Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
2920/17.4T9VCT-A.G1
Relator: JORGE BISPO
Descritores: REQUERIMENTO ABERTURA INSTRUÇÃO
NULIDADES INQUÉRITO
OMISSÃO DE FACTOS
INADMISSIBILIDADE LEGAL
REJEIÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/27/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
I) Tendo o juiz rejeitado o requerimento de abertura de instrução por inadmissibilidade legal da instrução (art. 287º, n.º 3, do CPP), não lhe cumpria apreciar, previamente, as nulidades do inquérito suscitadas nesse requerimento.

II) Com efeito, embora esteja ao seu alcance sindicar, nos termos do art. 308º, n.º 3, do CPP, as nulidades cometidas, a montante, no inquérito, o seu conhecimento tem que ser útil, o que não sucede no caso de a instrução não ser admitida e, por conseguinte, o arquivamento do inquérito adquirir foros de definitividade.

III) O requerimento de abertura de instrução que não descreva cabalmente os factos imputados, em termos de estes poderem integrar os elementos objetivos e subjetivos de um tipo de crime, deve ser rejeitado, seja com fundamento na inadmissibilidade legal da instrução nos termos do n.º 3 do art. 287º do CPP, seja por recurso à analogia, aplicando a norma prevista para a acusação manifestamente infundada por não conter a narração dos factos (art. 311º, n.º 2, al. a), e n.º 3, al. b), do mesmo código).
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO

1. No processo com o NUIPC 2920/17.4T9VCT, findo o inquérito, o Ministério Público proferiu despacho de arquivamento do mesmo, por falta de indícios suficientes (art. 277º, n.º 2, do Código de Processo Penal) da prática do crime de burla, previsto e punido (p. e p.) pelos arts. 217º, n.º 1, e 218º, n.º 2, al. a)/crime de extorsão, p. e p. pelo art. 223º, n.ºs 1 e 2, por referência ao n.º 2, al. a), do art. 204º e al. b) do art. 202, todos do Código Penal (ou crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203º, n.º 1, e 204º, n.º 1, al. a), ambos do Código Penal), que a factualidade denunciada por A. M., imputando-a a J. A., seria suscetível de integrar.
2. O referido denunciante, inconformado com o despacho de arquivamento, requereu a sua constituição de assistente e apresentou requerimento de abertura de instrução, no qual, depois de arguir a nulidade de falta de inquérito e, subsidiariamente, a nulidade de insuficiência do inquérito, requereu, ainda subsidiariamente, que, uma vez realizadas as diligências sugeridas, seja proferido despacho de pronúncia do arguido J. A. e de Dr. H. H., pela prática dos crimes de abuso de confiança e de extorsão, p. e p., respetivamente, pelos arts. 205º e 223º do Código Penal.
3. O Mm.º Juiz de Instrução, ao abrigo do disposto no art. 287º, n.º 3, do Código de Processo Penal, determinou a rejeição do requerimento de abertura de instrução, por inadmissibilidade legal, e considerou precludida a possibilidade de apreciação das questões nele enunciadas, designadamente as nulidades invocadas, as quais apenas poderiam ser conhecidas se fosse admitido o requerimento de abertura de instrução e declarada aberta esta fase.
4. Novamente inconformado, o assistente A. M. recorreu dessa decisão, concluindo a sua motivação nos termos que a seguir se transcrevem[1]:
«CONCLUSÕES:

I. O assistente, aqui recorrente, não colocou apenas em crise o mérito da decisão do Ministério Publico de arquivamento do inquérito.
II. Com efeito, nos Pontos B 1 e B 2 do requerimento de abertura de instrução, o assistente alegou a falta de inquérito, nos termos dos arts. 118.° e 119.° e 120., n.° 2, al. d) do CPP,
III. E, consequentemente, arguiu a nulidade do Inquérito e requereu a remessa do processado ao Ministério Público para a investigação da existência de crime.
IV. Sucede que, a este respeito, entendeu o Tribunal a quo não dever pronunciar-se sobre outras questões suscitadas no requerimento de abertura de instrução, designadamente, sobre as nulidades nele invocadas em virtude de, por outras razões, não admitir o requerimento de abertura de instrução.
V. Ora, no nosso modesto entendimento, a ausência de pronúncia sobre os vícios invocados pelo assistente conduz à própria nulidade do despacho proferido, nos termos do art. 379º, n.° 1, al. c) do CPP, em conjugação com o art. 308.°, n.º 3 do CPP.
VI. Assim considerou o Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de 23-10-2003, no processo n.° 03P3223.
VII. Bem assim, o Tribunal da Relação de Lisboa, de 19-04-2017, no processo 684/ 14.2T9SXL.L1.
VIII. O Meritíssimo Juiz de Instrução, a coberto de razões formais — que, no nosso entendimento, não ocorrem nestes autos — deixou de se pronunciar sobre questões suscitadas e que competia apreciar.
IX. Pelo exposto, o despacho ora em crise deve ser declarado nulo por omissão de pronúncia e, nessa sequência, ser substituído por outro em que o Exmo. Senhor Juiz de Instrução aprecie e se pronuncie sobre as nulidades invocadas requerimento de abertura de instrução, pelo aqui recorrente.
X. Por outro lado, salvo o mais elevado respeito, entendemos que o requerimento de abertura de instrução não enferma das vicissitudes que lhe são apontadas no despacho recorrido,
XI. Pois que não é omisso na descrição dos factos nem na indicação das normas jurídicas aplicáveis.
XII. Com efeito, o requerimento de abertura de instrução encontra-se estruturalmente hábil, obedecendo com a necessária suficiência aos requisitos legais conducentes à apreciação e decisão do ali peticionado.
XIII. Nos termos das disposições conjugadas dos arts. 286.°, n° 1, 287.°, al. b), e 283º, 3, al. b) e c), todos do CPP, o assistente requereu articuladamente a abertura da instrução nos autos, no tempo que a lei lhe permite, perante o juiz e tribunal competentes, ali fez constar as razões de facto e de direito, de discordância pela não acusação dos arguidos, e indicou dos atos de instrução pretendidos, os factos que fundamentam a aplicação aos arguidos de uma pena e as disposições legais aplicáveis.
XIV. Porque «o requerimento só pode ser rejeitado por extemporâneo, por incompetência do juiz ou por inadmissibilidade legal da instrução», - artigo 287°, n°3 - e estes requisitos foram integralmente respeitados, inexiste fundamento legal para a prolação da decisão recorrida.
XV. Da interpretação dos arts. 283.°, 286.° e 287.° do CPP, e concebendo as críticas à falta de perfeição do requerimento de instrução, consideramos que o seu articulado não impossibilita o exercício do contraditório, nem tampouco arreda irremediavelmente as garantias de defesa que alicerçam o processo penal.
XVI. Pelo exposto, na nossa modesta opinião, o requerimento de abertura de instrução é válido, pelo que deve ser admitido e, ainda que após as diligências já requeridas e ainda por apreciar, conduzirá ao debate e decisão instrutórios.
XVII. A decisão aqui colocada em crise estriba-se em fundamentos formais que, a nosso ver, não colhem provimento e que conduzem à morte do presente processo.
XVIII. Nos presentes autos, impõe-se a substituição da decisão de rejeição do requerimento de abertura de instrução e subsequente não pronúncia sobre as nulidades nele suscitadas e,
XIX. Consequentemente, a prolação de decisão que o receba e, bem assim, que aprecie e se pronuncie sobre as nulidades invocadas.

Termos em que ao julgardes, V. Exas. Venerandos Desembargadores, procedente o presente recurso, revogando a decisão de rejeição do requerimento para abertura de instrução

A) substituindo-a por outra que o receba; e,
B) Que aprecie e se pronuncie sobre as nulidades nele invocadas,
FAREIS A COSTUMADA JUSTIÇA!»

5. Em resposta à motivação do recorrente, a Exma. Magistrada do Ministério Público junto da primeira instância manifestou o entendimento de que se deve manter a decisão instrutória ora posta em crise, não padecendo a mesma de qualquer tipo de vício que importe a sua substituição, alegando que o requerimento instrutório apenas contém conclusões e conceitos de direito e não factos dos quais resultem os elementos objetivos e subjetivos dos crimes que são imputados, pelo que, atenta a omissão dessa narração sintética dos factos e a circunstância de não poder haver lugar a convite ao aperfeiçoamento do requerimento, a consequência jurídica só pode ser a preconizada na decisão proferida pelo Mmº. JIC e ora posta em causa, mais referindo concordar integralmente com os fundamentos aí expendidos.
6. Nesta instância, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, na intervenção a que se refere o art. 416º do Código de Processo Penal, pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso, anuindo genericamente à resposta da Magistrada do Ministério Público na primeira instância, sublinhando que o petitório do recorrente, intentado com vista a desencadear a fase instrutória, enferma de sérias e, de todo, inultrapassáveis, deficiências e omissões, sendo a mais evidente a imputação factual e os correspondentes elementos volitivos nela suportados, bem como que, no concernente às arguidas nulidades, não devem ser conhecidas se a fase processual impetrada pelo recorrente não se inicia sequer.
7. Dado cumprimento ao disposto no art. 417º, n.º 2, do Código de Processo Penal, não foi apresentada qualquer resposta a esse parecer.
8. Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência para decisão, de harmonia com o preceituado no art. 419º, n.º 3, al. c), do mesmo código.

II. FUNDAMENTAÇÃO

1. QUESTÕES A DECIDIR:

Considerando que, de acordo com o disposto no art. 412º, n.º 1, do Código de Processo Penal, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, no caso vertente as questões a decidir reconduzem-se a saber:

1ª - Se a decisão recorrida é nula, por omissão de pronúncia, nos termos do art. 379º, n.º 1, al. c), em conjugação com o art. 308º, n.º 3, ambos do Código de Processo Penal (conclusões I a IX);
2ª - Se o requerimento de abertura de instrução não devia ter sido rejeitado por inadmissibilidade legal da instrução (conclusões X a XVII).

2. DA DECISÃO RECORRIDA:

O despacho recorrido tem o seguinte teor (transcrição):

«Requerimento de abertura de Instrução formulado a fls. 161 a 188 pelo assistente A. M.:

Inconformado com os termos do despacho final de arquivamento proferido em sede de Inquérito, veio o assistente formular requerimento de abertura de Instrução, nos seguintes termos:

(…)
B – ARGUIÇÃO DE NULIDADES
B 1 – A FALTA DE INQUÉRITO


Salvo o devido respeito que o Exm.º Representante do Ministério Publico nos merece, foram muitas as estranhas ocorrências que se verificaram após a participação criminal que originou o presente procedimento e, por isso, vem o aqui Requerente arguir a sua nulidade.

Com efeito,

Nos termos da lei, “a notícia de um crime dá sempre lugar à abertura de inquérito” sendo que a sua direção “cabe ao Ministério Público, assistido pelos órgãos de polícia criminal” (cfr. arts. 262º, nº 2 e 263º, nº 1 do CPPen.).

E “o inquérito compreende o conjunto de diligências que visam investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles e descobrir e recolher provas, em ordem à decisão sobre a acusação” (cfr. art. 262.º, n.º 1 do CPPen.).
6.º
O inquérito inicia-se – para efeitos de contagem do prazo da sua duração - quando passa a correr contra determinada pessoa ou quando corre a primeira constituição de arguido (cfr. arts. 57.º, 58.º e 276.º do CPPen.).

Os presentes autos tiveram início no dia 25 de Outubro de 2017, data em que deu entrada nos Serviços do Ministério Público deste Tribunal a participação criminal apresentada pelo aqui Requerente.

Salvo o devido respeito, como consequência do seu recebimento, abriu-se um simulacro que pouco mais tem de inquérito que o nome com que foi autuado e que nunca o chegou a ser, na opinião do ora Requerente, pelos motivos que de seguida se apresentam.

O Exm.º Representante do Ministério Público iniciou por ouvir as declarações do denunciante, aqui Requerente.
10º
Nas declarações prestadas, o Requerente disse, além do mais, que: “Já depois de ter apresentado queixa foi contactado por uma pessoa que se identificou como J. M., empregado da firma C. V., com o telemóvel nº. …… que o informou que o Dr. H. H. em Março deste ano lhe tinha exibido um contrato de compra e venda, supostamente assinado pelo denunciante e pela sua esposa, do prédio identificado no artº. 3º. da queixa, do qual constava além do mais que o denunciante já tinha recebido 120.000 euros por conta do negócio.” – cfr. declarações prestadas no dia 19.12.2017, a fls. 32.
11º
Nos termos do art. 267.º do CPPen.: “O Ministério Público pratica os atos e assegura os meios de prova necessários à realização das finalidades referidas no n.º 1 do artigo 262.º, nos termos e com as restrições constantes dos artigos seguintes.”.
12º
Confrontado com a descrita factualidade, ocorrida em data posterior à participação apresentada, o Exm.º Representante do Ministério Público fez tábua rasa do que lhe fora comunicado e, em momento algum, procurou tratar de identificar aquela pessoa – J. M. – que conhecia mais contornos da negociata arquitetada.
13º
Acresce que a testemunha V. F. declarou que: “apenas sabe informar que a sua empresa adquiriu um terreno a alguém residente para os lados de Braga, contudo desconhece qualquer pormenor e identidade dos envolvidos…” (cfr. declarações prestadas no dia 05.02.2018, a fls. 42)
14º
E, por outro lado, a testemunha J. V. disse: “Que o referido negócio já lhe tinha sido oferecido há cerca de dois meses atrás por um Dr. H. H., indivíduo que não conhecia e que lhe fora apresentado por um amigo como sendo advogado.” (cfr. depoimento de 06.02.2018 a fls. 43).
15º
Ora, o denunciante, ora Requerente, não participou em quaisquer negociações para a venda do imóvel em causa, muito menos meses antes da data da escritura pública de compra e venda, tanto assim que apenas conheceu os representantes legais da compradora no dia da outorga da escritura, conforme declararam os mesmos.
16º
Bem assim, o Requerente apenas conheceu o mencionado Dr. H. H., Il. Advogado, nessa mesma data.
17º
Como é bom de ver, o imóvel objeto da escritura de compra e venda em causa só poderia ser objeto de qualquer transação com a vontade daquele que era o seu proprietário, seja, do Requerente – cfr. consta da certidão predial correspondente – fls. 12 e 57 dos presentes autos.
18º
Nos termos do art. 1.º do Código do Registo Predial: “O Registo Predial destina-se essencialmente a dar publicidade à situação jurídica dos prédios, tendo em vista a segurança do comércio jurídico imobiliário.”.
19º
E estipula o art. 7.º do Código do Registo Predial: “O registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define.”
20º
Ora, face às declarações prestadas, e sendo certo que o Requerente sequer conhecia o Il. Advogado Dr. H. H., tampouco com este havia contratualizado quaisquer serviços, não podia Ilustre Causídico oferecer negócio algum sobre o aludido imóvel,
21º
Bem como não podia o Exm.º Representante do Ministério Público tomar conhecimento de tal circunstancialismo e deixar de apurar com rigor a verdade dos factos.
22º
Se, após as declarações prestadas pelo Requerente, o Exm.º Procurador da República, a fls 33, conclui: “Os factos denunciados, considerando os esclarecimentos prestados pelo queixoso, em diligência de inquirição por mim presidida, são suscetíveis de integrar somente a prática de crimes de extorsão e de abuso de confiança (resulta do depoimento do queixoso que terá havido toda uma atuação do denunciado, eventualmente concertada com outro, que culminou com a ação descrita nos dois últimos parágrafos de fls 31, no tocante à apropriação indevida do montante que estaria inscrito no cheque que foi dado a assinar ao queixoso)” – cfr. fls. 33 –,
23º
Não se compreende como ouvidas as declarações da testemunha J. V., a fls. 43, o Exm.º Representante do Ministério Público apenas no dia 02.11.2018, seja, volvido mais de um ano sobre a participação criminal e mais de 9 meses sobre o depoimento dessa testemunha, haja determinado: “Com cópia da queixa, convoque a testemunha H. H., Il. Advogado para inquirição, seguido de diligência de acareação”.
24º
(Tampouco se compreende também a necessidade de envio da queixa à testemunha).
25º
Sucede que chegados ao dia 04.12.2018, a testemunha indicada foi “declarar os factos que se encontram não abrangidos pelo segredo profissional que resulta do que viu no dia da escritura.”, E terminou o seu depoimento dizendo que: “No mais, não pode declarar, por entender que se encontra abrangido pelo segredo profissional” – cfr. fls. 99 e 100.
26º
Olvidou completamente o Exm.º Representante do Ministério Público a declaração de mais valias subscrita pela testemunha, Dr. H. H., Il. Advogado, (cujo original foi junto como doc. n.º 3 da participação criminal), à qual, aliás, inexplicavelmente sequer faz qualquer referência ao longo de todo o inquérito.
27º
Ademais, se é certa a absoluta imprescindibilidade da relação de confiança entre Advogado e seu constituinte, estribada no estrito respeito pelo segredo profissional, tal não significa que este dever seja absoluto.
28º
Resulta pois evidente que, atenta a gravidade da factualidade descrita e os princípios da investigação e da descoberta da verdade material, era imprescindível que o Exm.º Representante do Ministério Público provocasse Incidente de quebra de sigilo profissional, previsto no art. 135.º do CPPen.. Mas vamos mais longe,
29º
É que se é certo que um inquérito corre contra pessoa determinada que, para ser ouvido, deve ser constituído arguido – cfr. art. 272.º do CPPen.,
30º
É também certo que: “Se, durante qualquer inquirição feita a pessoa que não é arguido, surgir fundada suspeita de crime por ela cometido, a entidade que procede ao ato suspende-o imediatamente e procede à comunicação e à indicação referidas no n.º 2 do artigo anterior” – cfr. art. 59.º, n.º 1 do CPPen..
31º
Consequentemente, e uma vez que o Ministério Público fez tábua rasa da prova documental apresentada pelo denunciante (doc. n.º 3 da queixa), bem como das declarações prestadas a fls. 43 (de J. V.),
32º
Salvaguardado o respeito que é devido, resta concluir que não foram realizadas as diligências necessárias para apurar com rigor a verdade dos factos que só têm a sua sede própria na fase de inquérito, que é a fase investigatória inicial.
33º
Não se compreende que se encerre semelhante inquérito sem constituir como arguido o Il. Advogado Dr. H. H., nem tampouco sem provocar o incidente de levantamento de segredo profissional.
34º
Os factos denunciados, aliados às declarações prestadas, quer pelo denunciante, quer pela testemunha acima identificada, determinavam a obrigatoriedade de instauração do competente inquérito no tocante à testemunha em causa, Dr. H. H., Il. Advogado.
35º
Semelhante falta de inquérito constitui uma clamorosa violação das citadas disposições legais, vicissitude essa que a lei sanciona com a respetiva nulidade, que aqui expressamente se invoca para todos os efeitos legais.
36º
Com efeito, nos termos do disposto nos arts. 118º e 119º, al. d) do CPPen., a falta de inquérito ou de instrução, nos casos em que a lei determina a sua obrigatoriedade, constitui uma nulidade insanável, que deve ser oficiosamente declarada em qualquer fase do procedimento.
37º
E é isso, precisamente, aquilo que se requer a Vª. Exª., mais devendo dar-se sem efeito o processado de fls. 137, inclusive, em diante e, consequentemente, remeter-se o processo ao Ministério Público, para cumprimento de todas as disposições legais procedendo às diligências que tiver por convenientes para, efetivamente, investigar a existência de crime.

SEM PRESCINDIR,

B 2 – INSUFICIÊNCIA DO INQUÉRITO E OMISSÃO DE DILIGÊNCIAS
38º
Para a hipótese de vir a ser entendido que correu nos presentes autos um inquérito - o que não se concebe nem se concede, e só por mera cautela se admite –, então sempre será verdade que esse mesmo inquérito foi manifestamente insuficiente.
Na verdade,
39º
Já se disse que nunca foi inquirido o Senhor J. M. que, após o início dos presentes autos, contatou o aqui Requerente, informando que o Dr. H. H., Ilustre Advogado, em Março de 2017, seja, 4 meses antes da celebração da escritura pública, lhe tinha exibido um contrato supostamente assinado pelo Requerente e pela sua esposa, referente ao imóvel aqui em apreço.
40º
Já se disse também que, a fim de recolher meios de prova destinados à descoberta da verdade material e em cumprimento do disposto no n.º 1 do art. 262.º, n.º 1 do CPPen., era – e é – imprescindível requerer incidente de quebra do sigilo profissional do Il. Advogado Dr. H. H. e, no caso de se considerar que contra o mesmo não deve correr inquérito, reinquiri-lo após quebra de segredo profissional.

ACRESCE QUE,
41º
A fls. 36 dos autos, o Exm.º Representante do Ministério Público ordenou, entre outras coisas: “Requisite e junte CRC de H. H. e J. A.” (ponto 4).
42º
Acontece que, a fls. 63 dos autos, é consignado que “oportunamente darei cumprimento ao ponto 4 do despacho de fls 36, quanto ao denunciado J. A., uma vez que efetuada a pesquisa na base de dados, existem duas pessoas com o nome J. C., sendo certo que nenhum deles corresponde à morada de fls. 2.”.
43º
Nesta sequência, a Exm.ª Representante do Ministério Público ordenou, a fls. 64, a notificação do ofendido para: “juntar aos autos todos os elementos de id. que possuir acerca do denunciado, bem como extrato(s) bancário(s) comprovativo dos movimentos referidos nos autos.”.
44º
Ora, relativamente à identificação do denunciado, o aqui Requerente deve dizer que indicou o nome completo, seja, J. A., sendo inexplicável a pesquisa pelos nomes J. C..
45º
Bem como fica por perceber por que motivo não foi junto aos autos o CRC do denunciado J. A..
46º
Por outro lado, com o respeito que é devido, não pode também deixar de se referir que, a propósito dos movimentos bancários, não se compreende como o Exm.º Representante do Ministério Público, doutamente determina a notificação de “J. V. e V. F., na qualidade de legais representantes de “C. V. – Gestão e Construção de Imóveis, Lda.” Para, em 10 dias, juntar cópia dos cheques de €60.000,00, que utilizaram para efetuar o pagamento da escritura relativa ao prédio rústico conhecido como Campo ..., sito em … /freguesia de …, em Braga, pelo valor de €140.000 (apenas temos cópia do cheque de fls. 21, falta o outro)”.
47º
E, posteriormente, sendo juntos aos autos os cheques do Banco …, n.ºs ... e …, no valor de € 60.000,00 cada, totalizando o montante de € 120.000,00, não procure conhecer, não investigue o movimento bancário associado ao cheque n.º ..., tampouco que destino lhe foi dado, nem sequer investigue o destino do valor remanescente de € 20.000,00€.
48º
Essa omissão de diligências essenciais para a descoberta da verdade tornam insuficiente o inquérito, o que constitui, salvo o devido respeito, uma clamorosa violação das citadas disposições legais, vicissitude essa que a lei sanciona com a respetiva nulidade e que aqui expressamente se invoca, para todos os legais efeitos
49º
Com efeito, nos termos do disposto nos arts. 118º e 120º, nº2, al. d) do CPPen., a insuficiência do inquérito ou da instrução, e a omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se para a descoberta da verdade, constitui uma nulidade, que deve ser arguida até ao final do debate instrutório.
49º
E é essa nulidade, precisamente, aquilo que o requerente argui, devendo dar-se sem efeito o processado a partir de fls. 137, inclusive, e, consequentemente, remeter-se o processo ao Ministério Público, para, se assim for entendido, proceder às diligências essenciais para a descoberta da verdade.

AINDA SEM PRESCINDIR,

C – ABERTURA DE INSTRUÇÃO:
50º
Para o caso de assim não vir a ser entendido – hipótese que não se concebe nem se concede, e só por mera cautela se admite –, então sempre será verdade que, não obstante tudo o que foi dito, durante o inquérito foram recolhidos indícios suficientes de terem sido praticados os crimes de abuso de confiança e extorsão. Vejamos:
51º
A testemunha A. B. confirmou integralmente a versão do denunciante.
52º
A testemunha J. S. disse, além do mais, que: “um episódio que participou, foi quando circulava com o denunciante de viatura, e este andava a receber chamadas telefónicas no seu telemóvel, às quais ignorava, pois sabia que eram provenientes do aqui acusado e que o teor das mesmas eram ameaças. Perante isto o depoente decidiu atender o telemóvel do denunciante, sendo que do outro lado tratava-se de um Sr. J. A. que rapidamente começou a afirmar que o denunciante lhe teria que dar a quantia de 10.000€ relativamente a um negócio que teria executado sobre a venda de um imóvel. Durante a conversa que foi mantendo com este tal Sr. J. A. o mesmo por diversas vezes ameaçava que “Tratava da saúde ao A. M.” caso ele não lhe entregasse o que pretendia...” – fls. 50 dos presentes autos (sublinhado nosso).
53º
Por seu turno, “pelo arguido foi dito que desejava prestar declarações, não se tendo procedido ao seu registo áudio ou audiovisual por não haver meios disponíveis.” – cfr. fls. 97 dos autos).
54º
Acontece que, não obstante o declarado acima, seguidamente é simplesmente redigido em auto o seguinte: “Pelo arguido foi dito, que por ora não presta declarações. Pela defensora oficiosa foi solicitado um prazo de 10 dias, para agilizar a tomada de declarações, dada a complexidade dos autos.” – cfr. fls. 97 dos autos. E assim prosseguem as incongruências evidentes no procedimento:
55º
Dando por finda esta intitulada investigação, o Exm.º Representante do Ministério Público deduziu o seguinte: “facilmente concluímos não avultar suficientemente indiciado nenhum ilícitos penalmente típico, por parte do arguido nem de qualquer outro agente.
Com efeito, desde logo, o arguido nega a prática dos factos, isto é nega ter enganado ou extorquido qualquer quantia do denunciante, esclarecendo que havia um acordo entre ambos, relativo à venda daquele imóvel. Ora, a versão trazida pelo arguido / defesa (no requerimento de fls. 108) afigura-se-nos credível, desde logo, porque surge, genericamente ancorada nos elementos documentais juntos a fls. 111 e ss.. Os documentos juntos dizem efetivamente respeito ao mesmo imóvel, conforme vemos do teor da descrição predial e matricial junta aos autos e, no documento de fls. 113 (pese embora, seja uma cópia), surgem as assinaturas do denunciante e arguido num documento redigido à Câmara Municipal de …, no qual requerem a “copropriedade” do terreno em apreço. (cfr. despacho a fls. 144).
56º
Ora, nos termos do art. 96.º, n.º 1 do CPPen.: “Salvo quando a lei dispuser de modo diferente, a prestação de quaisquer declarações processa-se por forma oral, não sendo autorizada a leitura de documentos escritos previamente elaborados para aquele efeito.”
57º
E determina o n.º 1 do art. 138.º do CPPen.: “O depoimento é um ato pessoal que não pode, em caso algum, ser feito por intermédio de procurador.”.
58º
Por conseguinte, não se compreende como o Exm.º Representante do Ministério estriba as suas conclusões nos esclarecimentos do “arguido / defesa (no requerimento de fls. 108)”, até porque este – não descurando a confusão supracitada no auto de interrogatório a fls. 97 (acima mencionadas em 53.º e 54.º) – , aparentemente, não prestou declarações (salvo aquando da diligência de Acareação),
59º
Na verdade, o Exm.º Representante do Ministério estriba outrossim as suas conclusões nas explanações apresentadas por escrito pela Il. D.O. do Arguido e nunca sequer por este afirmados, esclarecidos ou tampouco confirmados.
60º
Por conseguinte, o Exm.º Representante do Ministério Público fundamenta as suas conclusões, além do mais, numa versão que não pode ser tida como meio de prova.
61º
Por outro lado, no que diz respeito aos elementos documentais que o Exm.º Representante do Ministério Público reputa como credíveis, cumpre dizer, sempre com o devido respeito, que não se compreende – como poderia compreender?! – que os mesmos provem o que quer que seja, sobretudo face aos demais documentos juntos aos autos pelo denunciante, ora Requerente, e confirmados a fls. 57, 58 e 59. Vejamos:
62º
O prédio rústico aludido nos presentes autos, objeto da engendrada transação, foi adquirido por sucessão deferida em partilha extrajudicial por morte, a 23/05/1998, de F. S., pai do denunciante, e corresponde à Ap. 30 de 1999/12/29 – cfr. certidão predial junta a fls. 12 e 57 dos autos.
63º
Tendo-lhe sucedido o aqui Requerente e seus irmãos: F. M., J. F., L. M., M. J. e M. L. – cfr. certidão predial junta a fls. 12 e 57 dos autos. Pelo que, então, o Requerente era dono e legítimo proprietário de 1/6 do imóvel.
64º
Por escritura de compra e venda lavrada no Cartório Notarial da Dra. A. S., no dia 31.08.2006, os irmãos do aqui Requerente venderam a este, pelo preço de € 3.125,00 a parte que possuíam no prédio rústico denominado “Campo ...”, sito no Lugar de … ou …, freguesia de ..., concelho de …, descrito na Primeira Conservatória do Registo Predial de … sob o número 22/... e inscrito na matriz sob o artigo 210 (da extinta freguesia de ... e a que corresponde o atual artigo 490 da União de Freguesias de … e ...) – cfr. certidão de escritura de compra e venda que ora se junta como doc. n.º 1 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
65º
Em momento algum, o Requerente pediu dinheiro emprestado a quem quer que fosse para pagar o preço de € 3.125,00.
66º
E em momento algum dos presentes autos é dito, tão-pouco questionado, quando, quanto ou como o Arguido emprestou dinheiro ao aqui Requerente para este adquirir o imóvel em apreço,
67º
Fundamentando-se o Exm.º Representante do Ministério Público em afirmações genéricas, sem qualquer precisão temporal ou espacial, conforme seguidamente se demonstrará e provará. Mas cumpre por ora atentar nos documentos juntos pelo arguido. Assim:
68º
O aqui Requerente não foi notificado de qualquer documento junto aos autos pelo Arguido, porém, diga-se desde já que os documentos a fls. 114, 115 e 116 não referenciam qualquer imóvel, tampouco provam a data em que foram elaborados, pelo que deles nada se pode aferir.
69º
No que ao documento junto a fls. 113 diz respeito, cumpre, antes de mais, dizer que a reprodução mecânica do mesmo torna-o impercetível, pelo que se afigura difícil aquilatar o seu integral teor bem como a sua real existência, donde vai o mesmo impugnado.
70º
Todavia, cumpre dizer que o mesmo jamais poderia consubstanciar a aquisição por parte do Arguido do que quer que fosse!
71º
Nos termos do art. 1316.º do Código Civil: “O direito de propriedade adquire-se por contrato, sucessão por morte, usucapião, ocupação, acessão e demais modos previstos na lei.”.
72º
Nos termos do art. 1403.º, n.º 1 do Código Civil: “1 – Existe propriedade em comum, ou compropriedade, quando duas ou mais pessoas são simultaneamente titulares do direito de propriedade sobre a mesma coisa”.
73º
Ora, como é bom de ver, inexiste nos autos qualquer título constitutivo ou forma de aquisição do terreno em apreço por parte de quem quer que seja, senão por parte do denunciante, aqui Requerente.
74º
O documento junto a fls. 113 – cuja veracidade se desconhece e o Exm.º Representante do Ministério Público também não procurou conhecer e por isso vai impugnado –, sempre se dirá, por cautela de patrocínio, que constituirá apenas uma medida preventiva nos termos do art. 54.º da Lei n.º 91/95, de 02 de Setembro, que estipula: “1 – A celebração de quaisquer atos ou negócios jurídicos entre vivos de que resulte ou possa vir a resultar a constituição de compropriedade ou a ampliação do número de compartes de prédios rústico carece de parecer favorável da câmara municipal do local da situação dos prédios…”.
75º
Conforme referido na participação criminal, o ora Requerente conhece o Arguido há cerca
de 40 anos e, uma vez que este exerceu, há largos anos, funções na área da imediação imobiliária, o Requerente comentou com aquele o propósito de vender o prédio rústico em causa – cfr. arts. 1.º a 5.º da queixa.
76º
E, baseado nessa relação de amizade e na experiência do Arguido, assinava, naturalmente, os documentos que este indicasse como necessários para a venda do imóvel em apreço.
77º
Das supracitadas disposições legais, bem como das declarações prestadas pelo ora Requerente, resulta muito evidente que o Arguido não registou nenhum terreno porque não o podia fazer, pois que uma certidão camarária, emitida nos termos do supracitado preceito legal, não é – como o poderia ser?! – título constitutivo de aquisição de um direito real.
78º
De resto, sem prescindir de tudo quanto vem se expor, na fotocópia junta aos autos a fls. 113, sequer é referido a favor de quem seria a compropriedade, quais as quotas, etc..
79º
Bem assim, dessa fotocópia, sequer parece constar qualquer menção a A. B., casada com o Requerente no regime de comunhão de adquiridos e cuja presença, por força desse regime, seria sempre necessária (art. 1724.º do Código Civil).
80º
Por fim, mas não menos importante, não pode o documento de fls. 113 substituir-se a uma escritura pública!
81º
Tampouco se pode admitir que o Exm.º Representante do Ministério Público conclua, com facilidade até, estribado em declarações subscritas pela Ilustre D.O. do Arguido e em fotocópias de documentos que não consubstanciam título constitutivo de direito algum, concluir que Denunciante e Denunciado são “comproprietários”, pois que “decorre das regras da experiência, negócios com este em que os reais proprietários não figuram nos respetivos registos prediais, ocorrem frequentemente:” – cfr. Despacho de arquivamento a fls. 144.
82º
A tese que conduz ao arquivamento dos presentes autos, para além ir ao arrepio do disposto nos supracitados arts. 1.º e 7.º do Código do Registo Predial, parece fazer crer que trata-se apenas de uma situação de omissão registral e que o Arguido não procedeu ao registo da alegada “compropriedade”, como se de uma mera formalidade se tratasse.
83º
Acontece que o Arguido não tinha qualquer título para proceder a esse mesmo registo!
84º
Contudo, para o caso de assim não se entender – o que não se concede e apenas concebe por mera cautela de patrocínio –, não pode também deixar de se referir a flagrante contrariedade na deduzida “omissão” do registo predial por parte do Arguido que, com a fotocópia de um documento emitido pela Câmara Municipal a atestar a possibilidade de divisibilidade de um rústico a favor de qualquer pessoa, vem, na tese do Exm.º Representante do Ministério Público, ultrapassar a necessidade de outorga de uma escritura pública e ilidir uma presunção registral… Vejamos:
85º
No douto despacho de arquivamento, o Exm.º Representante do Ministério Público, conclui, fundamentado nas declarações da Il. D.O. do Arguido, que este era comproprietário do imóvel e apenas não figurava no registo predial.
86º
Ora, atentado nas afirmações subscritas pela Il. D.O., e concebendo por mera hipótese académica a sua validade, resulta que: “o arguido não chegou a registar a dita compropriedade ou a formalizar o acordado” “por motivos relacionados com problemas junto de instituição bancária e penhoras”.
87º
Face a tais afirmações, como pode sequer conceber-se que o Arguido, pese embora tais problemas, dificuldades e penhoras, houvesse emprestado € 60.000,00 ao aqui Requerente?! Obviamente, não pode!
Mas, como se tudo isto não bastasse, vamos mais longe:
88º
Fundamenta-se o Exm.º Representante do Ministério Público, a fls. 140, nos depoimentos seguintes:
M. T., o qual referiu saber que terreno era propriedade do denunciante e do arguido, porque os ouvira e assim referir-se a dito imóvel (fls. 131).
- J. J., o qual referiu saber que o ofendido recorreu a empréstimo de dinheiro do arguido para comprar um terreno e que, em vez de proceder ao pagamento, o denunciante propôs ao arguido que figurasse como comproprietário, proposta que foi aceite pelo Arguido; disse que, a partir de tal data, passaram a agir como se de comproprietários se tratassem; sabe, até, que o arguido começou a tratar do licenciamento do terreno (cfr. fls. 133).”
89º
Ora, que terreno? Que empréstimo? Quando? Onde? Como? Que montante? Nada é dito, nada é esclarecido e, por conseguinte, as conclusões do Exm.º Representante do Ministério Público, no que a estas testemunhas se refere, com o respeito que é devido, fundamentam se precisamente nisso, seja, em nada.
90º
Mais, a testemunha J. J. declarou: “Sabe que o ofendido precisava de dinheiro para garantir a posse de um terreno em ..., Braga.
Recorreu à ajuda do arguido que lhe emprestou a quantia que ele precisava.
Após o empréstimo o ofendido propôs que em vez de lhe devolver o dinheiro passariam a ser coproprietários do dito terreno.
O arguido aceitou.
Daí o arguido e o ofendido começaram a tratar “o nosso terreno”
A partir dessa data, o arguido começou a tratar do licenciamento do terreno e a tratar de resolver o problema que o terreno tinha na parte da frente do mesmo que era muito estreita e não se conseguia vender por esse facto.
Sabe que o arguido conseguiu desbloquear a situação e que o terreno foi vendido…”.
91.º
Ora, o imóvel em apreço foi vendido precisamente no estado em que se encontrava, inexistindo qualquer “desbloqueio”.
92º
Além disso, o aqui Requerente comprou, pelo preço de € 3.125,00 a parte que possuíam, por sucessão hereditária, aos restantes herdeiros, seus irmãos – cfr. Escritura de Compra e Venda, outorgada no dia 31.08.2006, no Cartório Notarial da Dra. A. S. (doc. n.º 1).
93º
Aqui chegados, cumpre questionar como pode conceber-se que o Arguido haja emprestado a quantia que o Ofendido precisava para garantir a posse do aludido terreno, seja, no máximo de € 3.125,00 (que foi o preço pago) e tenha agora direito a apropriar-se, com legitimidade, de € 80.000,00?!
94º
Ou de € 60.000,00? É que o Exm.º Representante do Ministério Público relembra que: “o preço inicialmente referido ao denunciante era de €120.000,00, o que é consentâneo com o montante estipulado de €60.000,00 para cada um (no respetivos cheques). Pese embora H. H. tenha negado que ficou com a pasta que continha o dinheiro e o arguido não se tenha pronunciado quanto a tal facto, afigura-se-nos que tal montante não seria devido aos alegados “comproprietários”, mas seria para pagamento de despesas (eventualmente a título de honorários) e mais-valias (sendo precisamente por isso que em numerário).
Assim, não foram recolhidos qualquer indícios que sustentem ter existido qualquer atuação com relevo criminal sobre a alegada subtração da pasta com os €20.000,00.”
95º
Ora, como pode o Exm.º Representante do Ministério Público, face a uma escritura pública de compra e venda pelo preço de € 140.000,00, concluir que este pode ser pago em 2 cheques de € 60.000,00 e o montante de € 20.000,00 (parte do preço) seria, eventualmente para despesas?
96º
Seja, “eventualmente” (!) para pagamento de honorários ao Il. Causídico que nega ter ficado com esse montante?!
97º
Recorde-se que o ora Requerente sequer conhecia o Il. Advogado e nunca solicitou a este quaisquer serviços, nunca o mandatou para o que quer que fosse, pelo que é absurdamente inexplicável que houvesse de lhe pagar quaisquer honorários.
98º
Que procuração, que nota de honorários, que fatura ou recibo, que depoimentos sustentam esta inusitada tese?! Nada, mais uma vez, nada fundamenta as conclusões conducentes ao arquivamento do inquérito.
99º
Sempre com o devido respeito, são aberrantes as incongruências patentes no presente inquérito.
100º
Se por um lado, a testemunha V. F. refere: “que ignora quem seja o Dr. H. H.” (cfr. depoimento de fls. 42) e a testemunha J. V. menciona: “um Dr. H. H., indivíduo que não conhecia e que lhe fora apresentado por um amigo como sendo advogado…” (cfr. depoimento de fls. 43),
101º
O Il. Advogado Dr. H. H. declara (a fls. 99): “Foram a um café próximo do cartório e nesse local, e viu o Sr. P. A. (motorista do Sr. J. V. e pessoa da sua confiança que o acompanhava em várias circunstâncias) ”, como se fosse habitual encontrarem-se…
102º
Prosseguiu o Il. Causídico: “… em várias circunstâncias) a entregar ao denunciante dois cheques no valor de €60.000,00 cada e um envelope com €20.000,00 (foi contado no momento, pelo Sr. A. M.).” – fls. 99.
103º
Sucede que, relativamente aos mesmos factos, a testemunha R. P. declarou: “Entregou em mão os dois cheques de 60.000,00 cada, e os 20.000,00 em numerário ao denunciante ou seja, ao casal vendedor.
Beberam um café.
O Sr. J. A. contou o dinheiro, ali no café, e entregou para mão do casal, juntamente com os cheques.
Esclarece que foi o Dr. H. H. que lhe disse que o pagamento seria assim efetuado porque o casal assim o pretendia.” (fls. 127/128).
104º
Por seu turno, o Il. Advogado Dr. H. H.: “Entende que tal endosso deveu-se a um acerto de contas entre aqueles.” (fls. 100).
105º
Sempre com o respeito que é devido, resta concluir que são inúmeras e evidentes as imprecisões, inconsistências e contrariedades patentes nas declarações que o Exm.º Representante do Ministério Público toma como credíveis.
106º
Repita-se: se o arguido se apresentava como comproprietário fosse, como se explica que a compradora do imóvel em causa não o conhecesse, nem emitisse nenhum cheque à ordem deste, outrossim, dois cheques à ordem do aqui Requerente?!
107º
Ademais, o Exm.º Representante do Ministério Público jamais indagou sequer por que motivo (de acordo com os depoimentos das testemunhas Dr. H. H., Il. Advogado (a fls. 99 e 100) e R. P. (fls. 127 e 128)), foram os dois cheques de € 60.000,00 acrescidos de € 20.000,00 em numerário, alegadamente entregues ao aqui Requerente antes da escritura pública de compra e venda e, só após esta se realizar, apenas na presença do Requerente e esposa, Il. Causídico e do arguido, é que o arguido sentiu-se no direito de se apropriar do dinheiro
108º
Por outro lado, no que concerne ao “eventual” pagamento de “mais-valias (sendo precisamente por isso que em numerário)”, o Requerente, pese embora nem sequer perceba a tese do Exm.º Representante do Ministério Público, seja, que parte do preço seria pago em numerário por ser para pagar mais-valias (que regras de experiência e de negócios justificam pagamentos de € 20.000,00 em numerário, com destino a “eventuais” despesas não documentadas?!),
109º
Deve esclarecer-se que as mais-valias foram pagas única e exclusivamente pelo próprio Requerente, em sede de IRS, no ano de 2018, sobre o valor de venda do imóvel pelo preço de € 140.000,00 – cfr. docs. n.ºs 2, 3 e 4 que ora se juntam.
110º
Ao contrário da “Declaração” subscrita pelo Il. Advogado Dr. H. H. atestando que procederia ao pagamento de mais-valias – cfr. doc. n.º 3 da participação criminal.
111º
Quanto ao último momento, que o Exm.º Representante do Ministério Público configura como “endosso do cheque” sem qualquer violência, cumpre relembrar o depoimento da testemunha J. S., que, a fls. 50, declarou: “um episódio que participou, foi quando circulava com o denunciante de viatura, e este andava a receber chamadas telefónicas no seu telemóvel, às quais ignorava, pois sabia que eram provenientes do aqui acusado e que o teor das mesmas eram ameaças. Perante isto o depoente decidiu atender o telemóvel do denunciante, sendo que do outro lado tratava-se de um Sr. J. A. que rapidamente começou a afirmar que o denunciante lhe teria que dar a quantia de 10.000€ relativamente a um negócio que teria executado sobre a venda de um imóvel. Durante a conversa que foi mantendo com este tal Sr. J. A. o mesmo por diversas vezes ameaçava que “Tratava da saúde ao A. M.” caso ele não lhe entregasse o que pretendia...”.
112º
Por último, a propósito do pagamento de mais-valias, cumpre dizer que, em conformidade com as declarações prestadas pelo Arguido, na presença da sua Il. D.O. e da Digníssima
Representante do Ministério Público, a fls. 103 dos presentes autos, o mesmo “Assume que ficou com um dos cheques que foram emitidos pela compradora”, seja, com o montante de € 60.000,00.
113º
Também nos dizeres do Il. Advogado Dr. H. H.: “… O Sr. M. retirou um dos cheques que havia recebido e endossou ao Sr. J. A., entregando-o.”.
114º
Por conseguinte, R. a V. Ex.ª se digne ordenar seja extraída certidão das supracitadas declarações e instaurado o competente inquérito para averiguação da declaração por parte do Arguido de recebimento desse montante e respetivo pagamento de impostos em sede de IRS.

D – INCIDENTE DE LEVANTAMENTO DO SEGREDO PROFISSIONAL:

Atenta a gravidade dos factos relatados, nos termos e para os efeitos do art. 135.º, n.º 3 do CPPen., e tendo por base os princípios da investigação e da descoberta da verdade material, Requer a V. Ex.ª se digne ordenar Incidente de levantamento se segredo profissional do Il. Advogado Dr. H. H..

E – CONFIGURAÇÃO DO OBJETO DO PROCESSO

Nesta conformidade, haverá que concluir que o Arguido J. A., nas circunstâncias de tempo e lugar referidas na participação, em concertação com o Il. Advogado Dr. H. H. (H. H.) apropriaram-se indevidamente do montante de € 80.000,00, pertencentes ao Requerente A. M., constrangendo-o a dispor desse montante.
Com a descrita conduta, que bem sabiam ser proibida por lei, cometeram dois crimes: de abuso e confiança p. e p. no art. 205.º do Código Penal e de extorsão p. e p. no art. 223.º do Código Penal.

Nesta conformidade e tendo em vista a pronúncia do Arguido J. A. e do Il. Advogado Dr. (H. H.) pela prática dos crimes de abuso e confiança p. e p. no art. 205.º do Código Penal e de extorsão p. e p. no art. 223.º do Código Penal, R. a Vª. Exª. se digne:

a) admitir a intervenção do ofendido nos presentes autos na qualidade de assistente;
b) declarar nulo, por falta de inquérito nos termos dos arts. 118.º e 119.º al. d) CPPen., dando sem efeito o processado de fls. 137, inclusive, em diante e, consequentemente, remeter o processo ao Ministério Público, para cumprimento de todas as disposições legais procedendo às diligências que tiver por convenientes para investigar a existência do crime; sem prescindir, subsidiariamente,
c) declarar nulo, por insuficiência do inquérito e omissão posterior de diligências, nos termos dos arts. 118.º e 120.º, n.º 2 al. d) CPPen., devendo dar-se sem efeito o processado de fls. 137, inclusive, em diante e, consequentemente, remeter-se o processo ao Ministério Público, para proceder às diligências essenciais para a descoberta da verdade; ou, ainda sem prescindir,
d) declarar aberta a instrução seguindo-se os posteriores trâmites até final.
(…)”
Cfr. fls. 161 a 168.
*

Cumpre proferir despacho liminar.

Estabelece o art.º 287.º, n.º 3, do Código de Processo Penal que “O requerimento só pode ser rejeitado por extemporâneo, por incompetência do juiz ou por inadmissibilidade legal da instrução”.
*
O tribunal é o competente – cfr. o art.º 19.º do Código de Processo Penal.
*
O requerente tem a qualidade de assistente nos autos, conforme teor do despacho proferido a fls. 222, pelo que tem legitimidade para requerer a Instrução – cfr. o art.º 287.º, n.º 1, al.ª b), do Código de Processo Penal.
*
O requerente procedeu ao pagamento da taxa de justiça devida – cfr. o art.º 8.º, n.º 1, do Regulamento das Custas Processuais e fls. 205 e 210.
*
O requerimento formulado é tempestivo – cfr. o art.º 287.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, as notificações efetuadas a fls. 147, 148 e 159 e a data do registo postal de fls. 209.
*
No tocante à questão da inadmissibilidade legal:

Compulsada que é a “matéria de facto” que o assistente requerente sustenta, afigura-se-nos que o requerimento apresentado não é legalmente admissível e por duas ordens de razões.

I.
Desde logo ante a inexistência da formulação de um requerimento comportando factos suscetíveis de integrar suficientemente os tipos legais por cuja pronúncia pugna:

Efetivamente, no seu requerimento de abertura de Instrução, pugna o assistente pela prolação de despacho de pronúncia dos arguidos pela prática do crime de dois crimes de abuso de confiança, previstos e punidos pelo artigo 205.º, do Código Penal e de extorsão, este previsto e punido pelo artigo 223.º, do Código Penal.
Como sustentação para este pedido, alega que “o Arguido J. A., nas circunstâncias de tempo e lugar referidas na participação, em concertação com o Il. Advogado Dr. H. H. (H. H.) apropriaram-se indevidamente do montante de € 80.000,00, pertencentes ao Requerente A. M., constrangendo-o a dispor desse montante”, acrescentando que “com a descrita conduta, que bem sabiam ser proibida por lei (…)”, referindo, no corpo do respetivo requerimento uma transação relativa à aquisição de um imóvel, a entrega de cheques e uma ameaça telefónica; lido o requerimento de abertura de Instrução, percebe-se um sentimento de injustiça manifestado pelo assistente relativamente ao arquivamento efetuado em sede de Inquérito, o que lhe é permitido para descrever as razões pelas quais discorda do mesmo, mas afigura-se-nos que talvez levado por esse sentimento de injustiça, o assistente esquece-se de formular uma descrição/imputação factual equivalente a uma verdadeira acusação, sendo muito genérico o que faz a fls. 184 sob a égide de “Configuração do Objeto do Processo”, mesmo articulado com o demais vertido no por si sustentado; aliás, ficamos sem saber, mesmo nessa formulação genérica porque imputa dois crimes de abuso de confiança e porquê, assim como de extorsão.
O assistente omite uma imputação factual que nos permita perceber de forma clara e com factos concretos a matéria a apurar, sendo que a forma genérica como requereu a Instrução - assente essencialmente em críticas ao arquivamento, quais “alegações de recurso” – não permite concluir pelo preenchimento dos pressupostos objetivos e subjetivos dos tipos legais por cuja pronúncia pugna: abuso de confiança, nos termos do artigo 205.º, do Código Penal: quais são as duas apropriações que sustenta terem ocorrido, quando, onde e porque via; extorsão, nos termos do artigo 223.º, do Código Penal: desde logo nem sequer especificando se houve qualquer quantia efetivamente entregue por si – e de que montante, onde e quando – na sequência de violência ou de ameaça com mal importante; tudo a apontar no sentido da inadmissibilidade legal da Instrução.
Na verdade, nos termos do disposto no art.º 309.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, a decisão instrutória é nula na parte em que pronunciar qualquer arguido por factos que constituam uma alteração substancial dos descritos no requerimento de abertura de instrução, prevendo o art.º 303.º do mesmo Código as consequências da alteração não substancial e substancial dos factos descritos no requerimento de abertura de instrução constatada no decurso desta.
A este requerimento aplica-se, nos termos preceituados pelo n.º 2 do art.º 287.º, do Código de Processo Penal, o previsto no n.º 3, al.as b) e c) do mesmo normativo.
Impõe-se, assim, ao assistente requerente da abertura de Instrução um especial cuidado na seleção dos factos pelos quais pretende ver, in casu, os arguidos pronunciados, especificamente, tendo em vista a verificação dos elementos objetivos e subjetivos dos crimes por si sustentados.
Ao assistente requerente impunha-se proceder a uma imputação de factos – qual verdadeira acusação – aos arguidos, o que não fez, não podendo o tribunal substituir-se àquele requerente da abertura de Instrução nessa tarefa, designadamente compulsando os autos, sob pena de nulidade da decisão instrutória que pronuncie os arguidos, conforme supra exposto - cfr. a este propósito o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 14-04- 1995, CJ, XX, II, 280.
Neste domínio permitimo-nos, ainda, salientar a inoperância da remissão efetuada no requerimento de abertura de Instrução para a queixa, pois ainda assim torna-se necessária a imputação dos factos base no requerimento de abertura de Instrução em si; veja-se, a este propósito, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12-05-2015, in www.dgsi.pt/jtrl, onde se pode ler: “No requerimento de abertura de Instrução não é admissível a narração factual por remissão para a queixa ou participação e para o conjunto dos documentos apresentados, pois tal obliteraria as garantias de defesa do arguido e seria uma violação da estrutura acusatória do processo penal, consagrada pelo artigo 32º, nº 5, da Lei Fundamental, como se pode ler no Ac. do Tribunal Constitucional nº 358/2004, que pode ser lido em www.tribunalconstitucional.pt, por a exigência dessa narração dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena estar diretamente relacionada com a definição e delimitação do objeto do processo”.
Face a estas deficiências, impõe-se a rejeição do requerimento de abertura de instrução, por inadmissibilidade do mesmo (falta de objeto criminal suficiente imputado aos arguidos), não havendo lugar a qualquer convite ao aperfeiçoamento, conforme, de resto, jurisprudência quer do Tribunal Constitucional (cfr. o Acórdão n.º 27/2001 – processo n.º 189/2000, D.R. – II Série de 23-03-2001, págs. 5265 e seguintes), quer das Relações – cfr. os Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 08-10-2002, 27-05-2003 e 15-12-2004, in www.dgsi.pt/jtrl, e os Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 14-01-2004, 21-01-2004, 24-03-2004, 31-03-2004, 05-01-2005 e 12-01-2005, estes in www.dgsi.pt/jtrp e, de forma bem conclusiva, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/2005, publicado no D.R. º I Série A, de 04-11-2005, páginas 6340 e seguintes.
Efetivamente, o convite ao aperfeiçoamento encontra-se previsto para o processo civil, processo de partes e interesses privados, enquanto no processo criminal nos movemos no domínio do interesse público, alicerçado numa estrutura acusatória (cfr. o n.º 5 do art.º 32.º da Constituição da República Portuguesa), a qual resultaria totalmente subvertida caso se admitisse esse convite ao aperfeiçoamento, ao que acresceria uma dilação (e, logo, também aqui, subversão) do prazo para requerer a abertura de instrução.
Com este fundamento, impõe-se, pois, a rejeição do requerimento de abertura de Instrução formulado pelo assistente.

II.
Um segundo motivo relacionado com a circunstância de pretender a pronúncia de uma pessoa (H. H.) que nunca foi denunciado nos autos e em relação ao qual, por isso, nunca foi instaurado Inquérito/efetuada investigação:

A queixa apresentada nos autos teve como denunciado apenas J. A. e nunca H. H. (cfr. fls. 02 a 11), o qual, de resto, na própria queixa criminal foi indicado como testemunha e não como denunciado (cfr. fls. 10 e 11).
Se assim é, a questão que se suscita é a de aferir se uma pessoa que nunca foi arguida e nem sequer denunciada, tendo sido mera testemunha na fase de Inquérito pode, na fase de Instrução, transformar-se em arguido.
Entendemos que não e, de resto, no mesmo sentido, vai a jurisprudência nesta matéria.
Efetivamente, conforme Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora de 08-09-2015, in www.dgsi.pt/jtre:I - A obrigatoriedade do inquérito em processo comum implica, na sua dimensão garantística, que ninguém pode ser acusado, pronunciado ou julgado, sem que tenha sido objeto de inquérito pela prática de factos que fundamentem a aplicação de uma pena ou de uma medida de segurança, pelo que a abertura da instrução a requerimento do assistente com vista à pronúncia de alguém não acusado, apenas pode ter lugar se, relativamente a ele, foi suscitada, em inquérito, a possibilidade de o mesmo ser autor ou comparticipante de factos ilícitos que fundamentem a aplicação de uma pena ou de uma medida de segurança. II - Assegura-se, deste modo, que ninguém será pronunciado ou julgado sem que a sua responsabilidade penal por crime público ou semipúblico tenha sido equacionada e decidida pelo Ministério Público, titular da ação penal, e sem que possa fazer valer os seus direitos de participação e defesa em duas fases preliminares (inquérito e instrução) de teleologia e titularidade bem distintas.

No mesmo sentido, veja-se do Tribunal da Relação de Guimarães, que tem alçada sobre esta comarca, o Acórdão datado de 11-07-2013, in www.dgsi.pt/jtrg, onde se pode ler:

I – Deve ser rejeitado, por inadmissibilidade legal, o requerimento do assistente para a abertura de instrução em que se pretende a pronúncia de pessoas que não foram visadas na investigação levada a cabo no inquérito.

Compreende-se este entendimento, sendo que não é obrigatório que as pessoas denunciadas sejam constituídas arguidas, mas é necessário que sejam, pelo menos, denunciadas, ou seja, que a parte interessada (designadamente o queixoso, lesado ou assistente) manifeste no Inquérito ou em qualquer momento até ao encerramento de tal fase processual, o desejo de ver averiguada a responsabilidade criminal de tais pessoas; se – como é o caso dos autos – apresenta queixa contra duas pessoas e depois de encerrado o Inquérito requer a abertura de Instrução contra essas duas pessoas e ainda contra um terceiro que foi uma mera testemunha no Inquérito, está, para além do mais, a cercear o direito de defesa de tal pessoa, que nem sequer teve a oportunidade de se defender como arguido, com os seus direitos próprios (cfr., designadamente, o artigo 61.º, do Código de Processo Penal), pelo contrário, foi “obrigado a colaborar” com testemunha, em face dos deveres que tal qualidade lhe impõem, para além de que lhe “corta” uma fase processual, que até poderia eventualmente ser de arquivamento fundamentado ou de acusação à qual sempre poderia reagir, mas que, no toca a esta última hipótese, no seguimento do processado pelo assistente, se tivesse ocorrido, nem sequer poderia requerer a abertura de Instrução.
Serve o exposto, pois, para concluir pela inadmissibilidade legal da Instrução, nos termos do artigo 287.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, relativamente ao “arguido” H. H., rejeitando, o tribunal, nesta parte e com tal fundamento, o requerimento de abertura de Instrução formulado pelo assistente A. M..
Notifique.

III.
Acresce o seguinte:

- Verificando-se estas causas de rejeição da Instrução fica precludida a possibilidade de apreciação das questões nele enunciadas, designadamente as nulidades invocadas; na verdade, ao rejeitar a Instrução, o tribunal rejeita o conhecimento das questões/nulidades aí invocadas, as quais apenas poderiam ser conhecidas se admitido o requerimento de abertura de Instrução e declarada aberta a fase de Instrução Criminal; aliás, neste sentido, de que o Tribunal de Instrução apenas pode conhecer de nulidades depois de admitido o requerimento de abertura de Instrução e de declarada aberta a fase de Instrução Criminal, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães datado de 10-07-2014 no âmbito do processo n.º 542/11.2TAPTL (G1);
- Se o assistente entende que existe matéria criminal a investigar, designadamente a H. H., tem sempre ao seu dispor a possibilidade de apresentação de queixa/denúncia formal ao Ministério Público ou às entidades policiais para o efeito, não nos competindo receber a mesma, mas antes a tais entidades;
- O mesmo sucede com a pretensão de que “seja instaurado o competente Inquérito para averiguação da declaração por parte do arguido de recebimento desse montante e respetivo pagamento de impostos em sede de IRS”.
Querendo, o assistente – que se encontra representado por mandatária – diligenciará pela apresentação das correspondentes queixas/denúncias a quem de direito, que não o JIC.
*
Em conformidade com todo o exposto e ao abrigo das normas legais supra citadas, O TRIBUNAL DECIDE:

REJEITAR O REQUERIMENTO DE ABERTURA DE INSTRUÇÃO formulado pelo A. M., por inadmissibilidade legal.
Notifique.
Oportunamente remetam-se os autos aos serviços do Ministério Público.»

3. APRECIAÇÃO DO RECURSO

3.1 - 1ª Questão: a nulidade da decisão recorrida por omissão de pronúncia

Defende o recorrente que a decisão recorrida é nula, nos termos do art. 379º, n.º 1, al. c), em conjugação com o art. 308º, n.º 3, ambos do Código de Processo Penal, compêndio legal a que pertencem os preceitos doravante citados sem menção de diploma, por o Mmº. Juiz não se ter pronunciado sobre questões que devia conhecer, concretamente as nulidades de falta de inquérito e de insuficiência de inquérito invocadas no requerimento de abertura de instrução (conclusões I a IX).
Em primeiro lugar, saliente-se que o art. 308º, n.º 3, se reporta às nulidades ou questões prévias (cujo conhecimento precede o conhecimento das demais questões) que devem ser conhecidas no despacho de pronúncia ou não pronúncia, proferido após o encerramento do debate instrutório, com o qual não se confunde o despacho que rejeite o próprio requerimento de abertura de instrução (doravante designado abreviadamente por RAI), como é o caso da decisão recorrida.
Assim, a invocação daquele normativo teria de ter como pressuposto o entendimento de que o mesmo é extensível ao despacho preliminar que se pronuncia sobre o RAI.
Por outro lado, importa ter presente que a invocada omissão de pronúncia não caberia na previsão do art. 379º, n.º 1, al. c), enquanto norma especial, respeitante às nulidades da sentença, sendo certo que tal omissão, a existir, também não está prevista entre as nulidades taxativamente previstas nos arts. 119º e 120º nem em qualquer outro preceito legal, podendo apenas tratar-se de uma mera irregularidade processual (art. 118º, n.ºs 1 e 2).
De todo o modo, in casu, sempre será de afastar a existência do vício de omissão de pronúncia, na medida em que o Mmº. Juiz não deixou de se pronunciar sobre as referidas nulidades invocadas pelo assistente no RAI.
Com efeito, apenas considerou que o seu conhecimento ficou precludido, por entender que "ao rejeitar a Instrução, o tribunal rejeita o conhecimento das questões/nulidades aí invocadas, as quais apenas poderiam ser conhecidas se admitido o requerimento de abertura de Instrução e declarada aberta a fase de Instrução Criminal".
De qualquer forma, considerando que é este fundamento invocado na decisão recorrida, para não conhecer das nulidades relativas ao inquérito, que o recorrente pretende ver sindicado por este Tribunal de recurso, ainda assim cumpre referir que não lhe assiste razão.
Não desconhecemos as decisões jurisprudenciais que o recorrente cita em apoio da sua pretensão, nas quais, em casos similares ao dos presentes autos, se entendeu que o despacho que rejeita o RAI, com fundamento em inadmissibilidade legal da instrução, deve conhecer previamente das nulidades relativas ao inquérito que tenham sido invocadas[2].
Trata-se, todavia, de jurisprudência que está longe de ser maioritária, sendo, em nossa opinião, de perfilhar o entendimento contrário, seguido na decisão recorrida, segundo o qual o conhecimento de eventuais nulidades relativas ao inquérito em sede de instrução pressupõe a abertura desta, pelas razões que passamos a expor.
Em primeiro lugar, o inquérito é uma fase processual da exclusiva titularidade do Ministério Público, na qual apenas se admite a intervenção pontual do juiz de instrução nos casos tipificados na lei. Só com o seu encerramento e com a abertura da instrução é se se inicia uma fase autónoma do processo, cuja direção pertence ao juiz de instrução, cabendo-lhe ordenar todas as diligências que considera necessárias em ordem a proferir a decisão instrutória.
Assim, a competência do juiz de instrução durante a fase de inquérito circunscreve-se aos atos previstos nos arts. 268º e 269º, onde não se inclui o conhecimento de eventuais nulidades do inquérito, que é da competência do Ministério Público, enquanto titular do mesmo.
Donde decorre que constitui pressuposto para o juiz de instrução conhecer de eventuais nulidades relativas ao inquérito que haja lugar a instrução e que esta tenha sido admitida.
Não se verificando essa condição, fica prejudicado o conhecimento de tais nulidades, na medida em que a competência do juiz de instrução para tal pressupõe a abertura da instrução.
Não havendo lugar a instrução, não se impõe a apreciação das nulidades invocadas, sendo que a relativa à insuficiência de inquérito, prevista no art. 120º, n.º 2, al. d), dependente de arguição, deveria ter sido arguida no prazo a que alude o n.º 3, al. c), do mesmo artigo, ou seja, até cinco dias após a notificação do despacho que tiver encerrado o inquérito, perante a entidade que a terá cometido (o Ministério Público).
Como se trata de ato respeitante ao inquérito, fase processual cuja direção cabe exclusivamente ao Ministério Público (art. 219º da Constituição), terá de ser o respetivo magistrado a decidir, nesta fase, se o ato processual é ou não nulo, cabendo então desse seu despacho reclamação para o respetivo superior hierárquico.
Como refere Paulo Pinto de Albuquerque[3], «(…) esta competência concorrente [do Ministério Público e do juiz de instrução na fase de inquérito] tem limites e eles resultam da estrutura acusatória do processo penal. Esta estrutura implica uma separação orgânica e funcional entre as duas magistraturas que se verifica mesmo na fase de inquérito. Assim, durante o inquérito, o juiz de instrução só pode conhecer da ilegalidade de atos da sua competência (…). A competência do juiz de instrução não deve constituir oportunidade para ele se alçar em senhor do inquérito, o que aconteceria se o juiz se colocasse numa posição de sindicante permanente da atividade do Ministério Público (…).».
Acresce que, em caso de arquivamento do inquérito, é o RAI que, a partir da sua apresentação, define e limita o objeto do processo, sendo a intervenção do juiz de instrução balizada pelos factos dele constantes. Daí que não lhe seja lícito, designadamente, a coberto do conhecimento oficioso de uma nulidade insanável, como é o caso da falta de inquérito invocada pelo recorrente, determinar previamente a devolução dos autos ao Ministério Público, antes havendo que apreciar da admissibilidade da instrução e, se for caso disso, dar seguimento ao processo, podendo, então, na decisão instrutória, conhecer de eventuais nulidades.
Como se pode ler no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20-06-2012[4], versando sobre um caso em que, à semelhança do que sucedeu nos presentes autos, também se havia rejeitado a abertura de instrução nos termos do art. 287º, n.º 3, por inadmissibilidade legal da mesma, atenta a falta de imputação de factos concretos, «[e]stá ao alcance do JIC sindicar, nos termos do art.º 308.º n.º 3, do CPP, as nulidades cometidas a montante no inquérito, em ordem a alcançar a finalidade de tal fase processual, judicial, situada a meio caminho entre o inquérito e o julgamento. Mas esse conhecimento tem que ser útil, o que não sucede quando a instrução não é admitida e o arquivamento do inquérito adquiriu, em princípio, por isso mesmo, foros de definitividade. Consectariamente a inadmissibilidade legal de instrução impedindo a prossecução dos autos para a fase processual, judicial, seguinte, que não atinge, impede, naturalmente, o conhecimento dos vícios do inquérito e despacho de arquivamento, a montante, (…).».

Também no acórdão de 18-06-2008 o mesmo Supremo Tribunal[5] decidiu no sentido de que:

«Em instrução, o juiz pode conhecer de vícios ocorridos a montante desta fase (nomeadamente decretando a nulidade por falta ou insuficiência de inquérito) – cf. arts. 286.º e ss. do CPP, maxime 288.º, 289.º e 290.º.
Porém, em sede de inquérito, o juiz de instrução tem a sua competência reservada aos atos constantes dos arts. 268.º e ss. do CPP, ou seja, intervém como salvaguarda de direitos fundamentais.
Daqui resulta claramente que as intervenções do MP e do juiz de instrução são independentes nas respetivas fases que cada um deles dirige. Assim, ao MP, em inquérito, compete efetuar todas as diligências que visam investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles e descobrir e recolher as provas, em ordem à decisão sobre a acusação (art. 262.º do CPP). E ao juiz de instrução, em instrução, cabe-lhe a prática dos atos que entenda levar a cabo com vista à comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento (arts. 286.º e 289.º do CPP).
Assim, só em instrução – fase cuja direção lhe compete – é que o juiz de instrução pode (deve) sindicar o inquérito com vista a decidir da correção da acusação ou do arquivamento.
(…) , a intervenção do juiz de instrução (em instrução) terá que revestir uma dimensão útil. Ora, estando o inquérito arquivado, qualquer decisão corretiva sobre invalidades absolutas ou relativas ali alegadamente ocorridas terá de ter como objetivo ou finalidade a modificação da decisão tomada no mesmo inquérito. Sendo assim, não se vislumbra como, tendo sido rejeitada a instrução, poderia o juiz invadir a autonomia própria do titular do inquérito.
A entender-se de outra forma, estaria a criar-se uma terceira forma de reagir a um arquivamento de inquérito, que o legislador não consagrou, e de constitucionalidade altamente duvidosa: ao assistente que não tinha reclamado ou requerido a instrução – únicos meios legalmente previstos e ao seu dispor para reagir àquele arquivamento – ou, tendo lançado mão deles, não tinha obtido êxito nessas pretensões, bastava arguir a nulidade do inquérito (ou nulidade nele praticado) para obter uma intervenção judicial não prevista legalmente e desta forma conseguir obter uma decisão que, tão-pouco, era suscetível de modificar o arquivamento, assim se subvertendo por completo a atual estrutura do processo.
Se a instrução não é admitida, o arquivamento mantém-se na sua plenitude (ainda que provisória, face à possibilidade de reabertura com novos elementos de prova), não havendo qualquer suporte legal que faça regredir para o juiz de instrução as competências que este só teria na mesma instrução.»
Citem-se, ainda, os acórdão de 09-05-2019 e 11-07-2019[6], nos quais o Supremo Tribunal de Justiça entendeu, no primeiro deles, que não cumprindo o RAI a formalidade relativa à descrição dos factos, de modo a assumir formalmente a natureza de uma acusação alternativa que fixa o objeto do processo, a instrução é legalmente inadmissível e não haverá lugar à apreciação de qualquer das questões suscitadas no RAI, não haverá atos de instrução nem debate instrutório nem, naturalmente, decisão instrutória, e no segundo, que para haver apreciação das questões que o assistente entenda deverem ser apreciadas em sede de instrução, necessário se torna que esta seja admissível, de modo que se ele claudicou na formulação do RAI, com a consequente inadmissibilidade da instrução, nenhuma pronúncia é exigível sobre putativas omissões, irregularidades ou nulidades que no âmbito do inquérito houvessem sido cometidas.
No seguimento do entendimento que vimos de expor, no caso vertente, tendo o Mmº. Juiz a quo decidido rejeitar o RAI, por o assistente não ter narrado os factos delimitadores do objeto do processo e ainda por, em relação a H. H., este nunca ter sido arguido e nem sequer denunciado nos autos, com a consequente inadmissibilidade legal da instrução, não havendo, portanto, lugar à mesma, não lhe cumpria apreciar, previamente, as nulidades do inquérito suscitadas nesse requerimento, uma vez que as mesmas apenas deviam ser conhecidas em momento posterior à admissão da abertura da instrução, ou seja, na decisão instrutória.
Efetivamente, estabelece o art. 308º, n.º 3, que no despacho referido no n.º 1, ou seja, o despacho de pronúncia ou não pronúncia, o juiz começa por decidir das nulidades e outras questões prévias ou incidentais de que possa conhecer. O momento próprio para decidir das nulidades ou questões incidentais será, pois, a decisão instrutória. Tais nulidades são as suscitadas no RAI ou as que possam ter decorrido no decurso da instrução, dado que a lei não estabelece qualquer distinção entre elas.
Concluindo, uma vez que não foi admitida a instrução, não merece censura a decisão recorrida ao considerar prejudicada a apreciação das referidas nulidades relativas ao inquérito, pois estas apenas podiam ser conhecidas pelo juiz de instrução caso houvesse lugar à mesma.

Improcede, assim, este fundamento do recurso.

3.2 - 2ª Questão: a inadmissibilidade legal da instrução

O Mmº. Juiz a quo rejeitou o RAI apresentado pelo assistente, com um duplo fundamento.

3.2.1 - Em primeiro lugar, por aquele não ter formulado uma descrição/imputação factual equivalente a uma verdadeira acusação, que permita perceber, de forma clara e com factos concretos, qual a matéria a apurar, sendo que a forma genérica como requereu a instrução não permite concluir pelo preenchimento dos pressupostos objetivos e subjetivos dos tipos de crime por cuja pronúncia pugna, o que torna a instrução legalmente inadmissível, nos termos do art. 287º, n.º 3.

Insurgindo-se contra tal decisão, o assistente e ora recorrente argumenta que, ao invés do que foi entendido pelo Mmº. Juiz, o RAI não enferma das vicissitudes que lhe são apontadas no despacho recorrido, pois que não é omisso na descrição dos factos nem na indicação das normas jurídicas aplicáveis, obedecendo com a necessária suficiência aos requisitos legais conducente à apreciação de decisão do ali peticionado, contendo as razões de facto e de direito de discordância pela não acusação dos arguidos, os atos de instrução pretendidos, os factos que fundamentam a aplicação aos arguidos de uma pena e as disposições legais aplicáveis (conclusões X a XVII).

O Ministério Público, quer na instância recorrida, quer nesta Relação, pronuncia-se no sentido do acerto da decisão recorrida.
Importa começar por ter presente o quadro normativo em que deve mover-se a apreciação desta questão.

3.2.1.1 - De acordo com o disposto no art. 286º, n.º 1, a instrução é uma fase processual destinada a comprovar judicialmente a decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito, em ordem a submeter, ou não, a causa a julgamento.
Em conformidade, dispõe o art. 308º, n.º 1 que "[s]e, até ao encerramento da instrução, tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respetivos; caso contrário, profere despacho de não pronúncia."

Trata-se de uma fase processual facultativa (n.º 2 do art. 286º), que está dependente de requerimento.
Todavia, a simples apresentação de requerimento para abertura de instrução não determina de forma automática que tal fase tenha lugar.
O artigo 287º, depois de prever a possibilidade de abertura de instrução requerida pelo assistente, se o procedimento não depender de acusação particular e relativamente a factos pelos quais o Ministério Público não tiver deduzido acusação [n.º 1, al. b)], preceitua no seu n.º 2 que "[o] requerimento não está sujeito a formalidades especiais, mas deve conter, em súmula, as razões de facto e de direito, de discordância relativamente à acusação ou não acusação, bem como, sempre que disso for caso, a indicação dos atos de instrução que o requerente pretende que o juiz leve a cabo, dos meios de prova que não tenham sido considerados no inquérito e dos factos que, através de uns e de outros, se espera provar, sendo ainda aplicável ao requerimento do assistente o disposto nas alíneas b) e c) do n.º 3 do art. 283º.".
Dispõe este último normativo que “[a] acusação contém, sob pena de nulidade: (…) b) A narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o arguido neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada; (…)”.
A referência legal à “não sujeição do requerimento a formalidades especiais” deve ser entendida como reportada às questões meramente formais, como sejam, por exemplo, o uso de fórmulas rituais ou a alegação por artigos.

Já em termos substanciais, o RAI tem de observar as seguintes condições:

a) - Sintetizar as razões da discordância da acusação, por forma a possibilitar a fiscalização judicial da atividade do Ministério Público no inquérito;
b) - Narrar os factos e indicar as normas jurídicas incriminatórias, uma vez que irá delimitar o objeto do processo; e
c) - Especificar os meios de prova adequados, quer os que não foram devidamente valorados no inquérito, quer novos meios (de prova), a realizar em sede de instrução.

O juiz de instrução está substancial e formalmente limitado, na pronúncia, aos factos que tenham sido descritos no RAI do assistente e que este considera que deveriam ser o objeto da acusação por parte do Ministério Público.
Tendo este arquivado o inquérito, é o requerimento do assistente para a abertura de instrução que define e limita o respetivo processo, o seu objeto, constituindo, substancialmente uma acusação alternativa. Nesse caso, a decisão instrutória só pode recair sobre os factos que foram objeto da instrução, ficando o objeto do processo delimitado pelo conteúdo daquele requerimento.
Compreende-se por que motivo a narração dos factos no RAI assume particular relevo, na medida em que o art. 309º, n.º 1, estabelece que “[a] decisão instrutória é nula na parte em que pronunciar o arguido por factos que constituam alteração substancial dos descritos na acusação do Ministério Público ou do assistente ou no requerimento para abertura da instrução”, prevendo o art. 303º as consequências da alteração não substancial e substancial dos factos descritos em tal requerimento e constatadas em sede de instrução.
Impõe-se, assim, no RAI apresentado pelo assistente, a delimitação do thema decidendum, já que o juiz está limitado pelos factos aí alegados, sob pena de proferir uma decisão nula se não tiverem sido alegados os factos que vierem a recair no despacho de pronúncia.
Trata-se de uma decorrência do princípio do acusatório consagrado no art. 32º, n.º 5, da Constituição.
Dada a estrutura basicamente acusatória integrada pelo princípio da investigação judicial do nosso processo penal, o tribunal está vinculado ao thema decidendum definido pela acusação (ou pela pronúncia) – princípio da vinculação temática – como forma de assegurar a plenitude da defesa, garantindo ao arguido que apenas tem que defender-se dos factos acusados, e não de outros, e que apenas poderá ser condenado pelos factos acusados, e não por outros.
A exigência da descrição dos factos no RAI pelo assistente radica na circunstância de o mesmo, partindo de um despacho de arquivamento do inquérito, fixar o objeto do processo, dentro do qual se moverá a atividade do juiz de instrução, a quem é vedado alterar os factos alegados, fora das exceções previstas no art. 303º, n.º 1.
Por outro lado, o requerimento de instrução é a base factual dentro da qual se moverá o contraditório, o exercício do direito de defesa. Em última análise o que está em causa é a garantia constitucional de defesa do arguido através do princípio, também constitucional, do contraditório, inerente àquele outro princípio e cuja efetividade implica uma definição clara e precisa do objeto do processo (cf. art. 32º, n.º 1, da Constituição).
Face à invocação da inconstitucionalidade da norma do art. 283º, n.º 3, als. b) e c), interpretada no sentido de ser exigível, sob pena de rejeição, que constem expressamente do requerimento para abertura da instrução apresentado pelo assistente os elementos mencionados nessas alíneas, o Tribunal Constitucional[7] expendeu, a propósito, as seguintes considerações, que se transcrevem:
«Esse requerimento consubstancia, materialmente, uma acusação, na medida em que por via dele é pretendida a sujeição do arguido a julgamento por factos geradores de responsabilidade criminal.
A estrutura acusatória do processo penal português, garantia de defesa que consubstancia uma concretização no processo penal de valores inerentes a um Estado de direito democrático, assente no respeito pela dignidade da pessoa humana, impõe que o objeto do processo seja fixado com o rigor e a precisão adequados em determinados momentos processuais, entre os quais se conta o momento em que é requerida a abertura da instrução.
Sendo a instrução uma fase facultativa, por via da qual se pretende a confirmação ou infirmação da decisão final do inquérito, o seu objeto tem de ser definido de um modo suficientemente rigoroso em ordem a permitir a organização da defesa.
Essa definição abrange, naturalmente, a narração dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena, bem como a indicação das disposições legais aplicáveis.
Dada a posição do requerimento para abertura da instrução pelo assistente, existe, como se deixou mencionado, uma semelhança substancial entre tal requerimento e a acusação. Daí que o artigo 287º, nº 2, remeta para o artigo 283º, nº 3, alíneas b) e c), ambos do Código de Processo Penal, ao prescrever os elementos que devem constar do requerimento para a abertura da instrução.
Assim, o assistente tem de fazer constar do requerimento para abertura da instrução todos os elementos mencionados nas alíneas referidas do n.º 3 do artigo 283.º do Código de Processo Penal. Tal exigência decorre, como se deixou demonstrado, de princípios fundamentais do processo penal, nomeadamente das garantias de defesa e da estrutura acusatória. É, portanto, uma solução suficientemente justificada e, por isso, legitimada.
Com efeito, a exigência de rigor na delimitação do objeto do processo (recorde-se, num processo em que o Ministério Público não acusou), sendo uma concretização das garantias de defesa, não consubstancia uma limitação injustificada ou infundada do direito de acesso aos tribunais, pois tal direito não é incompatível com a consagração de ónus ou de deveres processuais que visam uma adequada e harmoniosa tramitação do processo.
De resto, a exigência feita agora ao assistente na elaboração do requerimento para abertura de instrução é a mesma que é feita ao Ministério Público no momento em que acusa.
Cabe também sublinhar que não é sustentável que o juiz de instrução criminal deva proceder à identificação dos factos a apurar, pois uma pretensão séria de submeter um determinado arguido a julgamento assenta necessariamente no conhecimento de uma base factual cuja narração não constitui encargo exagerado ou excessivo.
Verifica-se, em face do que se deixa dito, que a exigência de indicação expressa dos factos e das disposições legais aplicáveis no requerimento para abertura de instrução apresentado pelo assistente não constitui uma limitação efetiva do acesso do direito e aos tribunais. Com efeito, o rigor na explicitação da fundamentação da pretensão exigido aos sujeitos processuais (que são assistidos por advogados) é condição do bom funcionamento dos próprios tribunais e, nessa medida, condição de um eficaz acesso ao direito.»
Também o Supremo Tribunal de Justiça e os Tribunais da Relação têm entendido que o RAI, não sendo uma acusação em sentido processual-formal, deve constituir processualmente uma verdadeira acusação em sentido material, que delimite o objeto do processo e que fundamente a aplicação aos arguidos de uma pena”[8].
Assim se percebe que a falta de cumprimento da exigência traduzida na narração dos factos gera a nulidade do requerimento para abertura da instrução, nos termos dos art.s 287º, n.º 2, segunda parte, 283º, n.º 3, al. b), e 118º, n.º 1), por tais exigências decorrerem de princípios fundamentais de processo penal, nomeadamente das garantias de defesa e da estrutura acusatória, ao passo que a omissão das exigências previstas na primeira parte do n.º 2 do art. 287º já constitui mera irregularidade (art. 118º, n.ºs 1 e 2).
De acordo com o n.º 3 desse art. 287º, o juiz de instrução pode e deve rejeitar o requerimento só e apenas nas situações aí previstas, ou seja, por extemporaneidade, por incompetência do juiz ou por inadmissibilidade legal da instrução.
Na hipótese de o requerimento de abertura de instrução não conter a descrição fáctica suscetível de integrar a tipicidade do crime imputado ao arguido, será de concluir que este jamais poderá ser pronunciado, por não lhe poder ser imputado qualquer tipo criminal.
Significará isso que, nessas situações, a abertura da instrução não é admissível, legitimando, nos termos do art. 287º, n.º 3, a rejeição do respetivo requerimento?
Há quem entenda que se do próprio requerimento para abertura da instrução resultar falta de tipicidade da conduta, bem como ausência de queixa, prescrição do procedimento ou inimputabilidade do arguido, mesmo assim, a instrução não poderá nem deverá ser desde logo recusada por inadmissibilidade, servindo para analisar também essas questões[9].
Também o acórdão da Relação de Lisboa de 12-07-1995[10] se pronunciou no sentido de não constituir fundamento de indeferimento a insuficiência dos factos, suas consequências e seus autores.
No entanto, é claramente maioritário o entendimento doutrinário e jurisprudencial de que o requerimento de abertura de instrução do assistente que não descreva cabalmente os factos imputados, em termos de estes poderem integrar os elementos objetivos e subjetivos de um tipo de crime, deve ser objeto de rejeição por inadmissibilidade legal desta, nos termos conjugados dos arts. 287º, n.ºs 2 e 3, e 283º, n.º 3, al. b).
Na opinião de Maia Gonçalves[11], «[a] rejeição por inadmissibilidade legal de instrução inclui os casos em que aos factos não corresponde infração criminal (falta de tipicidade), (…).».
Paulo Pinto de Albuquerque[12] inclui na enumeração que faz dos casos de inadmissibilidade legal da instrução o «[r]equerimento do assistente que não contém a narração de factos» e o «[r]equerimento do assistente que contém factos que não constituem crime (artigo 311º, n.º 3, al. c), por identidade de razão)».
Vinício Ribeiro[13] refere que «[o] não descrever factos, ou descrever factos que não constituam crime, não pode deixar de conduzir à mesma solução, isto é, à inadmissibilidade legal do RAI do assistente por falta de requisitos legais.».
Assim, serão enquadráveis na inadmissibilidade legal da instrução os casos em que requerimento do assistente não contenha factos ou contenha apenas factos que não constituam crime.
São também abundantes as decisões dos Tribunais da Relação a considerar que a falta de indicação de factos que preencham os elementos típicos do crime conduz a uma situação de inadmissibilidade legal da instrução requerida pelo assistente com vista à comprovação judicial da decisão de arquivamento do inquérito por parte do Ministério Público[14].
Como se pode ler no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02-10-2019[15], «[e]stá estabelecido na jurisprudência deste STJ e do TC que o requerimento para abertura da instrução apresentado pelo assistente em caso de arquivamento do inquérito tem necessariamente de incluir a narração dos factos e a imputação jurídico-criminal. Que o incumprimento destes requisitos integra o instituto da inadmissibilidade legal da instrução, com a consequência da rejeição cominada no art. 287.º, n.º 3, do CPP. E que a norma citada interpretada com este sentido não enferma de inconstitucionalidade. O mesmo efeito e consequência se aplicam quando os factos descritos no requerimento de abertura de instrução são insuscetíveis de preencher os elementos objetivos e subjetivos do crime imputado na «acusação» do assistente, ou seja, que não constituem infração criminal.».
O mesmo Supremo Tribunal já considerou que «[n]ão faz sentido proceder-se a uma instrução visando levar o arguido a julgamento sabendo-se antecipadamente que a decisão instrutória não poderá ser proferida nesse sentido»[16], bem como que «[s]e, pela simples análise do requerimento para abertura da instrução, sem recurso a qualquer outro elemento externo, se dever concluir que os factos narrados pelo assistente jamais poderão levar à aplicação duma pena, estaremos face a uma fase instrutória inútil, por redundar necessariamente num despacho de não pronúncia[17].
Com efeito, há que ter presente o princípio da economia processual, na vertente da proibição da prática de atos inúteis, conforme dispõe o art. 130º do Código de Processo Civil, tendo em vista evitar que se pratiquem atos que apenas tenham o efeito de complicar o processo, impedindo-o de rapidamente chegar ao seu termo.
Por se harmonizar em absoluto com o processo penal, essa norma é-lhe subsidiariamente aplicável, nos termos previstos no art. 4º.
Aliás, as possibilidades de rejeitar a acusação que seja manifestamente infundada, bem como o recurso que seja manifestamente improcedente, previstas nos arts. 311º, n.º 2, al. a), e 420º, n.º 1, al. a), respetivamente, mais não são que manifestações do aludido princípio.
Acresce o paralelismo existente entre a acusação e o RAI apresentado pelo assistente na sequência de um despacho de arquivamento, ao qual é aplicável o disposto no art. 283º, n.º 3, als. b) e c), normativo respeitante à acusação, por força da remissão feita na parte final do n.º 2 do art. 287º.
Ora, uma das causas de rejeição da acusação, por ser manifestamente infundada, é precisamente a de os factos nela descritos não constituírem crime [art. 311º, n.º 3, al. d)].
A propósito desta alínea, Germano Marques da Silva[18] sustenta que a mesma «… era desnecessária porque os factos narrados hão de fundamentar a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança e só a podem fundamentar se constituírem crime. Se os factos não constituírem crime verifica-se a inexistência do objeto do processo, tornando-o inexistente e consequentemente não pode prosseguir.».
Assim, se em face dos próprios termos do requerimento de abertura de instrução do assistente, sem recurso a qualquer outro elemento externo, o juiz de instrução concluir que os factos nele descritos jamais constituirão crime, ou seja, pela atipicidade da conduta descrita, e que, por isso, o arguido de modo algum poderá ser pronunciado, sendo, pois, um requerimento sem objeto, deverá rejeitá-lo, por a instrução nenhuma utilidade poder ter e estar condenada ao insucesso, sendo, pois, legalmente inadmissível.
Assim, nesta linha, se o requerimento de abertura de instrução apresentado pelo assistente na sequência de um despacho de arquivamento não contiver todos os factos essenciais para imputar um qualquer crime ao arguido, tal situação traduzir-se-á na inutilidade dessa fase processual, por necessariamente redundar num despacho de não pronúncia, de modo que no conceito de inadmissibilidade legal da instrução haverá que incluir, para além dos fundamentos específicos de inadmissão da instrução, também os fundamentos genéricos de inadmissão dos atos processuais em geral, como é o caso de serem atos inúteis.
Ainda segundo uma outra posição assumida no Supremo Tribunal de Justiça, não estando legalmente prevista a consequência para a falta de narração dos factos no RAI, essa lacuna dever ser preenchida por recurso à analogia, aplicando a norma prevista para a acusação [art. 311º, n.º s 2, al. a), e 3, al. b)], o que conduz à rejeição do RAI, por ser manifestamente infundado.

Como se pode ler no acórdão de 19-06-2019[19]:

«Maioritariamente tem-se entendido que o incumprimento do nº 3, b), do art. 283º se enquadra na “impossibilidade legal” a que se refere o nº 3 do art. 287º, ambos do CPP: uma impossibilidade legal por falta de um requisito imposto pela lei para a admissibilidade do requerimento (a narração dos factos), ou por tal omissão envolver a prática de um ato inútil, já que a realização da instrução conduziria inevitavelmente a um despacho de não pronúncia.
Contudo, esta posição não deixa de suscitar dúvidas. É que a expressão “inadmissibilidade legal”, usada no nº 3 do art. 287º do CPP, aponta para os casos (e apenas esses) em que a lei exclui a própria possibilidade de ser requerida a instrução, expressamente, como acontece nas formas de processo especiais (art. 286º, nº 3, do CPP), ou implicitamente, como sucede quando falta a legitimidade ao requerente, quando a instrução é requerida contra desconhecidos ou contra pessoa ou quanto a factos que não foram investigados no inquérito, ou ainda quando é requerida pelo assistente em crime particular.
Diferente é a situação em que a instrução pode ser requerida, por a lei conceder essa faculdade ao assistente, mas este comete uma nulidade ou irregularidade na formulação do requerimento, como a omissão de descrição dos factos imputados ao arguido.
A falta de cumprimento pelo requerimento de abertura da instrução do nº 3 do art. 283º do CPP constitui um vício equivalente ao da acusação formal que não cumpre esse preceito, dada a já assinalada similitude de funções entre ambos esses atos processuais.
A falta de narração dos factos na acusação (formal) determina a sua nulidade e rejeição, por ser manifestamente infundada, nos termos do art. 311º, nºs 2, a), e 3, b), do CPP. A lei não prevê, porém, as consequências da falta de narração dos factos no requerimento de abertura de instrução. Trata-se de uma lacuna legal, que deverá ser preenchida por recurso à analogia, que não está vedada no caso, pois a analogia só está proscrita em processo penal quando dela resulta o enfraquecimento da posição ou a diminuição dos direitos do arguido, o que não sucede manifestamente na situação em análise.
Há pois que aplicar à situação a mesma norma, ou seja, o citado art. 311º, nºs 2, a), e 3, b), do CPP, devendo consequentemente o requerimento de abertura de instrução ser rejeitado por ser manifestamente infundado.»
Independentemente do fundamento utilizado (“inadmissibilidade legal da instrução” nos termos do nº 3 do art. 287º ou o recurso, por analogia, ao conceito de "manifestamente infundado"), é ponto assente que o RAI que não contenha a narração dos factos deve ser rejeitado.

3.2.1.2 - Revertendo à situação dos autos, vejamos se o RAI apresentado pelo assistente cumpre ou não tal requisito, cuja falta lhe foi assinalada no despacho recorrido, ou seja, se contém ou não a descrição dos factos integrantes dos elementos objetivos e subjetivos dos tipos legais de crime de abuso de confiança, p. e p. pelo art. 205º do Código Penal, e de extorsão, p. e p. pelo art. 223º do mesmo código, pelos quais aquele pretende ver pronunciados o arguido e ainda H. H., sendo que, como vimos, em caso de resposta negativa será efetivamente de concluir pela rejeição do RAI, com fundamento na inadmissibilidade legal da instrução ou por o mesmo ser manifestamente infundado.
Ora, analisando o RAI apresentado pelo assistente, verifica-se que este se limitou a impugnar o despacho de arquivamento, apontando as razões da sua discordância relativamente ao mesmo e criticando a atuação do Ministério Público durante o inquérito.
Todavia, não indica os factos concretos que considera indiciados ou que pretende vir a fazer indiciar no decurso da instrução, ou seja, sem deduzir materialmente uma acusação, delimitadora do objeto do processo a partir do momento da apresentação do requerimento, uma acusação alternativa ao despacho de arquivamento do inquérito, por forma a assegurar-se a estrutura acusatória que preside ao nosso processo penal, em que o juiz está substancial e formalmente limitado na pronúncia aos factos que tenham sido descritos no RAI do assistente e que este considera que deveriam ter sido objeto de acusação pelo Ministério Público.

Na verdade, o assistente limitou-se a alegar, sob a epígrafe "E - CONFIGURAÇÃO DO OBJETO DO PROCESSO", que «(…) o arguido J. A., nas circunstâncias de tempo e lugar referidas na participação, em concertação com o Il. Advogado Dr. H. H. (H. H.) apropriaram-se indevidamente do montante de € 80.000,00, pertencentes ao Requerente A. M., constrangendo-o a dispor desse montante. Com a descrita conduta, que bem sabiam ser proibida por lei, cometeram dois crimes: de abuso e confiança p. e p. no art. 205.º do Código Penal e de extorsão p. e p. no art. 223.º do Código Penal.».
E, na parte restante do requerimento, ao expor as razões de discordância com o arquivamento, o assistente limita-se a aludir, em termos genéricos e sem qualquer concretização factual, a uma transação relativa à venda de um imóvel, a entrega de cheques e a uma ameaça telefónica.
Ora, como o Mmº. Juiz bem evidenciou na decisão recorrida, o assistente não formulou uma descrição/imputação factual equivalente a uma verdadeira acusação, ficando-se sem perceber, de forma clara e com base em factos concretos, a matéria a apurar, sendo que a forma genérica como requereu a instrução - assente essencialmente em críticas ao arquivamento - não permite concluir pelo preenchimentos dos pressupostos objetivos e subjetivos dos tipos legais de crime por cuja pronúncia pugna: abuso de confiança, desconhecendo-se inclusivamente quais são as duas apropriações que sustenta terem ocorrido, quando, onde e porque via; e extorsão, sem sequer especificar se houve qualquer quantia efetivamente entregue por si - e de que montante, onde e quando - na sequência de violência ou de ameaça com mal importante.
Em suma, o assistente não fez a necessária inventariação factual equivalente a uma acusação, porquanto não enumerou de forma cabal, precisa, concreta e determinada os factos que entende estarem indiciados, suscetíveis de integrarem a prática, pelo arguido e por H. H., de um ilícito típico.
Refira-se que, para o caso de o Ministério Público não ter investigado os factos ou tê-los investigado de forma deficiente, não dispondo, por isso, o assistente de elementos factuais para deduzir uma acusação alternativa, este último tem a possibilidade de requerer a intervenção hierárquica, nos termos do art. 278º, n.º 1, a fim de que as investigações prossigam, com vista a apurar os factos que integram o ilícito denunciado e identificar o seu agente, sendo certo que a instrução – enquanto fase processual que se destina à comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito, em ordem a submeter ou não a causa a julgamento – não visa nem se destina à realização de outro inquérito ou ao complemento do inquérito já efetuado, ampliando a investigação (sob pena do Juiz de Instrução se substituir ao Ministério Público, em violação da estrutura acusatória do processo penal), mas à comprovação judicial de algo que já exista, sendo a comprovação (ou não) indiciária do que já existe (e foi investigado) que se fará na instrução.
Ademais, o assistente não invoca os factos que consubstanciam o elemento subjetivo dos tipos legais de crime em apreço, sendo certo que a exigência legal de que o RAI contenha a narração dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, refere-se não só aos elementos objetivos, mas também aos elementos subjetivos do crime imputado, posto que não existe crime e responsabilidade penal sem que todos eles se encontrem preenchidos[20].
Com efeito, a factualidade relevante, como factualidade típica, portadora de um sentido de ilicitude específico, só tem essa dimensão quando abarque a totalidade dos seus elementos constitutivos.
A propósito do elementos subjetivo, ensina Figueiredo Dias[21] que a culpa jurídico penal se revela através do tipo de culpa doloso e do tipo de culpa negligente, verificando-se o primeiro quando, perante um ilícito típico doloso, se comprova que o seu cometimento deve imputar-se a uma atitude íntima do agente contrária ou indiferente ao Direito e às suas normas. Esta atitude íntima, de sobreposição dos interesses do agente do facto ao desvalor do ilícito pressupõe que este, para além de representar e querer a realização do tipo objetivo (dolo do tipo), atue também com consciência do ilícito isto é, representando que o facto era proibido pelo Direito (consciência ética consciência dos valores e a atitude do agente de indiferença pelos valores tutelados pela lei criminal).
A consciência da ilicitude é também momento constitutivo do dolo (não do tipo de ilícito mas do tipo de culpa), acrescendo, como seu momento emocional, ao conhecimento de todas as circunstâncias do facto (elemento intelectual) e à vontade de realizar o facto típico (elemento volitivo) (elementos do dolo do tipo), traduzindo-se na indiferença ou oposição da vontade do agente aos valores protegidos pela norma (tipo de culpa doloso).
Tudo isso, que tradicionalmente se engloba nos elementos subjetivos do crime, costuma ser expresso na acusação por uma fórmula em que se imputa ao agente o ter atuado de forma livre (isto é, podendo ele agir de modo diverso, em conformidade com o direito ou dever-ser jurídico), voluntária ou deliberadamente (querendo a realização do facto), conscientemente (isto é, tendo representado na sua consciência todas as circunstâncias do facto) e sabendo que a sua conduta é proibida e punida por lei (consciência da proibição como sinónimo de consciência da ilicitude).
Por serem uma exigência da atuação dolosa do agente, todos esses elementos também não podem deixar de constar do requerimento de abertura de instrução.
Ou seja, este requerimento, enquanto delimitador do objeto do processo, tem de conter obrigatoriamente a narração, para além dos factos pertencentes ao tipo objetivo do ilícito, também os que configuram os elementos subjetivos do crime, nomeadamente os que caracterizam o dolo, quer o dolo do tipo (elementos intelectual e volitivo), quer o dolo do tipo de culpa (elemento emocional, traduzido na consciência da ilicitude).
Como é sabido, o dolo é um conceito jurídico que tem de ser preenchido por factos.

No caso vertente, o requerimento de abertura da instrução também não contém, como devia, a descrição completa dos respetivos elementos subjetivos, cujos factos também fundamentam a aplicação de uma pena.
Com efeito, a esse respeito, dele apenas consta que «(…) o arguido J. A. (…), em concertação com o II. Advogado Dr. H. H. (H. H.) apropriaram-se indevidamente do montante de € 80.000,00, pertencente ao Requerente A. M., constrangendo-o a dispor desse montante. Com a descrita conduta, que bem sabiam ser proibida por lei, cometeram dois crimes: de abuso de confiança p. e p. no art. 205.º do Código Penal e de extorsão p. e p. no art. 223.º do Código Penal.».

Constata-se, assim, que para além da ligeira referência ao elemento emocional do dolo, traduzido na consciência da ilicitude, o RAI é completamente omisso quanto aos factos relativos ao elemento intelectual (enquanto representação ou previsão pelo agente do facto ilícito) e ao elemento volitivo (traduzido na livre determinação do agente e na vontade de praticar o facto).
Refira-se que o elemento subjetivo não pode resultar como extrapolação e efeito lógico do conjunto dos factos objetivos, não sendo de admitir a figura do “dolo implícito” ou “presunções de dolo”, por não ser possível afirmar a sua existência simplesmente a partir das circunstâncias externas da ação concreta[22].
Embora, a nível probatório, o dolo, enquanto facto interno, se possa deduzir dos factos externos, objetivos, tal não dispensa que tenha de constar do requerimento de abertura de instrução (bem como da acusação e da pronúncia), sob pena de nunca estar preenchido o tipo de crime pelo qual se pretende levar o arguido a julgamento.
Com efeito, há que destrinçar entre a alegação de factos pertinentes (neste caso relativos ao elemento subjetivo) e a respetiva prova, ou seja, distinguir, por um lado, o que é facto concreto a provar (sendo imprescindível a sua alegação) e, por outro, quais são as provas desse facto concreto (o que interessa para a fundamentação da decisão da matéria de facto).
O facto de o dolo poder ser provado (e, portanto, inferir-se) com recurso a presunções naturais ou com recurso às regras da vida não significa que fica prescindida a respetiva alegação (dos factos pertinentes). Uma coisa é a presunção do dolo, absolutamente inadmissível, e outra coisa completamente diferente e aceitável, é a necessidade de o juiz comprovar a existência do dolo através de presunções naturais (não jurídicas) ligadas ao princípio da normalidade ou da regra geral ou às chamadas máximas da vida e regras da experiência.
Acresce que, embora ao juiz caiba investigar autonomamente o caso sujeito a instrução, o certo é que se tem de mover tem de mover dentro do quadro factual fornecido no RAI, que constitui o limite material e formal da sua atuação, estando-lhe vedado completar o requerimento ou convidar o apresentante a fazê-lo (cf. acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 7/05[23]).
Saliente-se, ainda, tal como também foi ponderado na decisão recorrida, a inoperância da remissão efetuada no RAI para a queixa, citando-se o acórdão da Relação de Lisboa de 12-05-2015[24], em cujo sumário se pode ler que «[n]o requerimento para abertura da instrução apresentado pelo assistente não é admissível a narração factual por remissão para a queixa ou participação e para o conjunto dos documentos apresentados, pois tal obliteraria as garantias de defesa do arguido e seria uma violação da estrutura acusatória do processo penal, consagrada pelo artigo 32º, nº 5, da Lei Fundamental.».
Concluímos, assim, que o RAI não contém a descrição fáctica que possa integrar a tipicidade objetiva e subjetiva dos crimes por cuja pronúncia o requerente pugna, pelo que não merece censura a decisão recorrida que o rejeitou com esse fundamento.

3.2.2 - Em segundo lugar, o Mmº. Juiz a quo considerou que, em relação à pretensão do assistente em obter a pronúncia de H. H., ocorre ainda um outro fundamento de rejeição do RAI, traduzido na circunstância de esta pessoa nunca ter sido denunciada nos autos e de, por isso, em relação a ela nunca ter sido instaurado inquérito e efetuada investigação, citando em abono desse entendimento os acórdãos da Relação de Évora de 08-09-2015 e desta Relação de Guimarães de 11-07-2013[25].
Também nesta parte o despacho recorrido não é merecedor de censura.
Com efeito, a abertura de instrução só será admissível «[c]ontra a(s) pessoa(s) em relação à(s) qual(ais) a investigação tenha sido conduzida e cuja eventual responsabilidade criminal, em virtude dos factos investigados, haja sido ponderada no despacho de arquivamento, mesmo que a pessoa em causa não tenha sido formalmente constituída arguida»[26].

Ora, no caso dos autos, nunca a investigação foi dirigida contra o ora visado pela instrução requerida pelo assistente, nem a sua eventual responsabilidade criminal foi sequer equacionada no despacho de arquivamento, no qual, aliás, o Ministério Público refere expressamente que «[p]or entendermos não ter existido fundada suspeita da prática de crime por banda de H. H., advogado (artigo 58º.º do Código de Processo Penal a contrario), foi o mesmo inquirido na qualidade de testemunha, sem prejuízo de se acautelar o disposto no artigo 59.º do Código de Processo Penal e o disposto no artigo 92.º do Estatuto da Ordem dos Advogados.», sendo certo que durante essa inquirição também não surgiu qualquer suspeita de crime por ele cometido.
Independentemente de não ter sido constituído como arguido, o certo é que H. H. não foi efetivamente visado e objeto de investigação, nem quanto a ele houve ponderação pelo titular da ação penal de uma hipotética responsabilização criminal, inexistindo, pois, em relação ao mesmo, uma decisão de arquivamento que possa ser objeto de comprovação judicial.
Assim, se tal pessoa nunca foi visada pela investigação desenvolvida, a instrução que contra ela foi requerida é legalmente inadmissível, sob pena de se operar uma substituição do Ministério Público pelo Juiz de Instrução, incumbindo-o de agora realizar a totalidade do inquérito contra o (novo) visado pela instrução, o que não é aceitável.

De tudo quanto vem de se expor, emerge a conclusão de que também a questão em análise improcede.

III. DISPOSITIVO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães em negar provimento ao recurso interposto pelo assistente, A. M., confirmando a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em quatro UC (art. 515º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Penal e art. 8º, n.º 5, do Regulamento das Custas Processuais e tabela anexa a este diploma).
*
(Elaborado pelo relator e revisto por ambos os signatários - art. 94º, n.º 2, do CPP)
*
Guimarães, 27 de abril de 2020

(Jorge Bispo)
(Pedro Miguel Cunha Lopes)
(assinado eletronicamente, conforme assinaturas apostas no canto superior esquerdo da primeira página)



1. - Todas as transcrições efetuadas respeitam o respetivo original, salvo correção de gralhas evidentes, a formatação e a ortografia utilizadas, que são da responsabilidade do relator.
2. - Cf. os acórdãos do STJ de 23-10-2003 (processo n.º 03P3223) e do TRL de 19-04-2017 (processo n.º 684/14.2T9SXL.L1), ambos disponíveis em http//www.dgsi.pt.
3. - In Comentário do Código de Processo Penal, 3ª edição atualizada, Universidade Católica Editora, anotação 5 ao art. 118º, pág. 299.
4. - Proferido no processo n.º 8/11.0YGLSB.S2, disponível em http://www.dgsi.pt.
5. - Proferido no processo n.º 1514/08 - 3ª Secção, sumariado em Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, Sumários de Acórdãos, Criminal, Ano de 2008, in https://www.stj.pt.
6. - Proferidos nos processos, respetivamente, n.º 232/17.2TRPRT - 5.ª Secção, e n.º 232/17.2TRPRT - 5.ª Secção, sumariados em Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, Sumários de Acórdãos, Criminal, Ano de 2019, in https://www.stj.pt.
7. - Acórdão n.º 358/2004, de 19 de maio (processo n.º 807/2003), publicado no Diário da República, II série, n.º 150, de 28 de junho de 2004, e disponível em www.tribunalconstitucional.pt.
8. - Entre outros, cf. os acórdãos do STJ de 25-10-2006 (processo n.º 06P3526); do TRP de 06-07-2011 (processo n.º 6790/09.8TDPRT.P1); do TRC de 06-07-2011 (processo n.º 212/10.9 TAFND.C1); do TRE de 12-04-2011 (processo n.º 700/06.1TASTB.E1) e de 20-09-2011 (processo n.º 704/09.2GDSTB-A.E1); e do TRG de 18-04-2016 (processo n.º 374/14.6GAEPS.G1), de 02-11-2015 (processo n.º 165/13.1TAPVL.G1), de 26-01-2015 (processo n.º 138/10.6TATMC.G1), de 18-12-2012 (processo n.º 449/10.1TAGMR.G1), de 13/3/2006 (processo n.º 2537/05-1) e de 27-04-2006 (processo n.º 2537/05-1), todos disponíveis em www.dgsi.pt.
9. - Simas Santos e Leal Henriques, Código de Processo Penal – Anotado, II, 2000, pág. 163.
10. - In Coletânea de Jurisprudência, Ano XX, Tomo 4, pág. 140.
11. - In Código de Processo Penal Anotado, 9ª edição, Almedina, Coimbra, 1998, pág. 540.
12. - In Comentário do Código de Processo Penal, 3ª edição atualizada, Universidade Católica Editora, pág. 750, em nota 2 ao art. 286º.
13. - In Código de Processo Penal – Notas e Comentários, 2ª edição, Coimbra Editora, pág. 794.
14. - Cf., nomeadamente, os acórdãos do TRL de 15-03-2017 (processo n.º 488/16.8T9LSB.L1-3), de 30-05-2006 (processo n.º 1111/06) e de 03-10-2001 (processo n.º 61293/00); do TRP de 01-03-2006 (processo n.º 0413472), também de 01-03-2006 (processo n.º 0515574) e de 15-12-2004 (processo n.º 034366); do TRC de 09-01-2017 (processo n.º 2588/15.2T9VIS.C1) e de 23-04-2008 (processo n.º 88/05.8TAACN.C1); todos disponíveis em http://www.dgsi.pt.
15. - Proferido no processo n.º 41/18.1TREVR.S1 - 3.ª Secção, sumariado em Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, Sumários de Acórdãos, Criminal, Ano de 2019, in https://www.stj.pt.
16. - Cf. o acórdão de 22-10-2003 (processo n.º 03P2608), disponível em http://www.dgsi.pt.
17. - Cf. o acórdão de 12-03-2009 (processo n.º 08P3168), disponível em http://www.dgsi.pt.
18. - In ob. cit., pág. 208.
19. - Proferido no processo n.º 51/17.6TRPRT.S1, disponível em http://www.dgsi.pt.
20. - Cf., nomeadamente, os acórdãos do TRC de 24-06-2015 (processo n.º 262/13.3GAPMS.C1); do TRP de 07-01-2009 (processo n.º 0846210), de 11-10-2006 (processo n.º 0416501) e de 06-06-2012 (processo n.º 414/09.0PAMAI-B.P1); e do TRE de 17-03-2015 (processo n.º 1161/12.1GBLLE.E1), todos disponíveis em http//www.dgsi.pt.
21. - Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, Questões Fundamentais, A Doutrina Geral do Crime, 2004, Coimbra Editora, pág. 488 e ss.).
22. - Cf. o acórdão do TRG de 07-04-2003, in Coletânea de Jurisprudência, tomo II, pág. 292.
23. - De 12-05-2005, in Diário da República - I Série-A, de 04-11-2005.
24. - Proferido no processo n.º 2135/12.8TAFUN.L1-5, disponível em http://www.dgsi.pt.
25. - Proferidos nos processos, respetivamente, 58/11.7MAOLH-A.E1 e 13/11.7TABRG-A.G1, ambos disponíveis em http//www.dgsi.pt.
26. - Vd. Jorge Figueiredo Dias e Nuno Brandão, in RPCC, ano 19, n.º 4, Outubro-Dezembro de 2009, págs. 643 a 668.