Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
479/22.0T8GMR.G1
Relator: VERA SOTTOMAYOR
Descritores: INDEFERIMENTO LIMINAR
FALTA DE CAUSA DE PEDIR
INSUFICIÊNCIA DA CAUSA DE PEDIR
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/30/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
I- Há falta de causa de pedir quando não são alegados os factos em que se funda a pretensão do autor e há insuficiência da causa de pedir quando aqueles factos são alegados, mas são insuficientes para determinar a procedência da acção.
II- Não tendo o Recorrente indicado o facto gerador do núcleo essencial do seu direito que sustente a pretensão por si deduzida em juízo é de concluir pela ocorrência de uma falha na alegação de factos susceptíveis de integrar a causa de pedir, o que inviabiliza o conhecimento do mérito da causa (art.ºs 186.º, 278.º, n.º 1, alínea b); 576.º, n.ºs 1 e 2; 577.º, alínea b) e 578.º todos do CPC.), pelo que é de julgar inepta a petição por omissão/ininteligibilidade de causa de pedir.
III- A condenação da parte como litigante de má-fé só deverá ocorrer quando resulte dos autos, de forma manifesta e inequívoca, que a parte agiu, conscientemente, de forma reprovável, com vista a impedir ou a entorpecer a acção da justiça.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães

APELANTE: AA
APELADO: SINDICATO NACIONALDOS BANCÁRIOS DO NORTE (SBN) e SINDICATO NACIONAL DOS QUADROS E TÉCNICO BANCÁRIOS
 Tribunal da Comarca ..., Juízo do Trabalho ... – Juiz ...

I – RELATÓRIO

AA, solteiro, residente na Rua ..., ... ... - ..., instaurou a presente acção especial de anulação e interpretação de cláusulas de convenções coletivas de trabalho (art.º 183º do CPT) contra o SINDICATO DOS BANCÁRIOS DO NORTE (SBN), com sede na Rua ..., ... ... e contra o SINDICATO NACIONAL DOS QUADROS E TÉCNICOS BANCÁRIOS, com sede na Rua ..., ... ... e pede a condenação das Rés:
- No pagamento a título de subsídio por doença e subsídios de férias e natal a quantia de 90 242,99 € (noventa mil duzentos e quarenta e dois euros e noventa e nove cêntimos), acrescido do montante que se vencer na pendencia da ação, até integral e efetivo pagamento e ainda o montante que se vier a vencer, no período de doença do A. e, na vigência do contrato de trabalho;
- No pagamento da quantia de 40 000,00 € (quarenta mil euros) a título de indemnização pelos danos não patrimoniais causados e, nas custas do processo.
Alega para tanto que o que está em causa na presente acção é a outorga, pelas Rés, do Acordo Coletivo de Trabalho (ACT) do sector bancário, Boletim do Trabalho e do Emprego n.º 29 de 08 de Agosto de 2016, depositado em 26/07/2016, a fls. 197 do Livro n.º 11, com o n.º 115/2016, designadamente a cláusula 95.º, referente a doença, ou invalidez presumível e a clausula 115, referente ao regime aplicável aos trabalhadores do Banco 1... oriundos do Banco 2....
Os sindicatos, Réus e o Banco, ao outorgarem o ACT, agora colocado em crise, violaram o direito dos trabalhadores, nomeadamente por estipularem cláusulas que impedem os trabalhadores oriundos da CAFEB, de recebem subsídios de doença sem limite de tempo, afigurando-se que o acto de outorga do ACT pelas Rés é nulo, nos termos do n.º 1 do art. 280.º do CC e do art. 160.º do mesmo Código (arts. 30.º e 32.º da p.i.)
O A. é ex funcionário oriundo do Banco 2... e agora é funcionário do Banco 1... e é associado sindical das rés na altura da outorga do ACT e posteriormente.
No que respeita à legitimidade, reconduzindo-se a situação dos autos á nulidade/anulabilidade do acto de outorga do ACT pelas Rés, o Autor é parte legítima, tendo interesse directo em demandar dado o prejuízo que lhe advém pela outorga do ACT (art.º 34.º da p.i.).
Em virtude da celebração do referido ACT, as Rés prejudicaram o Autor nos montantes que deveria receber a título de prestação de doença, que melhor se discriminam na p.i., no total de 78 324,21 € cujo pagamento reclama das Rés, acrescido de uma indemnização por dans não patrimoniais no valor de €40.0000,00
Em face do teor da petição inicial, pela Mmª Juiz a quo foi proferida a seguinte decisão:
“AA intentou a presente ação especial de anulação e interpretação de cláusulas de convenções coletivas de trabalho (art. 183º do CPT), contra Sindicato dos Bancários do Norte (SBN) e Sindicato Nacional dos Quadros e Técnicos Bancários, pedindo a condenação destes no pagamento a título de subsídio por doença e subsídios de férias e natal da quantia de 90 242,99 € acrescido do montante que se vencer na pendencia da ação, até integral e efetivo pagamento e ainda o montante que se vier a vencer, no período de doença do A. e, na vigência do contrato de trabalho e na quantia de 40 000,00 € (quarenta mil euros) a título de indemnização pelos danos não patrimoniais causados e, nas custas do processo.
A questão que se coloca é se a petição deve ser liminarmente indeferida. Apreciando. Decorre do pedido e da causa de pedir que o tribunal não poderá conhecer o mérito da ação porque os réus são manifestamente partes ilegítimas para os pedidos deduzidos de condenação no pagamento da peticionadas quantias indemnizatórias quer com fundamento em responsabilidade por danos patrimoniais quer não patrimoniais, se consideramos que o autor apenas se enganou na identificação da espécie da ação. Mas se consideramos que a espécie está corretamente identificada, verifica-se que o pedido não se ajusta nem à causa de pedir nem aos sujeitos passivos da relação material controvertida, porque não é peticionada a anulação nem a interpretação de cláusulas das convenções que identifica. A leitura do articulado adensa a ininteligibilidade da causa de pedir face à alegação (cf. artes. 30º a 34º do requerimento inicial) que “Os sindicatos, aqui Réus e o Banco, ao outorgarem o ACT, agora colocado em crise, violaram o direito dos trabalhadores, nomeadamente por estipularem cláusulas que impedem os trabalhadores oriundos da CAFEB, de recebem subsídios de doença sem limite de tempo. Neste contexto entende-se verificar-se a inobservância de uma limitação legal à possibilidade de prática pelo Sindicato daquele ato, uma vez que, não possuía o direito de instituir, para os ex-trabalhadores do Banco 2..., um regime diferenciado de proteção na doença, naqueles específicos contornos. Tal resulta na ilicitude objetiva do ato por contrariedade à lei. Afigura-se, pois, que o ato de outorga do ACT pelas Rés é nulo, nos termos do n.º 1 do art. 280.º do CC e do art. 160.º do mesmo Código. Saliente-se que o reconhecimento pelas Rés do ACT, não tem a virtualidade de sanar a nulidade em causa. No que respeita à legitimidade, reconduzindo-se a situação dos autos á nulidade/anulabilidade do ato de outorga do ACT pelas Rés, o aqui Autor é parte legítima, tendo interesse direto em demandar dado o prejuízo que lhe advém pela outorga do ACT – art. 30.º do CPC”. No caso julgamos não se estar perante erro na forma do processo, que deve ser utilizada a forma comum ou que foi utilizada esta quando devia ter sido a especial. Como é sabido a existência de erro na forma do processo ocorre “quando o autor indica para a ação uma forma processual inadequada ao critério da lei” (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª Ed., Coimbra Editora, 390), o que não é manifestamente o caso. Nesta parte não corre ao tribunal qualquer convite ao aperfeiçoamento na medida em que, e conforme informação cotada nos autos a 03.02.2022, o autor AA intentou neste Juízo do Trabalho ... as seguintes ações (pendente), para além destes autos: 1. Ação de Processo Comum nº 1874/21.... - Juiz ..., autuada em 07/04/2021; 2. Acção de Anulação/Interpretação de Clausulas Convenções Colectivas nº 4624/21.... Juiz ..., autuada em 09/09/2021 em que é Réu, entre outros, o Sindicato Nacional dos Quadros e Técnicos Bancários.

De acordo com o artigo 186.º, n.º2, do Cód. Proc. Civil, diz-se inepta a petição:

«a) Quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir;
b)Quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir;
c) Quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis».

Quer a doutrina, quer a jurisprudência, têm distinguido claramente a situação da petição inepta da daquela simplesmente irregular ou deficiente, no sentido de que só a falta ou a ininteligibilidade absolutas do pedido ou da causa de pedir acarretam a ineptidão.
Já Alberto dos Reis defendia que «(…)Importa não confundir petição inepta com petição simplesmente deficiente… Quando a petição, sendo clara e suficiente quanto ao pedido e à causa de pedir, omite facto ou circunstâncias necessários para o reconhecimento do direito do autor, não pode taxar-se de inepta; o que então sucede é que a ação naufraga...»1. Também a jurisprudência se tem pronunciado em igual sentido, podendo citar-se, entre outros o acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 13/06/1991, no qual se pode ler «(…) O que acarreta a ineptidão da petição inicial é a falta de causa de pedir e não a insuficiência dos factos alegados para a integrar(…)»2.Tal entendimento foi ainda perfilhado no acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 29/04/2004, no qual se sublinhou que situações mais graves em que o vício da petição inicial corresponde a uma verdadeira ineptidão, é motivada por «(…)ausência de causa de pedir, pela sua ininteligibilidade, pela contradição ente causas de pedir ou entre a causa de pedir e o pedido (…)»3.
No caso dos autos julgamos que a causa de pedir não só inadequada como ininteligível, verificando-se, ainda, que os pedidos estão em contradição com a causa de pedir.
Secunda-se o entendimento de que, se o julgador entende existir ineptidão não tem de mandar aperfeiçoar a petição inicial mas sim julgá-la e com esse julgamento determinar a absolvição da instância porque, se a petição inicial é inepta não pode ser salva com qualquer aperfeiçoamento, que só está previsto para as deficiências e não para as ineptidões. O art.590 nº1 CPC, aplicável aos presentes autos “ex vi “a al.a) do nº 2 do art. 1º do CPC prevê o despacho de indeferimento liminar na ação declarativa4 “quando o pedido seja manifestamente improcedente ou ocorram de forma evidente exceções dilatórias insupríveis e de que o juiz deva conhecer oficiosamente aplicando-se o disposto no art.560 do CPC. O despacho de indeferimento liminar é uma espécie dentro do género da “rejeição liminar”, e ocorre no caso de inviabilidade “lato sensu” da pretensão (onde se insere a falta insuprível de pressupostos processuais), em que a lei elenca taxativamente as causas relevantes da rejeição.
No caso em apreço julgamos que o requerimento inicial é inepto, por se verificarem os vícios elencados nas als. a) e b) do nº 2 do art. 186º do CPC, os quais comprometem irremediavelmente a sua finalidade. Estamos, pois, perante uma exceção dilatória insuprível, que deve levar ao indeferimento liminar do requerimento inicial apresentado (art.º 577º, al. b), 193º e 578º, 590º, n.º 1, do Código de Processo Civil, ex. vi art.º 1º, n.º 2, al. a), do Código de Processo do Trabalho). Nestes termos, e pelo exposto, indefiro liminarmente o requerimento inicial apresentado.
Custas pelo autor sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficie.
Registe e notifique, com cópia da cota de 03.02.2022 para cabal esclarecimento.”
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Inconformado com esta decisão, dela veio o Autor interpor recurso de apelação para este Tribunal da Relação de Guimarães, apresentando alegações que terminam mediante a formulação das seguintes conclusões:

“I. A petição inicial do Requerente foi indeferida liminarmente com fundamento no disposto do artigo 186º, n.º 2, alíneas a) e b); 577º, alínea b); 193º e 578º; e 590º do Código Processo Civil, ex. vi artigo 1º, n.º 2, alínea a) do Código Processo do Trabalho.
II. Segundo o despacho do qual se recorre, o indeferimento liminar deve-se a dois factos: (i) a causa de pedir é inteligível e até contrária ao pedido; (ii) as partes não têm legitimidade processual.
III. O Signatário, por lapso, identificou, no preenchimento dos campos informáticos relativos o tipo de ação (formulário) como ação para anulação/interpretação de clausulas de acordos coletivos, erro pelo qual se penitencia.
IV. O Requerente não pretende propor uma ação para anulação/interpretação de clausulas de acordos coletivos.
V. O Requerente, na verdade, queria propor, e propôs, uma ação declarativa sob a forma de processo comum.
VI. A ação proposta pelo Requerente reveste a forma declarativa sob a forma de processo comum.
VII. O Requerente identificou a ação corretamente como uma ação declarativa sob o processo comum, no articulado da petição inicial, em maiúsculas e a negrito, logo após a identificação do Autor, conforme o disposto do artigo 552º, n.º 1, alínea c) do C.P.C.
VIII. O Requerente propôs a ação em discussão com o objetivo de ser indemnizado pelos danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes da celebração de um acordo coletivo, pelos Requeridos na sua representação, que é contrária ao fim dos últimos (sindicatos).
IX. O Requerente tinha conhecimento que já se encontrava pendente uma ação para a anulação de uma cláusula do acordo coletivo que foi celebrado pelos Recorridos, não pretendendo propor uma nova ação para esse efeito, sabendo muito bem que tal corresponderia a uma situação de litispendência (exceção dilatória).
X. A presente ação, não pretende obter a anulação do acordo coletivo celebrado pelos Requeridos.
XI. O ACT fundamenta a causa de pedir, pois vai contra a finalidade constitucional dos Requeridos (sindicatos), e é deste que advém o prejuízo do Requerente.
XII. São apresentados, na petição inicial, os factos essenciais, concretos e juridicamente relevantes que fundamentam o pedido de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes da celebração do dito acordo.
XIII. Os Requeridos são partes legítimas quanto ao pedido de condenação no pagamento das quantias indemnizatórias com fundamento na responsabilidade por danos patrimoniais e não patrimoniais pois foram estes que celebraram, na representação do Recorrente, um acordo que acarretou um prejuízo monetário e um dano moral para o último.
XIV. Os Recorridos, ao celebrarem um acordo que é contrário à sua finalidade constitucional, legal e institucional, e que aplica um regime desfavorável ao Requerente, são responsáveis pela indemnização pelos danos sofridos pelo Requerente em consequência desse acordo.
XV. O Recorrente é parte legítima pois é um dos trabalhadores abrangidos pelo acordo supra referido, e um dos trabalhadores prejudicados pelo mesmo em concreto, sendo assim titular de um interesse direto em demandar (30.º do C.P.C.).
Nestes termos e nos melhores de direito, que V/Exas. doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser revogado o despacho de indeferimento liminar, seguindo-se a normal tramitação processual de uma ação declarativa sob a forma de processo comum para a indemnização de danos patrimoniais e não patrimoniais.
*
Foi admitido o recurso na espécie própria e com o adequado efeito e regime de subida e foram os autos remetidos a esta 2ª instância, que determinou que a 1.ª instância procedesse à fixação do valor da causa e ao cumprimento do prescrito no n.º 7 do art.º 641.º do CPC uma vez que os Réus não haviam sido citados, nem para os termos da causa, nem para os termos do recurso.

O Réu Sindicato dos Trabalhadores do Sector Financeiro de Portugal veio responder ao recurso, apresentando alegação que terminou com as seguintes conclusões:
(…)
Os autos foram remetidos de novo a este Tribunal e por despacho proferido a em 23.09.2022 foram de novo devolvidos à 1.ª instância para a apreciação de requerimento referente à falta de pagamento da taxa de justiça.
O autor foi notificado para efetuar o pagamento da taxa de justiça omitida sob pena de, não o fazendo, ser rejeitado o recurso e nessa sequência juntou aos autos o comprovativo de apoio judiciário, tendo sido considerado pelo Tribunal a quo sanada a irregularidade processual detetada.
Os autos foram remetidos a este Tribunal e foi determinado que se desse cumprimento ao disposto no artigo 87.º n.º 3 do C.P.T., tendo o Exma. Procurador-Geral Adjunto emitido douto parecer, no sentido da improcedência do recurso.
O Recorrente veio responder manifestando a sua discordância relativamente ao parecer e conclui em conformidade com a sua alegação de recurso, pugnando pela revogação da decisão recorrida.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II - OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objeto do recurso pelas conclusões do recorrente (artigos 635º, nº 4, 637º n.º 2 e 639º, nºs 1 e 3, do Código de Processo Civil), não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nele não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso e tendo presente que poderá ficar prejudicado o conhecimento das conclusões de recurso pelo conhecimento anterior de outras, colocam-se à apreciação deste Tribunal da Relação as seguintes questões:

1. Da existência de fundamento legal para indeferimento liminar da petição inicial e da legitimidade das partes;
2. Da litigância de má-fé.
Quanto à questão referente à falta de pagamento da taxa de justiça devida pela interposição de recurso, suscitada pela Ré em face da concessão do apoio judiciário ao Autor e da decisão proferida pela 1.ª Instância, já transitada em julgado, fica prejudicado o seu conhecimento.

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Com interesse para a decisão relevam os elementos processuais descritos no relatório supra. 

IV - APRECIAÇÃO DO RECURSO

1. Da existência de fundamento legal para indeferimento liminar da petição inicial e da legitimidade das partes.

Insurge-se o Recorrente quanto ao facto de o Tribunal a quo ter julgado inepta a petição inicial por se verificarem os vícios prescritos nas als. a) e b) do art.º 186.º do CPC.
Decorre do estatuído no n.º 1 do art.º 5 do CPC que é às partes que cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aquelas em que se baseiam as excepções invocadas.
Nos termos do disposto no 186.º, n.º e 2, alínea a) e b), do Código de Processo Civil, a falta ou ininteligibilidade do pedido ou da causa de pedir, bem como a contradição entre o pedido e a causa de pedir, determina a ineptidão da petição inicial e a nulidade de todo o processo, o que constitui excepção dilatória, de conhecimento oficioso (cf. artigos 196.º, 577.º, alínea b) e 578º do Código de Processo Civil), resultando das disposições conjugadas dos artigos 590º, n.º 1, e 278º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil, que, se apreciada na fase liminar, antes da citação do réu, dá lugar ao indeferimento liminar da petição e, em momento posterior, à absolvição da instância.
Por outro lado, prescreve o art.º 552.º n.º 1 al. d) do CPC que na petição, com que propõe a acção, deve o autor expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à acção.
Nos termos do artigo 581º, n.º 4, do CPC, a causa de pedir é o facto jurídico de que procede a pretensão deduzida. Ou seja, é o facto concreto que serve de fundamento ao efeito jurídico pretendido, sendo sob o autor que recai o ónus de alegar os factos constitutivos essenciais do direito que invoca.
Assim sendo, o autor propõe a acção na petição inicial deduzindo a sua pretensão mencionando o direito que pretende ver tutelado e os respectivos fundamentos que sustentam a sua pretensão.
O pedido corresponde há pretensão do autor e a causa de pedir é o acto ou facto jurídico concreto donde emerge o direito que o autor invoca e pretende fazer valer, direito que não pode ter existência (e por vezes nem pode identificar-se) sem um acto ou facto jurídico que seja legalmente idóneo para o condicionar ou produzir – o acto ou facto jurídico concreto em que o autor se baseia para formular o seu pedido, de que emerge o direito que se propõe fazer declarar (cfr. J. Alberto dos Reis, Comentário ao CPC, Vol. 2º, Coimbra Editora, 1945, pág. 369 e 374)
A petição inicial é inepta caso não contenha os factos que constituem a causa de pedir, o que implica que se distinga os factos que identificam ou individualizam o direito em causa (factos essenciais ou nucleares) dos factos que não sendo essenciais se revelam imprescindíveis para que a acção proceda, por também serem constitutivos do direito invocado (factos essenciais complementares). Importa ter presente que a falha dos primeiros conduz à ineptidão enquanto que a falha destes últimos apenas revela que a petição é insuficiente ou deficiente a carecer de ser aperfeiçoada de forma a suprir as falhas da exposição da matéria de facto - cfr. arts.º 5º, n.º 2, alínea b) e 590º, n.º 4 do CPC.
Como se refere no Acórdão da Relação de Coimbra de 14.11.2017, proc. n.º 7034/15.9T8VIS.C1 (consultável em www.dgsi.pt) “A figura da ineptidão da petição inicial (que implica que, por ausência absoluta de alegação dos factos que integram o núcleo essencial da causa de pedir, o processo careça, em bom rigor, de um objecto inteligível) distingue-se e contrapõe-se à mera insuficiência na densificação ou concretização adequada de algum aspecto ou vertente dos factos essenciais em que se estriba a pretensão deduzida (implicando que a petição, caracterizando, em termos minimamente satisfatórios, o núcleo factual essencial integrador da causa petendi, omita a densificação de algum aspecto caracterizador ou concretizador de tal factualidade essencial).
E é só nesta segunda situação, de mera insuficiência de concretização factual relevante (de factualidade de que depende a procedência da pretensão do A.), que a parte poderá/deverá ser convidada a completar o articulado, podendo ainda tal insuficiência ou incompletude vir a ser suprida em consequência da aquisição processual de tais factos concretizadores, se revelados no decurso da instrução (art.º 5º, n.º 2, alínea b)), sendo que, persistindo mesmo assim a dita insuficiência concretizadora, a consequência de tal insuficiência da matéria de facto processualmente adquirida não será a anulação de todo o processo, mas antes a improcedência, em termos de juízo de mérito, da própria acção, por o A. não ter logrado, afinal, apesar das amplas possibilidades processuais de que beneficiou, alegar e provar cabalmente todos os elementos factuais constitutivos de que dependia o reconhecimento do direito por ele invocado…”
Em suma, há falta de causa de pedir quando não são alegados os factos em que se funda a pretensão do autor e há insuficiência da causa de pedir quando aqueles factos são alegados, mas são insuficientes para determinar a procedência da acção.
No caso, o autor formula pedido de condenação por dano patrimonial e dano não patrimonial, imputando aos Réus a responsabilidade pelo seu pagamento sem que se perceba qual a sua origem e o seu fundamento.
Fundando-se o direito à indemnização em responsabilidade civil extracontratual a causa de pedir é complexa, pois assenta no evento, na ilicitude, na culpa ou risco, danos e nexo de causalidade, sendo certo que desde logo se impõe a alegação pelo menos dos factos que estejam na origem do direito à indemnização.
No caso, o expendido pela juiz a quo é inteiramente correto, pois a causa de pedir não só é inadequada como ininteligível, como seria de considerar de contraditória com o pedido, se o pretendido tivesse suporte na anulação ou declaração de nulidade de cláusulas do ACT aplicável.
Na verdade, não basta pedir, é necessário fundar o pedido num facto concreto que juridicamente possa viabilizar esse pedido. A causa de pedir deverá ser descrita de forma clara e de modo a ser capaz de mobilizar as virtudes jurídicas latentes em função da situação jurídica em causa, já que representa na acção o substrato material a que o juiz reconhecerá ou não força jurídica bastante para desencadear as consequências jurídicas adequadas - cfr. Ac. RL de 2-02-2010, proc. n.º 6178/07.5TBOER.L1-1.
Daí que houvesse, no caso, que demonstrar e alegar o facto produtor de efeitos jurídicos causador de danos sofridos, segundo os princípios da causalidade adequada, ou seja, a ligação dos prejuízos com o acto censurável a título de culpa.
Ora, na verdade o Recorrente não descreve as razões jurídicas resultantes da relação que mantêm ou manteve com os Réus que o levam a entender que tem direito à indemnização solicitada. Não se vislumbrando assim qualquer razão para mandar aperfeiçoar a petição que se mostra de tal modo inquinada que, em nossa opinião, não teria aperfeiçoamento possível para produzir os efeitos pretendidos pelo recorrente.
Com efeito, tendo presente os pedidos formulados de condenação em indemnização por dano patrimonial e não patrimonial ficamos sem saber o que está na origem de tais pedidos, não se percebe qual o evento que origina o direito à indemnização reclamada pelo autor.
Os artigos 30.º e 34.º da p.i. ao por em causa a validade de cláusulas do ACT aplicável e ao apelarem à nulidade anulabilidade do acto de outorga do ACT não permitem entender a causa de pedir, o que nos leva a concluir pela sua incongruência/contradição com o pedido.
Defende a recorrente que não pretende a anulação de clausulas de qualquer acordo colectivo, mas sim reclama uma indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais que diz serem resultantes da celebração do acordo colectivo, sem que se perceba qual a origem dos danos causadores de prejuízo.
Tal como refere a Procuradora Geral-Adjunta, no parecer junto aos autos “os danos estão alegados e quantificados resta saber donde decorrem e tal não está minimamente explicito na petição inicial.”
Acresce ainda dizer que o recorrente em sede de alegação de recurso limita-se a afirmar que “na petição inicial em causa, são alegados os factos concretos, essenciais e juridicamente relevantes que dão fundamento ao pedido (indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais), sem indicar quais os artigos da p.i. que sustentam e fundamentam os seus pedidos, ficamos sem saber o encadeamento lógico que conduz aos pedidos formulados pelo autor.
Ora, não tendo o Recorrente indicado o facto gerador do núcleo essencial do seu direito que sustente a pretensão por si deduzida em juízo é de concluir pela ocorrência de uma falha na alegação de factos susceptíveis de integrar a causa de pedir, o que inviabiliza o conhecimento do mérito da causa (art.ºs 186.º, 278.º, n.º 1, alínea b); 576.º, n.ºs 1 e 2; 577.º, alínea b) e 578.º todos do CPC.), pelo que é de julgar inepta a petição por omissão/ininteligibilidade da causa de pedir.
Deixamos consignado que em face da posição assumida fica prejudicado o conhecimento da questão da legitimidade de Autor e Réus

2. Da litigância de má-fé

Veio o Recorrido requerer a condenação do Recorrente em multa e indemnização por litigância de má-fé sustentando a sua pretensão no facto do Recorrente pedir a condenação do Recorrido a pagar um valor 32 vezes superior aquele em que em algum momento poderia almejar, já que deixou de ser sócio do sindicato recorrido, deixando por isso de lhe ser aplicável o ACT.

Cumpre apreciar.

Dispõe o artigo 542.º, nº 2, do Código de Processo Civil:

Diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão“. 

Trata-se de um comportamento processual contrário à lei ou uma conduta reprovável, adoptado pela parte com dolo ou negligência grave na prossecução de uma finalidade inadmissível e susceptível de afectar seriamente, de forma injustificada, os interesses da parte contrária.
Numa outra perspectiva diremos que partes têm por obrigação litigar com a devida correcção, com respeito pelos princípios da boa fé e da verdade material e com observância dos deveres de probidade e cooperação expressamente previstos nos art.ºs 7º e 8º do CPC, tendo em vista a eficácia e brevidade na obtenção, a realização do direito e da justiça no caso concreto.
A condenação como litigante de má-fé traduz a reprovação e censura dos comportamentos da parte que, de forma dolosa ou, pelo menos, gravemente negligente pretendeu convencer o tribunal de pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar, a que acresce dizer que a afirmação da litigância de má fé depende da análise da situação concreta, devendo o processo fornecer elementos seguros para por ela se concluir.
A litigância de má fé ocorre nos casos em que o litigante sabe que não tem razão e, apesar disso, litiga (v.g. ao pretender exigir o que sabe não lhe ser devido); ou faz um pedido a que conscientemente sabe não ter direito; ou usa de artifícios para obter decisão de mérito que não corresponde à verdade e à justiça.
Por fim, apraz ainda dizer que a condenação da parte como litigante de má-fé só deverá ocorrer quando resulte dos autos, de forma manifesta e inequívoca, que a parte agiu, conscientemente, de forma reprovável, com vista a impedir ou a entorpecer a acção da justiça.
Analisada a conduta do autor e atentas a deficiências de que padece a petição inicial teremos de concluir que não se verificam minimamente preenchidos os requisitos que nos permitam concluir que o autor ao interpor a presente acção agiu de má fé, formulando pedido a que conscientemente sabe não ter direito, pondo em causa os seus deveres de como litigante.
Destarte, improcede o pedido de condenação do recorrente como litigante de má-fé.

V – DECISÃO

Acordam os Juízes nesta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelo Autor/Apelante, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário que lhe foi concedido,
30 de Março de 2023

Vera Maria Sottomayor (relatora)
Maria Leonor Barroso
Francisco Sousa Pereira