Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1123/18.5T9BCL.G1
Relator: ANTÓNIO TEIXEIRA
Descritores: DIFAMAÇÃO AGRAVADA
PUBLICAÇÃO NO FACEBOOK
DECISÃO DE NÃO PRONÚNCIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 09/30/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO PENAL
Sumário:
1. No crime de difamação, a ofensa à honra e consideração não pode ser perspectivada em termos estritamente subjectivos, ou seja, não basta que alguém se sinta atingido na sua honra –, na perspectiva interior/exterior – para que a ofensa exista. Para concluir se uma expressão é ou não ofensiva da honra e consideração, é necessário enquadrá-la no contexto em que foi proferida, o meio a que pertencem ofendido/arguido e as relações entre eles, entre outros aspectos.

2. Por outro lado, convém não olvidar que, quando uma palavra tem uma pluralidade de sentidos, não temos de acolher o significado atribuído pelo visado tão-só por se ter considerado ofendido, sendo que isso terá de resultar inequivocamente dos factos.

3. Devendo sublinhar-se, também, que o direito penal não se destina a tutelar o eventual excesso de sensibilidade de determinadas pessoas perante afirmações que lhes sejam dirigidas, antes pretende punir factos que sejam objectivamente graves e geradores de ofensas a bens juridicamente protegidos.

4. O adjectivo “imbecil” é polissémico, apresentando várias acepções, podendo ser entendido, de acordo com o “Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea” da Academia das Ciências de Lisboa, Editorial Verbo, 2001, II Volume, pág. 2030, como: Aquele que é fraco, que não tem a robustez normal; aquele que denota cobardia, que revela fraqueza de carácter; aquele que demonstra falta de capacidade, de inteligência, de perspicácia, de lucidez; aquele que denota deficiente análise das situações ou comportamento desajustado; e/ou aquele que revela atraso mental acentuado.

5. Não comete o crime de difamação a arguida que, no dia em que perfez dois anos de divórcio com o assistente, partilhou uma publicação na rede social Facebook com os seguintes dizeres: “A festejar a liberdade!!.. Livrei-me de um invecil!!... Segundo ano“, acompanhando estes dizeres com três fotografias onde se pode ver a arguida, incluindo uma na qual consta um bolo com os dizeres “Dois anos de felicidade”.

6. Efectivamente, as expressões em causa, lidas no exacto contexto da sua produção, não atingem a credibilidade, a honra e consideração do assistente, uma vez que o significante utilizado não encerra em si a potência ofensiva devida, não sendo mais do que a afirmação de que os dois anos em estádio de liberdade resultarem da circunstância de se ter livrado de alguém, no caso do assistente, que a cerceava. Não se vislumbrando, pois, na expressão em causa, qualquer sentido, muito menos exclusivo, de ofender, ou seja não se afigura que esteja em causa uma expressão utilizada para gratuitamente e em primeira linha achincalhar e rebaixar a honra e o bom nome do assistente.

7. É certo que o adjectivo “imbecil”, da autoria da arguida, escrito naquele post da sua página do Facebook, “visando” a pessoa do assistente, não consubstancia a conduta mais correcta ou o comportamento mais civilizado. E tanto assim é que o assistente sentiu-se pessoalmente atingido pela mesma, o que o levou, legitimamente, a apresentar a queixa contra a sua ex-mulher, a qual deu origem aos presentes autos. Porém, não obstante se reconhecer que se trata de um vocábulo desagradável, indelicado e pouco cortês, e que, noutras circunstâncias, pode ter subjacente uma carga ofensiva, podendo até configurar a prática de um crime, o certo é que, naquele concreto contexto, a expressão em causa não tem a virtualidade de alcançar um patamar mínimo de gravidade que lhe confira dignidade penal.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os Juízes desta Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

1. Iniciaram-se os presentes autos com a queixa apresentada em 14/08/2018 no Departamento de Investigação e Acção Penal, Secção de Barcelos, da Procuradoria da República da Comarca de Braga por D. M. (entretanto constituído assistente por despacho judicial proferido em 24/09/2918, a fls. 26), contra a sua ex-mulher, M. C., imputando-lhes factos que, na sua perspectiva, integravam a prática de um crime de difamação, p. e p. pelos Artºs. 180º, nº 1 e 183º, nº 1, al. a), ambos do Código Penal.
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2. Tramitado o respectivo inquérito, na sequência da notificação que lhe foi efectuada pelo Ministério Público, na qualidade de assistente, veio este deduzir acusação particular contra a arguida M. C., nos termos constantes de fls. 78/79, imputando-lhe a prática de um crime de difamação, agravada, p. e p. pelos Artºs. 180º, nº 1 e 183º, nº 1, al. a), ambos do Código Penal.
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3. O Ministério Público, ao abrigo do disposto no Artº 285º, nº 4, do C.P.Penal, acompanhou a aludida acusação particular, deduzindo acusação contra o arguido, para julgamento em processo comum, e com intervenção de tribunal singular, pelos mesmos factos constantes daquela peça processual do assistente (cfr. fls. 81/82).
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4. Nessa sequência, veio a arguida requerer abertura da instrução, nos termos constantes de fls. 92/95, sustentando, em síntese, que a frase que o assistente lhe imputa - “A festejar a liberdade!!.. Livrei-me de um invecil!... Segundo ano (emoji)” - não configura a prática do crime pelo qual foi acusada, razão pela qual deve ser proferido despacho de não pronúncia.
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5. No termo da fase processual de instrução, o Mmº. Juiz proferiu decisão instrutória de não pronúncia do arguido pela prática do crime de difamação, agravada, p. e p. pelos Artºs. 180º, nº 1 e 183º, nº 1, al. a), ambos do Código Penal, nos seguintes termos, constantes da acta de fls. 123/132, que se transcrevem, na parte em que ora interessa considerar:

“1. Relatório.
(...)
Deduziu o assistente D. M. (fls. 74 e ss) acusação contra a arguida M. C. imputando-lhe a prática de factos que no seu entendimento consubstanciam o cometimento por esta de um crime de difamação agravada, p. e p. pelo artigo 180.º e 183.º/1-a) do Código Penal.
1.2. O MP acompanhou a acusação particular (fls. 81).
1.3. O requerimento de abertura da instrução.

Veio a arguida (fls. 92 e ss) requerer a abertura da instrução, em síntese dizendo que os factos constantes da acusação não configuram a prática do crime imputado, nem o assistente se pode tomar por destinatário das expressões constantes do texto publicado.
(...)

3.2. Os factos suficientemente indiciados – factos essenciais:

1. Assistente e arguida foram casados entre si, estando divorciados desde -/-/2016.
2. No dia -/-/2018, passados dois anos da data do divórcio, a arguida partilhou uma publicação na rede social Facebook com os seguintes dizeres:

“A festejar a liberdade!!..
Livrei-me de um invecil!!...
Segundo ano “
3. A acompanhar os referidos dizeres estavam três fotografias onde se pode ver a arguida, incluindo uma da qual consta um bolo com os dizeres “Dois anos de felicidade”.
4. Ao fazê-lo na plataforma facebook a arguida sabia que estava a utilizar um meio que facilmente permitia a sua divulgação.
5. A arguida agiu de forma consciente, deliberada e livre.

3.3 Os factos não suficientemente indiciados.
6. A arguida ao publicar os referidos dizeres fê-lo com intuito de denegrir a imagem do assistente.
7. A arguida tinha perfeita noção de que estava a atingir a honra, a consideração e dignidade do assistente.
8. A arguida agiu sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

3.4. Motivação.

A arguida não coloca em causa a autoria do texto e a sua publicação na rede facebook, tal como não coloca em causa o convívio comemorativo aquando dos dois anos após o divórcio, o que as imagens juntas aos autos documentam (fls. 52/53).

Não se oferecendo assim, enquanto juízo de normalidade a extrair dos autos, que a arguida estava a comemorar o decurso de dois anos após o divórcio, dando a conhecer e publicando no momento o seu estado de espírito, fazendo-o por referência ao decurso dos referidos dois anos; ou seja o objecto da comemoração eram os dois anos de um estado de felicidade, decorrente (também) do facto de se ter livrado de um imbecil, ou seja do arguido. E assim, porque é absolutamente destituído de sentido que a arguida se estivesse a referir a outrem que não o arguido, em face do contexto e objecto da comemoração, afigura-se desinteressante tecer considerações sobre o erro ortográfico, pois conclui-se que o sentido expresso é claro e a referência ao arguido como imbecil de que se livrou também.

Como tal a suficiente indiciação dos factos supra sob os itens 1 a 5.

Quanto à factualidade dada como não suficientemente indiciada (itens 6 a 8) é patente que subjacente à referida publicação não houve qualquer intuído de denegrir a imagem do assistente, antes apenas nas referidas circunstâncias comemorar uma data e um estado de liberdade que só se efectivou por se ter visto livre (leia-se por via do divórcio) do arguido. Pelo que de forma alguma se pode afirmar que a arguida teve noção de que estava a atingir a honra, a consideração e dignidade do assistente, pois a expressão “invecil”, leia-se imbecil, não tem objectivamente força típica bastante para, naquele contexto, infligir esse dano, como infra melhor se desenvolverá. E senão tem, naturalmente que a conduta, ou seja a afirmação publicada, não é proibida e punida por lei (penal).

3.5. O crime de difamação agravado.

Dispõe o artigo 180º do Código Penal que:

1- Quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo, é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 240 dias.
2- A conduta não é punível quando:
a) A imputação for feita para realizar interesses legítimos; e
b) O agente provar a verdade da mesma imputação ou tiver tido fundamento sério para, em boa fé, a reputar verdadeira.
3- Sem prejuízo do disposto nas alíneas b), c) e d) do nº 2 do artigo 31º, o disposto no número anterior não se aplica quando se tratar da imputação de facto relativo à intimidade da vida privada e familiar.
4- A boa fé referida na alínea b) do n.º 2 exclui-se quando o agente não tiver cumprido o dever de informação, que as circunstâncias do caso impunham, sobre a verdade da imputação.

Nos termos do artigo 183.º do referido diploma legal:

1- Se no caso dos crimes previstos nos artigos 180.º, 181.º e 182.º:
a) A ofensa for praticada através de meios ou em circunstâncias que facilitem a sua divulgação; ou,
b) Tratando-se da imputação de factos, se averiguar que o agente conhecia a falsidade da imputação;
as penas da difamação ou da injúria são elevadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo.
2- Se o crime for cometido através de meio de comunicação social, o agente é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa não inferior a 120 dias.

Os elementos típicos do crime de difamação, acompanhando o Prof. Faria Costa, estruturam-se em dois grandes segmentos: O da ofensa propriamente dita, que pode ser concretizado por quem quer que seja, através: a) da imputação de facto ofensivo da honra de outrem; b) por meio de formulação de um juízo e igual modo lesivo da honra de uma pessoa; ou c) pela reprodução daquela imputação ou juízo. E o do rodeio ou do enviesamento, a exigir que aquelas condutas se não façam directamente, antes se levem a cabo dirigindo-se a um terceiro.

Quanto ao elemento subjectivo, basta-se este crime com o dolo genérico, em qualquer das suas formas (directo, necessário ou eventual), não se exigindo, pois, um dolo específico, ou seja, o fim de injuriar ou difamar (animus injuriandi vel diffamandi).

Honra é “a dignidade subjectiva, ou seja, o elenco de valores éticos que cada pessoa humana possui. Diz respeito ao património pessoal e interno de cada um...”.

Consideração é “o merecimento que o indivíduo tem no meio social, isto é, a reputação, a boa fama, a estima, a dignidade objectiva (...), a forma como a sociedade vê cada cidadão” (Leal-Henriques e Simas Santos).

Difamar é descredibilizar, desacreditar, diminuir a reputação, o conceito público em que alguém é tido, isto é, imputar a outra pessoa um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou da sua consideração.

O direito penal, entre tantas coisas atraentes, tem uma particularidade sedutora. Qual seja: aquele lado ou vertente em que se pode espelhar simultaneamente duas realidades, duas construções, dois percursos. Nele ou por ele (direito penal) não só se atingem as mais altas elucubrações do espirito (jurídicas e não só) mas também, e do mesmo passo, se é obrigado a olhar e a sopesar o valor corriqueiro, contudo, importantíssimo, dos comezinhos conceitos que cercam ou inundam o nosso quotidiano. Este ter de ver e de perscrutar, por condição e circunstância, permita-se-nos a imagem, sempre para o alto e para o rés-do-chão das coisas tocam e são parte integrante do nosso dia-a-dia, eis um dado que, se não for bem compreendido pode ser visto como ambivalência de rigor ou até de flutuação dogmática.

Na verdade, ninguém pode deixar de convir que a fabricação – qualquer que ela seja – por exemplo, da teoria geral da infracção, é expressão da doutrina e do pensamento jurídico que se entrelaça com alguns dos mais candentes e profundos problemas dos fundamentos últimos, quer do direito, quer da própria filosofia. Este, por conseguinte, o segmento que nos ata e convoca para a dimensão da mais pura especulação jurídico-penal. Mas, ao mesmo tempo, quando nos embrenhamos na análise hermenêutica do significado jurídico-penal relevante dos elementos do tipo, temos de nos debater, entre outros problemas, com a expressão simples do conteúdo e significação que tais conceitos adquirirem na esfera de representação comunicacional do cidadão comum (José Faria Costa, RLJ, ano 133, p. 246/247).

Conforme se pode ler no respectivo preâmbulo, o Código Penal assume-se deliberadamente como ordenamento jurídico-penal de uma sociedade aberta e de um Estado democraticamente legitimado, optando conscientemente pela maximização das áreas de tolerância em relação a condutas ou formas de vida que, relevando directamente do exercício activo e militante da cidadania, não apresentam suficiente potencialidade ofensiva para, perante o princípio da intervenção mínima, conduzirem à aplicação de penas.

É, pois, suficientemente adequado que as expressões levadas ao texto, lidas no contexto da sua produção, vista da forma que exercite, movimente ou queira o assistente, não atingem a credibilidade, a honra e consideração do mesmo enquanto homem, uma vez que o significante utilizado não encerra em si a potência ofensiva devida, não sendo mais do que a afirmação, naquele contexto, de que os dois anos em estádio de liberdade resultarem do facto de se ter livrado de alguém, no caso do assistente, que cerceava, não se vislumbrando assim na expressão qualquer sentido, muito menos exclusivo, de ofender, ou seja não se vislumbra que esteja em causa uma expressão utilizada para gratuitamente e em primeira linha achincalhar e rebaixar a honra e o bom nome do assistente. Pois a imbecilidade não encerra exclusivamente qualquer juízo psicopatológico, muito menos no caso concreto foi nesse quadro a expressão proferida, antes o foi num quadro de entendimento referente a quem é fraco de espírito e que não tem bom senso, ao ponto de ser fundamento libertador.

Sendo certo que o Tribunal se deve orientar para uma interpretação restritiva da defesa da honra e maximizadora da liberdade de expressão, sendo que esta pode conviver com o insulto, o qual comporta graus e em que a visão do mundo de cada um e em especial o contexto assumem importância decisiva, ou seja, na expressão de Simas Santos/Leal- Henriques, importa ter atenção a característica da relatividade, o que quer dizer que o carácter injurioso de determinada palavra ou acto é fortemente tributário do lugar ou ambiente em que ocorrem, das pessoas entre quem ocorrem, do modo como ocorrem.

Ademais, no caso dos autos, é manifesto que a arguida não actuou com dolo, no sentido de que não actuou com conhecimento e vontade de realização do facto que preenche os elementos típicos objectivos do crime de difamação, ou seja não actuou desde logo com a vontade de sobre o assistente formular qualquer juízo lesivo da sua honra, antes apenas com a vontade, animada, de comemorar uma data e afirmar um novo percurso de vida livre sem a presença compressora do assistente.

São os dados de facto externos que a arguida deu a conhecer e que suportaram os seus dizeres que permitem ao nível interno, psicológico, formatar a vontade da sua actuação de forma tal que se impõe afirmar que em algum momento admitiu o teor ofensivo do juízo formulado e, muito menos, que tenha actuado conformando-se com esse teor ofensivo – tanto mais que, como se disse e o raciocínio lógico impõe, a expressão em causa não comporta objectivamente qualquer juízo ofensivo.

Assim sendo, não se vê que não se deva afirmar desde já prevalecente a liberdade de expressão, mesmo no plano da valoração dos indícios.

4. Decisão.

4.1. De não pronúncia.

Tendo em conta o acima exposto e o disposto no artigo 308.º/1 do Código de Processo Penal, decido:
Não pronunciar a arguida M. C. pela prática de um crime de difamação agravada, p. e p. pelo artigo 180.º e 183.º/1-a) do Código Penal, como lhe imputa o assistente.
(...)”.
*
6. Inconformado com essa decisão judicial, o assistente D. M. dela veio interpor o presente recurso (que consta de fls. 137/145), cuja motivação é rematada pelas seguintes conclusões e petitório (transcrição):

“1. O aqui Recorrente e a Recorrida foram casados entre si, tendo ocorrido a separação de facto a .. de .. de 2016.
2. No dia .. de .. de 2018, passados dois anos da data da separação de facto efectiva, a Recorrida partilhou uma publicação na rede social Facebook com os seguintes dizeres:
3. “A festejar a liberdade!!.. Livrei-me de um invecil!... Segundo ano (emoji)”
4. Nestes termos, o Recorrente deduziu acusação particular contra a Recorrida, imputando-lhe a prática de um crime de difamação previsto e punido pelo artigo 180º do Código Penal, agravado pelo meio utilizado para divulgar a difamação, de acordo com o artigo 183º nº 1 alínea a) do mesmo diploma legal.
5. Ora, o Ministério Público acompanhou a acusação por considerar que existiam indícios suficientes que permitissem concluir pela prática do crime referido.
6. No entanto, o juiz de instrução criminal decidiu pela não pronúncia da arguida por considerar que “é manifesto que a arguida não actuou com dolo, no sentido de que não actuou com conhecimento e vontade de realização do facto que preenche os elementos típicos objectivos do crime de difamação, ou seja não actuou desde logo com vontade de sobre o assistente formular qualquer juízo lesivo da sua honra, antes apenas com a vontade, animada, de comemorar um data e afirmar um novo percurso de vida livre sem a presença compressora do assistente.”
7. Não pode o Recorrente concordar com a decisão nomeadamente quando refere que “subjacente à referida publicação não houve qualquer intuito de denegrir a imagem do assistente, antes apenas nas referidas circunstâncias comemorar uma data de um estado de liberdade que só se efectivou por se ter visto livre (leia-se por via do divórcio) do arguido. Pelo que de forma alguma se pode afirmar que a arguida teve noção de que estava a atingir a honra, a consideração e a dignidade do assistente, pois a expressão “invecil”, leia-se imbecil, não tem objectivamente força típica bastante para, naquele contexto, infligir esse dano, como infra melhor se desenvolverá.”
8. Com a decisão em causa, anda mal o tribunal ao decidir pela não pronúncia, incorrendo numa violação do artigo 180.º e 183.º n.º 1 al. a) do Código Penal.
9. Sustenta-se a decisão recorrida no pressuposto de que a arguida não actuou com dolo, no sentido de que não actuou com conhecimento e vontade de realização do facto que preenche os elementos típicos objectivos do crime de difamação.
10. Não compreendemos como pode tal decisão assentar neste pressuposto, quando consta da matéria provada que a Recorrida proferiu a expressão imbecil, dirigindo-se ao Recorrente, num contexto de que é mais feliz porque se livrou dele, leia-se, do imbecil.
11. Pergunta-se como pode a decisão de não pronúncia considerar que tal expressão não é proferida com dolo ou com o intuito de denegrir a imagem do Recorrente.
12. Quando na plataforma social Facebook, proferiu aquelas expressões associadas à data de “comemoração” do seu divórcio, claramente ligando essas expressões ao aqui Recorrente.
13. Com o intuito de transmitir a ideia de que o seu ex-cônjuge é um “imbecil”, insultando-o e difamando-o.
14. Refere a decisão recorrida que “os elementos típicos do crime de difamação, acompanhando o Prof. Faria da Costa, estruturam-se em dois grandes segmentos: o da ofensa propriamente dita, que pode ser concretizado por quem quer que seja, através: (…) por meio de formulação de um juízo de igual modo lesivo da honra de uma pessoa (…) E do rodeio ou do enviesamento, a exigir que aquelas condutas se não façam directamente, antes se levem a cabo dirigindo-se a um terceiro.”
15. Ora não considera a decisão recorrida que tenha a arguida, nestes termos, ofendido a honra ou a consideração do assistente.
16. Neste sentido, o Acórdão da Relação do Porto de 26/04/2016 que diz, “a ofensa à honra e consideração não pode ser perspectivada em termos estritamente subjectivos, ou seja, não basta que alguém se sinta atingido na sua honra – na perspectiva interior/exterior – para que a ofensa exista. Para concluir se uma expressão é ou não ofensiva da honra e consideração, é necessário enquadrá-la no contexto em que foi proferida, o meio a que pertencem ofendido/arguido, as relações entre eles, entre outros aspectos”.
17. E ainda, o mesmo tribunal em Acórdão a 11/11/2015, “a protecção penal conferida à honra só encontra justificação nos casos em que objectivamente as expressões que são proferidas não têm outro sentido que não seja o de ofender, que inequívoca e em primeira linha visam gratuitamente ferir, achincalhar, rebaixar a honra e o bom nome de alguém.”.
18. A expressão utilizada é proferida no contexto de uma “comemoração” pela separação de facto entre o Recorrente e a Recorrida, sendo feita claramente com o intuito de denegrir a imagem da pessoa de quem a Recorrida se separou.
19. Tendo-o feito de livre vontade, com consciência de que iria ofender a honra e a consideração do ex-cônjuge, sendo desde logo esse o seu intuito.
20. A Recorrida intitula o Recorrente de “imbecil”, pergunta-se, quando se insulta alguém nestas circunstâncias, é possível fazê-lo sem dolo? É do nosso entendimento que não.
21. Ao contrário do entendimento da decisão recorrida especialmente quando consta que subjacente à referida publicação não houve qualquer intuito de denegrir a imagem do assistente, antes apenas nas referidas circunstâncias comemorar uma data de um estado de liberdade que só se efectivou por se ter visto livre (leia-se por via do divórcio) do arguido – sublinhado nosso.
22. Assim sendo, no entendimento do meritíssimo juiz de instrução criminal, em contexto de comemoração de um divórcio/separação, é licito, adequado e até razoável, proferir expressões insultuosas e difamadoras do ex-cônjuge, pelo mero facto da pessoa em causa se sentir feliz com a separação.
23. É do entendimento geral e compõe o senso comum, a ideia de que “a minha liberdade termina onde começa a do outro”
24. E neste sentido, não se pode concordar com a decisão recorrida, sendo que a arguida se encontra no seu direito de comemorar a sua separação, mas nunca de difamar o assistente, e passar impune.
25. Sobre a capacidade ou a potência ofensiva da expressão “imbecil” que foi proferida, pronuncia-se o Tribunal da Relação do Porto, a 08/03/2017.
26. “A resposta é negativa: na concreta situação apurada a liberdade de expressão do recorrente, de forma desadequada, desproporcional e excessiva, desrespeitou o direito à honra e reputação do ofendido, não foi exercida nos pressupostos axiológicos da sua consagração constitucional.” – sublinhado nosso.
27. É de facto inconcebível para o Recorrente a ideia subjacente e plasmada na decisão recorrida, de quem naquele contexto, difama um outro mas, surpreendentemente, fá-lo sem dolo.
28. Pelo exposto, requer-se a V. Exa. que revoguem a decisão recorrida, substituindo-a por uma outra que vá no sentido da verificação do preenchimento do tipo de crime, e consequentemente, da pronúncia da arguida.

Termos em que,

Se requer a V. Exa. se digne a aceder à argumentação aqui produzida, quanto à violação das normas mencionadas e à interpretação de que as mesmas haviam de ter sido alvo, procedendo- se dessa forma à revogação da decisão recorrida substituindo-a por uma que declare a revogação da decisão recorrida e substituindo-a por uma outra que vá no sentido da verificação do preenchimento do tipo de crime, e consequentemente, da pronúncia da arguida.
Cumprindo-se a habitual e almejada,
Justiça!”
*
7. Na resposta ao recurso, o Ministério Público junto da 1ª instância pugna pela sua improcedência e pela manutenção da decisão recorrida, terminando a Digna Procuradora da República a sua douta peça processual com as seguintes conclusões (cfr. fls. 151/166):

“I. No inquérito com o NUIPC 1123/18.5T9BCL, da Secção de Barcelos, do DIAP de Braga, o assistente, D. M., deduziu acusação particular contra a arguida, sua ex-mulher, M. C., a quem imputou a prática de um crime de difamação agravada, previsto e punível pelas disposições conjugadas dos artigos 180º e 183º, nº1, a), ambos do Código Penal,
II. porquanto, e além do mais, "No dia .. de .. de 2018, passados dois anos da data do divórcio, a arguida partilhou uma publicação na rede social do Facebook que dizia o seguinte: “A festejar a liberdade!!..Livrei-me de um invecil!!...
III. Inconformada com a acusação particular deduzida pelo assistente e acompanhada pelo Ministério Público, veio a arguida requerer a abertura de instrução (fls. 92 e ss.), alegando, em suma, que os factos constantes daquela acusação não configuram a prática do crime imputado.
IV. Realizado debate instrutório, foi, a final, proferida decisão de não pronúncia da arguida, M. C., pela prática do imputado crime de difamação agravada, previsto e punível pelas disposições conjugadas dos artigos 180º e 183º, nº1, a), ambos do Código Penal, por, em suma, a conduta imputada não preencher os elementos típicos do referido ilícito criminal.
V. É dessa decisão de não pronúncia que recorre o assistente, pugnando pela sua revogação e pela sua substituição por outra que «(…) vá no sentido da verificação do preenchimento do tipo de crime, e consequentemente, da pronúncia da arguida».
VI. A questão a decidir consiste em saber se dos autos resultam indícios suficientes que permitam concluir que a conduta da arguida, tal como imputada na acusação particular deduzida pelo assistente, preenche os elementos típicos do crime de difamação agravada, previsto e punível pelas disposições conjugadas dos artigos 180º e 183º, nº1, a), ambos do Código Penal.
VII. E a resposta, salvo melhor opinião de Vªs. Exª., não pode deixar de ser negativa.
VIII. Aqueles dizeres publicados pela arguida na rede social do Facebook, não são de molde a preencher os elementos típicos do crime de difamação que lhe vem imputado na acusação particular.
IX. Pois que, a conduta da arguida se resuma, cremos, a mais um cliché das redes sociais – comemorar o aniversário do divórcio, mostrando ao mundo o quão feliz se está, ainda que utilizando palavras deselegantes e ainda que isso não passe de uma espécie de realidade paralela.
X. Face ao específico contexto em que foram proferidos, não têm os referidos dizeres "livrei-me de um invecil" idoneidade para atentar contra a honra e consideração do assistente, ora recorrente, não resultando sequer indiciado que a arguida tivesse agido dolosamente, isto é, com consciência de que tais dizeres atentassem contra a honra e a consideração do recorrente.
XI. Assim, não violou a douta decisão recorrida as normas dos artigos 180º e 183º, nº 1, a), do Código Penal, nem qualquer outra.
XII. Pelo exposto, deve ser negado provimento ao recurso e confirmada a douta decisão recorrida.”.
*
8. Também a arguida respondeu ao recurso sub-judice, pugnando pela sua improcedência, e pela manutenção da decisão recorrida (cfr. fls. 168/171).
*
9. Neste Tribunal da Relação a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer, aderindo ao teor da resposta apresentada pelo Ministério Público junto da 1ª instância, e concluindo que o recurso não merece provimento (cfr. fls. 179).
9.1. Cumprido o disposto no Artº 417º, nº 2, do C.P.Penal, não foi apresentada qualquer resposta.
*
10. Efectuado exame preliminar, e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência, cumprindo, pois conhecer e decidir.
*
II. FUNDAMENTAÇÃO

Como se sabe, é hoje pacífico o entendimento de que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente dos vícios indicados no Artº 410º, nº 2, do C.P.Penal (1).

Ora, no caso vertente, da leitura e análise das conclusões apresentadas pelo recorrente, a única questão que importa decidir é a de saber se estão verificados os elementos objectivos e subjectivos do crime de difamação agravada, p. e p. pelos Artºs. 180º e 183º, nº 1, al. a), do Código Penal, como imputa o assistente à arguida.

Vejamos, pois.

A Constituição da República Portuguesa consagra no Artº 26º, nº 1, entre outros direitos de personalidade, o direito ao bom nome e reputação, apresentando o bem jurídico-constitucional assim delineado um lado individual (o bom nome) e um lado social (a reputação ou consideração) fundidos numa pretensão de respeito que tem como correlativo uma conduta negativa por parte dos outros.
A tutela penal desses direitos está assegurada pelos Artºs. 180º e 181º do Código Penal.

Sob a epígrafe “difamação”, dispõe o Artº 180º do Código Penal:

“1. Quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo, é punido com pena de prisão até seis meses ou com pena de multa até 240 dias.
(...)”.

Estabelecendo por seu turno, o Artº 183º, nº 1, al. a), do mesmo diploma legal, uma agravação da pena se “a ofensa for praticada através de meios ou em circunstâncias que facilitem a sua divulgação”.

Como ensina Faria e Costa, in “Comentário Conimbricense do Código Penal”, Parte Especial, Tomo I, Coimbra Editora, 1999, pág. 602 e sgts., com este tipo legal de crime protege-se a honra, encarada numa dupla perspectiva, em que se combina uma concepção fáctica, subjectiva e objectiva, com uma concepção normativa, pessoal e social.

A honra é, assim, vista como um bem jurídico complexo que inclui, quer o valor pessoal ou interior de cada indivíduo, radicado na sua dignidade, quer a própria reputação ou consideração exterior.

A nível do elemento objectivo, o crime de difamação exige a imputação de um facto ou a formulação de um juízo, perante uma terceira pessoa, que sejam desonrosos, desonestos ou vergonhosos do visado, ou ainda a reprodução de tal imputação ou juízo.

A difamação consiste, assim, na imputação a alguém, levada a terceiros e na ausência do visado, de facto ou de juízo que encerre em si uma reprovação ético-social, por serem ofensivos da honra e consideração do ofendido, enquanto pretensão de respeito que decorre da dignidade da pessoa humana e pretensão ao reconhecimento dessa dignidade por parte dos outros, quer no plano moral, intelectual, sexual, familiar, profissional ou político.

A noção de facto traduz-se “naquilo que é ou acontece, na medida em que se considera como um dado real da experiência”, assumindo-se, por conseguinte, como “um juízo de afirmação sobre a realidade exterior, como um juízo de existência”.

Já o conceito de juízo “deve ser percebido, neste contexto, não como apreciação relativa à existência de uma ideia ou de uma coisa mas ao seu valor”, devendo “ser entendido relativamente ao grau de consecução dessa ideia, coisa ou facto, se valorados em função do fim prosseguido”.

No que tange ao elemento subjectivo do ilícito, basta o dolo genérico, em qualquer das modalidades previstas no Artº 14º do Código Penal, não sendo exigível uma especial intenção por parte do agente, isto é, não exigindo a lei o propósito de ofender a honra e consideração de alguém, bastando a consciência, por parte do agente, de que a sua conduta é de molde a produzir a ofensa da honra e consideração de alguém.

Finalmente, a agravação prevista no Artº 183º, nº 1, al. a), do Código Penal, que o assistente imputa à arguida, está conexionada com o meio por ela utlizado para transmitir a expressão que reputa de difamatória, mais concretamente com a publicação numa página do facebook, acessível ao público através da internet.

Como escreve o Prof. Beleza dos Santos, in “Algumas Considerações Jurídicas sobre Crimes de Difamação e de Injúria”, RLJ ano 92, n.º3152, pág.167/168, a honra consubstancia-se “naquele mínimo de condições, especialmente de natureza moral, que são razoavelmente consideradas essenciais para que um indivíduo possa com legitimidade ter estima por si, pelo que é e vale” e a consideração é “aquele conjunto de requisitos que razoavelmente se deve julgar necessário a qualquer pessoa, de tal modo que a falta de algum desses requisitos possa expor essa pessoa (…) ao desprezo público. (…). A honra refere-se ao apreço de cada um por si, à auto-avaliação no sentido de não ser um valor negativo, particularmente do ponto de vista moral. A consideração ao juízo que forma ou pode formar o público no sentido de considerar alguém um bom elemento social ou ao menos de não o julgar um valor negativo”.

Porém, a ofensa à honra e consideração não pode ser perspectivada em termos estritamente subjectivos, ou seja, não basta que alguém se sinta atingido na sua honra –, na perspectiva interior/exterior – para que a ofensa exista. Para concluir se uma expressão é ou não ofensiva da honra e consideração, é necessário enquadrá-la no contexto em que foi proferida, o meio a que pertencem ofendido/arguido, as relações entre eles, entre outros aspectos.

Nesta linha de raciocínio, o Prof. Beleza dos Santos, na ob. cit., pág.167, citando Jannitti Piromallo, escreve que “os crimes contra a honra ofendem um sujeito, mas não devem ter-se em conta os sentimentos meramente pessoais, senão na medida em que serão objectivamente merecedores de tutela”.

No caso vertente, tal como se referiu no despacho recorrido, indiciam os autos que:

- Assistente e arguida foram casados entre si, estando divorciados desde ../../2016;
- No dia ../../2018, passados dois anos da data do divórcio, a arguida partilhou uma publicação na rede social Facebook com os seguintes dizeres:

“A festejar a liberdade!!..
Livrei-me de um invecil!!...
Segundo ano “;
- A acompanhar os referidos dizeres estavam três fotografias onde se pode ver a arguida, incluindo uma da qual consta um bolo com os dizeres “Dois anos de felicidade”;
- Ao fazê-lo na plataforma facebook a arguida sabia que estava a utilizar um meio que facilmente permitia a sua divulgação.

Não se questiona a autoria daquele texto, e bem assim que, ao escrever “Livrei-me de um invecil!!...”, a arguida estava a reportar-se ao assistente, ora recorrente, seu ex-marido.

Efectivamente, como bem se refere no despacho recorrido, “A arguida não coloca em causa a autoria do texto e a sua publicação na rede facebook, tal como não coloca em causa o convívio comemorativo aquando dos dois anos após o divórcio, o que as imagens juntas aos autos documentam”.

Não oferecendo dúvidas, “enquanto juízo de normalidade a extrair dos autos, que a arguida estava a comemorar o decurso de dois anos após o divórcio, dando a conhecer e publicando no momento o seu estado de espírito, fazendo-o por referência ao decurso dos referidos dois anos; ou seja o objecto da comemoração eram os dois anos de um estado de felicidade, decorrente (também) do facto de se ter livrado de um imbecil, ou seja do arguido. E assim, porque é absolutamente destituído de sentido que a arguida se estivesse a referir a outrem que não o arguido, em face do contexto e objecto da comemoração, afigura-se desinteressante tecer considerações sobre o erro ortográfico, pois conclui-se que o sentido expresso é claro e a referência ao arguido como imbecil de que se livrou também.”.

A vexata quaestio está, pois, no uso do vocábulo “imbecil” por banda da arguida, naquele contexto fáctico, que o assistente reputa de difamatório.

Sucede que a palavra “imbecil” é polissémica, apresentando várias acepções.

Pois, segundo o “Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea” da Academia das Ciências de Lisboa, Editorial Verbo, 2001, II Volume, pág. 2030, o adjectivo imbecil (Do latim imbecilis), é aquele(a): “1. Que é fraco, que não tem a robustez normal. ῁ DÉBIL, FRACO. ≠ FORTE. Sendo imbecil, não se pode entregar a trabalhos pesados. 2. Que denota cobardia, que revela fraqueza de carácter. ῁ COBARDE. É imbecil, não assume as suas responsabilidades. 3. Que demonstra falta de capacidade, de inteligência, de perspicácia, de lucidez. ῁ ESTÚPIDO, IDIOTA, PARVO. ≠ INTELIGENTE. 4. Que denota deficiente análise das situações ou comportamento desajustado. ῁ ESTÚPIDO, IDIOTA, PARVO. 5. Psicol. Que revela atraso mental acentuado. Adv. imbecilmente.”.

Como bem aduz Faria Costa, ibidem, pág. 630, “o significado das palavras, para mais quando nos movemos no mundo da razão prática, tem um valor de uso. Valor que se aprecia, justamente, no contexto situacional, e que ao deixar intocado o significante ganha ou adquire intencionalidades bem diversas, no momento em que apreciamos o significado”, o que não significa que não haja palavras “cujo sentido primeiro e último seja tido, por toda a comunidade falante, como ofensivo da honra e consideração”.

Ora, a protecção penal dada à honra e consideração e a punição dos factos que atentem contra esses bens jurídicos, só se justifica em situações em que objectivamente as palavras proferidas não têm outro conteúdo ou sentido que não a ofensa, ou em situações em que, uma vez ultrapassada a mera susceptibilidade pessoal, as palavras dirigidas à pessoa a quem o foram, são, indubitavelmente, lesivas da honra e da consideração do lesado - cfr., neste sentido, o Ac. da Relação do Porto, de 14/07/2009, proferido no âmbito do Proc. nº 0841633, in www.dgsi.pt.

Por outro lado, convém não olvidar que, como se sublinha no Acórdão da Relação do Porto, de 19/12/2007, proferido no âmbito do Proc. nº 0745811, in www.dgsi.pt, quando uma palavra tem uma pluralidade de sentidos, não temos de acolher o significado atribuído pelo visado tão-só por se ter considerado ofendido, sendo que isso terá de resultar inequivocamente dos factos.

E que, na esteira do acórdão desta Relação, de 10/12/2007, proferido no âmbito do Proc. nº 2281/06-1, também disponível in www.dgsi.pt, o direito penal não se destina a tutelar o eventual excesso de sensibilidade de determinadas pessoas perante afirmações que lhes sejam dirigidas, antes pretende punir factos que sejam objectivamente graves e geradores de ofensas a bens juridicamente protegidos.

O que, evidentemente, está em consonância com o princípio da necessidade ou da ultima ratio do direito penal, do qual decorre que devem ser excluídas da protecção jurídico-penal aquelas condutas que não representam uma lesão adequada, suficientemente grave do bem jurídico.

Ora, transpondo para o caso vertente as normas e considerações jurídicas supra sumariamente expostas, face aos elementos fácticos indiciariamente apurados, entendemos que a conduta da arguida não é objectivamente difamatória para o assistente.

Sufragando-se o entendimento do Mmº JIC, segundo o qual as expressões em causa, lidas no contexto da sua produção, não atingem a credibilidade, a honra e consideração do assistente enquanto homem, “uma vez que o significante utilizado não encerra em si a potência ofensiva devida, não sendo mais do que a afirmação, naquele contexto, de que os dois anos em estádio de liberdade resultarem do facto de se ter livrado de alguém, no caso do assistente, que cerceava, não se vislumbrando assim na expressão qualquer sentido, muito menos exclusivo, de ofender, ou seja não se vislumbra que esteja em causa uma expressão utilizada para gratuitamente e em primeira linha achincalhar e rebaixar a honra e o bom nome do assistente.”. Sendo certo que, como se viu anteriormente, o termo imbecil “não encerra exclusivamente qualquer juízo psicopatológico, muito menos no caso concreto foi nesse quadro a expressão proferida, antes o foi num quadro de entendimento referente a quem é fraco de espírito e que não tem bom senso, ao ponto de ser fundamento libertador.”.

Ou seja, e dito de outro modo, na nossa perspectiva, o que objectivamente foi escrito pela arguida na sua página do Facebook, naquele contexto específico, não pode ser considerado ofensivo da honra, consideração, dignidade e imagem do assistente, ora recorrente.

É certo que o adjectivo “imbecil”, da autoria da arguida, escrito naquele post da sua página do Facebook, “visando” a pessoa do assistente, não consubstancia a conduta mais correcta ou o comportamento mais civilizado. E tanto assim é que o assistente sentiu-se pessoalmente atingido pela mesma, o que o levou, legitimamente, a apresentar a queixa contra a sua ex-mulher, a qual deu origem aos presentes autos.

Porém, não obstante se reconhecer que se trata de um vocábulo desagradável, indelicado e pouco cortês, e que, noutras circunstâncias, pode ter subjacente uma carga ofensiva, podendo até configurar a prática de um crime, o certo é que, naquele concreto contexto, a expressão em causa não tem a virtualidade de alcançar um patamar mínimo de gravidade que lhe confira dignidade penal.

Finalmente, devemos sublinhar que, para a consumação do crime, importaria ainda que ele fosse imputado à arguida a título de dolo, ou seja, ter-se-ia de concluir, no plano indiciário, que a arguida tivesse a consciência de que os dizeres em causa, proferidos naquelas condições de tempo e lugar, atentassem contra a honra e consideração do assistente, ora recorrente, o que, manifestamente, não se verifica.

Assim, sem necessidade de outras considerações, por despiciendas, conclui-se que não foi violada nenhuma das normas legais invocadas pelo assistente, e que nenhuma censura nos merece a decisão recorrida, que se confirma, improcedendo, in totum, o presente recurso.

III. DISPOSITIVO

Por tudo o exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal deste Tribunal da Relação de Guimarães em negar provimento ao recurso interposto pelo assistente D. M., confirmando, consequentemente, a douta decisão recorrida.

Custas pelo assistente/recorrente, fixando-se em 4 UC a taxa de justiça (Artºs. 515º, nº 1, al. b), do C.P.Penal, 1º, 2º, 3º, 8º, nº 9, do Reg. Custas Processuais, e Tabela III anexa ao mesmo), sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.

(Acórdão elaborado pelo relator, e por ele integralmente revisto, com recurso a meios informáticos - Artº 94º, nº 2, do C.P.Penal)
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Guimarães, 30 de Setembro de 2019

António Teixeira (Relator)
Paulo Correia Serafim (Adjunto)


1 - Cfr., neste sentido, Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, Vol. III, 3ª Edição, pág. 347, e o Acórdão de fixação de jurisprudência do S.T.J. nº 7/95 de 19/10/1995, publicado no DR, Série I-A, de 28/12/1995, em interpretação que ainda hoje mantém actualidade.