidos autónomos.

Quanto aos danos patrimoniais é consabido que se tratam de prejuízos causados (dano emergente) e de benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão (lucros cessantes), nos termos do art. 564º, nº 1 do Código Civil — para além dos danos futuros (nº 2).

Os prejuízos directos traduzem-se na perda, destruição ou danificação de um bem, que tanto pode ser um objecto, como um animal ou uma parte do corpo do lesado ou o próprio direito à vida deste; as despesas necessárias ou imediatas correspondem ao custo de prestação dos serviços alheios necessários quer para prestar o auxílio ou assistência quer para eliminar aspectos colaterais decorrentes do acto ilícito, aspectos estes que abrangem realidades tão diversificadas como a limpeza do local, reboques de viaturas, o enterro de quem tenha falecido, as consultas de apoio psicológico determinado pelo trauma, dor ou doença diagnosticada após o acto ilícito.

No caso, a demandante requer o reembolso do pagamento do preço das consultas que já fez com um especialista em Psicologia, e que à data perfazem mil novecentos e oitenta euros, conforme documentação que juntou aos autos, pelo que é este o montante de danos patrimoniais a suportar pelo arguido.
A demandante tem ainda direito aos juros de mora, à taxa de juros civis sucessivamente aplicável, a contabilizar sobre o valor global indemnizatório fixado de 18.980,00 Eur. (dezoito mil novecentos e oitenta euros), a partir da data da notificação para contestar o pedido civil deduzido e até efectivo e integral pagamento.
(…)

2. Fundamentação.

A. Delimitação do objecto do recurso.

O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões que os recorrentes extraem das respectivas motivações, havendo ainda que ponderar as questões de conhecimento oficioso, mormente os vícios enunciados no artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal, as cominadas como nulidade da sentença, artigo 379º, nº 1 e, nº 2, do mesmo Código e, as nulidades que não devam considerar-se sanadas, artigos 410º, nº 3 e, 119º, nº 1, do mesmo diploma legal, a este propósito cfr. ainda o Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça de 19-10-1995, publicado no D.R. I-A Série, de 28-12-1995 e, entre muitos outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 25-06-1998, B.M.J. nº 478, pág. 242 e de 03-02-1999, B.M.J. nº 484, pág. 271 e bem assim Simas Santos e Leal-Henriques, “Recursos em Processo Penal”, Rei dos Livros, 7ª edição, pág. 71 a 82).

No caso em apreço, atendendo às conclusões apresentadas pelo arguido as questões que se suscitam são as seguintes:

Recurso interlocutório:

- Inconstitucionalidade do artigo 357º, nº 1, alínea b) e, do artigo 141º, nº 4, alínea b), do Código de Processo Penal, quando não resulte da gravação áudio, a advertência constante deste último preceito legal, por violação do disposto no artigo 32º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa.

Recurso do Acórdão:

- Nulidade do Acórdão proferido, por insuficiente fundamentação relativamente à diversa valoração das declarações da ofendida, à valoração desfavorável da confissão parcial do arguido e, à ausência de fundamentação, nos termos do disposto nos artigos 374º, nº 2 e, 379º, nº 1, alínea a), do Código de Processo Penal, relativamente aos pontos 7, 11, 13, 14 e, 17, dos factos provados.
- Impugnação do Acórdão proferido, por erro de julgamento da matéria de facto provada, nos termos do disposto no artigo 412º, nº 3, do Código de Processo Penal, relativamente aos pontos 5, 6, 7, 8, 11, 13, 14 e, 15, dos factos provados que deverão integrar os factos não provados.
- Impugnação do Acórdão proferido, por erro notório na apreciação da prova, nos termos do disposto no artigo 410º, nº 2, alínea c), do Código de Processo Penal, relativamente aos pontos 5, 6, 7, 11, 13, 14 e, 15, dos factos provados que deverão integrar os factos não provados.
- Impugnação do Acórdão proferido, por erro de julgamento da matéria de direito, relativamente à subsunção jurídica dos factos provados.
- Impugnação do Acórdão proferido, por erro de julgamento da matéria de direito, relativamente à medida da pena e, da sua suspensão, nos termos do disposto nos artigos 71º e, 50º, do Código Penal.
- Impugnação do Acórdão proferido, por erro de julgamento da matéria de direito, relativamente ao montante da indemnização civil arbitrado, por excessivo face aos factos provados.

B. Decidindo.

- Do recurso interlocutório:

- Começando pela questão suscitada pelo arguido no recurso interlocutório, relativa à inconstitucionalidade do artigo 357º, nº 1, alínea b) e, do artigo 141º, nº 4, alínea b), do Código de Processo Penal, quando não resulte da gravação áudio, a advertência constante deste último preceito legal, por violação do disposto no artigo 32º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa.
Resulta do disposto no artigo 357º, nº 1, alínea b), do Código de Processo Penal:

“1 - A reprodução ou leitura de declarações anteriormente feitas pelo arguido no processo só é permitida:
(…)
b) Quando tenham sido feitas perante autoridade judiciária com assistência de defensor e o arguido tenha sido informado nos termos e para os efeitos do disposto na alínea b) do nº 4 do artigo 141º”.
E do disposto nom artigo 141º, nº 4, alínea b), do mesmo Código de Processo Penal:

“4 - Seguidamente, o juiz informa o arguido:
(…)
b) De que não exercendo o direito ao silêncio as declarações que prestar poderão ser utilizadas no processo, mesmo que seja julgado na ausência, ou não preste declarações em audiência de julgamento, estando sujeitas à livre apreciação da prova”.

Do disposto no artigo 99º, do Código de Processo Penal, que.

“1 - O auto é o instrumento destinado a fazer fé quanto aos termos em que se desenrolaram os actos processuais a cuja documentação a lei obrigar e aos quais tiver assistido quem o redige, bem como a recolher as declarações, requerimentos, promoções e actos decisórios orais que tiverem ocorrido perante aquele.

(…)
3 - O auto contém, além dos requisitos previstos para os actos escritos, menção dos elementos seguintes:
a) Identificação das pessoas que intervieram no acto;
b) Causas, se conhecidas, da ausência das pessoas cuja intervenção no acto estava prevista;
c) Descrição especificada das operações praticadas, da intervenção de cada um dos participantes processuais, das declarações prestadas, do modo como o foram e das circunstâncias em que o foram, incluindo, quando houver lugar a registo áudio ou audiovisual, à consignação do início e termo de cada declaração, dos documentos apresentados ou recebidos e dos resultados alcançados, de modo a garantir a genuína expressão da ocorrência;
d) Qualquer ocorrência relevante para apreciação da prova ou da regularidade do acto”.
De igual forma prescreve o disposto no artigo 101º, nº 4, do Código de Processo Penal:

“4 - Sempre que for utilizado registo áudio ou audiovisual não há lugar a transcrição e o funcionário, sem prejuízo do disposto relativamente ao segredo de justiça, entrega, no prazo máximo de 48 horas, uma cópia a qualquer sujeito processual que a requeira, bem como, em caso de recurso, procede ao envio de cópia ao tribunal superior”.

Resulta pois, que obrigatoriamente devem constar do auto da diligência realizada, os actos processuais a cuja documentação a lei obrigar, para fazer fé quanto aos termos em se desenrolaram esses mesmos actos processuais, (artigo 99º, nº 1, do Código de Processo Penal.

Actualmente encontra-se igualmente consagrada na lei a possibilidade da utilização do registo áudio ou audiovisual, dispensando a transcrição do acto processual, em auto escrito, artigo 101º, nº 4, do Código de Processo Penal.
Da conjugação destes preceitos legais, resulta a prevalência do auto escrito, para a documentação do acto processual, face ao registo áudio desse mesmo acto processual, ou seja, em caso de concorrência de documentação do acto processual, em auto escrito e em registo áudio, só arguindo a falsidade do primeiro, ainda que utilizando como meio de prova o segundo, se poderá invalidar o constante desse registo escrito, pois resulta expresso do citado artigo 99º, nº 1, do Código de Processo Penal, que o auto faz fé quanto aos termos em que se desenrolaram os actos processuais.

Contudo, mesmo sendo utilizado como meio de prova, a gravação áudio do mesmo acto processual, terá de ser sempre ponderada, a sua genuidade e integralidade, ou seja, se reproduz na íntegra o acto processual, não contendo qualquer tipo de corte, interrupção, ou pausa e, se não objecto de qualquer tipo de manipulação posterior.
No caso concreto, existindo manifestamente na gravação efectuada do primeiro interrogatório judicial de arguido detido, um corte na gravação áudio efectuada, no preciso momento em que o juiz que presidiu faz ao arguido a advertência constante do artigo 141º, nº 4, alínea b), do Código de Processo Penal e, constando do auto lavrado nesse mesmo acto processual, que essa advertência foi efectivamente efectuada, nem como meio de prova, poderá o registo áudio afectar a credibilidade resultante do auto lavrado.

Nestes termos, não resulta nem se vislumbra, no caso concreto, quaisquer inconstitucionalidade por violação do disposto no artigo 32º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, dos artigos 357º, nº 1, alínea b) e, 141º, nº 4, alínea b), do Código de Processo Penal, por não resultar da gravação áudio, a advertência constante deste último preceito legal.
Improcede pois, na sua integralidade o recurso interlocutório, interposto pelo recorrente.

- Do recurso do Acórdão:

- Da nulidade do Acórdão proferido, por insuficiente fundamentação relativamente à diversa valoração das declarações da ofendida, à valoração desfavorável da confissão parcial do arguido e, à ausência de fundamentação, nos termos do disposto nos artigos 374º, nº 2 e, 379º, nº 1, alínea a), do Código de Processo Penal, relativamente aos pontos 7, 11, 13, 14 e, 17, dos factos provados.
Argui o recorrente a nulidade do Acórdão, por violação do disposto no artigo 374º, nº 2, do Código de Processo Penal, por ausência de fundamentação relativamente aos pontos 7, 11, 13, 14 e, 17, dos factos provados, pois entende não se encontrarem devidamente fundamentados os factos relativos à introdução dos dedos na vagina, pois fundamentou tal convicção nas declarações para memória futura prestadas pela ofendida e, por outro lado, não valorou essas mesmas declarações da ofendida para considerar que os factos ocorreram desde 1999, sem que se perceba porque é no primeiro caso as declarações são credíveis e no segundo caso não o são e, não se descortina da fundamentação da matéria de facto, o meio de prova relativo à periocidade dos abusos, constante do ponto 17, “duas vezes por semana”.
Cumpre decidir.

Sob a epígrafe “nulidade da sentença”, dispõe o artigo 379º do C. P. Penal:

“ 1- É nula a sentença:
a) Que não contiver as menções referidas no nº 2 e na alínea b) do nº 3 do artigo 374º (…)”.
Por sua vez, o artigo 374º, do Código de Processo Penal, sobre os “requisitos da sentença”, estabelece:
“1 - A sentença começa por um relatório, que contém:
(…)
2 - Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal”.

Como bem salienta Marques Ferreira (in “Jornadas de Direito Processual Penal – O Novo Código de Processo Penal”, Livraria Almedina, 1988, pág. 228) este regime legal, quanto à fundamentação da decisão de facto, consagra “um sistema que obriga a uma correcta fundamentação fáctica das decisões que conheçam a final do objecto do processo, de modo a permitir-se um efectivo controlo da sua motivação”.
“Toda a construção dogmática, normativa e jurisprudencial vem densificando uma dupla dimensão finalística referente à fundamentação das decisões assente nas dimensões endo e extraprocessual.
A dimensão endoprocessual desenvolve-se no interior da estrutura e funcionamento do processo tendo como finalidade principal o controlo da decisão por parte dos intervenientes no processo concreto, tanto para o seu próprio controlo como para uma ulterior verificação através dos órgãos superiores de controlo institucional do mérito da decisão. Tendo em conta os destinatários directos da decisão estão em causa funções de garantia de impugnação e de defesa. Tendo em conta a dimensão de quem profere a decisão nomeadamente, o modo e método de decidir, evidencia-se uma função de autocontrolo.
A dimensão extraprocessual da fundamentação resulta da projecção democrática do princípio da fundamentação das decisões, revelada em muitos países pela constitucionalização daquele dever, como manifestação do princípio da participação popular na administração da justiça, assim se permitindo um controlo difuso sobre o exercício da jurisdição, não só pelos destinatários directos da decisão como também pelo auditório geral constituído pela opinião pública, pelo povo como entidade ou razão fundamental e legitimadora do exercício da função judicial.” (Mouraz Lopes – A fundamentação da sentença no sistema penal português – Almedina, pág. 190 e 191).
É pois nesta dupla função endo e extraprocessual da fundamentação da decisão judicial, que cumpre apreciar se a decisão recorrida, nos termos em que se encontra redigida, dá satisfação a tal exigência legal e, constitucional, face ao disposto nos artigos 205º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa e, 374º, nº 2, do Código de Processo Penal.
Na verdade, a decisão terá de assentar no chamado silogismo judiciário, o qual tem como premissa maior as razões de direito, como premissa menor os elementos de facto e como conclusão a decisão.
O acto decisório desprovido de qualquer fundamentação surge quase como “puro arbítrio” do julgador, dificultando ao recorrente a sua impugnação, e ao tribunal superior, a apreciação da sua bondade.
Volvendo ao decidido pelo tribunal a quo, afigura-se-nos que a peça decisória contém uma fundamentação suficiente no sentido endo e extraprocessual, no sentido que permite o seu controlo pelos diversos sujeitos processuais e, admite a participação popular na administração da justiça.

Assim, relativamente aos factos impugnados pelo recorrente, respeitantes à introdução dos dedos na vagina e, à periocidade dos abusos, “duas vezes por semana”, cumpre salientar são referidos no acórdão recorrido e, na respectiva fundamentação da convicção formada pelo Tribunal a quo, com base nas declarações prestadas pelo arguido no primeiro interrogatório judicial e, nas declarações para memória futura prestadas pela ofendida.

“Uma última palavra se impõe para afirmar que ainda que assim não fosse, da mera valoração das declarações prestadas pelo arguido em sede de 1º interrogatório - cujo teor o mesmo visou desvalorizar e pôr em causa, embora sem sucesso, acto em que foram asseguradas todas as garantias de defesa, estando representado e assistido por Defensor Oficioso - admitiu então a prática de todos os factos que lhe foram indiciariamente imputados, ressalvando apenas e tão só o período de tempo da sua prática (delimitando a data de início e termo), com o teor das declarações colhidas em memória futura da ofendida, cuja credibilidade resulta para o colectivo inequívoca, seria o bastante para afirmar a convicção segura da ocorrência dos mesmos factos, em face do reconhecimento da prática dos actos que a ofendida igualmente e de forma espontânea descreveu, em sede de declarações para memória futura, e já havia descrito em parte na carta entregue à mãe no dia em que faz dezoito anos de idade.

Tais declarações iniciais do arguido D. M. compaginadas com as declarações para memória futura da ofendida, e ainda enquadradas com o conteúdo da carta de fls. 16, a par daquilo que ficou expresso no relatório pericial, a propósito deste tipo de situações traumáticas (iniciadas em faixas etárias mais baixas, como foi o caso), mas a afirmar que em circunstância ou momento algum se verificou que a menor relatasse factos que não tivessem ocorrido e a sublinhar da credibilidade do relato da ofendida, levaram o Tribunal a dar como demonstrada a factualidade transposta para os factos provados, nomeadamente quanto à prática pelo ofendido dos mais variados actos sexuais na menor e com a menor, entre 2001 e 2010, e quanto à periodicidade semanal da sua prática.

Nesta medida foram pois tais meios de prova, susceptíveis de fundamentar a convicção do Tribunal, sendo que a alegação do recorrente relativamente aos dedos na vagina, são contrariadas pelas declarações da ofendida, que nesta parte mereceram a credibilidade do Tribunal a quo e, já não relativamente à data do início dos abusos, pois são factos de natureza bem diversa, relativos à sensibilidade corporal e, à fixação de datas concretas, em idades muito pequenas, sendo perfeitamente compreensível a discrepância relativa à idade de três ou de cinco anos de idade.
Sendo que tais factos foram admitidos pelo arguido aquando do seu primeiro interrogatório judicial.
De igual forma a periodicidade de duas vezes por semana surgem fundamentados nos mesmos precisos termos do facto anteriormente referido.

Assim, de uma forma completa e ainda que concisa, mas cumprindo a exigência legal, consta da fundamentação da decisão recorrida, a convicção formada sobre a matéria de facto, bem como o processo lógico-dedutivo que determinou a formação de tal convicção, no julgador, nos termos do disposto no artigo 374º, nº 2, do Código de Processo Penal, de forma a poder ser tal decisão sindicável endo e extraprocessualmente, pelos diversos interessados na mesma decisão.

O Tribunal a quo indicou as provas concretas que permitiram fundamentar a decisão da matéria de facto relativamente aos pontos impugnados pelo recorrente, procedeu ao exame crítico das provas produzidas sobre tais factos e, fundamentou a convicção formada sobre os mesmos factos.
E em face do que se deixa expendido, dúvidas não se nos suscitam, que se encontra adequadamente fundamentada a matéria de facto tida como provada nos presentes autos, nos termos do disposto no artigo 374º, nº 2, do Código de Processo Penal, não se verificando por isso, a invocada nulidade do Acórdão recorrido, nos termos do estatuído no artigo 379º, nº 1, alíneas a) e, c) e, nº 2, do Código de Processo Penal, improcedendo assim, nesta parte o recurso interposto.

- Da impugnação do Acórdão proferido, por erro de julgamento da matéria de facto provada, nos termos do disposto no artigo 412º, nº 3, do Código de Processo Penal, relativamente aos pontos 5, 6, 7, 8, 11, 13, 14 e, 15, dos factos provados que deverão integrar os factos não provados.
É sabido que constitui princípio geral que os Tribunais da Relação conhecem de facto e de direito, nos termos do estatuído no artigo 428º, do Código de Processo Penal, sendo que, no tocante à matéria de facto, é também sabido que o Tribunal da Relação deve conhecer da questão de facto pela seguinte ordem: primeiro da impugnação alargada, se tiver sido suscitada, incumbindo a quem recorre o ónus de impugnação especificada, previsto no artigo 412º, nº 3 e, nº 4, do citado diploma, condição para que a mesma seja apreciada e, depois e se for o caso, dos vícios a que alude o artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal.
Apreciada a peça recursiva apresentada pelo arguido, constata-se que a mesma não faz referência expressa ao artigo 412º, do Código de Processo Penal, visando a apreciação de eventuais erros de julgamento da matéria de facto, mas da mesma resulta ser essa a sua pretensão.
O erro de julgamento, ínsito no artigo 412º, nº 3, do Código de Processo Penal, ocorre quando o tribunal considere provado um determinado facto, sem que dele tivesse sido feita prova pelo que deveria ter sido considerado não provado ou quando dá como não provado um facto que, face à prova que foi produzida, deveria ter sido considerado provado.
Nesta situação, de erro de julgamento, o recurso quer reapreciar a prova gravada em 1ª instância, havendo que a ouvir em 2ª instância.

Neste caso, a apreciação não se restringe ao texto da decisão recorrida, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência de julgamento, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelo nº 3 e, nº 4, do artigo 412º, do Código de Processo Penal.

É que nestes casos de impugnação ampla, o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, agora com base na audição das gravações, antes constituindo um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, na perspectiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente.

E, é exactamente porque o recurso em que se impugne amplamente a decisão sobre a matéria de facto não constitui um novo julgamento do objecto do processo, mas antes um remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir, cirurgicamente, erros “in judicando” (violação de normas de direito substantivo) ou “in procedendo” (violação de normas de direito processual), que o recorrente deverá expressamente indicar e se lhe impõe o ónus de proceder a uma tríplice especificação, nos termos constantes do nº 3, do artigo 412º, do Código de Processo Penal.

No fundo, o que está em causa e se exige na impugnação mais ampla da matéria de facto é que o recorrente indique a sua decisão de facto em alternativa à decisão de facto que consta da decisão revidenda, justificando em relação a cada facto alternativo que propõe porque deveria o tribunal ter decidido de forma diferente.
Ou, por outras palavras, como se afirma no Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, de 08-03-2012, publicado no D.R., I Série, nº 77, de 18-04-2012, “Impõe-se ao recorrente a necessidade de observância de requisitos formais da motivação de recurso face à imposta especificação dos concretos pontos da matéria de facto, que considera incorrectamente julgados, das concretas provas e referência ao conteúdo concreto dos depoimentos que o levam a concluir que o tribunal julgou incorrectamente e que impõem decisão diversa da recorrida, tudo com referência ao consignado na acta, com o que se opera a delimitação do âmbito do recurso. Esta exigência é de entender como contemplando o princípio da lealdade processual, de modo a definir em termos concretos o exacto sentido e alcance da pretensão, de modo a poder ser exercido o contraditório.
A reapreciação por esta via não é global, antes sendo um reexame parcelar, restrito aos concretos pontos de facto que o recorrente entende incorrectamente julgados e às concretas razões de discordância, necessário sendo que se especifiquem as provas que imponham decisão diversa da recorrida e não apenas a permitam, não bastando remeter na íntegra para as declarações e depoimentos de algumas testemunhas.
O especial/acrescido ónus de alegação/especificação dos concretos pontos de discórdia do recorrente (seja ele arguido, ou assistente), em relação à fixação da facticidade impugnada, bem como das concretas provas, que, em seu entendimento, imporão (iam) uma outra, diversa, solução ao nível da definição do campo temático factual, proposto a subsequente tratamento subsuntivo, justifica-se plenamente, se tivermos em vista que a reapreciação da matéria de facto não é, não pode ser, um segundo, um novo, um outro integral, julgamento da matéria de facto.
Pede-se ao tribunal de recurso uma intromissão no julgamento da matéria de facto, um juízo substitutivo do proclamado na 1ª instância, mas há que ter em atenção que o duplo grau de jurisdição em matéria de facto não visa a repetição do julgamento em segunda instância, não impõe uma avaliação global, não pressupõe uma reapreciação pelo tribunal de recurso do complexo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida e muito menos um novo julgamento da causa, em toda a sua extensão, tal como ocorreu na 1ª instância, tratando-se de um reexame necessariamente segmentado, não da totalidade da matéria de facto, envolvendo tal reponderação um julgamento/reexame meramente parcelar, de via reduzida, substitutivo.”.
Cabe aqui evidenciar, um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que lança luz sobre a questão em apreço.

Como, de forma impressiva, refere o Conselheiro Carmona da Mota no acórdão do STJ de 27-02-2003, Proc. 140/03, “ii. O valor da prova, isto é a sua relevância enquanto elemento reconstituinte do facto delituoso imputado ao arguido depende fundamentalmente da sua credibilidade: ou seja a sua idoneidade e autenticidade. iii. A credibilidade da prova por declarações depende essencialmente da personalidade, do carácter e da probidade moral de quem as presta, sendo que tais características e atributos, em princípio, não são apreensíveis ou detectáveis mediante o exame e análise das peças ou textos processuais onde as declarações se encontram documentadas, mas sim através do contacto pessoal e directo com as pessoas. iv. O tribunal de recurso, salvo casos de excepção, deve adoptar o juízo valorativo formulado pelo tribunal recorrido".
Ou seja, e como assinala Figueiredo Dias in Direito Processual Penal, pág. 204 e sgs., a convicção do juiz há-de ser uma convicção pessoal - até porque nela desempenha um papel de relevo não só a actividade meramente cognitiva, mas também elementos racionalmente não explicáveis - v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova, e mesmo puramente emocionais. Em todo o caso, também ela uma convicção objectivável e motivável, capaz de se impor aos outros.
Uma tal convicção existirá quando e só quando o Tribunal tenha logrado convencer-se da verdade, para além de toda a dúvida razoável.
E, nesta matéria assume-se, como fundamental, o princípio da imediação, isto é, a relação de proximidade comunicante entre o Tribunal e os participantes no processo, de modo tal que aquele possa obter uma percepção própria do material que haverá de ter como base da sua decisão.
Só a oralidade e imediação, com efeito, permitem avaliar o mais correctamente possível da credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais.
Postos estes considerandos e sem os olvidarmos, decorre da peça recursiva apresentada pelo recorrente que pretende impugnar a matéria de facto considerada como provada, nomeadamente os factos provados compreendidos nos pontos - Impugnação do Acórdão proferido, por erro de julgamento da matéria de facto provada, nos termos do disposto no artigo 412º, nº 3, do Código de Processo Penal, relativamente aos pontos 5, 6, 7, 8, 11, 13, 14 e, 15, dos factos provados que deverão integrar os factos não provados, que em seu entender deverão ser julgados como não provados.
Alega para tanto que com suporte na prova produzida, mais propriamente nas suas declarações prestadas em audiência de julgamento, das declarações para memória futura prestadas pela ofendida B. L. e, da testemunha E. L., devem ser considerados como não provados todos os factos impugnados.

Como se pode ler no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 05-06-2002, proferido no processo nº 0210320, disponível em www.dgsi.pt, “a actividade dos juízes, como julgadores, não pode ser a de meros espectadores, receptores de depoimentos. A sua actividade judicatória há-de ter necessariamente, um sentido crítico. Para se considerarem provados factos não basta que as testemunhas chamadas a depor se pronunciem sobre as questões num determinado sentido, para que o juiz necessariamente aceite esse sentido ou versão. Por isso, a actividade judicatória, na valoração dos depoimentos, há-de atender a uma multiplicidade de factores, que têm a ver com as garantias de imparcialidade, as razões de ciência, a espontaneidade dos depoimentos, a verosimilhança, a seriedade, o raciocínio, as lacunas, as hesitações, a linguagem, o tom de voz, o comportamento, os tempos de resposta, as coincidências, as contradições, o acessório, as circunstâncias, o tempo decorrido, o contexto sociocultural, a linguagem gestual (inclusive, os olhares) e até saber interpretar as pausas e os silêncios dos depoentes, para poder perceber e aquilatar quem estará a falar a linguagem da verdade e até que ponto é que, consciente ou inconscientemente, poderá a mesma estar a ser distorcida, ainda que, muitas vezes, não intencionalmente. (…) Assim, a reapreciação das provas gravadas pelo Tribunal da Relação só pode abalar a convicção acolhida pelo tribunal de 1ª instância, caso se verifique que a decisão sobre a matéria de facto não tem qualquer fundamento nos elementos de prova constantes do processo ou está profundamente desapoiada face às provas recolhidas.”.

Porém, analisando tal prova produzida em audiência de julgamento forçoso é concluir, por demais evidente, que bem andou o Tribunal a quo ao dar como provado o acervo factual que o recorrente contesta.
Na verdade, da audição de toda a prova testemunhal a indicada e documental constante dos autos, bem como das declarações do arguido, resulta claro que andou bem o Tribunal a quo, na apreciação e valoração de tais elementos de prova.

Assim, parece-nos óbvio, que face às declarações para memória futura, prestadas pela vítima B. L. e, as declarações prestadas pelo arguido no primeiro interrogatório judicial de arguido detido, enquadradas no contexto da ocorrência dos factos, para lá da mera literalidade das declarações do arguido, relativas à ocorrência dos factos durante o período da noite, à introdução dos dedos na vagina, à aparição no quarto da ofendida todo nu, de se masturbar perante a ofendida, de ter o pénis erecto, óbvio resulta para qualquer observador atento e minimamente conhecedor do contexto da ocorrência dos factos, que os factos tal como refere a vítima, ocorreriam depois do regresso deste do trabalho à noite quando a sua esposa se encontrasse a dormir, bem como a vítima é precisa relativamente à introdução dos dedos na vagina, resultando da experiência comum e da normalidade das coisas, das declarações da ofendida entendidas para além da sua simples literalidade e, das declarações do arguido prestadas na audiência de julgamento e no seu primeiro interrogatório judicial, que o arguido aparecia perante a ofendida, ou quando esta se apercebia da sua presença naqueles termos, excitado sexualmente e ele próprio o admite, o que é traduzido em se encontrar despido, no sentido da exposição do órgão sexual e, acariciando o mesmo, erecto pela excitação.

Assim, de acordo com tais elementos de prova supra, não permitem concluir de forma diferente ao feito pelo Tribunal a quo.
Assim, face a este acervo de prova, apenas permite concluir nos termos feitos pelo Tribunal a quo, pois nenhuma outra prova directa ou indirecta existe sobre a ocorrência de tais factos.

A prova não pode ser analisada de forma compartimentada, segmentada, atomizada.

O julgador tem de apreciar e valorar a prova na sua globalidade, estabelecendo conexões, conjugando os diferentes meios de prova e não desprezando as presunções simples, naturais ou hominis, que são meios lógicos de apreciação das provas e de formação da convicção.

Ademais, ressalvado sempre o devido respeito pelo esforço argumentativo do recorrente, o mesmo olvida o princípio da livre apreciação da prova, ínsito no artigo 127º, do Código de Processo Penal, norma de acordo com a qual “Salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”.
É sabido que livre convicção não se confunde com convicção íntima, caprichosa e emotiva, dado que é o livre convencimento lógico, motivado, em obediência a critérios legais, passíveis de motivação e de controlo, na esteira de uma “liberdade de acordo com um dever”, no ensinamento do Professor Figueiredo Dias, “Direito Processual Penal”, Vol. I, Reimpressão, Coimbra Editora, 1984, pág. 201 a 206, que o processo penal moderno exige, dever esse que axiologicamente se impõe ao julgador por força do Estado de Direito e da Dignidade da Pessoa Humana.
A livre convicção não pode ser vista em função de qualquer arbitrária análise dos elementos probatórios, mas antes deve perspectivar-se segundo as regras da experiência comum, num complexo de motivos, referências e raciocínio, de cariz intelectual e de consciência, que deve de todo em todo ficar de fora a qualquer intromissão interna em sede de conhecimento.
Só assim não será, quando as provas produzidas impõem decisão diversa da proferida pelo tribunal recorrido, o que sucederá, sem preocupação de enunciação exaustiva, designadamente, quando o julgador decidiu a apreciação dos meios de prova ou de obtenção de prova ao arrepio e contra a prova produzida (v.g. dá como provado determinado facto com fundamento no depoimento de determinada testemunha e ouvido tal depoimento ou lida a respectiva transcrição constata-se que a dita testemunha disse coisa diversa da afirmada na decisão recorrida ou nem se pronunciou sobre aquele facto), ou quando o tribunal valorou meios de prova ou de obtenção de prova proibidos, ou apreciou a prova produzida desrespeitando as regras sobre o valor da prova vinculada ou das “leges artis”, ou quando a apreciação da prova produzida contraria as regras da lógica, princípios da experiência e conhecimentos científicos, enfim, tudo se podendo englobar na expressão regras da experiência, ou, ainda, quando a apreciação se revela ilógica, arbitrária e violadora do favor rei.

Assim, em conclusão, decorre, necessariamente, que este Tribunal ad quem não pode deixar de julgar improcedente a eventual invocada impugnação alargada da matéria de facto por parte do recorrente.

- Da impugnação do Acórdão proferido, por erro notório na apreciação da prova, nos termos do disposto no artigo 410º, nº 2, alínea c), do Código de Processo Penal, relativamente aos pontos 5, 6, 7, 11, 13, 14 e, 15, dos factos provados que deverão integrar os factos não provados.
Quanto aos vícios da matéria de facto, nos termos do preceituado no artigo 410º, nº 2, alínea b), do Código de Processo Penal.
A alteração da factualidade assente na 1ª instância poderá ocorrer pela verificação de algum destes vícios a que aludem as alíneas do nº 2, do artigo 410º, do Código de Processo Penal, a saber: a) a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b) a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; e c) o erro notório na apreciação da prova – cfr. ainda artigo 431º, do citado diploma –, verificação que, como acima se deixou editado, se nos impõe oficiosamente.
Em comum aos três vícios, terá o vício que inquina a sentença ou o acórdão em crise que resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugadamente com as regras da experiência comum.
Quer isto significar que não é possível o apelo a elementos estranhos à decisão, como por exemplo quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento, só sendo de ter em conta os vícios intrínsecos da própria decisão, considerada como peça autónoma – cfr. Maia Gonçalves, “Código de Processo Penal Anotado”, Almedina, 16ª ed., pág. 871, Simas Santos e Leal-Henriques, “Recursos em Processo Penal”, local supra mencionado.
A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (vício a que alude a alínea a), do nº 2, do artigo 410º, do Código de Processo Penal), ocorrerá, como ensina Simas Santos e Leal-Henriques, obra e local citados, quando exista “lacuna no apuramento da matéria de facto indispensável para a decisão de direito, isto é, quando se chega à conclusão de que com os factos dados como provados não era possível atingir-se a decisão de direito a que se chegou, havendo assim um hiato nessa matéria que é preciso preencher.
Porventura, melhor dizendo, só se poderá falar em tal vício quando a matéria de facto provada é insuficiente para fundamentar a solução de direito e quando o tribunal deixou de investigar toda a matéria de facto com interesse para a decisão final”.
A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão (vício a que alude a alínea b), do nº 2, do artigo 410º, do Código de Processo Penal), consiste na “incompatibilidade, não ultrapassável através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão.
Ou seja: há contradição insanável da fundamentação quando, fazendo um raciocínio lógico, for de concluir que a fundamentação leva precisamente a uma decisão contrária àquela que foi tomada ou quando, de harmonia com o mesmo raciocínio, se concluir que a decisão não é esclarecedora, face à colisão entre os fundamentos invocados; há contradição entre os fundamentos e a decisão quando haja oposição entre o que ficou provado e o que é referido como fundamento da decisão tomada; e há contradição entre os factos quando os provados e os não provados se contradigam entre si ou por forma a excluírem-se mutuamente.”, cfr. Simas Santos e Leal-Henriques, obra e local mencionados.
O erro notório na apreciação da prova (vício a que alude a alínea c), do nº 2, do artigo 410º, do Código de Processo Penal), constituiu uma “falha grosseira e ostensiva na análise da prova, perceptível pelo cidadão comum, denunciadora de que se deram provados factos inconciliáveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou ou não provou, seja, que foram provados factos incompatíveis entre si ou as conclusões são ilógicas ou inaceitáveis ou que se retirou de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável.
Ou, dito de outro modo, há tal erro quando um homem médio, perante o que consta do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta de que o tribunal violou as regras da experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios ou se desrespeitaram regras sobre o valor da prova vinculada ou das leges artis.” – cfr. Simas Santos e Leal-Henriques, obra citada.
Ora, do texto da decisão recorrida, como se vê da transcrição supra, a mesma apreciou os factos aportados na acusação e bem assim aqueles que resultaram da discussão da causa em audiência de julgamento.
Então do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras de experiência comum, não se perfila a existência de qualquer um dos vícios elencados no artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal.
Investigada que foi a materialidade sob julgamento, não se vê, por isso, que a matéria de facto provada e não provada seja insuficiente para fundamentar a solução de direito atingida, não se vê que se haja deixado de investigar toda a matéria de facto com relevo para a decisão final, como não se vê qualquer inultrapassável incompatibilidade entre os factos provados ou entre estes e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão, e de igual modo não se detecta na decisão recorrida, por si e com recurso às regras de experiência, qualquer falha ostensiva na análise da prova ou qualquer juízo ilógico ou arbitrário, nomeadamente e concretamente relativamente aos pontos 5, 6, 7, 11, 13, 14 e, 15, dos factos provados nos termos já supra referidos.
De igual modo, conforme supra referido, do texto de tal decisão não se detecta qualquer violação do “favor rei”, na medida em que se não verifica, nem demonstra, que o tribunal de julgamento haja resolvido qualquer dúvida contra o arguido.
Por outro lado, conceda-se, a decisão recorrida, como já se afirmou, não deixa de expor, de forma clara e lógica, os motivos que fundamentaram a decisão sobre a matéria de facto, com exame criterioso, das provas que abonaram a decisão, tudo com respeito do disposto no artigo 374º, nº 2, do Código de Processo Penal.
A decisão recorrida está elaborada de forma equilibrada, lógica e fundamentada.
O Tribunal a quo decidiu segundo a sua livre convicção e explicou-a de forma objectiva e motivada e, portanto, capaz de se impor aos outros.
Em consequência, mantém-se e, sedimentada se mostra, a factualidade assente pelo Tribunal a quo, não se vislumbrando na decisão recorrida vício ou nulidade cujo conhecimento oficiosamente ou a requerimento se imponha a este Tribunal ad quem.

Assim, em conclusão, decorre, necessariamente, que este Tribunal ad quem, não pode deixar de julgar improcedente a invocada impugnação da matéria de facto por parte do recorrente.

- Da impugnação do Acórdão proferido, por erro de julgamento da matéria de direito, relativamente à subsunção jurídica dos factos provados.

Decorre do artigo 171º, do Código Penal:

“1 - Quem praticar acto sexual de relevo com ou em menor de 14 anos, ou o levar a praticá-lo com outra pessoa, é punido com pena de prisão de um a oito anos.
2 - Se o acto sexual de relevo consistir em cópula, coito anal, coito oral ou introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou objectos, o agente é punido com pena de prisão de três a dez anos”.

E, do disposto no artigo 177º, do Código Penal:

“1 - As penas previstas nos artigos 163º a 165º e 167º a 176º são agravadas de um terço, nos seus limites mínimo e máximo, se a vítima:
b) Se encontrar numa relação familiar, de coabitação, de tutela ou curatela, ou de dependência hierárquica, económica ou de trabalho do agente e o crime for praticado com aproveitamento desta relação”.
O legislador consagra no domínio da sexualidade uma ampla concepção, despida de todo e qualquer propósito moralista, só sendo proibida a manifestação sexual que não for consentida, fazendo excepção relativamente a crianças, por presumir, juris et de jure, que, atenta a sua idade, não têm capacidade para se autodeterminarem sexualmente, perceberem o significado do acto sexual, estando a sua liberdade sexual, naturalmente, afectada e, o desenvolvimento da sua sexualidade perturbado.
O bem jurídico protegido é pois a liberdade sexual, a liberdade de crescer na inocência, até a criança atingir maturidade física e psíquica, bem como capacidade, com presciência e autenticidade, para avaliar da prática sexual.
Atentos os factos que nos autos resultaram provados, inequivocamente, é imputável objectiva e subjectivamente ao arguido D. M., a prática como autor material, de um crime de abuso sexual de criança agravado, previsto e punido pelos artigos 171º, nº 1 e, nº 2 e, 177º, nº 1, alínea b), ambos do Código Penal, em relação à menor B. L..
Por tudo o exposto improcede pois o recurso do arguido D. M., relativo à imputação objectiva e subjectiva do tipo legal de crime, constante do Acórdão recorrido.

- Da impugnação do Acórdão proferido, por erro de julgamento da matéria de direito, relativamente à medida da pena e, da sua suspensão, nos termos do disposto nos artigos 71º e, 50º, do Código Penal.
Os critérios, que devem presidir à quantificação da pena concretamente aplicável, são os estabelecidos pelo artigo 71º, do Código Penal, sob a epígrafe “Determinação da medida da pena”, estatui:

“1 – A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos pela lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
2 – Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do arguido ou contra ele, considerando, nomeadamente:
a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
b) A intensidade do dolo ou da negligência;
c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando seja destinada a reparar as consequências do crime;
f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
3 – Na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena”.
O nº 1 do artigo 40º do Código Penal estabelece como finalidade da aplicação de penas a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade e, o nº 2 do mesmo normativo prescreve que em caso algum a pena ultrapasse a medida da culpa.
O momento inicial, irrenunciável e decisivo da fundamentação da pena repousa numa ideia de prevenção geral, uma vez que ela (pena) só ganha justificação a partir da necessidade de protecção de bens jurídico-penais.
Por outro lado, há que ter presente que um dos princípios a que obedece o Código Penal é o princípio da culpa, segundo o qual não pode haver pena sem culpa, nem pena superior à medida da culpa.
Sobre as finalidades da punição consignadas no artigo 40º, do Código Penal e sobre os critérios concretos a observar no doseamento da pena, apenas se dirá de forma resumida, reproduzindo Figueiredo Dias, em “Direito Penal”, Parte Geral, Tomo I, Coimbra Editora, 2ª ed., pág. 84, que “a pena concreta é limitada no seu máximo inultrapassável pela medida da culpa; dentro desse limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico; dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função das exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa, de intimidação ou de segurança individuais”.
Postas estas considerações gerais, que devem estar presentes no juízo conducente às penas concretas e adequadas, o artigo 71º, nº 1, do Código Penal preceitua, na senda do citado artigo 40º, que a determinação concreta da pena, dentro dos limites legalmente definidos, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção e o nº 2 do mesmo artigo determina que o tribunal atenda a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor ou contra o agente, enumerando algumas a título exemplificativo, circunstâncias estas que nos darão a medida das exigências de prevenção em concreto a realizar porque indicadoras do grau de violação do valor em causa e da prognose de no futuro o agente se poder determinar com o respeito pelo valor penalmente protegido.
A moldura penal abstracta para o crime de abuso sexual de criança agravado, punido pelos artigos 171º, nº 1 e, nº 2 e, 177º, nº 1, alínea b), do Código Penal, é de prisão de 4 anos a 13 anos e 4 meses.
Perante os pressupostos já enunciados, ao nível da ilicitude, deparamo-nos com um muito elevado desvalor da acção, atendendo ao circunstancialismo que rodearam os factos, tratar-se de menor dependente de pouca idade e, o enorme lapso de tempo em que decorreram os factos.

A que acrescem os factos constantes do Acórdão recorrido:

“Haverá ainda que considerar o grau da ilicitude dos factos, que é muito acentuado, face à prática do abuso sexual por um longo período de tempo, situável pelo menos a partir de 27 de Julho de 2001 (quando a B. L. faz 5 anos) e o ano de 2010, tendo inicialmente a menor apenas cinco anos, sendo filha da sua mulher, isto é sua enteada, e residindo com o casal.
Além do mais, a diversidade dos actos praticados não pode ser escamoteada, pois que foram desde retirar a roupa à B. L., esfregar-se em cima dela, apalpando-a, sentando-a no seu colo, apalpando-lhe e acariciando-lhe a vagina e introduzindo-lhe os dedos na vagina; aparecer durante a noite no quarto da B. L., todo o nu, exibindo-lhe o pénis; por vezes deitar-se em cima da mesma, ocasiões em que lhe apalpava os seios e se esfregava em cima dela; chegou ainda a manietá-la - atou-lhe as mãos e as pernas e deitou-a no sofá, após o que a filmou nua; masturbou-se em frente da B. L., além de que roçou o seu pénis nas costas e nas nádegas da B. L., apalpou-lhe as “mamas”, acariciou-lhe a vagina, tendo, acto contínuo, introduzido os seus dedos na vagina em Fevereiro de 2009; perseguiu-a pela casa, com o pénis erecto, entrou na casa de banho enquanto esta tomava banho e tirou fotografias da mesma nua
A tudo acresce que estes actos foram sempre praticados de forma reiterada, pois fazia-o pelo menos duas vezes por semana, na casa da família, o que mostra bem a elevada gravidade da conduta assumida pelo arguido.
Os actos sexuais descritos e praticados são de carácter vincado e intenso.
Muito forte é ainda o dolo do arguido, para além de directo e tenaz, revelador da persistente determinação do arguido no que respeita às vezes em que logrou satisfazer o seu desejo na casa de morada de família.
O modo de actuação seguido revela grande audácia, pois não só agiu na casa de morada de família, aproveitando períodos em que permanecia a sós com a ofendida, então menor, ou aproveitando os períodos em que a mulher, mãe da menor, e os seus dois outros filhos, se encontravam em casa mas nos respectivos quartos, a dormir, como praticava os mais variados actos, pelo menos duas vezes por semana.
O facto de não terem sido resultado lesões físicas à menor, apesar das dores e incómodos advenientes da introdução dos dedos do arguido na sua vagina, não diminui a gravidade da situação, em face do apurado sofrimento, vergonha e do receio sentidos aquando era vítima dos actos abusivos, e pela circunstância de ao nível psicológico se terem apurado inúmeras consequências da vitimização, pois além do mais sofre ainda hoje de perturbação de stress pós-traumático, quadro clínico que demanda acompanhamento psicológico e/ou psiquiátrico, mantendo neste momento sessões semanais de psicoterapia com Psicólogo.
As consequências da sua conduta foram seguramente devastadoras para o crescimento da vítima, deixando os actos do arguido marcas naquela que, como é sabido, são indeléveis, obrigando-a assim a suportar tal fardo para sempre.
A motivação do arguido foi a de satisfazer os seus instintos libidinosos.
As condições pessoais do agente não mitigam de qualquer forma o seu comportamento, já que embora seja primário e esteja profissionalmente inserido há anos, sendo assim as exigências de prevenção especial mais reduzidas, não se justifica por qualquer forma a actuação.
De facto, o arguido não era desconhecedor dos limites da sexualidade de terceiro e da ilicitude dos actos praticados com e na menor – entre os 5 a 14 anos desta – por variadas ocasiões, de forma reiterada, persistente e da mais variada natureza, gravemente atentatórios da saúde psíquica da mesma, do seu bem-estar emocional e integridade físico-emocional.
Por fim, a intensidade da ofensa e a dimensão do bem jurídico ofendido, assume significado profundamente diferente no caso, face à violação repetida de bens jurídicos ligados à dimensão pessoal, em relação a bens patrimoniais, sendo certo que o início dos abusos se situaram quando a ofendida tinha cinco anos.
A favor do arguido a confissão parcial de parte dos factos que lhe são imputados, e o facto de se não lhe conhecerem outros comportamentos posteriores de natureza semelhante ou igual ao dos autos.
Ainda há que atender ao decurso do tempo, já que os actos abusivos cessaram há cerca de 7 anos, após a menor fazer 14 anos de idade, sendo esta hoje já maior de idade”.
Devem também acentuar-se que as razões de prevenção existentes em relação a tais condutas, são essenciais numa sociedade comunitária e socializadora, assente nas relações interpessoais, como são os actuais modelos de sociedade.
Analisadas tais circunstâncias das condutas em apreço e bem assim as que o Tribunal a quo enumerou, logo evidente se torna que o circunstancialismo em causa aponta para um limite mínimo ditado pela prevenção geral de integração muito acima do limite mínimo previsto nas normas incriminadoras, pela reiteração de ofensas no bem jurídico protegido, sob pena de insuficiente defesa do ordenamento jurídico.
E, à luz da prevenção especial que no caso não pode deixar de ter conteúdo negativo de intimidação individual, temos também um quadro que aponta para a necessidade de pena também situada significativamente acima do limite mínimo da medida abstracta legalmente prevista.

Pelo exposto, a pena de prisão de 7 anos e 6 meses de prisão, pelo crime de abuso sexual de criança agravado, previsto e punido pelo artigos 171º, nºs 1 e 2 e, 177º, nº 1, alínea b), do Código Penal, parece-nos que o Tribunal a quo no seu doseamento ponderou devidamente as circunstâncias apuradas e as aludidas finalidades das penas, sendo que a pena fixada não ultrapassa a medida da culpa do arguido.
Todo o circunstancialismo que nos autos resulta provado, afasta liminarmente, qualquer possibilidade de diminuição da culpa do arguido, da ilicitude dos factos e, das necessidades de prevenção que resultam dos autos.
Ora, atentos os factos julgados provados, o bem jurídico protegido pela incriminação e, as circunstâncias indicadas na decisão recorrida, não se vislumbra na matéria sedimentado no Tribunal a quo, qualquer margem que permita afirmar que a medida da culpa do arguido foi excedida, afigurando-se a pena encontra-se doseada em medida adequada aos factos apurados e ademais fixada com equilibrado critério.

Assim, o princípio moderador da culpa não se mostra beliscado com a pena de prisão fixada ao arguido D. M..

Nestes termos, cremos que é de manter a pena de prisão aplicada pelo Tribunal a quo, ao arguido D. M., a qual não afronta os princípios da necessidade, proibição de excesso ou proporcionalidade das penas – cfr. artigo 18º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa –, antes é adequada e proporcional à defesa do ordenamento jurídico e não ultrapassa a medida da culpa do arguido.
Quanto à suspensão da execução da pena de prisão aplicada, atento o disposto no artigo 50º, do Código Penal, que apenas prevê a suspensão da execução das penas até 5 anos de prisão e a pena concretamente aplicada ao recorrente D. M., nada há pois a apreciar, por legalmente inadmissível a aplicação de tal pena de substituição.

Assim, em conclusão, decorre, necessariamente, que este Tribunal ad quem, não pode deixar de julgar totalmente improcedente o recurso interposto pelo recorrente D. M., relativo à medida da pena de prisão a que se mostra condenado, confirmando-se consequentemente, nesta parte, na sua integralidade o Acórdão recorrido.

- Da impugnação do Acórdão proferido, por erro de julgamento da matéria de direito, relativamente ao montante da indemnização civil arbitrado, por excessivo face aos factos provados.
Quanto à impugnação do Acórdão proferido, por erro de julgamento da matéria de direito, relativamente ao pedido civil a que o recorrente se mostra condenado, porque não provados os factos fundamentadores da condenação.
Desde logo cumpre afirmar, que conforme supra referido e nos precisos termos ai referidos, não procede a invocada impugnação dos factos provados, relativamente aos factos integradores da causa de pedir do pedido civil deduzido pelas demandantes.
A indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil (artigo 129º, do Código Penal).
O princípio geral em matéria de responsabilidade civil extra contratual é o consignado no artigo 483°, do Código Civil, segundo o qual “aquele que com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.
Nos termos dos artigos 496º, nº1 e, nº 3, 1ª parte, e, 494º, do Código Civil, o montante da indemnização por danos não patrimoniais é fixado equitativamente pelo Tribunal, tendo em atenção, a gravidade e extensão dos prejuízos, o grau de culpabilidade do lesante, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso – cf. Galvão Telles, Direito das Obrigações, Coimbra Editora, 4ª edição, 1982, pág. 304.
Os danos não patrimoniais abrangem os prejuízos (como as dores físicas, os desgostos morais, os vexames, a perda de prestigio ou de reputação e os complexos de ordem estética) que, não sendo susceptíveis de avaliação pecuniária, apenas podem ser compensados com obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo mais uma satisfação do que uma indemnização.
Resulta do disposto no artigo 496º, nº 1 e, nº 3, do Código Civil, que “na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”.

Do princípio geral em matéria de responsabilidade civil extra contratual consignado no artigo 483°, do Código Civil, supra referido, resulta que constituem, em regra, pressupostos da responsabilidade civil extracontratual:

- O facto ilícito;
- O dano;
- O nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano;
- A culpa.
O facto ilícito é o facto voluntário – a acção ou omissão – que viola o direito de outrem ou deveres impostos por lei que vise a defesa dos interesses particulares, sem contudo conferir, correspectivamente, quaisquer direitos subjectivos.
O dano consiste na ofensa de bens ou interesses alheios protegidos pela ordem jurídica e pode ter natureza patrimonial e não patrimonial.
O nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano representa a imputação objectiva dos resultados danosos ao comportamento do agente, de maneira a determinar-se quais os danos verdadeiramente causados por este e nessa medida, indemnizáveis – artigo 563°, do Código Civil.
Finalmente, a culpa representa a imputação subjectiva do facto ao agente e traduz uma determinada posição ou situação censurável deste perante o facto ilícito, podendo assumir a forma de negligência ou de dolo.
No caso em apreço, provaram-se os factos ilícitos pelo arguido praticados e bem assim a sua culpa.
Verifica-se, por tal, o preenchimento por parte do arguido/demandado de todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual no que tange aos danos patrimoniais e não patrimoniais.
Estabelecida a obrigação de indemnizar nos precisos termos expostos, importa apenas quais os danos que por ela são abrangidos e fixar o respectivo “quantum” indemnizatório.
No caso concreto, resultaram provados nos autos, conforme supra referido e bem consta do Acórdão recorrido, que para a demandante advieram do comportamento do arguido, os seguintes danos patrimoniais e não patrimoniais:

“No caso, provou-se que por virtude da actuação criminosa do arguido a ofendida B. L., entre os 5 e os 14 anos de idade, sofreu prejuízos de natureza não patrimonial, por força dos sentimentos de receio e medo do arguido, sendo incapaz de compreender plenamente o que havia acontecido, sentindo dor, sofrimento e desgosto, o que se repercutiu necessariamente na sua saúde psíquica.
Mais se provou que apresenta um quadro clínico compatível com a perturbação stress pós-traumático, despoletado com a situação abusiva.

(…)
No caso, provou-se que, em consequência dos factos perpetrados pelo arguido – despir a ofendida, esfregar-se em cima dela; apalpando-a, sentando-a no seu colo, assim apalpando-lhe e acariciando a vagina; introduzindo-lhe os dedos na vagina, causando-lhe dor e desconforto; aparecer durante a noite no quarto da B. L., todo o nu, exibindo-lhe o pénis; por vezes deitava-se em cima da mesma, apalpava-lhe os seios e esfregava-se em cima dela; chegou ainda a manietá-la - atou-lhe as mãos e as pernas e deitou-a no sofá, após o que a filmou nua; masturbou-se em frente à mesma, além de que roçou o seu pénis nas costas e nas nádegas da B. L., apalpou-lhe as “mamas”, acariciou-lhe a vagina, tendo, acto contínuo, introduzido os seus dedos na vagina; perseguiu-a pela casa, com o pénis erecto, entrou na casa de banho enquanto esta se encontrava a tomar banho e tirou fotografias da mesma nua - a ofendida teve receio e medo do arguido, sendo incapaz de compreender plenamente o que lhe sucedia aquando dos abusos, sentindo vergonha e desgosto.
Sente-se revoltada com os abusos de que foi vítima, sofre de insónias e ansiedade, mostra raiva e tristeza em face da situação vivenciada.
Sofre de sintomatologia de carácter clínico, associada à perturbação de stress pós-traumático, que tem de ser tratada através de acompanhamento psicológico e/ou psiquiátrico com várias consultas ou sessões.
De facto, sublinha o relatório de perícia psicológica realizado à ofendida, que hoje já conta com 21 anos de idade, que a mesma apresenta sintomatologia clinicamente significativa nalguns domínios avaliados, pois evidenciou sintomas de somatização (isto é, mal-estar resultante da percepção do funcionamento somático, por exemplo, falta de forças em partes do corpo) e psicoticismo (isolamento interpessoal, ideia de punibilidade e castigo, etc.), além de que relatou dificuldades em adormecer ou manter-se a dormir, sintomas de irritabilidade, dificuldades de atenção e concentração e sinais de hipervigilância.
Apesar de se vincar ainda que o risco de revitimação é baixo pois a ofendida percepciona tais experiências abusivas como negativas, mostrando-se consciente da inadequação das mesmas, e apresenta conhecimentos suficientes acerca da sexualidade, sublinha-se que a mesma evidencia desajustamento psicológico clinicamente significativo, revelando sinais e sintomas congruentes com as experiências abusivas relatadas, sendo benéfica a sua inclusão num processo psicoterapêutico para optimizar os recursos pessoais e diminuir a sintomatologia evidenciada em contexto de avaliação.
Tomando como referência o que se deixou dito, os factos apurados em julgamento, as consequências advindas à ofendida com a prática do crime e as concretas circunstâncias da acção, fixa-se em 17.000,00 Eur. (dezassete mil euros) o valor indemnizatório devido pelos danos não patrimoniais sofridos, atendendo à idade actual do arguido e da ofendida, às suas concretas ocupações, ele vigilante e ele estudante, aos concretos actos praticados pelo abusador, ao período de tempo abrangido e às consequências advindas a nível psicológico à B. L..
Para fixação deste valor, atendeu-se à circunstância de se ter demonstrado que será necessário suportar despesas com futuras consultas de psicologia e/ou psiquiatria, embora sem que seja possível dizer que tal se manterá por certo período de tempo, mas podendo afirmar-se que é necessário o tratamento em face do estado clínico diagnosticado, em consequência dos actos abusivos praticados pelo arguido.
Embora a assistente tenha peticionado, a este título um valor menor, contendo-se aquele valor, adequado à situação apurada, no valor global do pedido indemnizatório nada invalida que o Tribunal eleve o mesmo nos termos referidos, apesar do hoje disposto no art. 609º, nº 1 do C.P.Civil.
(…)
Quanto aos danos patrimoniais (…)
No caso, a demandante requer o reembolso do pagamento do preço das consultas que já fez com um especialista em Psicologia, e que à data perfazem mil novecentos e oitenta euros, conforme documentação que juntou aos autos, pelo que é este o montante de danos patrimoniais a suportar pelo arguido.
Nestes termos, o dever de indemnizar os danos patrimoniais compreende não só o prejuízo causado à lesada, artigo 483º, do Código Civil.
Atentos os factos provados, inequívoco resulta o montante relativo aos danos patrimoniais, que resultaram para a demandante.
E os danos não patrimoniais que abrangem os prejuízos (como as dores físicas, os desgostos morais, os vexames, a perda de prestigio ou de reputação e os complexos de ordem estética) que, não sendo susceptíveis de avaliação pecuniária, apenas podem ser compensados com obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo mais uma satisfação do que uma indemnização.
Sendo tal sofrimento insusceptível de ser apagado ou minimizado, tais montantes mostram-se ajustados à finalidade compensatória da indemnização e, fixados de acordo com a equidade e reveladora de adequada ponderação dos respectivos pressupostos na avaliação do caso em concreto.
O valor da indemnização arbitrado pelos danos não patrimoniais, em análise, mostra-se consentâneo com os factos apurados e com a jurisprudência dos Tribunais Superiores, não justificando qualquer censura o montante fixado.
Pelo exposto, improcede também nesta parte o recurso interposto pela demandante, mantendo-se inalterada a sentença recorrida
Assim, improcede também nesta parte o recurso interposto, pelo arguido/demandado D. M..

Por tudo o exposto improcede pois na sua globalidade o recurso interposto pelo arguido D. M., confirmando-se, pois, na sua integralidade o Acórdão recorrido.

Em vista do decaimento total nos recursos interpostos pelo arguido D. M., ao abrigo do disposto nos artigos 513º, nº 1 e, 514º, nº 1, nº 1, alínea b), do Código de Processo Penal, 8º, nº 5, com referência à Tabela III anexa, do Regulamento das Custas Processuais, impõe-se a condenação do mesmo recorrente nas custas, fixando-se a taxa de justiça em 5 (cinco) unidades de conta, sem prejuízo do eventual benefício de apoio judiciário de que goze.

3 - Dispositivo.

Por tudo o exposto e pelos fundamentos indicados, acordam os juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães em:

- Julgar totalmente improcedente o recurso interlocutório interposto pelo arguido D. M., confirmando-se na sua integralidade o despacho recorrido.

- Julgar totalmente improcedente o recurso interposto pelo arguido D. M., confirmando-se na sua integralidade o Acórdão recorrido.

Custas pelo recorrente D. M., que se fixam em 5 UC (cinco unidades de conta), sem prejuízo do eventual benefício de apoio judiciário de que goze.

Certifica-se, para os efeitos do disposto no artigo 94º, nº 2, do Código do Processo Penal, que o presente acórdão foi pelo relator elaborado em processador de texto informático, tendo sido integralmente revisto.
Guimarães, 9 de Abril de 2018


(Fernando Paiva Gomes M. Pina)
(Maria José dos Santos de Matos)