Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
373/14.TTBCL.G1
Relator: SÉRGIO ALMEIDA
Descritores: REVISÃO DA INCAPACIDADE
PRAZO DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/21/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REJEITADO
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário: O prazo para interpor recurso de decisão, em apenso de verificação de incapacidade, proferida após a sentença no processo principal, é de 10 dias, tendo em conta o disposto no art.º 80/2 do Código de Processo do Trabalho, que rege os prazos de recurso, e a existência de norma no novel Código de Processo Civil equivalente ao art.º 691, n.º 2, al. j, do velho, a saber, o 644, n.º 1, al. b
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Guimarães.
RELATÓRIO
Sinistrado (adiante, por comodidade, designado abreviadamente por A. de autor):
Responsável civil (adiante designados por R. de ré) e recorrente:
O A. pediu a revisão da incapacidade.
Em audiência ocorrida em 05.11.15 foi proferido nos autos a seguinte sentença:

Nos presentes autos emergentes de acidente de trabalho em que é sinistrado B. e entidade responsável “C. Seguros, S.A.”, ambos devidamente id. nos autos, veio aquele requerer exame médico de revisão, alegando agravamento das suas lesões – cfr. fls. 2 e ss.
Efectuado o requerido exame, o senhor perito médico do Tribunal considerou inexistir agravamento da situação clínica do sinistrado, o qual se manterá curado sem desvalorização – cfr. fls. 39 e ss.
Não se conformando com tal resultado, veio o sinistrado requerer novo exame, agora por junta médica - cfr. fls. 61 e ss.
Nessa sequência, pelos Srs. Peritos Médicos, pese embora por maioria, deliberaram estar o sinistrado afectado de uma IPP de 3% – cfr. auto de fls. 117.
Notificados de tal laudo, sinistrado e seguradora nada disseram.
Apreciando e decidindo:
Inexistindo fundamento que permita um entendimento diverso do expendido pelos Srs. Peritos Médicos nomeados pelo tribunal e pelo sinistrado, e não se afigurando necessária a realização de outras diligências, ao abrigo do disposto no art. 70º da Lei n.º 98/2009 de 04/09 e no art. 145º n.º 5 do CPT, considera-se existir modificação da capacidade de ganho do sinistrado, nomeadamente por agravamento da mesma, e, em consequência, decide-se fixar a IPP de que o sinistrado padece em 3%.
Face ao exposto, e ao abrigo do disposto nos arts. 48º n.º 1 e n.º 3, al. c), 25º e 75º, todos da citada Lei, e no art. 145º n.º 5 do CPT, tem o sinistrado direito, a partir 02/05/2014, a uma pensão anual e vitalícia de 134,65€, pensão esta obrigatoriamente remível.
Serão, ainda, devidos os legais juros de mora.
Fixa-se o valor da acção em 134,65€.
Custas pela entidade responsável.
Registe, notifique e cumpra-se o disposto nos arts. 76º, 149º e 148º nº 3 e 4, todos do CPT.
Oportunamente, proceda-se ao cálculo da remição da pensão.
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Inconformada, a R. recorreu desta decisão, concluindo:
1. No exame pericial realizado pelo IML não foi confirmada existência de sequelas relacionadas com o acidente nem a existência de incapacidade ou desvalorização (docº de fls. 39 a 41 dos presentes autos).
2. Não aceitando o resultado do exame pericial, o sinistrado pediu exame por junta médica.
3. Os peritos da junta médica responderam por maioria, atribuindo ao sinistrado a IPP de 3%, nomeadamente por lesões capso-ligamentares, sendo certo que o perito nomeado pela recorrente expressou outra convicção e solicitou que fosse efectuada ressonância magnética da mão esquerda para avaliar se existiram ou não lesões ligamentares, capsulares ou outras a nível do terceiro metacarpiano da mão esquerda (docº de fls.85 dos autos), o que foi deferido.
4. Realizada a RMN e junto o respectivo resultado (docº de fls. 110), reuniu novamente a junta médica que, porém, manteve, por maioria, a atribuição ao sinistrado de uma IPP de 3%, por lesões capso-ligamentares.
5. O perito da recorrente, tendo em conta a RMN junta a fls. 110, em que não se demonstra a existência de qualquer lesão traumática ou de sub-luxação articular, subscreve antes na íntegra o auto de exame de fls. 39 a 41, concluindo não haver lugar a atribuição de qualquer IPP.
6. A decisão recorrida, porém, fixa a IPP em 3% e condena a recorrente na pensão correspondente, fundamentando-se no resultado da junta médica.
7. A decisão recorrida limitou-se a aderir ao resultado, por maioria, da junta médica, sem ponderar o fundamento desse resultado.
8. Ora tendo em conta o exame de RMN realizado (fls. 110), não há fundamento científico, apoiado pelo exame mais minucioso que existe na matéria em causa (a RMN), que apoie a conclusão da junta médica por maioria.
9. Pelo contrário, da RMN não demonstra a existência de qualquer lesão traumática ou sub-luxação articular.
10. Sendo assim, o que se impunha seria consagrar a opinião do perito da recorrente e do perito do primeiro exame pericial.
11. Em consequência, não deveria a recorrente ser condenada a pagar ao sinistra-do qualquer pensão, pois este não apresenta sequelas e ficou curado sem desvalorização.
12. A decisão recorrida violou o disposto no nº 2 do art.º 48º da Lei 98/2009.
Remata pedindo a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que considere o sinistrado curado sem desvalorização por não apresentar sequelas do acidente, absolvendo a recorrente do pagamento de qualquer pensão.
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O AR. contra-alegou, pedindo a improcedência do recurso, sem formular conclusões
O DM do MºPº pronunciou-se no sentido da inadmissibilidade, por extemporaneidade, do recurso.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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FUNDAMENTAÇÃO
Cumpre apreciar neste recurso – considerando que o seu objecto é definido pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, e exceptuando aquelas cuja decisão fique prejudicada pela decisão dada a outras, art.º 635/4, 608/2 e 663, todos do Código de Processo Civil – se a decisão é recorrível e, em caso afirmativo, o seu acerto.
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Factos a considerar: os descritos no relatório e ainda:
A decisão recorrida foi notificada às partes em 6.11.15 (fls. 141 para a recorrente) e o recurso foi interposto em 30.11.15

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De Direito
a) Da admissibilidade do recurso
Nos termos do disposto no art.º 145, n.º 7, do CPT, a revisão de incapacidade ou de pensão tem natureza incidental.
Abstendo-nos de desenvolver as situações em que o requerimento poderá correr sem ser por apenso, certo é que mesmo então tem natureza de incidente (cfr. art.º 145/8 e 7, 126; na doutrina, por todos, cfr. CPT Anotado de João Correia e Albertina Pereira, 254)
Com efeito, a revisão supõe a modificação da pensão ou da incapacidade anteriormente fixada por sentença (embora haja quem entenda que não é necessária a existência de sentença prévia, cfr. Ac. Relação de Lisboa de 18.10.2006 [todos os arestos citados sem menção da fonte devem ser procurados em www.dgsi.pt], no caso isso é irrelevante, porque o pedido do sinistrado foi formulado e tramitado como incidente de revisão de incapacidade, nenhuma surpresa havendo quanto ao referido), sendo a revisão, no dizer do mais alto Tribunal (STJ, 24.11.2004) um ato modificativo (note-se ainda que a própria lei fala em "manter", aumentar ou reduzir a pensão, o que pressupõe uma fixação anterior - cfr. art.º 145/6).
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Ora, o despacho recorrido foi notificado ao mandatário da recorrente via “Citius” em 06.11.2015 (conforme certificação da data da elaboração da notificação) - cfr. fls.141.
O recurso foi proposto em 30.11.15 (fls. 158).
Passaram, pois, mais de 10 dias.
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Mas qual o prazo de interposição deste recurso?
a) Numa certa óptica, dir-se-á que é de 10 dias - e não de 20 - dado que a decisão pôs termo a um incidente que é, em boa lógica processual posterior à sentença principal (ou, quando não há esta, do incidente logicamente posterior), nos termos dos arts. 79º.º-A, nº2, alínea i) e 80º, nº2, ambos do CPT.
Mas a isto sempre se poderá objetar que a norma da al. j) do n.º 2 do art.º 691 do Código de Processo Civil de 1961 desapareceu, formalmente, pelo que não existiria no novo diploma cível. Não há que aplicar sem mais o velho Código de Processo Civil (apesar de até haver antecedentes, como sucedeu com o regime de agravos). Quanto mais não fosse pela omissão formal e subsequente dúvida, deveria aceitar-se o prazo geral de 20 dias.
b) Uma segunda interpretação possível seria a de que, até à revisão do Código de Processo do Trabalho, as normas do CPC de 1961 aludidas no art.º 79-A, n.º 2, i, teriam sido apropriadas pelo Código de Processo do Trabalho. Consequentemente aquela al. i) seria aplicável com fundamento na autonomia do direito processual laboral.
No entanto, sendo certo que o sistema jurídico pretende o máximo de harmonização e clareza, afigura-se-nos que também ela não surpreende com rigor o sentido da lei.
c) um terceiro entendimento remete esta questão totalmente para o plano processual laboral, sem qualquer margem para o processo civil.
A questão poderia por-se destarte: foi realmente revogado (materialmente) o regime recursório em impugnações como esta? Dir-se-ia então que há que ter em conta sobremodo a norma do n.º 2, al. g) do art.º 78-A do CPT, que refere os despachos posteriores à decisão final (sendo esta, por excelência, a sentença do processo principal nos acidentes de trabalho) [e também na al. g) do n.º 2 do art.º 644 do CPC: a decisão proferida depois da decisão final]. Este não deveria ser visto como um incidente autónomo, pois pode nem haver apenso de revisão de incapacidade (art.º 145/7, CPT; por isso, já Alberto Leite Ferreira dizia no seu CPT Anotado - na 1ª ed. a pag. 554, nota VI, que "o processo de revisão de incapacidade ou da pensão pode correr ou não no processo principal (...). De qualquer modo o processo carece de autonomia"; e Carlos Alegre, no também antigo Processo Especial de Acidentes de Trabalho, criticava o legislador, que devia tê-lo feito "um simples incidente da instancia" (fls. 181). E sendo assim, o que interessa é, efetivamente, que estamos perante decisão posterior à decisão final, aplicando-se, pois, a aludida norma.
Ou seja, não seria aplicável a norma do art.º 691/1/j, do velho CPC, ex vi 79/2/i do CPT, mas sim o art.º 79/2/g do Código de Processo do Trabalho, sendo pois irrelevante a alteração da lei processual civil.
Mas ainda assim é discutível a aplicabilidade desta al. g, podendo argumentar-se que o incidente é, salvo o devido respeito por opinião contrária, realmente autónomo, na medida em que a lei prevê a sua tramitação (não se confundindo a autonomia com a simples tramitação por apenso).
d) Apreciando o regime legal verificamos que, não obstante as normas dos art.º 79-A e 80 do Código de Processo do Trabalho serem usualmente interpretadas conjugadamente para a determinação dos prazos, elas têm âmbito diverso, conforme resulta logo das respetivas epigrafes: o 79-A, que foi aditado pela revisão do Decreto-Lei n.º 295/2009, de 13.10, correspondendo ao art.º 691 do CPC (convergindo cfr. João Correia e Albertina Pereira, CPT Anotado, 2015, 160-161) indica quais as decisões suscetiveis de apelação; o 80 os prazos de impugnação.
Ora, não há dúvida que o art.º 80 quis, por referencia ao diploma processual civil, que a impugnação das decisões dos incidentes estivesse sujeita ao prazo de 10 dias.
E portanto, muito simplesmente, o que importa é verificar se o novo Código de Processo Civil contém norma materialmente equivalente à referida al. j).
Inequivocamente existe essa regra. Como refere o Dr. J. Sapateiro in O regime de Recursos do Código do Processo do Trabalho e o Novo Código de Processo Civil (Cadernos do CEJ, O Novo Processo Civil – Impactos do Novo CPC no Processo do Trabalho, 2.ª edição) “a alínea j) do n.º 2 do art.º 691.º (despacho que não admita o incidente ou que lhe ponha termo) corresponde à última parte da alínea b) do n.º 1 do artigo 644.º”. Existe, pois, no novel art.º 644 norma correspondente ao art.º 691/2/j do anterior regime processual civil.
Assim sendo, o prazo de recurso é efetivamente de 10 dias.
Diga-se que é inteiramente razoável essa redução do prazo no recurso destas decisões, visto que também elas são à partida menos complexas. Quer dizer, materialmente, não faria sentido que o prazo para a impugnação de decisões incidentais fosse o mesmo da sentença (no processo principal), dado ser muito mais simples (o que releva do ponto de vista interpretativo, nos termos do art.º 9º do Código Civil). Não há dúvida que a decisão do incidente é simples, abarcando apenas uma questão.
Este é o sentido da lei processual laboral e que sufragamos.
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Considerando que os prazos para apresentação de quaisquer requerimentos se contam a partir da notificação ao mandatário (art.º 24º, n.º 4, do CPT) e que o prazo processual estabelecido por lei nos processos urgentes é contínuo, não se suspendendo no decurso das férias judiciais (art.º 1º, nº2, alínea a) do CPT e 138º, nº1 do CPC), a notificação do mandatário foi efectuada em 09.11.2015 (art.º 25º, n.º 1, da Portaria 280/2013, de 26.08, 132º, n.º 1 e 248º do CPC), nos termos do n.º 2 do art.º 80 do CPT a interposição do recurso terminou em 24.11.2015.
Destarte, é extemporânea a apelação, o que se declara (art.º 641/5, CPC).
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Pelo que não se admite o recurso.
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DECISÃO
Pelo exposto, o Tribunal, por extemporâneo, não admite o recurso.
Custas do recurso pela recorrente.
Guimarães, 21 de abril de 2016


Sérgio Almeida
Antero Veiga
Manuela Fialho
Sumário do Relator:
O prazo para interpor recurso de decisão, em apenso de verificação de incapacidade, proferida após a sentença no processo principal, é de 10 dias, tendo em conta o disposto no art.º 80/2 do Código de Processo do Trabalho, que rege os prazos de recurso, e a existência de norma no novel Código de Processo Civil equivalente ao art.º 691, n.º 2, al. j, do velho, a saber, o 644, n.º 1, al. b