Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
4380/15.T8BRG.G1
Relator: SÉRGIO ALMEIDA
Descritores: PER
SUSPENSÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/21/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário: I. É nulo o despacho que declara suspensa a instância numa ação laboral a requerimento do credor, com fundamento na existência de um PER, sem previamente a contra-parte ter oportunidade de se pronunciar.
II. O disposto n.º 1, do artigo 17-E, do CIRE, não abrange os invocados créditos posteriores à reclamação no PER.
Sumário do Relator
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Guimarães.
RELATÓRIO
Autor (adiante, por comodidade, designada abreviadamente por A.) e recorrente: B..
Ré (adiante designados por R.): C., SA.
O A. demandou a R. com fundamento em créditos laborais vencidos e não pagos, pelo que pediu a condenação da R. a pagar-lhe € 10.041,50 e juros de mora.
Citada, a R. requereu a suspensão da ação, alegando que está em processo de revitalização, e até já foi proferida sentença de homologação do PER, a qual foi impugnada por um credor.
O Tribunal proferiu imediatamente o seguinte despacho:

"A ré C., SA. apresentou um processo especial de revitalização em que foi proferido despacho liminar.
Nos termos do art. 17º-E nº1 do Cód. da Insolvência e da Recuperação de Empresas, a apresentação de um processo especial de revitalização e a sua admissão liminar obstam à instauração e ao prosseguimento de quaisquer acções de cobrança de dívidas contra o devedor durante o período em que se mantiverem as respectivas negociações.
Este preceito refere-se às acções para cobrança de dívidas. Tradicionalmente, estas acções são apenas os processos executivos. Com efeito, rigorosamente, os processos declarativos em que sejam discutidas dívidas destinam-se apenas à definição do direito do credor e não propriamente à cobrança do seu crédito [1 Neste sentido pode ver-se o Ac. da RELAÇÃO DE LISBOA de 11 de Julho de 2013, in www.dgsi.pt, de acordo com o qual ‘uma acção para cobrança de dívida não equivale, nem é sinónimo, de uma acção para cumprimento de obrigações pecuniárias’]. Contudo, atendendo à natureza do processo especial de revitalização e à finalidade do art. 17º-E nº1 do Cód. da Insolvência e da Recuperação de Empresas deve entender-se que estão em causa todas as acções em que seja discutido o passivo do devedor, independentemente de se tratar de processos executivos ou declarativos. O processo especial de revitalização destina-se a permitir que o devedor que se encontra numa situação económica difícil inicie um período de negociações com os credores quanto à reestruturação do seu passivo ou à forma do pagamento das suas dívidas para, juntamente com estes, conseguir a sua recuperação. Enquanto decorrerem estas negociações, justifica-se que o devedor não esteja transitoriamente envolvido em litígios judiciais relativos ao seu passivo, abrindo-se um espaço para que possa iniciar um período de discussão, tanto quanto possível serena e séria, com os credores. Por outro lado, justifica-se que os credores sejam impedidos de instaurar ou fazer prosseguir acções relativas ao passivo do devedor por os incentivar a discutirem os seus créditos no processo especial de revitalização e a empenharem-se seriamente na procura de uma solução que permita a sua recuperação. São precisamente estas finalidades que estão subjacentes ao art. 17º-E nº1 do Cód. da Insolvência e da Recuperação de Empresas. Estas finalidades justificam que não possam ser instauradas ou prosseguir todas as acções em que seja discutido o passivo do devedor, independentemente de se tratar de processos executivos ou declarativos.
Neste sentido, pode ver-se LUÍS CARVALHO FERNANDES e JOÃO LABAREDA para quem ‘a paralisação aqui determinada abrange todas as acções para cobrança de dívidas e não apenas as executivas, incluindo-se, assim, as acções declarativas’ [2 In Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, pág. 164]. No mesmo sentido pode ver-se o Ac. da Relação de Coimbra de 16 de Outubro de 2012, de acordo com o qual ‘considerando a finalidade recuperatória do devedor do novo processo especial de revitalização, o mesmo prevalece sobre a tramitação de quaisquer outras acções contra aquele instauradas, excepto o processo de insolvência e apenas se neste já tiver sido proferida sentença, transitada ou não, declaratória da mesma’ [3 In www.dgsi.pt.; 4 No mesmo sentido pode ver-se o Ac. da RELAÇÃO DE COIMBRA de 24 de Setembro de 2013, in www.dgsi.pt, de acordo com o qual ‘o processo especial de revitalização representa uma verdadeira mudança de paradigma do regime insolvencial com vista à prossecução do interesse público, ligado ao funcionamento da economia e à satisfação dos interesses do colectivo de credores, de evitar a liquidação de patrimónios e o desaparecimento de agentes económicos e, consequentemente, de propiciar o êxito da revitalização do devedor, tratando-se de um processo de cariz marcadamente voluntário e extrajudicial, em que se privilegia o controlo pelos credores, restringindo o controlo jurisdicional à gestão processual; porque a recuperação é agora elevada a fim essencial, a existência da revitalização leva, naturalmente, à suspensão de outras acções que contendam com o património do devedor, incluindo o próprio processo de insolvência, no qual não tenha sido, ainda, declarada a insolvência’].
Pelo exposto, declaro suspensa a instância durante o período em que se mantiverem as negociações com os credores.
Atenta a sua proximidade, dou sem efeito a data que foi designada para realização de audiência de partes. (...)"
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Inconformado, o A. recorreu desta decisão, concluindo:
A- Vem o presente recurso, nos termos e para os efeitos do disposto no 79.º-A, n.º 2 alínea c), do CPT, demonstrar o desacerto da decisão recorrida, tendo em conta a violação da lei.
B- A decisão recorrida é nula por violação do disposto no art.ºs 3º, n.º 3 do CPC e no art.º 17.º-E do CIRE.
C- De acordo com o disposto no art.º 3º n.º 3 do CPC, aplicável ao Processo de Trabalho por força do disposto no art.º 1º, n.º 2 alínea a) do CPT, o Juiz é obrigado a observar e fazer cumprir ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não podendo decidir sem que as partes se hajam pronunciado sobre todas as questões de direito ou de facto, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.
D- A notificação entre mandatários, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 221º, n.º 1 do CPC, via plataforma CITIUS, antes da apresentação da contestação não impõe que a parte notificada exerça o direito de contraditório sem necessidade de intervenção da secretaria judicial.
E- Incumbe ao Tribunal/secretaria judicial proceder a essa notificação, sob pena de se violar um direito essencial do autor e este ser surpreendido com uma decisão como a que foi proferida nos autos.
F- Se o Tribunal não tivesse omitido a notificação, dando-se, desse modo, cumprimento ao princípio do contraditório, a decisão teria sido diversa porquanto o Tribunal a quo teria sido “munido” da informação correta que levaria a que proferisse decisão diversa da que ora se impugna.
G- Tendo sido omitido um acto essencial, o qual influi na boa decisão da causa – preterição do princípio do contraditório – a decisão enferma de nulidade, que expressamente se invoca nos termos e para os efeitos do disposto nos art.ºs 195º e 199º do CPC.
Sem prescindir, caso se entenda que a decisão não é nula:
H- O A. propôs a presente acção declarativa, com processo comum, com vista a obter o pagamento dos seus créditos salariais decorrentes da cessação do contrato de trabalho que manteve com a Ré até Setembro de 2014.
I- A acção foi proposta contra a sua antiga entidade patronal C.., com o NIPC … e sede na Rua ….
J- A Ré/recorrida em 01-08-2013 deu entrada de um Processo Especial de Revitalização, ao qual foi atribuído o número 978/13.4TYVNG, distribuído a J3, da 2ª Secção de Comércio da Inst. Central de Vila Nova de Gaia – Comarca do Porto.
K- No âmbito do processo de PER há muito que se encontram encerradas as negociações, onde foi obtido acordo entre os credores e a devedora C., proferida decisão homologatória desse acordo e dada publicidade da homologação e citação de outros credores e interessados no portal CITIUS, em 13-06-2014, tudo como melhor se pode ver do documento que se junta como documento n.º 1.
L- O Recorrente, em tempo, reclamou os créditos que à data do PER possuía sobre a Ré enquanto seu trabalhador.
M- A sentença homologatória do acordo do PER foi objecto de recurso, com efeito meramente devolutivo, que aguarda decisão do Tribunal da Relação do Porto, tudo como melhor se retira da sentença de admissão do recurso, documento que vai junto como documento n.º 2 e se dá aqui por reproduzido para todos os legais efeitos.
N- Salvo o devido respeito, que é muito, a decisão recorrida teve subjacente um documento que não respeita ao PER da Ré/Recorrida.
O- O PER da Ré/recorrida tem o número 978/13.4TYVNG, que se encontra distribuído a J3, da 2ª Secção de Comércio da Inst. Central de Vila Nova de Gaia – Comarca do Porto,
P- O PER identificado no Documento n.º 1 do requerimento junto pela Ré tem o número 289/14.8TYVNG, que se encontra distribuído a J3, da 2ª Secção de Comércio da Inst. Central de Vila Nova de Gaia – Comarca do Porto
Q- A Ré/Recorrida tem a denominação social “C., SA.”, com o NIPC …..
R- A devedora do PER identificado no documento n.º1 do requerimento apresentado pela Ré, e que esteve subjacente à decisão ora recorrida, tem a denominação social “C., SA” e tem o NIPC …. – vide documento n.º 1 junto com o requerimento da Ré.
S- A Ré/recorrida e a empresa identificada naquele documento n.º 1 não são a mesma pessoa colectiva, sendo que a sociedade comercial “C. , SGPS, SA” (devedora no processo 289/14.8TYVNG) foi constituída em 2007 sob a designação social de “D., SA”, só tendo operado a alteração da designação social para “C., SGPS, SA” em 2011, tudo como melhor resulta do documento particular de constituição da sociedade que se junta como documento n.º 3 e 4 das presentes alegações.
T- O Autor/recorrente nunca foi trabalhador da empresa “C., SGPS, SA” e a acção não foi proposta contra esta empresa.
U- Sendo a Ré nos autos a empresa “C., SA.” com o NIPC …, encontrando-se há muito encerradas as negociações com os credores e tendo sido proferida sentença homologatória do acordo celebrado no âmbito do PER da Ré/recorrida, nunca poderia o Tribunal a quo ter ordenado a suspensão da instância com fundamento no facto de que a Ré/recorrida se encontrava em negociações com os credores no âmbito do PER.
V- A decisão proferida viola o disposto no art.º 17-E n.º 1 do CIRE uma vez que a presente acção não foi apresentada durante as negociações do PER, mas após a sentença homologatória do acordo celebrado entre a devedora/Ré/recorrida e os credores.
W- A apresentação ao PER não implica a perda da capacidade e personalidade jurídicas da Ré/recorrida, tais capacidades mantém-se intocáveis, podendo demandar e ser demandada em acções judiciais.
X- Não tendo havido, como não houve, sentença de verificação e graduação de créditos, o meio adequado para os credores poderem fazer valer os seus direitos é o recurso à pertinente acção cível ou laboral de condenação.
Y- O crédito laboral peticionado no âmbito dos presentes autos nasceu após o encerramento do PER e após a prolacção da sentença homologatória do PER, circunstância essa que impedia, desde logo, o A. de ali reclamar o crédito ora peticionado pois que tal crédito, à data das negociações do PER da R., não existia.
Z- Só com a apresentação da presente acção declarativa o A. podia peticionar o pagamento dos créditos laborais resultantes da cessação do contrato de trabalho.
AA- Assim, encontrando-se encerrado o PER da R., nunca poderia o Tribunal a quo ter ordenado a suspensão da instância porquanto à data da entrada da Petição Inicial a fase de negociações do PER da R. “C., SA”, com o número 978/13.4TYVNG, há muito que se encontrava encerrado, com decisão homologatória do plano de recuperação.
BB- O despacho que ordenou a suspensão da instância viola o disposto no art.º 17.º-E, n.º 1 do CIRE, e o art.º 20º da Constituição da República Portuguesa.
Finda pedindo a revogação do despacho recorrido, ordenando-se o prosseguimento dos autos, nomeadamente para marcação de audiência de partes.
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A R. não contra-alegou.
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O DM do MºPº pronunciou-se no sentido da procedência do recurso.
Não houve resposta ao parecer.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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FUNDAMENTAÇÃO
Cumpre apreciar neste recurso – considerando que o seu objecto é definido pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, e exceptuando aquelas cuja decisão fique prejudicada pela decisão dada a outras, art.º 635/4, 608/2 e 663, todos do Código de Processo Civil – se a pendência do processo de revitalização com homologação do plano de revitalização é motivo para extinção da instancia laboral.
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Factos a considerar: os descritos no relatório.
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De Direito
a) da nulidade
Se é certo que o Código de Processo do Trabalho contém um regime próprio para a arguição de nulidades da sentença - art.º 77 -, não há dúvida de que nem todas as nulidades respeitam à sentença propriamente dita, podendo ser vícios procedimentais.
Com efeito, as primeiras reportam-se aos vícios da sentença aludidos no art.º 615 do CPC; e têm necessariamente de ser arguidas perante o Juiz do Trabalho, sob pena de intempestividade.
Já as nulidades do processo “ são quaisquer desvios do formalismo processual seguido, em relação ao formalismo processual prescrito na lei, e a que esta faça corresponder – embora não de modo expresso – uma invalidação mais ou menos extensa de actos processuais ( Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pág 176).
Não se confunda, pois, nulidades de qualquer decisão com nulidades de processo.
Para Fernando Amâncio Ferreira “ a distinção entre nulidades de processo e nulidades de sentença consiste fundamentalmente no seguinte: enquanto as primeiras se identificam com quaisquer desvios ao formalismo processual prescrito na lei, quer por se praticar um acto proibido, quer por se omitir um acto prescrito na lei, quer por se realizar um acto imposto ou permitido por lei, mas sem o formalismo requerido, as segundas resultam da violação da lei processual por parte do juiz ao proferir alguma decisão, situando-se no âmbito restrito da elaboração de decisões judiciais desde que essa violação preencha um dos casos contemplados no nº 1º do artigo 668º ” – Manual dos Recursos em Processo Civil, 6ª edição, Almedina, pág 51/52.
Ora, se é certo que em rigor "das nulidades reclama-se", nada impede que a Relação conheça da alegada nulidade procedimental invocada pelo A., que este todavia não levantou em 1ª instancia.
Verificamos que efetivamente o Tribunal recorrido decidiu imediatamente o requerimento da R. sem ouvir o A., ao arrepio do disposto no art.º 3º, n.º 3, do CPC, porventura supondo que aquela teria dado conhecimento ao A., o que não aconteceu sem que a R. mereça censura, dado que o fez ainda antes da contestação.
Assim sendo, tem de se concluir pela nulidade do despacho, que não poderia ser proferido sem a audição da parte contrária.
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De fundo
Seja como for, já é conhecida a posição do A., pelo que mesmo verificando-se a nulidade, e atenta a regra da substituição, art.º 665, CPC, cabe decidir de mérito.
O processo especial de revitalização destina-se a permitir ao devedor que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja susceptível de recuperação, estabelecer negociações com os respectivos credores de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização (art.º 17.º-A, n.º 1, do CIRE).
O art.º 17-C, dispõe, por seu lado:
"1 - O processo especial de revitalização inicia-se pela manifestação de vontade do devedor e de, pelo menos, um dos seus credores, por meio de declaração escrita, de encetarem negociações conducentes à revitalização daquele por meio da aprovação de um plano de recuperação.
2 - A declaração referida no número anterior deve ser assinada por todos os declarantes, da mesma constando a data da assinatura.
3 - Munido da declaração a que se referem os números anteriores, o devedor deve, de imediato, adotar os seguintes procedimentos:
a) Comunicar que pretende dar início às negociações conducentes à sua recuperação ao juiz do tribunal competente para declarar a sua insolvência, devendo este nomear, de imediato, por despacho, administrador judicial provisório, aplicando-se o disposto nos artigos 32.º a 34.º, com as necessárias adaptações;
b) (...)
4 - (...)"
Nessa sequência, dispõe o art.º 17.°-E, n.º 1, do CIRE que:
1- A decisão a que se refere a alínea a) do n.º 3 do artigo 17.-C obsta à instauração de quaisquer acções para cobrança de dívidas contra o devedor e, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, suspende, quanto ao devedor, as acções em curso com idêntica finalidade, extinguindo-se aquelas logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação. ( ... )".
O Tribunal onde este processo especial corre adquire competência para conhecer todas as questões suscitadas em ações movidas por credores, por mais invulgares do ponto de vista civilístico que sejam (assim se decidiu nesta Relação de Guimarães que "o credor infortunístico" - i. é, o sinistrado - "não está dispensado de reclamar o crédito no processo de insolvência, até por causa do direito de sub-rogação, sendo que no PER a falta de reclamação não tem efeitos preclusivos" - acórdão de 26.5.15, relat. Antero Veiga.
A decisão do Tribunal de Comércio em causa não é a final, estando em causa a elaboração da lista definitiva de credores a fim de compor o quórum deliberativo previsto no art.º 17-F, n.º 3, do CIRE.
No caso verificamos que, como defende o recorrente, nestes autos foi demandada a "Cinclus Project Management, SA"; o PER, de acordo com a informação de fls 47 (referente ao proc. n.º 289/14.8TYVNG) do Tribunal do Comércio de Gaia, respeita a "C., Sgps, SA". O mesmo Tribunal refere a "Cinclus., SA" a fls 86, a propósito do PER 978/13.4TYVNG. A avaliar pela denominação e processos são entidades diferentes, como a R. acabou por admitir mais tarde e que o seu processo era realmente o 978 (pag. 112).
Note-se que mesmo naquele proc. 289/14 a decisão do Tribunal do Comércio, excluiu genericamente os créditos laborais, entendendo deverem prosseguir as respetivas ações (fls. 51, 2º § e 52, 3º e 4º §). O que levaria à prossecução destas ações (art.º 17-E/1, in fine, que ressalva da extinção os casos em que o próprio plano prevê o prosseguimento da ação.
Mas há mais. No proc. que se reporta à R. dos autos - o 978 - o despacho de homologação do acordo é de 4.6.14.
Como a presente ação é de 2015 e sobretudo alguns créditos invocados são posteriores ao PER (o A. alega que pôs termo ao contrato em 30.09.14 e que nomeadamente prestou trabalho suplementar para lá de junho), tal significa que mesmo quando foi homologado o PER ainda não tinham vencido créditos invocados pelo A..
Outra solução que não a prossecução da ação laboral daria uma carta branca, ou pelo menos uma moratória, à R. para contrair as dívidas que bem entendesse.
Se isto é de difícil compreensão em geral, a natureza alimentar dos créditos do trabalhador tornaria tal chocante.
O que é tanto mais grave quanto o trabalhador poderia afinal, até face ao decurso dos prazos processuais, ver-se impedido de reclamar o crédito, por falta de acesso à justiça.
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O processo especial de revitalização visa permitir ao devedor que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja susceptível de recuperação, estabelecer negociações com os respectivos credores de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização.
Tem-se discutido se as ações aludidas neste preceito são meramente as executivas ou também declarativas. Maioritariamente tem-se entendido que são todas, desde que se demande o pagamento de créditos, face à natureza do processo especial de revitalização de empresa, supra referido (art.º 17-A, n.º 1).
No entanto, é discutível tal entendimento. Por ex. no Acórdão da Relação de Lisboa proferido no proc. n.º 1190/12.5TTLSB.L1-4 (relator Desemb. Leopoldo Soares, sendo 2º adjunto o aqui relator) escreveu-se na (fundamentação):
"Não se vislumbra que a supra citada expressão “para cobrança de dívida” abranja as acções declarativas. Desde logo, porque (...) uma acção para cobrança de dívida não equivale nem é sinónimo de uma acção para cumprimento de obrigações pecuniárias. Na realidade, o Autor de acção declarativa em que invoque a verificação de um crédito sobre outrem (...) só é, efectivamente, declarado credor caso a acção proceda. (...) O processo tem exactamente essa finalidade. À data em que a acção declarativa é intentada o que existe é um crédito potencial e não um crédito declarado (firmado). A acção destina-se a proporcionar ao Autor um título executivo (vide artigos 45, nº 1, 46º, nº 1 al a) e 47º, nº 1 todos do CPC e artigos 1º, 2º al a) e 50 do CPT) que depois possa executar em sede própria; ou seja numa acção executiva, esta sim - indubitavelmente - para cobrança de uma dívida. Caso a dívida venha ser declarada, através da competente condenação, com trânsito em julgado, passando, pois, o credor a dispor de um título executivo é evidente que não se pode prevalecer dele em acção executiva (...)". Se for admitida a divida "tal declaração deve ter implicações na acção declarativa (extinção da mesma por inutilidade superveniente… - vide artigo 287º al e) do CPC ), visto que não faz sentido que no PER admita a existência da dívida e na acção declarativa a continue a negar".
No caso, porém, a situação até é mais clara, pois, como vimos, há alegados créditos posteriores, que não poderiam ter sido reconhecidos no PER.
Como se escreveu no Acórdão da Relação do Porto de 17.11.2014, proc. nº 295/14.2TTPNF.P1, (relat. Paula Leal de Carvalho), Carvalho Fernandes e João Labareda (obra citada, pág. 159), referem que “(…) por um lado, e em boa verdade, este regime só pode compreender-se e atingir quem não participa por motivo que lhe é imputável, mas não a quem não participa porque é impedido; e, por outro, de parte alguma resulta que, decidida uma impugnação em sede de processo de revitalização – favorável ou desfavoravelmente – a questão fica definitiva e irreversivelmente arrumada, sem possibilidade de poder ser retomada onde mais quer que seja”.
Se o (alegado) crédito do recorrente nem sequer existia à data da reclamação de créditos, afigura-se-nos cristalino que o acordo de recuperação homologado não podia abrangê-lo. E, quando a lei prescreve que a decisão a que se refere a alínea a) do n.º 3 do artigo 17.º-C, do CIRE obsta à instauração de quaisquer acções para cobrança de dívidas contra o devedor (cfr. artigo 17.º-E, n.º 1 do mesmo diploma legal) só pode reportar-se às dívidas existentes naquela data; e o mesmo se diga quanto à suspensão, contra o devedor, de acções em curso com idêntica finalidade e que se extinguem logo que seja aprovado e homologado o plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação. Isto é: o que releva no âmbito do PER e vincula os credores são os créditos existentes à data e não quaisquer eventuais créditos futuros. O processo de recuperação visa permitir ao devedor estabelecer negociações com os credores então existentes com vista a permitir um acordo que permita a revitalização daquele; assim, as negociações são com os credores existentes e em relação a créditos vencidos e não também com quaisquer eventuais credores em relação a eventuais créditos futuros. (…) A entender-se de outro modo, os credores cujos créditos se vencessem posteriormente àquela data ficavam impossibilitados de ver reconhecido judicialmente o seu direito (não só não era reconhecidos os créditos no âmbito do PER e, por isso, não eram por ele abrangidos, como também não podiam posteriormente ver reconhecido os créditos), o que, afigura-se, colide com o princípio fundamental de acesso ao direito e aos tribunais (cfr. artigo 20.º da CRP)".
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Assim é. Face ao exposto é forçoso concluir que seja por razões procedimentais seja por razões de fundo a decisão recorrida não pode subsistir, devendo ser substituída por outra que determine a prossecução do processo.
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DECISÃO
Pelo exposto, o Tribunal julga o recurso procedente, revoga o despacho recorrido e determina a prossecução dos autos.
Custas do recurso pelo vencido a final.
Guimarães, 21 de abril de 2016


Sérgio Almeida
Antero Veiga
Manuela Fialho




I. É nulo o despacho que declara suspensa a instância numa ação laboral a requerimento do credor, com fundamento na existência de um PER, sem previamente a contra-parte ter oportunidade de se pronunciar.
II. O disposto n.º 1, do artigo 17-E, do CIRE, não abrange os invocados créditos posteriores à reclamação no PER.
Sumário do Relator