Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
501/15.6T8PTL.G1
Relator: RAQUEL TAVARES
Descritores: PROPRIEDADE HORIZONTAL
LOCAÇÃO FINANCEIRA
DESPESAS DO CONDOMÍNIO
RESPONSABILIDADE
LOCADOR FINANCEIRO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 05/10/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I – No âmbito do contrato de locação financeira que tem por objecto fracção autónoma, cabe ao locatário por força do disposto no artigo 10º nº 1 alínea b) do DL 149/95, de 24 de Junho, a obrigação de pagar as despesas necessárias à fruição das partes comuns do edifício e dos serviços de interesse comum.

II – No entanto, e perante o condomínio, no caso do locatário financeiro não proceder a esse pagamento, a responsabilidade cabe ao locador financeiro enquanto proprietário da fracção autónoma e condómino em conformidade com o disposto no artigo 1424º do Código Civil.”
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I. Relatório

CONDOMÍNIO DO PRÉDIO X, com sede na Avenida …, Ponte de Lima, propôs a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum contra os Réus BANCO Y, S.A., com sede na Praça …, Porto, EMPRESA B – UNIPESSOAL, LDA., com sede na Avenida …, Ponte de Lima e M. & FILHOS, LDA., com sede no …, Viana do Castelo.

Para tanto, e em síntese, alega que o Banco é proprietário de quatro fracções autónomas no prédio do condomínio Autor, sendo as segundas Rés as locatárias financeiras.

Mais alega que se encontram em dívida as comparticipações para as despesas comuns, quota extraordinária, fundo de reserva comum, sanção pecuniária e despesas de cobrança e que tendo em conta a divergência sobre quem deve pagar as respectivas contribuições, em face da norma do artigo 10º, nº 1, al. b) do Decreto-Lei nº 149/95, de 24 de Junho (Regime Jurídico do Contrato de Locação Financeira), se o proprietário ou se o locatário financeiro, pede a condenação do Banco Réu no pagamento de todas as quantias em dívida no valor total de €38.455,28 ou, em alternativa, a condenação de cada uma das Rés no pagamento da respectiva quota-parte.

Citados os Réus, apenas os Réus Banco Y, S.A. e Empresa B – Unipessoal, Lda se apresentaram a contestar.

O Banco Y, S.A. invocou a ilegitimidade passiva, porquanto a responsabilidade do pagamento das despesas de condomínio compete ao locatário financeiro, nos termos do disposto na norma do artigo 10º, nº 1, al. b) do Decreto-Lei nº 149/95, de 24 de Junho e dos contratos celebrados.

Por outro lado, invocou que a ata de 14/12/2013 identifica erradamente como proprietária da das fracções a sociedade “M. M. & Filhos, Lda.” quando esta é apenas a locatária.

Além disso, alegou que o Banco não foi regularmente convocado para a assembleia de condóminos, nem recebeu qualquer notificação das deliberações, o que origina a ineficácia das mesmas.
A Ré “Empresa B, Lda.” defendeu-se por impugnação e ainda invocou que não foi convocada para qualquer das assembleias, nem sequer consta como devedora na respectiva ata, sendo ainda que as deliberações são nulas porquanto modificam a linha arquitectónica do edifício; sem prescindir, considera que a cláusula penal é manifestamente exagerada, atentando contra a boa fé, pelo que deve ser considerada nula ou reduzida.

O Autor respondeu às excepções, invocando que inexiste legitimidade porquanto a norma do artigo 10º, nº 1, al. b) do Decreto-Lei nº 149/95, de 24 de Junho tem eficácia meramente obrigacional e inter partes.

Mais invocou que foram devidamente comunicadas ao Banco as deliberações, não tendo o mesmo convocado assembleia extraordinária, recorrido à arbitragem ou impugnado as deliberações.

Foi proferido despacho saneador em que se julgou improcedente a excepção dilatória de ilegitimidade processual passiva, foi identificado o objecto do processo e os temas da prova.

Veio a efectivar-se a audiência de discussão e julgamento com a prolação de sentença nos seguintes termos, no que concerne à parte dispositiva:

“Em face do exposto, o Tribunal julga a ação parcialmente procedente por provada e, em consequência:

I – Condena a primeira ré, “Banco Y, SA” a pagar ao autor, Condomínio do Prédio X, a quantia global de € 27.954,50 (vinte e sete mil, novecentos e cinquenta e quatro euros e cinquenta cêntimos), acrescidos de juros de mora à taxa de legal, desde a citação até efetivo pagamento;
II - Condena a primeira ré, “Banco Y, SA” a pagar ao autor, Condomínio do Prédio X, as quotas mensais aprovadas na assembleia de 13/12/2014, relativas à fração “S”, no valor mensal de € 9,04 (nove euros e quatro cêntimos), vencidas desde a interposição da ação até novembro de 2015;
II – Absolve a primeira ré “Banco Y, SA”, a segunda ré “Empresa B, Lda.” e a terceira ré “M. M. & Filhos, Lda.” do demais peticionado.
Custas pelo autor e pela primeira ré “Banco Y, SA”, na proporção do decaimento (artigo 527º do Código de Processo Civil)”.

Inconformado, apelou o Banco Y, SA da sentença, concluindo as suas alegações da seguinte forma:

“CONCLUSÕES:

I. Na opinião da Recorrente, a sentença de que se recorre enferma de uma incorreta interpretação e aplicação das seguintes normas: al. b) e e), do n.º 1, do art. 10.º do Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de junho e do n.º 1 do art. 1424.º do Código Civil.
II. O condomínio exige à Recorrente o pagamento dos encargos condominais previstos no n.º 1 do art. 1424.º do Código Civil no período em que as frações pertencentes à Recorrida se encontravam dadas em locação financeira.
III. Dispõe inequivocamente a al. b) do art. 10.° do Decreto-Lei. n.° 149/95, de 24 de junho, com as alterações posteriores, que determina a responsabilidade do locatário pelas despesas de conservação e fruição das partes comuns, no caso de locação financeira de fração autónoma.
IV. A norma supra mencionada tem carácter erga omnes e, como tal, é oponível ao Condomínio.
V. São regras especiais que, sem contrariarem substancialmente o regime da propriedade horizontal, o adaptam a uma situação particular, cuja especificidade reclama um tratamento jurídico também especial.
VI. Tal posição é amplamente sufragada pelos Tribunais Superiores, sendo o único entendimento que poderá resultar da correta interpretação da lei e com base na ponderação dos motivos que levaram o legislador a prever a norma contida na al. b) do art. 10.° do Decreto-Lei. n.° 149/95, de 24 de junho.
VII. Conclui-se que, no período em que as frações autónomas se encontravam dadas em locação financeira, não competia ao Banco Recorrente o pagamento dos encargos condominais, quer tais encargos sejam relativos a despesas com fruição ou conservação, quer assumam a natureza de despesas ordinárias ou extraordinárias.
VIII. Enfermando a decisão recorrida de erro de julgamento, nos termos do n.º 2 do art. 639.º do CPC e estando em clara violação do disposto na al. b) do art. 10.° do Decreto- Lei. n.° 149/95, de 24 de junho e do n.º 1 do art. 1424.º do Código Civil.
IX. É entendimento da Recorrente que mal andou o tribunal de recurso, e que a questão jurídica controvertida em causa justifica o presente recurso, pelo que, no interesse da realização da justiça, deve ser a sentença do Tribunal a quo revogada e substituída por outra que julgue a ação improcedente e ordena a absolvição do Banco Recorrente”.
Pugna o Recorrente pela integral procedência do recurso e, consequentemente, pela revogação da sentença recorrida e pela sua absolvição.
O Autor contra-alegou pugnando pela improcedência do recurso e interpôs recurso subordinado formulando as seguintes conclusões:

“Versa o presente recurso sobre a douta decisão recorrida, na parte que decidiu pela redução de 14.013,10€ para 3.503,28€ da pena pecuniária aplicada pela falta de pagamento da comparticipação extraordinária referida em 7a) dos factos provados.

A pena pecuniária aplicada não é excessiva.
Em Assembleia de Condóminos, realizada no dia 14.12.2013,foi deliberado que, verificado o incumprimento ou atraso no pagamento de comparticipações ou quotas extraordinárias, por prazo superior a 10 dias, o condómino faltoso ficaria obrigado a pagar uma pena pecuniária de valor igual ao montante das comparticipação em falta –cfr. artigo 12 dos factos provados.

A comparticipação extraordinária referida em 7a) dos factos provados venceu-se no dia 30.06.3014 – fr. artigo 7 dos factos provados.

A comparticipação em causa é referente à fracção X, cujo valor patrimonial tributário é de 601.833,00 euros – cfr. artigos 7a) e 2a) dos factos provados.

Considerando o valor coletável da fracção X aqui em causa, poderia, nos termos legais, ser aplicada uma penalização de até 22.568,74euros – cfr. Artigo1434.º, n.º 2 do Código Civil (remete-se, nesta parte, para a fundamentação jurídica da sentença recorrida).
Ou seja, a pena concretamente aplicada já é inferior ao limite legal em 8.555,64 euros.

O Recorrido Banco Y foi interpelado para proceder ao pagamento comparticipação referida em 7a) dos factos provados – cfr. artigo 8 dos factos provados.

A presente acção deu entrada no dia 09.06.2015, ou seja, volvido mais de um ano sobre o vencimento da comparticipação – cfr. petição inicial.

O Recorrido Banco Y foi citado para acção, permanecendo em situação de incumprimento.

Desde a data de entrada da acção até ser proferida a sentença passaram mais dois anos e meio, continuando o Recorrido Banco Y sem proceder ao pagamento da comparticipação.

Ou seja, a comparticipação para custear as obras de reparação e conservação do edifício está vencida há mais de três anos e meio, desconhecendo-se ainda a data em que o Recorrido Banco Y fará tal pagamento.

A redução de uma qualquer pena pecuniária não pode ser de tal ordem que esvazie a sua função, nomeadamente o seu carácter dissuasor e sancionatório.

Ainda que se entendesse que a pena pecuniária aqui em causa pudesse ser excessiva do ponto de vista abstracto, certamente não o é do ponto de vista concreto.

Salvo melhor entendimento, o recurso à equidade deverá ter em consideração a realidade como um todo, atendendo às particularidades do caso, em todas as suas perspectivas e dimensões.

O Recorrido Banco Y não se trata de um mero particular, cujos recursos económicos são, amiúde, muito escassos.

Somente no prédio do Condomínio aqui Recorrente, o Banco Y é proprietário de, pelo menos, quatro fracção autónomas, cujo valor patrimonial tributário total – e nem estamos a falar do valor de mercado, que é superior – é demais de um milhão de euros (concretamente, 1.090.476,00€) – cfr. artigo 2 dos factos provados.

O Recorrido Banco Y é uma instituição bancária, sendo do conhecimento público os valores das taxas de juro, comissões, despesas, etc. que, à semelhança dos seus pares, cobra aos seus clientes quando estes incumprem os contratos que consigo celebraram, que, salvo o devido respeito, não poderão ser considerados menos gravosos do que a pena pecuniária aqui em discussão.

Dadas as concretas circunstâncias do Recorrido Banco Y, bem como as do próprio incumprimento, a aplicação, neste caso, de uma pena pecuniária no valor de 3.503,28 euros não cumpre minimamente a sua função.

“A qualificação de uma cláusula penal como, manifestamente, excessiva não se identifica com a cláusula, meramente, excessiva, em que a pena seja superior ao dano, colidindo a sua eventual redução com a necessária preservação do seu valor cominatório e dissuasor” – cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 24.04.2012, processo n.º 605/06.6TBVRL.P1.S1.

Pelo exposto, revogando-se a douta sentença recorrida, deverá ser proferido acórdão que condene o Recorrido Banco Y no pagamento da pena pecuniária no valor de 14.013,10 euros, por se mostrar adequada e ajustada ao caso concreto

Quando assim não se entendesse, considerando que, nos termos do n.º 2 do artigo1434.º do Código Civil, poderia, no caso concreto, ser aplicada uma pena pecuniária de até 22.568,74 euros, na hipótese de se entender que a pena deve ser reduzida por recurso à equidade, nunca deverá a mesma ser reduzida a mais de metade do valor que legalmente seria permitido.

Ou seja, a haver redução, deveria a pena ser fixada em, pelo menos, 11.284,37 euros.

A douta sentença recorrida viola os artigos1434.º e 812.º do Código Civil”.

O Réu Banco Y apresentou contra-alegações em face do recurso subordinado interposto pelo Autor pugnando pela sua improcedência.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso (artigo 639º do CPC).
As questões a decidir, tendo em conta o teor das conclusões formuladas pelo Recorrente e pelo Recorrido no recurso subordinado, são as seguintes:

A) Relativamente ao recurso interposto pelo Réu Banco Y, SA:

1 - Saber sobre quem recai o pagamento dos encargos do condomínio quando as fracções se encontravam dadas em locação financeira: se sobre o proprietário/locador se sobre o locatário.

B) Relativamente ao recurso subordinado interposto pelo Autor:

1 – Saber se a pena pecuniária aplicada deve ser reduzida e em caso afirmativo para que valor.
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III. FUNDAMENTAÇÃO

3.1. Os factos

Factos considerados provados em Primeira Instância:

1. O autor administra as partes comuns do prédio constituído em propriedade horizontal, denominado “Prédio do S.” ou “Edifício T”, sito na Avenida … (anteriormente, lugar do S.), da vila de Ponte de Lima, sendo seu administrador João.
2. Pela Ap. 1343 de 2010/03/15, encontra-se registada na Conservatória do Registo Predial, a aquisição por compra, a favor da 1ª ré, dos seguintes imóveis, que fazem parte do prédio identificado em 1 supra:

a. Fracção autónoma, composta por estabelecimento no r/c, designado por loja 6, com acesso pela Avenida …, destinado aos ramos de comércio, serviços, indústria, restauração e bebidas e por armazém, ao nível da cave do prédio, designado pela letra da fracção, com acesso pela Rua … (entrada três), descrita na Conservatória do Registo Predial sob o nº … e inscrita na matriz predial respectiva sob o artigo …, fracção esta à qual corresponde a letra “X” do prédio identificado em 1 supra, com o valor patrimonial tributário de € 601.833,00;
b. Fracção autónoma, composta por estabelecimento no r/c, designado por loja 1, com acesso pela Rua …, destinado aos ramos de comércio, serviços, indústria, restauração e bebidas, e por armazém, ao nível da cave do prédio, designado pela letra da fracção, com acesso pela Rua … (entrada três), descrita na Conservatória do Registo Predial sob o nº … e inscrita na matriz predial respectiva sob o artigo urbano …, fracção esta à qual corresponde a letra "S" do prédio identificado em 1 supra, com o valor patrimonial tributário de € 162.881,00;
c. Fracção autónoma, composta por estabelecimento no r/c, designado por loja 2, com acesso pela Rua …, destinado aos ramos de comércio, serviços, indústria, restauração e bebidas, e por armazém, ao nível da cave do prédio, designado pela letra da fracção, com acesso pela Rua … (entrada três), descrita na Conservatória do Registo Predial sob o nº … e inscrita na matriz predial respectiva sob o artigo urbano …, fracção esta à qual corresponde a letra "T" do prédio identificado em 1 supra, com o valor patrimonial tributário de € 162.881,00;
d. Fracção autónoma, composta por estabelecimento no r/c, designado por loja 3, com acesso pela Rua …, destinado aos ramos de comércio, serviços, indústria, restauração e bebidas, e por armazém, ao nível da cave do prédio, designado pela letra da fracção, com acesso pela Rua … (entrada três), descrita na Conservatória do Registo Predial sob o nº … e inscrita na matriz predial respectiva sob o artigo urbano …, fracção esta à qual corresponde a letra "U" do prédio identificado em 1 supra, com o valor patrimonial tributário de € 162.881,00.
3. Pela Ap. 2800 de 15/11/2013, encontra-se registada a favor da 2ª ré, por acordo celebrado com a primeira, a locação financeira da fracção autónoma identificada em 2 a) supra.
4. Pela Ap. 6284 de 31/03/2010 e pela Ap. 2181 de 02.10.2012, encontra-se registada a favor da 3º ré, por acordo celebrado com a primeira, a locação financeira das fracções autónomas identificadas em 2 b), 2 c) e 2 d) supra.
5. A assembleia de condóminos do prédio identificado em 1 supra, em reunião realizada nos dias 14/12/2013 e 26/04/2014, conforme ata nº 4, deliberou e aprovou que fossem executados, no dito prédio, os seguintes trabalhos e pagas as seguintes despesas:

a. A execução dos trabalhos constantes do orçamento apresentado pela firma “IL – Engenharia & Construção, Lda.”, no valor de 48.100,00 euros mais IVA, no total de 59.163,00 euros;
b. O pagamento do montante de 800,00 euros ao Eng.º Pedro, valor referente aos honorários devidos pela elaboração do caderno de encargos para a realização dos trabalhos indicados em a);
c. O pagamento do montante de 500,00 euros ao mesmo Eng.º Pedro pelo acompanhamento e vistoria dos trabalhos indicados em a);
d. O montante de 400,00 euros para pagamento de despesas de água, luz e outras.
6. Totalizando o valor aprovado para a execução dos trabalhos e demais despesas indicadas em 5 supra, o montante global de 60.863,00 euros.
7. Em consequência, naquela reunião de assembleia de condóminos, de 14/12/2013 e 26/04/2014, foi também deliberado e aprovado proceder à fixação de uma comparticipação ou quota extraordinária, com vencimento no dia 30/06/2014, para custear as obras e despesas referidas em 5 a) a 5 d), cabendo:
a. À fracção “X” o montante de 14.013,10 euros;
b. À fracção “S”, o montante de 1.535,57 euros;
c. À fracção “T” o montante de 1.933,00 euros;
d. À fracção “U” o montante de 1.337,77 euros.
8. Apesar de interpeladas para o efeito, nenhuma das rés procedeu ao pagamento dos montantes referidos em 7 a) a 7 d) supra.
9. Especificamente quanto à fracção “S”: Naquela assembleia de condóminos, realizada nos dias 14/12/2013 e 26/04/2014, foi ainda deliberado e aprovado proceder à fixação das quotas do condomínio e fundo comum de reserva para o período compreendido entre Dezembro de 2013 e Novembro de 2014, cabendo à fracção “S”, melhor identificada em 2 b) supra, a quota mensal de 9,04 euros, com vencimento no dia 10 do mês respectivo, se paga mensalmente; ou, a quota trimestral de 27,12 euros, com vencimento no primeiro mês do trimestre, se paga trimestralmente; ou ainda a quota anual de 108,40 euros, com vencimento no primeiro mês do ano, se paga anualmente.
10. Em assembleia de condóminos, realizada no dia 13/12/2014, conforme ata nº 5, foi ainda deliberado e aprovado proceder à fixação das quotas do condomínio e fundo comum de reserva para o período compreendido entre Dezembro de 2014 e Novembro de 2015, cabendo à dita fracção “S”, melhor identificada em 2 b) supra, a quota mensal de 9,04 euros, com vencimento no dia 10 do mês respectivo, se paga mensalmente; ou, a quota trimestral de 27,12 euros, com vencimento no primeiro mês do trimestre, se paga trimestralmente; ou ainda a quota anual de 108,48 euros, com vencimento no primeiro mês do ano, se paga anualmente.
11. Nem a 1ª ré, nem a 3ª ré, procederam ao pagamento das quotas correspondentes à fracção “S”, respeitantes aos meses de Dezembro de 2013 a Maio de 2015, cujo valor ascende a 162,72 euros (9,04 euros x 18 meses).
12. Naquela primeira assembleia de condóminos, de 14/12/2013, foi também deliberado e aprovado que, verificando-se o incumprimento ou atraso no pagamento de quotas do condomínio ou fundo comum de reserva, por prazo superior a 30 dias, e comparticipações ou quotas extraordinárias, por prazo superior a 10 dias, o condómino faltoso ficaria obrigado a pagar uma pena pecuniária de valor igual ao montante das comparticipações em falta.
13. Na assembleia de 14/12/2013, foi também deliberado e aprovado que os condóminos faltosos, além da pena pecuniária referida em 12 supra, suportariam todas as despesas com a cobrança coerciva dos montantes em falta, tendo a assembleia desde logo fixado os honorários de advogado em 500,00 euros.
14. A ata nº 4 foi enviada à 1ª ré, através de carta registada, datada de 08/08/2014.
15. Através de carta registada, datada e remetida em 15/12/2014, foi comunicada à 1ª ré uma das deliberações constantes da ata nº 5 e, nessa mesma carta, informou-se que “oportunamente ser-lhe-á enviada uma cópia da ata da assembleia, para conhecimento das restantes deliberações”.
16. Através de carta registada, com aviso de recepção, datada de 18/12/2014, que a 1ª ré recebeu no dia 22/12/2014, foi-lhe enviada uma fotocópia da ata nº 5 acima referida, respeitante à reunião de condóminos realizada no dia 13/12/2014.
17. A ata nº 4 foi enviada à 2ª ré, através de carta registada, datada de 29/04/2014 e remetida em 12/05/2014, que a 2ª ré recebeu no dia 13/05/2014.
18. A 2ª ré respondeu a essa missiva.
19. Através de carta registada, datada de 16/09/2014, a 2ª ré foi convocada para a reunião de condóminos, realizada no dia 13/12/2014, a que se refere a ata nº 5.
20. Através de carta registada, datada de 15/12/2014, foi comunicada à 2ª ré uma das deliberações constantes da referida ata nº 5 e, nessa mesma carta, informou-se que “oportunamente ser-lhe-á enviada uma cópia da ata da assembleia, para conhecimento das restantes deliberações”.
21. Através de carta registada, com aviso de recepção, datada de 18/12/2014 e enviada em 19/12/2014, que a 2ª ré recebeu no dia 22/12/2014, foi-lhe enviada uma fotocópia da ata nº 5 acima referida.
22. As obras em causa são de reparação e conservação do edifício.
23. A primeira ré não foi convocada para as reuniões de condóminos realizadas nos dias 14/12/2013 e 26/04/2014, a que se refere a ata nº 4, e no dia 13/12/2014, a que se refere a ta nº 5.
24. Por carta registada, datada de 16/09/2014, a segunda ré foi convocada para a realização da reunião de condóminos realizada no dia 13/12/2014, a que se refere a ata nº 5.
25. E não foi convocada para a reunião realizada nos dias 14/12/2013 e 26/04/2014, a que se refere a ata nº 4.
26. A primeira e a terceira ré, “M. M. & Filhos, Lda.”, celebraram entre si um acordo designado “Contrato de Locação Financeira Imobiliário nº …”, datado de 30 de Março de 2010, através do qual a primeira ré cedeu à terceira ré o gozo das arações autónomas identificadas em 2, com a obrigação de as vender à terceira ré, se após o decurso do prazo contratual esta exercer a opção de compra, constando do referido acordo que a primeira ré adquiriu as referidas fracções por solicitação e negociação da terceira ré, conforme fls. 97/102.
27. Consta do artigo 4º do acordo supra referido que “serão por conta do locatário todos os impostos (…) encargos (…), condomínios incluindo despesas, extraordinárias ou não (…) ” e que “Se qualquer destas despesas for paga directamente pelo locador, o locatário deverá reembolsar o locador (…)”.
28. Por documentos de 16/11/2010, 09/06/2011 e de 02/10/2012, a primeira e a segunda ré celebraram aditamentos ao acordo referido em 26, conforme fls. 119/120, 112/117 e 105/107.
29. Por documento de 15/11/2013, a primeira e a terceira ré celebraram um acordo que designaram de “Acordo de Rescisão Parcial e Alteração ao Contrato de Locação Financeira nº …”, através do qual puseram fim ao acordo existente quanto à fracção “X”.
30. A primeira e a segunda ré, “Empresa B, Lda.”, celebraram entre si um acordo designado “Contrato de Locação Financeira Imobiliário nº …”, datado de 15/11/2013, através do qual a primeira ré cedeu à segunda ré o gozo da fracção autónoma identificada com a letra “X”, com a obrigação de a vender à segunda, se após o decurso do prazo contratual esta exercer a opção de compra, constando do referido acordo que “o presente contrato resulta da rescisão parcial antecipada do “Contrato de Locação Financeira Imobiliário nº …””, conforme fls. 124/133.
31. Consta do artigo 4º do acordo supra referido que “serão por conta do locatário todos os impostos (…) encargos (…), condomínios incluindo despesas, extraordinárias ou não (….)” e que “Se qualquer destas despesas for paga directamente pelo locador, o locatário deverá reembolsar o locador (…)”.
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Factos considerados não provados em Primeira Instância:

1. As obras em causa modificam a linha arquitectónica do edifício.
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Da decisão recorrida consta ainda que “Consigna-se que os demais artigos constantes dos articulados não têm pertinência para a decisão da causa, são conclusivos ou de Direito, pelo que não foram considerados provados ou não provados”.
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3.2. O Direito

O Réu Banco Y SA veio interpor o presente recurso da decisão proferida em 1ª Instância pretendendo ver alterada a decisão de mérito, mas conformando-se com a matéria de facto julgada pelo tribunal a quo; de igual modo o Autor não obstante ter interposto recurso subordinado conformou-se também com a matéria de facto fixada em 1ª Instância. Os recursos versam, por isso, apenas matéria de direito.

A) Do recurso interposto pelo Réu Banco Y, SA

A questão colocada no presente recurso prende-se tão só em saber sobre quem recai o pagamento dos encargos do condomínio quando as fracções se encontram dadas em locação financeira: se sobre o proprietário/locador se sobre o locatário.

A resposta a esta questão, tal como salientado na decisão recorrida, não tem merecido por parte da jurisprudência tratamento uniforme; pelo contrário, a jurisprudência vem-se dividindo entre os que defendem que o locatário é exclusivamente responsável pelo pagamento do condomínio e os que entendem que tal responsabilidade perante o condomínio cabe ao locador.

Os que defendem o entendimento de que o locatário deve ser o exclusivo responsável pelo pagamento das contribuições do condomínio, invocam a favor da sua tese o próprio regime da locação financeira, entendendo que este deve prevalecer sobre o regime geral do artigo 1424º do Código Civil, e que ao mesmo deve ser atribuída eficácia erga omnes, impondo-se dessa forma ao condomínio, ainda que este seja um terceiro relativamente ao contrato de locação financeira.

O artigo 10º do Decreto-Lei n.º 149/95 de 24 de Junho, diploma que regula o regime jurídico do contrato de locação financeira, estabelece efectivamente na sua alínea b) que é obrigação do locatário financeiro pagar, em caso de locação de fracção autónoma, as despesas correntes necessárias à fruição das partes comuns de edifício e aos serviços de interesse comum.

Parte da jurisprudência vem defendendo a eficácia erga omnes desta norma, considerando-a uma norma absoluta, e atribuindo carácter supletivo ao artigo 1424º do Código Civil que, estabelecendo que as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum são pagas pelos condóminos (os proprietários exclusivos da fracção que lhes pertence e comproprietários das partes comuns do edifício conforme n.º 1 do artigo 1420º) em proporção do valor das suas fracções, ressalva a existência de disposição em contrário, entendendo que a norma do referido artigo 10º prevalecerá dessa forma sobre a regra geral do artigo 1424º.

Os que defendem a responsabilidade do locatário pelo pagamento destas despesas e a eficácia erga omnes da norma invocam ainda o facto do contrato de locação financeira estar sujeito a registo (artigo 2º n.º 1 alínea l) do Código de Registo Predial e defendem que aquele, ainda que não sendo o “proprietário jurídico” do imóvel é o “proprietário económico” do mesmo, de que por regra se tornará verdadeiro dono no final do contrato.

Neste sentido, e de entre várias decisões podemos aqui referir o acórdão da Relação de Lisboa de 06/11/2012 (este acórdão tem voto de vencido declarando que “Discorda-se com o entendimento de que o contrato de locação financeira, que produz efeitos meramente obrigacionais, possa contender ou influir com a responsabilidade do titular do direito de propriedade sobre a fracção autónoma – e logo, nessa medida, condómino – perante o Condomínio pelo pagamento das dívidas respeitantes às despesas comuns com a respectiva manutenção e conservação. (…) Esta última – sufragada no acórdão - produz, como resultado necessário, a exoneração do pagamento das prestações de condomínio por parte do titular de um direito real sobre o imóvel, substituindo-o pelo titular de um direito meramente obrigacional sobre o prédio. 19ª – Conclusão esta juridicamente inaceitável”), 27/04/2014, 06/04/2017 (podendo ler-se no sumário deste acórdão que “Perante a especificidade do contrato de locação financeira, a sua sujeição a registo e a regra constante do art. 10º, nº1, b) do Regime Jurídico da Locação Financeira, as despesas do condomínio são da responsabilidade do locatário e não do locador”) os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 10/07/2008, de 06/11/2008 (em cujo sumário consta que “4. Estas normas não têm mera eficácia obrigacional, não relevam apenas nas relações locador-locatário, antes são de aplicação universal, impondo-se a terceiros e, consequentemente, também ao condomínio. 5. (…) o locatário não é, juridicamente, o proprietário do bem locado, mas é o “proprietário” económico desse bem, de que, por via de regra, se tornará verdadeiro dono no termo do contrato. 6. Estando uma fracção autónoma dada em locação financeira, é do locatário financeiro que o condomínio deve exigir o pagamento dos “encargos condominiais” respectivos: o estatuto do locatário financeiro é, em tudo, idêntico ao de qualquer condómino, sendo sobre ele, e não sobre o locador, que impende a responsabilidade por esse pagamento”) e 2/3/2010 (em cujo sumário se pode ler que “X) - Compete ao locatário financeiro imobiliário o pagamento dos encargos relativos ao condomínio, em caso de locação financeira imobiliária de prédio constituído em regime de propriedade horizontal”; este acórdão tem voto de vencido declarando que, da imposição legal, ao locatário financeiro, da obrigação de pagar as despesas de condomínio não decorre a exoneração do proprietário dessa fracção); o acórdão da Relação do Porto de 29/05/2014 (podendo ler-se no sumário que “II - Impende sobre o locatário financeiro a obrigação de pagamento ao condomínio das despesas de fracção autónoma objecto da locação”) e de 07/04/2016 (em cujo sumário se pode ler que “Estando as fracções a que respeitam as despesas de condomínio dadas em locação financeira é o locatário financeiro o responsável pelo respectivo pagamento” (todos disponíveis in www.dgsi.pt).

Do outro lado estão aqueles que defendem que perante o condomínio o responsável pelo pagamento é o locador financeiro, proprietário do bem locado, e que, ainda que no contrato de locação financeira a responsabilidade pelo pagamento das despesas de condomínio pertença ao locatário, tal não desonera o locador desse pagamento.

Para os que perfilham este entendimento é o artigo 1424 do Código Civil que tem natureza erga omnes, impondo-se de forma absoluta, enquanto as normas do Decreto-Lei n.º 149/95, designadamente o seu artigo 10º, têm natureza obrigacional e eficácia apenas inter partes, pelo que perante o condomínio, o locador seria o responsável pelo pagamento das quotas, com direito de regresso sobre o locatário, nos termos do contrato de locação financeira.

Neste sentido, entre outros, podemos aqui citar o acórdão do STJ de 19/03/2002 (em cujo sumário se pode ler que “Porque a imposição legal do locatário financeiro da obrigação de pagar as despesas do condomínio não exonera o proprietário da fracção autónoma, é este, parte legítima na execução movida pela administração do condomínio para obter o pagamento da respectiva quota-parte”); os acórdãos da Relação do Porto de 04/06/2001 (cujo sumário refere “II - Se a fracção estiver locada e, por acordo com o senhorio, o arrendatário assumir a responsabilidade pelo referido pagamento, tal convenção é inoponível aos restantes condóminos, pelo que o pagamento só pode ser exigido do senhorio/proprietário, sem prejuízo do direito de regresso contra o locatário.

III - Isto é aplicável mesmo ao caso de o gozo da fracção se basear em contrato de locação financeira”), de 06/05/2008 (podendo ler-se no sumário se lê “2. Num quadro em que a obrigação de pagar as despesas de condomínio cabe ao locatário, seja por transferência da lei (locação financeira), seja por transferência do locador (arrendamento urbano), a Assembleia de Condóminos, se lhe for comunicada a transferência dessa obrigação, pode exigir o pagamento quer ao locatário, quer ao locador; todavia, o proprietário locador só fica desonerado da dívida se e quando o locatário pagar”) e de 12/09/2016 (em cujo sumário se pode ler que “A responsabilidade pelo pagamento das despesas de condomínio relativas a um imóvel dado em locação financeira, ainda que pertença também ao locatário financeiro, não desonera o locador/proprietário desse pagamento, pelo que este tem legitimidade para ser demandado como executado”), e o acórdão da Relação de Lisboa de 27/06/2006 (em cujo acórdão se lê que “Nos casos de locação financeira imobiliária, ainda que registada a favor do locatário, tendo por objecto uma fracção autónoma de um prédio constituído em propriedade horizontal, perante o condomínio continua a ser o locador (proprietário) o responsável pelas despesas correntes necessárias à fruição das partes comuns do edifício e aos serviços de interesse comum a que se refere o artigo 1424º do Código Civil” (todos disponíveis in www.dgsi.pt).

Na Doutrina o Professor Gravato Morais defende também que o condomínio pode exigir do locador financeiro o pagamento das prestações em dívida relativas a despesas de condomínio, entendendo que se só ao locatário assistisse a obrigação de pagamento tal “significaria exonerar do pagamento das prestações de condomínio o titular de direito real sobre o imóvel, substituindo-o pelo titular de um direito obrigacional sobre o prédio” (“Responsabilidade pelo pagamento de despesas de condomínio relativas a imóvel dado em locação financeira”, Cadernos de Direito Privado, nº 20, páginas 50 a 60, 2007); no mesmo sentido podemos ainda referir a tese de Mestrado de Ângela Sofia Miranda Guimarães, de Abril de 2014, com o tema “Da responsabilidade pelo pagamento de despesas de condomínio relativas a imóvel dado em locação financeira”, realizada sob a orientação do Professor Gravato Morais, onde é defendido que o responsável perante o condomínio pelo pagamento das despesas vencidas e não pagas pelo locatário é o locador.
Feita uma breve incursão pelas duas teses em confronto importa analisar agora o caso concreto e deixar expressa a posição que perfilhamos.

Analisada a matéria de facto é inquestionável que a favor do Recorrente se encontra registada a propriedade das fracções em causa, designadas pelas letras “X”, “S”, “T” e “U”, a favor da 2ª Ré encontra-se registada a locação financeira da fracção autónoma designada pela letra “X” e a favor da 3ª Ré encontra-se registada a locação financeira das fracções autónomas designadas pelas letras “S”, “T” e “U”.

O Recorrente e a Ré “M. M. & Filhos, Lda.”, celebraram entre si o “Contrato de Locação Financeira Imobiliário nº 450009242”, datado de 30 de Março de 2010, através do qual aquele cedeu à terceira Ré o gozo das referidas fracções autónomas, com a obrigação de as vender à terceira Ré, se após o decurso do prazo contratual esta exercer a opção de compra, tendo adquirido as referidas fracções por solicitação e negociação da terceira Ré. Do artigo 4º do contrato consta que “serão por conta do locatário todos os impostos (…) encargos (…), condomínios incluindo despesas, extraordinárias ou não (…) ” e que “Se qualquer destas despesas for paga directamente pelo locador, o locatário deverá reembolsar o locador (…)”.

Por documento de 15/11/2013, o Recorrente e a terceira Ré celebraram um acordo que designaram de “Acordo de Rescisão Parcial e Alteração ao Contrato de Locação Financeira nº …”, através do qual puseram fim ao acordo existente quanto à fracção “X” e o Recorrente e a segunda Ré, “Empresa B, Lda.”, celebraram entre si o “Contrato de Locação Financeira Imobiliário nº …”, com a mesma data, através do qual aquele lhe cedeu o gozo desta fracção autónoma com a obrigação de a vender à segunda, se após o decurso do prazo contratual esta exercer a opção de compra. 31. Do artigo 4º deste contrato consta também que “serão por conta do locatário todos os impostos (…) encargos (…), condomínios incluindo despesas, extraordinárias ou não (….)” e que “Se qualquer destas despesas for paga directamente pelo locador, o locatário deverá reembolsar o locador (…)”.

Não é questionado nos autos que efectivamente entre as Rés foram celebrados contratos de locação financeira, em que o Recorrente, adquirente e proprietário das fracções, figura como locador e as 2ª e 3ª Rés como locatárias.

Inquestionável também que não obstante os contratos preverem expressamente o pagamento pelas locatárias dos encargos de condomínio, incluindo despesas extraordinárias, as Rés “M. M. & Filhos, Lda.” e “Empresa B, Lda.” não procederam ao pagamento das respectivas quotas-partes respeitantes às fracções em causa do valor para custear as obras (de reparação e conservação do edifício) e outras despesas e a Ré “M. M. & Filhos, Lda.” não procedeu também ao pagamento das quotas correspondentes à fracção “S”, respeitantes aos meses de Dezembro de 2013 a Maio de 2015; e nem o Recorrente.

Perante o Autor tais valores encontram-se em divida e não foram pagos pelo proprietário/locador e nem pelas locatárias financeiras; importa então definir sobre quem recai a responsabilidade de proceder a esse pagamento ao Autor: se sobre o locador se sobre as locatárias.

O tribunal a quo decidiu condenar o Recorrente/locador perfilhando o entendimento a que já nos referimos segundo o qual se o locatário não pagar voluntariamente é o locador que responde enquanto proprietário; isto é, sem prejuízo do locatário responder perante o locador pelas despesas a que alude o artigo 10º n.º 1 alínea b) do Decreto-Lei n.º 149/95 de 24 de Junho, perante o condomínio e em última análise responde o locador.

Ora, também nós perfilhamos tal entendimento e subscrevemos os argumentos que a favor do mesmo são expandidos na sentença recorrida pelo tribunal a quo.

Não estando em causa desconsiderar as características especificas do contrato de locação financeira entendemos, no entanto, que a norma do referido artigo 10º alínea b) tem apenas eficácia inter partes e não erga omnes.

Conforme se refere na decisão recorrida “o legislador expressamente aponta para uma eficácia inter partes do diploma pelo que, ressalvando o devido respeito por entendimento contrário, consideramos que a norma em questão se aplica na relação locador/locatário, na qual, por força da lei, é o locatário que responde pelas despesas correntes perante o locador”. De facto, no próprio preâmbulo do diploma se refere expressamente que “enunciam-se mais completamente os direitos e deveres do locador e do locatário, de modo a assegurar uma maior certeza dos seus direitos e, portanto, a justiça da relação.”

Assim, o artigo 10º ao enunciar que é obrigação do locatário financeiro pagar, em caso de locação de fracção autónoma, as despesas correntes necessárias à fruição das partes comuns de edifício e aos serviços de interesse comum reporta-se à relação entre os contraentes, sendo certo que o diploma (o Decreto-Lei n.º 149/95) visa regular o regime da locação financeira e as relações o locador e o locatário; já os artigos 1420º e seguintes do Código Civil, onde se insere o referido artigo 1424º, visam regular os direitos e encargos dos condóminos, resultando deste artigo que é o condómino, ou seja o proprietário (pois quem assume a qualidade de proprietário de fracção autónoma será, por inerência, considerado condómino do prédio) o responsável pelo pagamento das despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum.

Assim, e ainda que sobre o locatário, no âmbito do contrato de locação financeira, recaia a obrigação de pagar as despesas correntes necessárias à fruição das partes comuns de edifício e aos serviços de interesse comum, perante o condomínio, terceiro relativamente ao contrato de locação, o responsável em última análise (caso o locatário não pague voluntariamente) será sempre o locador.

Daqui não decorre que o locatário fique desonerado da obrigação de pagamento daquelas despesas pois que perante o locador o mesmo se obrigou a esse pagamento, assim, pagando o locador ao condomínio, ficará com o direito de pedir ao locatário o que tenha pago a esse título.

Da mesma forma, o facto de a alínea b) do n.º 1 do artigo 10º do Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de Junho estabelecer que é obrigação do locatário o pagamento das despesas correntes necessárias à fruição das partes comuns de edifício e aos serviços de interesse comum não desonera o locador financeiro desse pagamento perante o condomínio.

Assim, e ao contrário do defendido pelo Recorrente, e salvo o devido respeito que sempre nos merece a opinião contrária (até porque largamente defendida na jurisprudência), não entendemos que a norma da referida alínea b) do n.º 1 do artigo 10º do Decreto-Lei n.º 149/95 tenha carácter erga omnes e seja oponível ao condomínio, terceiro relativamente ao contrato de locação financeira.

Numa relação (respeitante ao imóvel locado e às partes comuns) que se pode configurar como tripartida (condomínio, locador financeiro e locatário financeiro) será possível perspectivar dois níveis distintos: por um lado a relação entre as partes contraentes na locação financeira e, de outro lado, a relação destas perante o condomínio, terceiro em face do contrato de locação financeira.

Parece-nos que a conclusão a retirar terá de ser que o responsável pelas despesas de condomínio, perante o condomínio, é quem figura como proprietário e este é o locador e não o locatário; de facto, o locador financeiro do ponto de vista jurídico é o único proprietário da fracção autónoma pois que, independentemente da fruição do imóvel pelo locatário, este apenas poderá vir a adquirir no final do contrato de locação financeira. E, ainda assim, tal aquisição não deixa de constituir apenas um cenário hipotético ou, mais rigorosamente, uma expectativa jurídica (de aquisição do bem pelo locatário financeiro) facilmente afastada pela resolução do contrato no caso de incumprimento das prestações, pelo não exercício da faculdade de opção pela venda do bem ou simplesmente por mero acordo das partes tal como ocorreu no caso dos autos em que o Recorrente e a terceira Ré através de acordo que designaram de “Acordo de Rescisão Parcial e Alteração ao Contrato de Locação Financeira nº …”, puseram fim ao contrato existente quanto à fracção “X”.

Não nos parece também que se justifique fazer, para este efeito, a distinção entre o “proprietário económico” e o proprietário jurídico, referindo-se respectivamente ao locatário e ao locador, ficcionando-se dessa forma que o locatário financeiro também é o proprietário, para lhe imputar exclusivamente a responsabilidade pelo pagamento das despesas de condomínio.

Na verdade, o proprietário do bem locado não deixa de ser, por força da locação financeira, o locador; aliás, o Decreto-Lei n.º 149/95, no n.º 2 do seu artigo 9º, reconhece ao locador (para além dos direitos e deveres gerais previstos no regime da locação que não se mostrem incompatíveis com o diploma) os seguintes direitos: a) defender a integridade do bem, nos termos gerais de direito; b) examinar o bem, sem prejuízo da actividade normal do locatário; c) fazer suas, sem compensações, as peças ou outros elementos acessórios incorporados no bem pelo locatário.

E, analisando o referido artigo 10º do Decreto-Lei n.º 149/95 parece-nos ainda de salientar que o legislador apenas previu como obrigação do locatário financeiro, o pagamento das despesas correntes necessárias à fruição das partes comuns de edifício e aos serviços de interesse comum; e quanto à obrigação de conservação a mesma reporta-se ao próprio bem locado e já não às partes comuns; de facto decorre de forma linear da alínea e) do n.º 1 do referido preceito que é obrigação do locatário financeiro “ “assegurar a conservação do bem e não fazer dele uma utilização imprudente”. Parece-nos, por isso, que mesmo na relação entre locador e locatário, e no que toca às partes comuns e serviços de interesse comum, o legislador reservou apenas para este a obrigação do pagamento das despesas correntes, deixando para o locador a responsabilidade de pagar as despesas extraordinárias, designadamente de conservação das partes comuns.

É que na locação financeira o que está em causa não deixa de ser a cedência do gozo temporário de uma coisa (ainda que o locatário a possa vir a adquirir decorrido o período acordado) e o locador financeiro nunca deixa de ser o proprietário da fracção autónoma do prédio constituído em regime de propriedade horizontal. Conforme decorre do artigo 1º do DL 149/95, de 24 de Junho, o contrato de locação financeira, é definido como aquele pelo qual uma das partes se obriga, mediante retribuição, a ceder à outra o gozo temporário de uma coisa, móvel ou imóvel, adquirida ou construída por indicação desta, e que o locatário poderá comprar, decorrido o período acordado, por um preço nele determinado ou determinável mediante a simples aplicação dos critérios nele fixados. Compreende-se pois que, sendo cedido o gozo temporário de uma coisa, o legislador tenha considerado como obrigação do locatário, perante o locador, o pagamento das despesas correntes e já não das despesas extraordinárias, estas a cargo do locador por força da sua qualidade de proprietário.

Assim, e ao contrário do que refere o Recorrente a alínea b) do referido artigo 10º não contempla as despesas de conservação das partes comuns, mas tão só as despesas correntes necessárias à fruição das partes comuns de edifício e aos serviços de interesse comum.

No caso concreto, estão em causa despesas extraordinárias relativamente às quatro fracções (obras de reparação e conservação do edifício) e apenas em relação à fracção “S” estão em causa despesas correntes.

Por último importa ainda referir que o entendimento que perfilhamos no sentido do locador responder perante o condomínio parece-nos ser o que melhor assegura a posição do condomínio (terceiro alheio à celebração do contrato de locação financeira) de ver saldada a divida decorrente do não pagamento das despesas pois que respondendo o locador com o seu património poderá desde logo nomear à penhora o imóvel objecto do contrato de locação financeira (propriedade do locador), enquanto que relativamente ao locatário financeiro poderia indicar à penhora apenas a expectativa de aquisição.

Conforme se refere no já citado Acórdão da Relação do Porto 12/09/2016 a tese contrária “acarreta uma enorme desprotecção do condomínio e dos restantes condóminos, pois basta pensar nos casos – e não são tão pouco frequentes como se possa fazer crer – em que o locatário não só não paga as despesas de condomínio (que podem ascender a verbas elevadas) como se desinteressa do cumprimento do contrato de locação financeira (muitas vezes por manifesta impossibilidade financeira – insolvência). Se apenas o locatário for o responsável pelo pagamento o condomínio nunca poderá penhorar o imóvel para garantir o seu crédito, uma vez que o locatário não é o proprietário jurídico da fracção. Proprietário é o locador que poderá ver a sua fracção enriquecida à custa dos demais condóminos que suportaram as despesas que ele não suportou (nem as suportou o locatário)”.

Em conclusão, em face de todo o exposto entendemos que a responsabilidade pelo pagamento das despesas de condomínio, mesmo as respeitantes à fruição das partes comuns de edifício e aos serviços de interesse comum, relativas a um imóvel dado em locação financeira ainda que pertença também ao locatário nos termos do 10º n.º 1 alínea b) do DL 149/95, de 24 de Junho não desonera o locador, perante o condomínio, desse pagamento.
Improcede assim integralmente o recurso interposto pelo Réu Banco Y SA.
***
B) Do recurso subordinado interposto pelo Autor

O Autor veio também interpor recurso subordinado, versando o mesmo apenas sobre a redução da pena pecuniária aplicada efectuada na decisão recorrida.
Dispõe o artigo 1434º do Código Civil que “1. A assembleia pode estabelecer a obrigatoriedade da celebração de compromissos arbitrais para a resolução de litígios entre condóminos, ou entre condóminos e o administrador, e fixar penas pecuniárias para a inobservância das disposições deste código, das deliberações da assembleia ou das decisões do administrador. 2. O montante das penas aplicáveis em cada ano nunca excederá a quarta parte do rendimento colectável anual da fracção do infractor.”

No caso dos autos a assembleia de condóminos de 14/12/2013 deliberou e aprovou que, verificando-se o incumprimento ou atraso no pagamento de quotas do condomínio ou fundo comum de reserva, por prazo superior a 30 dias, e comparticipações ou quotas extraordinárias, por prazo superior a 10 dias, o condómino faltoso ficaria obrigado a pagar uma pena pecuniária de valor igual ao montante das comparticipações em falta.

Na decisão proferida em 1ª Instância foi considerado que se manteve o limite das penalizações por referência ao valor colectável e não ao valor patrimonial tributário e que relativamente à fracção “X” (única em relação à qual foi posto em crise o valor da penalização) o valor máximo da penalização seria de: €601.833,00; x 0,15 x 0,25 = €22.568,74.

Tal critério, e consequente valor máximo da penalização, não foram colocados em crise pelas partes (aliás o Autor no recurso subordinado remete nesta parte para a fundamentação constante da decisão recorrida, considerando que poderia ser aplicada uma penalização até €22.568,74).

Conforme concluiu o tribunal a quo a multa aplicada sendo no montante de €14.013,10 não excede o referido limite imposto pelo artigo 1434º, nº 2 do Código Civil.

Entendeu contudo o tribunal a quo que a penalização do artigo 1434º do Código Civil não deixa de ser considerada uma cláusula penal moratória e, por isso, sujeita ao regime previsto nos artigos 810º e seguintes do Código Civil, podendo nos termos do disposto no artigo 812º n.º 1 do Código Civil ser reduzida.

Prevê-se neste preceito que a cláusula penal pode ser reduzida pelo tribunal, de acordo com a equidade, quando for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente, sendo nula qualquer estipulação em contrário.

Trata-se efectivamente de uma norma imperativa, que não pode ser afastada por convenção das partes.

No caso dos autos a assembleia de condóminos deliberou aprovar uma cláusula penal moratória de valor igual ao montante das comparticipações em falta, o que significa que o valor da penalidade corresponde a 100% do valor da contribuição, ou seja no caso concreto e relativamente à fracção “X” de €14.013,10.

Tal significa que a manter-se a penalidade nos termos em que a assembleia de condóminos a aprovou o Réu, proprietário da fracção “X” suportaria por si o valor global de €28.026,20 (€14.013,10+€14.013,10); e, no caso concreto, tal corresponderia, conforme se refere da decisão recorrida, a praticamente metade do valor global total das obras em causa pois que o valor global das obras aprovadas, incluídas todas as despesas inerentes é de €60.863,00.

Assim, ao contrário do que sustenta o Autor, e em conformidade com o decidido em 1ª Instância também nós entendemos que tal penalidade, correspondente a 100% do valor da contribuição, é no caso concreto manifestamente excessiva, tendo em conta o valor já de si elevado das obras e da contribuição deste condómino (que pela permilagem já suporta um valor próximo de 25% do total).
Refere ainda o Autor que no caso de se entender que deve ser reduzida a penalidade, tal redução nunca deverá significar uma pena inferior a pelo menos metade do valor legalmente permitido, isto é €11.284,37.

Argumenta o Recorrente com o período de tempo já decorrido (a comparticipação extraordinária venceu-se já em 30/06/2014, a acção deu entrada em Junho de 2015 e o Réu Banco Y SA mantém-se em incumprimento) e que a redução de uma pena pecuniária não pode ser de tal ordem que esvazie a sua função, nomeadamente o seu carácter dissuasor e sancionatório.

Na decisão recorrida foi considerado a este propósito que “Não descuramos o interesse do autor na realização das obras de conservação do edifício e em receber atempadamente as contribuições devidas pelos condóminos, nem tampouco o valor elevado que a norma do artigo 1432º, nº 2 do Código Civil permite. Todavia, não podemos considerar que uma penalização de catorze mil euros seja ajustada ao caso concreto, afigurando-se-nos manifesta e clamorosamente excessiva.

Nestes termos, decide-se reduzir a mesma ao valor de 25% da contribuição, o que vai de encontro à contribuição da fração para o valor global da obra.

Uma redução a 25% do valor da cláusula penal afigura-se ajustado ao valor da contribuição e ao tempo decorrido desde a deliberação.
Deste modo, reduz-se a cláusula penal a € 3.503,28”.

Também nós achamos excessiva, considerando o caso concreto e nos termos já referidos, a penalização de €14.013,10; da mesma forma que entendemos excessiva no caso concreto a penalização de €11.284,37.

O tribunal a quo, recorrendo à equidade, tomou como critério a percentagem correspondente à permilagem da fracção (que determina que o Réu suporte um valor próximo de 25% do total do valor da obra e despesas inerentes) e reduziu a penalidade a 25% do valor da cláusula penal aprovada pela assembleia de condóminos. Parece-nos um valor equitativo e ajustado ao caso concreto e, ao contrário do entendimento do Recorrente, não vemos que a redução em causa esvazie a penalidade da sua função, nomeadamente o seu carácter dissuasor e sancionatório. Não podemos deixar de referir, a propósito desta questão, e desde logo relativamente ao Réu Banco Y SA, que o carácter sancionatório e dissuasor da penalidade não assume aqui particular relevo pois que o Réu não pagou por entender que a responsabilidade não é sua mas das locatárias financeiras; entendimento que, não obstante não ter sido o adoptado em 1ª Instância e nem ser o que perfilhamos, encontra apoio em larga parte da jurisprudência dos tribunais superiores.

Em face de todo o exposto, improcede também o recurso subordinado interposto pelo Autor.
***

IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente o recurso do Réu Banco Y SA, bem como o recurso subordinado interposto pelo Autor, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas dos recursos pelos respectivos Recorrentes.
Guimarães, 10 de Maio de 2018
Texto elaborado em computador e integralmente revisto pela signatária


(Raquel Baptista Tavares)
(Margarida Almeida Fernandes)
(Margarida Sousa)