Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
6034/13.8TBBRG-O.G1
Relator: ANTÓNIO SANTOS
Descritores: INSOLVÊNCIA
DESPEDIMENTO COLECTIVO
DÍVIDA DA MASSA INSOLVENTE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/14/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: 4.1. - O crédito de um trabalhador, por indemnização de antiguidade em razão de despedimento ocorrido após a declaração da insolvência ( e antes do encerramento da empresa), determinado pelo Administrador da Insolvência, porque resulta de um acto próprio do exercício da administração deste último , constitui uma dívida da massa , que não um crédito sobre a insolvência.
4.2. - Por outra banda, sendo o crédito indicado em 4.1. emergente de concreta e única declaração receptícia , difícil é conceber que , ao invés de uno ( único , indivisível e como tal devendo ser liquidado , cfr. artº 763º,nº1, do CC ), possa, concomitantemente e ao mesmo tempo, ser qualificado como crédito sobre a massa e crédito sobre a insolvência, ou seja, o respectivo titular, e com referência à mesma realidade jurídica , vê-se obrigado a fraccionar e a reclamar o seu crédito em termos adjectivos diferenciados ( o referente à dívida da insolvência nos termos do artº 128º, do Cire ) e ficando o mesmo sujeito a um pagamento não integral , mas por partes.
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 2ª Secção CÍVEL do Tribunal da Relação de Guimarães
1.Relatório.
F, casado, residente em Braga, veio por apenso ao processo de insolvência da sociedade “P,SA”, instaurar processo de reconhecimento de crédito sobre a massa insolvente, nos termos do art.º 89º do CIRE, contra:
MASSA INSOLVENTE DE SOCIEDADE P, SA, representada pelo Sr. Administrador de Insolvência Dr. J, com domicílio profissional em Vila do Conde, pedindo que,
a) seja declarado e a ré condenada a reconhecer a ilicitude do despedimento do Autor e, em consequência, ser reconhecido que o Autor é credor da massa insolvente de uma indemnização por antiguidade correspondente a 45 dias de retribuição e diuturnidades por cada ano de antiguidade ou fracção, contando-se, para o efeito, todo o tempo decorrido desde a data de admissão até ao trânsito em julgado da decisão judicial e que, na presente data, ascende a €10.725,00 ; a assim não se entender, e subsidiariamente,
b) a ser considerado válido o despedimento do Autor, seja a Ré condenada a reconhecer que o Autor é credor da massa insolvente no valor de € 10.305,61 , a título de compensação pelo despedimento e , consequentemente, seja tal crédito qualificado como divida da massa ;
c) em qualquer das situações, deva ser decretado e a ré condenada a reconhecer que o Autor é credor da quantia de €11.537,50, referente a compensação indemnizatória e créditos salariais de retribuição de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal ;
d) seja decretado que a massa insolvente é devedora do autor dos juros, vencidos e vincendos, calculados à taxa legal de 4%, sobre as importâncias devidas desde a data de constituição em mora até efectivo e integral pagamento;
e) seja a Ré condenada a reconhecer que os créditos devidos ao autor e acima reclamados são dívidas da massa insolvente, devendo, consequentemente, ser condenada no seu pagamento.
Para tanto, alegou o requerente, em síntese, que :
- Foi admitido pela SOCIEDADE P, SA, por contrato de trabalho por tempo indeterminado, em 01/05/2004, para trabalhar sob a sua autoridade, direcção e fiscalização e mediante retribuição, para exercer as funções de Pré-oficial, auferindo como contrapartida do trabalho prestado a quantia mensal de € 650,00,acrescida da importância de € 5,65, a título de subsídio de alimentação diário, para além da quantia de € 3,97 referente a ajudas de custo;
- Sucede que, através de comunicação efectuada à entidade patronal em 20 de Abril de 2013, e à Autoridade para as Condições de Trabalho, o autor suspendeu o contrato de trabalho, nos termos do artº 353º, nº 3 e 325º, ambos do CT, invocando como fundamento a falta de pagamento da retribuição de Abril 2013, assim como o subsídio de Natal vencido em 15-12-2012;
- Porém, por comunicação efectuada em 4/9/2014, foi o autor despedido pela sua entidade patronal (entretanto já declarada insolvente em 3/10/2013), com efeitos a partir do dia 25/11/2014 e com base em decisão proferida em 13/10/2014, despedimento que é todavia ilícito, uma vez que não foram cumpridas todas as formalidades previstas na lei;
- E, porque ilícito, tem o Autor tem direito ao pagamento de uma indemnização correspondente a 45 dias de retribuição base e diuturnidades, por cada ano ou fracção de antiguidade, tendo em conta o valor da retribuição auferida e o elevado grau de ilicitude, contabilizando-se todo o tempo decorrido desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão final, que na presente data ascende à quantia de € 10.725,00 (€ 650,00: 30 x 45 dias x 11 anos);
- Em todo o caso, ainda que válido o despedimento colectivo efectuado, sempre tem o Autor teria o direito à compensação indemnizatória calculada a 45 dias por cada ano de antiguidade e a fracção proporcionalmente, liquidada em € 10.305,61 (€ 650,00: 30 x 45 dias) € 975,00 x 10 anos) e € 975,00 :365 dias x 208 dias), valor este a ser pago de uma só vez, à qual acrescem as importâncias acima referidas a título de retribuição pelas férias, subsídio de férias e subsídio de Natal proporcionais ao trabalho prestado no ano da cessação no montante de €812,50 (650,00: 12 x 5) x 3);
- Todos os referidos créditos salariais, aos quais acrescem os juros vencidos e vincendos, foram constituídos durante o processo de insolvência e, como tal, devem ser considerados DÍVIDA DA MASSA INSOLVENTE.
1.1.- Em sede de Contestação veio a ré Massa Insolvente impetrar a respectiva absolvição do pedido, deduzindo impugnação motivada, e invocando a licitude do despedimento efectuado, a que acresce que, alega, desde a data da insolvência que não mais desenvolveu a insolvente qualquer actividade, não laborando, razão porque nunca o autor esteve sob quaisquer ordens ou instruções da Massa Insolvente.
Logo, conclui a Ré, os créditos do Autor não poderão ser consideradas Dívidas da Massa, as quais estão taxativamente previstas no artigo 51 do CIRE, e não foram constituídos no decurso do processo.
1.2.- Prosseguindo a acção a respectiva tramitação legal, foi designado dia para uma audiência prévia, no âmbito da qual, frustrada que foi a conciliação das partes, e proferido despacho saneador tabelar, foi de imediato designado dia para a audiência de discussão e julgamento.
1.3.- Por fim, concluída a discussão da causa, e conclusos os autos para o efeito, foi finalmente proferida sentença, sendo o respectivo dispositivo do seguinte teor:
“ 6. – Decisão:
Pelos motivos expostos, decido:
6.1.- julgar a presente acção parcialmente procedente e, em consequência, condeno a massa insolvente a pagar ao autor ou ao Fundo de Garantia Salarial o crédito respeitante ao direito à compensação indemnizatória, calculada a 30 dias por cada ano de antiguidade, no valor total de 6.500 euros, e um crédito respeitante à retribuição pelas férias, subsídio de férias e subsídio de Natal proporcionais ao trabalho prestado no ano da cessação no montante de € 812,50.
6.2.- Custas pelo autor e ré na proporção do decaimento.
6.3.- Registe e Notifique.
6.4.- Notifique-se o Fundo de Garantia Salarial, atenta a sub-rogação nos direitos do ora autor já reconhecida por sentença transitada em julgado.
Braga, d.s.
1.4.- Notificada da decisão/sentença referida em 1.3., logo atravessou nos autos a Ré MASSA INSOLVENTE DE P, SA, a competente Apelação, aduzindo então as seguintes conclusões:
1. Por sentença de 03/10/2013, transitada em julgado, foi declarada a insolvência da sociedade P, Lda.
2. Por apenso à acção especial de insolvência da “P, Lda” o Recorrido Reclamou o seu crédito.
3. O Administrador da Insolvência apresentou a lista de créditos reconhecidos e não reconhecidos, nos termos do artigo 129º do CIRE – no qual reconheceu o crédito do Recorrido.
4. Após o prazo para as reclamações de créditos o Administrador da Insolvência apresentou, em 21 de Novembro de 2013, o Relatório previsto no artigo 155ºdo CIRE, propondo o encerramento formal do estabelecimento e a imediata liquidação dos bens da massa insolvente apreendidos ou a apreender.
5. Aquando da declaração da insolvência o estabelecimento comercial não estava a laborar.
6. Já transitou em julgado a sentença de verificação e graduação de créditos – da qual consta o crédito reclamado pelo Recorrido.
7. Por douto despacho do Mmº Juiz foi determinado o encerramento do estabelecimento e prosseguimento dos autos para liquidação da mesma.
8. Na sequência da Reclamação de Créditos apresentada pelo Recorrido, este solicitou ao Fundo de Garantia Salarial o pagamento dos créditos laborais a que tinha direito no âmbito do processo de insolvência.
9. O Fundo de Garantia Salarial pagou ao autor, por conta dos créditos laborais a que tinha direito no âmbito do processo de insolvência, com base na reclamação de créditos apresentada, o valor de € 8.431,19.
10. Por sentença proferida nos autos de insolvência, já transitada em julgado, o Fundo de Garantia Salarial ficou sub-rogado nos direitos do Recorrido na medida dos créditos laborais já efectuados por este ao Recorrido (no âmbito do Apenso de Reclamação de Créditos, isto é, de dívidas da insolvente).
11. O despedimento do Recorrido foi, na douta sentença recorrida, considerado lícito, porquanto:
12. à data da notificação do despedimento colectivo não havia Comissão de Trabalhadores na insolvente;
13. não foi constituída Comissão Representativa dos Trabalhadores;
14. o Administrador da Insolvência notificou o Ministério do Trabalho em 04 de Setembro de 2014 da intenção de proceder ao despedimento colectivo;
15. o Administrador da Insolvência notificou o trabalhador da intenção de proceder ao despedimento colectivo (04-09-2014), juntando as comunicações devidas, e notificou-o da decisão do despedimento.
16. Dúvidas não subsistem que o conceito de credores da insolvência não inclui os credores da massa.
17. O artigo 52º do CIRE tipifica quais as dívidas quais as dívidas da massa insolvente.
18. Um mesmo crédito não pode ser tratado e qualificado, ao mesmo tempo, indistintamente, como “crédito sobre a insolvência” e como “crédito sobre a massa insolvente”.
19. O crédito do Recorrido não emerge de trabalho prestado, não pago, após a data da sentença de insolvência (cfr. item 10 do ponto 3.1 da sentença recorrida – Fundamentação: Factos provados com relevância para a decisão da causa).
20. Está-se perante uma situação de caducidade do contrato de trabalho, já que o Administrador da Insolvência na sequência do despacho judicial que determinou o encerramento da empresa e sua liquidação, procedeu ao despedimento colectivo dos trabalhadores.
21. Acontece que os trabalhadores, pelo menos, desde a data da insolvência não prestaram qualquer actividade na empresa, não havendo qualquer possibilidade da recepção da prestação de trabalho pelo Administrador da Insolvência e/ou da empresa.
22. O despedimento colectivo é ilícito se o empregador “não tiver posto à disposição do trabalhador, até ao termo do prazo do aviso prévio, a compensação a que se refere o art.º 366 do CT e os créditos vencidos ou exigíveis em virtude da cessação do contrato de trabalho, sem prejuízo do disposto na parte final do n.º 4 do art.º 363º do CT.”
23. A especificidade da situação de insolvência justifica que a não disponibilidade das compensações/créditos devidos não torne a cessação do contrato de trabalho ilícita (caso assim fosse todos os despedimentos eram ilícitos, não havendo necessidade de se fazer o despedimento colectivo).
24. A ratio da existência de dívidas qualificáveis como ”dívidas da massa”, a pagar com precipuidade, está na circunstância de haver dívidas do funcionamento da empresa do período posterior à declaração de insolvência e de haver dívidas que são contraídas tendo, exclusivamente, em vista a própria actividade de liquidação e partilha da massa, situação em que não estão ou se enquadram as dívidas por cessação dos contratos de trabalho, principalmente quando tal cessação, como é o caso em apreço, está indissoluvelmente ligada às vicissitudes que envolviam a empresa, que a conduziram à sua insolvência e que culminaram com o seu encerramento.
25. Se se entendesse que a declaração de insolvência não extingue os contratos de trabalho em que a insolvente é empregadora, teríamos que, em caso de encerramento final da empresa da insolvente, todas as indemnizações/compensações por cessação de contratos de trabalho seriam sempre créditos sobre amassa, passando o art.º 333 do CT – sobre os privilégios creditórios dos trabalhadores – a ter uma aplicação residual na graduação efectuada em processo de insolvência. Mais, uma vez que quase tudo passa pela actuação do administrador da insolvência, uma vez que em quase tudo estão incorporados actos do administrador da insolvência, então, tudo ou quase tudo seriam dívidas da massa.
26. O despropósito de tal conclusão desacredita, como sempre, a bondade de raciocínio.
27. Pelo que se tem de concluir que os créditos na compensação/indemnização por cessação do contrato de trabalho, subsequente às vicissitudes/enceramento da empresa insolvente, são créditos da insolvência, não preenchendo alguma das alíneas do art.º 51º do CIRE.
Sem prescindir,
28. Na hipótese de se considerar, o que só academicamente se aceita, que o crédito do Recorrido é dívida da massa, a compensação indemnizatória deve ser calculada a 15 dias e não nos 30 dias por cada ano de antiguidade.
29. Foram cumpridas todas as normas legalmente previstas, o Administrador da Insolvência procedeu ao despedimento colectivo, o despedimento foi considera o lícito, não houve culpa na cessação do contrato de trabalho imputável ao Administrador da Insolvência.
30. A ser entendido que é uma dívida da massa insolvente, a decisão do encerramento do estabelecimento foi judicial, o despedimento foi lícito, como consequência do cumprimento de uma decisão judicial, cumprindo-se o procedimento do despedimento colectivo.
31. Atendendo-se ao factualismo, e à ausência de qualquer grau de ilicitude, é de se atribuir uma compensação indemnizatória de 15 dias de retribuição por cada ano completo ou fracção de antiguidade.
Termos em que, revogando a douta sentença, dando-se provimento ao recurso e declarar-se improcedente a acção de processo comum, se fará, JUSTIÇA!
1.5.- Apresentando contra-alegações, sintéticas, veio o apelado aduzir que a sentença recorrida não merece qualquer censura, como é gritantemente óbvio, razão porque deve a mesma ser confirmada.
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Thema decidendum
1.6. - Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo que, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões [daí que as questões de mérito julgadas que não sejam levadas às conclusões da alegação da instância recursória, delas não constando, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal ad quem] das alegações dos recorrentes (cfr. artºs. 635º, nº 3 e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho), e sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, as questões a apreciar e a decidir resumem-se às seguintes:
I - Se bem andou o tribunal a quo, em sede de sentença, em julgar a acção parcialmente procedente, e, em consequência, em considerar o crédito reconhecido ao autor como sendo uma dívida da massa insolvente;
II - Se, ao invés do sentenciado, mal andou o tribunal a quo ao não considerar que os créditos do apelado e referentes a compensação/indemnização por cessação do contrato de trabalho, são antes créditos da insolvência, não preenchendo qualquer uma das diversas alíneas do art.º 51º do CIRE;
III - Se, impondo-se reconhecer que a dívida em causa nos autos é efectivamente da massa insolvente, deve ainda assim, em face de todo o factualismo provado e à ausência de qualquer grau de ilicitude, a compensação indemnizatória devida ao autor ser reduzida a 15 dias de retribuição por cada ano completo ou fracção de antiguidade.
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2. - Motivação de Facto.
Em sede de sentença, foi fixada pelo tribunal a quo a seguinte factualidade:
A) PROVADA
2.1. - Por sentença proferida em 03/10/2013, já transitada em julgado foi declarada a insolvência da sociedade “P, SA”.
2.2. - A referida sociedade dedicava-se à instalação e comercialização de material eléctrico, conforme documento junto a fls. 22 e ss., cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos.
2.3.- O Autor foi admitido, por contrato de trabalho por tempo indeterminado, em 01/05/2004, para exercer as funções de pré-oficial, como trabalhou, sob a autoridade, direcção e fiscalização da insolvente, mediante retribuição e a continuar a exercer, como exerceu.
2.4.- Como contrapartida do trabalho prestado o autor auferia a retribuição mensal de €650,00, acrescida da importância de € 5,65 a título de subsídio de alimentação diário, para além da quantia de € 3,97 referente a ajudas de custo, conforme documento junto pelo ISS a fls. 125 e ss., cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos.
2.5.- Na vigência da relação laboral, o autor suspendeu o contrato de trabalho, nos termos do artº 353º, nº 3 e 325º, ambos do CT com fundamento na falta de pagamento da retribuição de Abril 2013, 50% de Maio e a retribuição de Junho 2013, assim como o subsídio de Natal vencido em 15-12-2012.
2.6.- A referida suspensão foi comunicada, por carta registada com aviso de recepção, em 02 de Junho 2013, ao empregador e à Autoridade para as Condições de Trabalho, sendo que a suspensão iniciou-se 8 dias após a recepção desta comunicação ou seja 10/07/2013, conforme documento junto a fls. 29 a 34, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos
2.7.- O Autor manteve-se ininterruptamente ao serviço da insolvente desde a data da sua admissão até 10/11/2014, data em foi despedido no âmbito do despedimento colectivo promovido pelo Administrador da Insolvência, conforme documentos juntos a fls. 35 a 40, 91v e 92v, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos.
2.8.- O despedimento colectivo foi iniciado pela Insolvente, na pessoa do Sr. Administrador de Insolvência, com a comunicação efectuada a 04/09/2014, tendo, em 13/10/2014 sido proferida a decisão de despedimento do Autor, com efeitos a partir do dia 10/11/2014, conforme documentos juntos a fls. 35 a 40, 91 v e 92v, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos.
2.9.- Após ter decorrido o prazo para as reclamações de créditos ( 30 dias) o Administrador da insolvência apresentou, em 21 de Novembro de 2013, o Relatório previsto no artigo 155º do CIRE, no qual propôs o encerramento formal do estabelecimento e a imediata liquidação dos bens da massa insolvente apreendidos ou a apreender, visando a futura repartição do produto pelos credores, conforme documentos juntos a fls. 84 e ss., cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos.
2.10.- Aquando da declaração da insolvência, o estabelecimento comercial não se encontrava a laborar.
2.11.- Por douto despacho do Mmº Juiz, junto a fls. 89v e 90, foi determinado o prosseguimento dos autos para liquidação da mesma (Pontal, SA), assim como o início da mesma.
2.12.- À data da notificação do despedimento colectivo não havia Comissão de Trabalhadores na insolvente,
2.13.- Não foi constituída Comissão Representativa dos Trabalhadores.
2.16.- O Administrador da Insolvência notificou o Ministério do Trabalho em 04 de Setembro de 2014 a intenção de proceder ao despedimento colectivo, conforme documento junto a fls. 91v, cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos.
2.17.- O autor reclamou junto do administrador da insolvência o pagamento de créditos laborais no valor total de 14.268,94 euros, conforme petição inicial junta a fls. 157 e ss., cujos dizeres se dão aqui por integralmente reproduzidos.
2.18.- O Fundo de Garantia salarial pagou ao autor, por conta dos seus créditos laborais a que tinha direito no âmbito deste processo de insolvência, no valor total de 8.486,21 euros.
2.19.- Por sentença proferida nos autos de insolvência, já transitada em julgado, o Fundo de Garantia Salarial ficou sub-rogado nos direitos do autor na medida do pagamento dos créditos laborais já efectuado por este ao autor.
2.20.- O crédito reclamado pelo autor junto do AI, no âmbito das reclamações de créditos, foi reconhecido nos termos da lista de créditos reconhecidos junta a fls. 133 e ss..
B) NÃO PROVADA.
2.21.- Não se provaram os demais factos alegados pelas partes que não estejam mencionados nos fatos provados ou estejam em contradição com estes, nomeadamente, os seguintes:
2.22. - O administrador da insolvência não comunicou o despedimento colectivo ao Ministério do Trabalho.
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3.Motivação de direito.
3.1.- Da apelação interposta pela MASSA INSOLVENTE
Relacionam-se as duas primeiras questões do thema decidenduum da presente apelação com a controvérsia atinente à responsabilidade pelo pagamento do quantum atribuído (a título de compensação indemnizatória e retribuição de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal proporcionais ao trabalho prestado no ano da cessação) ao apelado em razão da cessação do respectivo contrato de trabalho, mais precisamente, se deve o mesmo ser considerado como uma dívida da massa insolvente (tal como o decidiu o tribunal a quo, e no pressuposto de que o despedimento colectivo foi promovido pelo Administrador da Insolvência e após a declaração de insolvência da entidade patronal do A/trabalhador), ou, ao invés, e tal como o entende a apelante, deve o crédito do apelado, ademais porque subsequente e interligado com as vicissitudes/fundamentos que conduziram ao encerramento da empresa insolvente, integrar o rol das dívidas da insolvência, não sendo de resto subsumível a qualquer uma das alíneas do art.º 51º do CIRE.
Vejamos, já de seguida, qual o entendimento adequado/correcto, sendo que, antes de mais, importa atentar no que nos dizem especificas disposições legais relacionadas com a questão decidenda, as primeiras inseridas no CIRE (1), e , as segundas, no Código do Trabalho (2).
Começando pelo art.º 46º, nº 1, do CIRE, diz-nos ele que “a massa insolvente destina-se à satisfação dos credores da insolvência, depois de pagas as suas próprias dívidas, e, salvo disposição em contrário, abrange todo o património do devedor à data da declaração de insolvência, bem como os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo”, e, logo a disposição legal seguinte (a do artº 47º, sob a epígrafe de “Conceito de credores da insolvência e classes de créditos sobre a insolvência “) , refere (no nº 1) que “Declarada a insolvência, todos os titulares de créditos de natureza patrimonial sobre o insolvente, ou garantidos por bens integrantes da massa insolvente, cujo fundamento seja anterior à data dessa declaração, são considerados credores da insolvência, qualquer que seja a sua nacionalidade e domicílio” e, bem assim, (no nº2), que “ Os créditos referidos no número anterior, bem como os que lhes sejam equiparados, e as dívidas que lhes correspondem, são neste Código denominados, respectivamente, créditos sobre a insolvência e dívidas da insolvência “ .
De seguida, ainda no Cire e no respectivo artº 51º, descrimina o legislador diversas dívidas ( nas alíneas a) a j), do nº 1 ) que são consideradas como sendo da massa insolvente, terminando o nº 2 do mesmo normativo por referir que “Os créditos correspondentes a dívidas da massa insolvente e os titulares desses créditos são neste Código designados, respectivamente, por créditos sobre a massa e credores da massa “.
Dos normativos acabados de enunciar, a primeira conclusão que importa retirar é a de que no âmbito do CIRE, consagrou e tratou o legislador de forma diferenciada duas categorias de dívidas, a saber: as dívidas da insolvência (a que correspondem os denominados créditos sobre a insolvência) e as dívidas da massa insolvente (a que correspondem os créditos sobre a massa insolvente).
As primeiras (às quais se refere o art.º 47º), reportam-se a créditos de natureza patrimonial sobre o insolvente, ou garantidos por bens integrantes da massa insolvente, cujo fundamento seja anterior à data da declaração de insolvência (3).
Já as segundas, são as enunciadas pelo art.º 51º, além de outras que, como tal, sejam qualificadas pelo mesmo código (cf., v.g. as dos art.ºs 84º, 140º, nº 3 e 142º, nº 2).
A classificação e distinção acabadas de sinalizar (entre dívidas da insolvência e dívidas da massa insolvente), recorda-se, assumem a maior importância, desde logo em razão do regime diferenciado a que se encontram sujeitas cada uma das dívidas, sendo que, de entre as referidas diferenças, importa destacar as que se prendem com o timing da respectiva satisfação, pois que, as segundas, são satisfeitas primeiramente, tal como o determina o nº1, do artº 172º, do CIRE, ao estipular que “Antes de proceder ao pagamento dos créditos sobre a insolvência , o administrador da insolvência deduz da massa insolvente os bens ou direitos necessários á satisfação das dividas desta, incluindo as que previsivelmente se constituirão até ao encerramento do processo“.
Ou seja, é inquestionável que as dívidas da massa insolvente ( v.g. as indicadas o artº 51º, do CIRE ) beneficiam de um regime mais favorável no pagamento do que os créditos sobre a insolvência, não estando desde logo sujeitas ao processo de verificação e de graduação de créditos, não tendo portanto que ser reclamadas (4).
Dito de uma outra forma (5), “ as como tal qualificadas, dívidas da massa, são pagas com precipuidade, significando isto que os créditos sobre a insolvência, independentemente da sua categoria, são preteridos no confronto com os créditos sobre a massa “.
Já relativamente ao critério subjacente à distinção de umas e outras, tem a doutrina especializada vindo a considerar que, as primeiras ( dívidas da massa insolvente ), são consequência da própria situação de insolvência, ou seja, o respectivo fundamento reside na própria situação de insolvência.
Já as segundas ( dívidas da insolvência ), o seu fundamento localiza-se em momento anterior à própria situação de insolvência (6) .
Com pertinência ainda para a referida distinção, referem também Carvalho Fernandes e João Labareda (7) que “a consequência é , pois, a de que todas as dívidas de funcionamento da empresa nascidas no período posterior à declaração de insolvência - dívidas laborais, fiscais, previdenciais, bancárias, de fornecimento, etc. -, por serem consideradas dívidas da massa insolvente, são pagas prioritariamente à satisfação de todos os credores da insolvência, titulares de créditos anteriores à prolação da sentença (art.° 47.°, n.° 1), em conformidade com o que se estabelece no art.° 46°, n.° 1”.
Mas, desenvolvendo um pouco mais, e procurando desde logo descobrir no próprio CIRE qual o conteúdo do conceito de “dívidas da insolvência” , vemos que o seu artigo 47.º, justamente destinado à definição de conceitos, tais como os de “credores da insolvência”, de “créditos da insolvência” e os das diversas classes de créditos sobre a mesma (n.ºs 1, 2 e 4), fornece-nos uma resposta que prima facie se nos afigura ser desde logo esclarecedora .
Na verdade, logo a partir da própria redacção e conteúdo dos nºs 1 e 2 , do artº 47.º ( acima reproduzido ), vemos que, ao conceito de “dívidas da insolvência” (artigo 47.º, n.º 2) se contrapõe o de “dívidas da massa insolvente” (artigo 51.º), sendo estas últimas as constituídas no decurso do processo de insolvência.
Ou seja, as “dívidas da insolvência” definem-se, desde logo, por força da localização temporal do seu fundamento.
Alinhando por raciocínio algo semelhante, e à luz do disposto no artº. 51º, n.º 1, alínea f), do CIRE, também para Júlio Manuel Vieira Gomes (8), pertinente é considerar que as dívidas respeitantes a período anterior à declaração de insolvência, e correspondentes a uma contraprestação (trabalho) já realizada, são dívidas da insolvência, mas , serão já dívidas da massa insolvente aquelas que respeitam a trabalho realizado posteriormente à declaração de insolvência.
Mas o que dizer das compensações/indemnizações devidas aos trabalhadores da insolvente em razão da cessação dos seus contratos de trabalho operada por decisão do administrador da insolvência? Serão as mesmas dívidas da insolvência (9) , porque não integram o tatbestand de qualquer uma das diversas alíneas do art. 51.º do CIRE, ou , ao invés , porque em rigor decorrentes/resultantes de acto praticado pelo administrador da insolvência , serão já da responsabilidade da massa insolvente .
Pela nossa parte, ainda que reconhecendo a pertinência ( e a dificuldade da questão ) das considerações tecidas ( a propósito da referida questão ) no Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra, de 14/7/2010 [ ainda que de Ac. se trate que foi objecto de critica áspera da parte de Menezes Leitão (10) ] , já por nós referido, e as divergências a que se vem assistindo, quer na doutrina (11), quer na jurisprudência (12), sobre a solução adequada para tal matéria, qual verdadeira vexata quaestio, e em razão desde logo do disposto no artº 9º, nº 2, do CC [ maxime a letra da lei , como o reconhece Júlio Gomes (13) ], temos como mais adequado (14) reconduzir tais dívidas ( in totum ) à responsabilidade da massa insolvente, no seguimento de resto do entendimento perfilhado por LUÍS CARVALHO FERNANDES (15).
E, para tanto, necessário/pertinente não se nos afigura, sequer, destrinçar o quantum indemnizatório reportado ( ou proporcional ) ao trabalho prestado pelo trabalhador da insolvente até à data da declaração da insolvência, daqueloutro reportado ( ou proporcional ) ao trabalho prestado já após a declaração da insolvência e até à efectiva extinção do vínculo laboral, sendo o primeiro uma dívida da insolvência e, o segundo, uma dívida da massa insolvente. (16)
Na verdade, do nº1, do artº 47º do Cire, decorre que o credor da insolvência é aquele, e só aquele, que à data da Declaração da insolvência lícito é já arrogar-se a qualidade de credor, e naturalmente com base em fundamento anterior à referida data.
Dir-se-á que, para que o crédito exista à data da Declaração da insolvência , forçoso é que, já na referida data, existia um vínculo jurídico por força do qual o respectivo titular/credor tinha o poder de exigir da pessoa declarada insolvente um certo comportamento ( uma prestação), para satisfação de um interesse digno de protecção legal , sendo ele in casu e necessariamente de natureza patrimonial . (17)
Dito de uma outra forma, o sujeito que se arroga de credor do insolvente, há-de dispor de estipulação que lhe atribui o direito subjectivo ( conferido, obviamente, pela ordem jurídica ) de poder exigir determinado comportamento/prestação de outrem ( sobre o qual incide o dever de prestar ), como meio de satisfação de um direito próprio ou alheio, sendo que, estando-se na presença da mesma realidade ( como o anverso e reverso da mesma medalha ), chama-se crédito ao seu lado activo ( sendo o respectivo titular o credor ) e, ao respectivo lado oposto, denomina-se de débito .
Ora, pressupondo um crédito compensatório/indemnizatório de um trabalhador, quando alicerçado/ancorado na cessação de vínculo de natureza laboral, a montante, e como fundamento, a existência de um negócio jurídico integrado por uma declaração receptícia , expressa ou tácita - e cuja eficácia depende da recepção pelo destinatário nos termos dispostos no artº 224º,nº1, do Código Civil - tendente à extinção ex nunc de contrato de trabalho (18) , não se alcança como considerar , à data da declaração de insolvência, um trabalhador um efectivo credor da insolvente de uma indemnização quando não existe ainda, sequer, uma declaração receptícia do referido tipo, qual causa/fundamento de qualquer crédito indemnizatório e/ou compensatório .
Aliás, o próprio legislador, em sede de preâmbulo do DL n.º 53/2004, de 18 de Março (Cire) , é bem elucidativo em precisar que , no referido diploma legal, “ distinguem-se com precisão as ‘dívidas da insolvência’, correspondentes aos créditos sobre o insolvente cujo fundamento existisse à data da declaração de insolvência e aos que lhes sejam equiparados ( que passam a ser designados como ‘créditos sobre a insolvência’, e os respectivos titulares como ‘credores da insolvência’ ), das ‘dívidas ou encargos da massa insolvente’ ( correlativas aos ‘créditos sobre a massa’, detidos pelos ‘credores da massa’ ), que são, grosso modo, as constituídas no decurso do processo”.
Acresce que, importa não olvidar, e incidindo agora a nossa atenção sobre o conteúdo de disposição legal do Código do Trabalho [ Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro], é o respectivo artº 347º ( com a epígrafe de Insolvência e recuperação de empresa ) bastante assertivo quando refere que :
1- A declaração judicial de insolvência do empregador não faz cessar o contrato de trabalho, devendo o administrador da insolvência continuar a satisfazer integralmente as obrigações para com os trabalhadores enquanto o estabelecimento não for definitivamente encerrado.
2 - Antes do encerramento definitivo do estabelecimento, o administrador da insolvência pode fazer cessar o contrato de trabalho de trabalhador cuja colaboração não seja indispensável ao funcionamento da empresa.
3 - A cessação de contratos de trabalho decorrente do encerramento do estabelecimento ou realizada nos termos do n.º 2 deve ser antecedida de procedimento previsto nos artigos 360.º e seguintes, com as necessárias adaptações.
4 - O disposto no número anterior não se aplica a microempresas.
5 - Na situação referida no n.º 2, o trabalhador tem direito à compensação prevista no artigo 366.º
6 - O disposto no n.º 3 aplica-se em caso de processo de insolvência que possa determinar o encerramento do estabelecimento.
7 - Constitui contra-ordenação grave a violação do disposto no n.º 5.”.
Ou seja, a declaração judicial de insolvência do empregador não extingue o contrato de trabalho , antes deve este último continuar a ser executado, cabendo ao administrador continuar a cumprir integralmente as obrigações que deles resultavam para o empregador, como que existindo doravante “ um vínculo de representação da empresa insolvente pelo administrador, que não é um terceiro relativamente a ela, para efeitos do art. 589.º do CC”. (19)
Por outra banda, consubstanciando um acto de administração da massa insolvente a manutenção da empresa em laboração, razão porque as dívidas respeitantes a salários e demais contraprestações do trabalho prestado pelos trabalhadores da insolvente, após a declaração de insolvência, são qualificadas pelo art.º 51º, n.º 1, c), como dívidas da massa insolvente, não se vê como não considerar outrossim como dívida da massa insolvente a compensação e ou/indemnização devida a um trabalhador da insolvente em razão de uma decisão do administrador direccionada para a cessação de um contrato de trabalho [ com o fundamento na não indispensabilidade do trabalhador à manutenção da empresa em funcionamento - cfr. artº 347º, nº2, do CT ], integrando a mesma a previsão do artigo 51º, nº 1, al. d) , do Cire [ São dívidas da massa insolvente, além de outras como tal qualificadas: d) “As dívidas resultantes da actuação do administrador da insolvência no exercício das suas funções”, ou, então, a situação prevista na al. c): “As dívidas emergentes dos actos de administração, liquidação e partilha da massa insolvente” ] , e sendo tal decisão um efectivo negócio jurídico integrado por uma declaração receptícia e cuja eficácia depende da recepção pelo destinatário, nos termos dispostos no artº 224º,nº1, do Código Civil ] . (20)
Neste sentido, e além de outros, se pronunciou já este Tribunal da Relação de Guimarães (21), ao considerar que a cessação do contrato de trabalho “insere-se na actividade de administração da empresa insolvente, …, enquadrada no processo global de liquidação da massa insolvente, uma vez que se traduz num acto de gestão, com vista a agilizar a produção, perspectivando uma maior rentabilidade, tornando-se mais atractiva para o mercado”, e também o Tribunal da Relação do Porto (22).
Em suma, em razão do acabado de referir , e tal como conclui José João Abrantes (23), a declaração de insolvência não é causa directa de cessação do contrato de trabalho, podendo este último ser ou não afectado no futuro, consoante o destino final da empresa , mas, acrescenta, da declaração de insolvência podem derivar dois fundamentos para a caducidade do vínculo laboral: um deles é a impossibilidade de manutenção do contrato por encerramento definitivo do estabelecimento; o outro a desnecessidade de colaboração dos trabalhadores. Em qualquer desses dois casos, para a cessação do vínculo, excepto nas microempresas, é necessário o procedimento previsto para o despedimento colectivo ( tendo o trabalhador direito à compensação estabelecida no art. 366.º do CT ).
Daí que, ainda segundo João Abrantes, atendendo ao facto de os créditos anteriores à declaração de insolvência serem créditos sobre a insolvência e os créditos posteriores a essa declaração créditos sobre a massa [ cfr. art. 51/1-f ) do CIRE], hão-de os segundos ser liquidados previamente aos primeiros ( cfr. art. 172.º). (24)
Isto dito, tendo resultado da factualidade provada que o Autor foi admitido, por contrato de trabalho por tempo indeterminado, em 01/05/2004, para exercer as funções de pré-oficial, sob a autoridade, direcção e fiscalização da insolvente, e que , tendo-se mantido ininterruptamente ao serviço da insolvente desde a data da sua admissão até o dia 10/11/2014 , foi nesta data despedido no âmbito do despedimento colectivo promovido pelo Administrador da Insolvência ( cfr. item 2.7. da motivação de facto) , não se descortina fundamento pertinente que obrigue a considerar que o crédito que emerge do referido despedimento - e tendo presente que por sentença proferida em 03/10/2013, transitada em julgado, foi declarada a insolvência da sociedade “P, SA” - e do qual é o autor/apelado credor , não corresponde a uma dívida da massa insolvente, desde logo porque ancorado em fundamento posterior ( a cessação de contrato ) , que não anterior ( cfr. artº 47º, nº1, do Cire ) , à declaração da insolvência.
Por conseguinte, em razão do exposto, o crédito do Autor F, atribuído em razão da cessação do contrato por despedimento, é uma dívida da massa insolvente (não é um crédito sobre a insolvência) e , como tal, deve ser pago em conformidade com disposto no art.º 172º, nºs 1, 2 e 3 , do Cire.
Uma última nota temos ainda por conveniente aduzir, e relacionando-se a mesma com o entendimento perfilhado em alguns Acs. da Segunda Instância ( vide nota 16) , no sentido de que pertinente é partir o crédito indemnizatório do trabalhador e cujo vínculo laboral cessa em face de acto do adminitsrdor da insolvência , em créditos de diversa natureza, sendo uma parte ( a proporcional à antiguidade contabilizada até à data da declaração de insolvência ) uma dívida da insolvência , e , o remanescente ( proporcional ao trabalho prestado pelo trabalhador já após a declaração da insolvência e até à efectiva extinção do vínculo laboral) , uma dívida da massa.
É que, para nós, difícil é conceber que um crédito, que é uno ( único ), e ancorado inevitavelmente na mesma e única declaração receptícia, possa, concomitantemente e ao mesmo tempo, ser qualificado como crédito sobre a massa e crédito sobre a insolvência, ou seja, o respectivo titular, e com referência à mesma realidade jurídica , vê-se obrigado a reclamar o crédito em termos adjectivos diferenciados ( o referente à dívida da insolvência nos termos do artº 128º, do Cire e , já os credores da massa, não estando onerados com a reclamação dos seus créditos, devem aguardar que os respectivos créditos lhes sejam liquidados com precipuidade , cfr. art 172º do Cire ) e sujeito, porque fraccionado, a timings de pagamento diversos ( que o mesmo é dizer, passa a correspondera prestação pecuniária que não é realizada integralmente, mas por artes, ao arrepio do que dispõe o artº 763º,nº1, do CC ) .
Depois, tal forma de abordagem, é para nós outrossim dificilmente conciliável com o disposto o artº 347º, do Cód. do trabalho, no sentido de que, em rigor, e por si ( a se ) , não consubstancia a declaração judicial de insolvência do empregador uma qualquer vicissitude contratual relevante no tocante aos vínculos de natureza laboral à data existentes.
Em suma, como bem se nota em Ac. deste mesmo Tribunal da Relação de Guimarães e de 9/7/2015 (25), perfilhar a solução mista que vimos analisando, equivale a “confundir critérios de cálculo dai ndemnização por antiguidade com a qualificação da dívida, ignorando-se as regras de repercussão jurídica dos actos no tempo, como seja o momento de constituição da mesma dívida, a qual ocorreu inexoravelmente já durante a insolvência e por acto praticado pelo administrador judicial” .
A apelação, portanto, nesta parte, improcede.
*
3.2. - Se, em face de todo o factualismo provado e à ausência de qualquer grau de ilicitude, a compensação indemnizatória devida ao autor deve ser reduzida a 15 dias de retribuição por cada ano completo ou fracção de antiguidade.
Tendo o tribunal a quo, fixado o quantum referente à compensação indemnizatória, no valor total de 6.500 euros, calculando-o com base em retribuição de 30 dias por cada ano de antiguidade, vem a apelante aduzir que, a compensação indemnizatória em causa deve ser calculada com referência a 15 dias e não nos 30 dias por cada ano de antiguidade.
É que, diz a apelante, no caso em apreço foram cumpridas todas as normas legalmente previstas, o Administrador da Insolvência procedeu ao despedimento colectivo, o despedimento foi considerado lícito, e não houve culpa na cessação do contrato de trabalho imputável ao Administrador da Insolvência.
Adiantando desde já o nosso veredicto, à partida incorre a apelante em aparente contradição, qual seja a de, não obstante considerar estar-se na presença de um despedimento lícito, almeja a que o quantum compensatório e/ou indemnizatório seja calculado com base em disposição legal ( a do artº 391º,nº1, do CT ) direccionada para a cessação ilícita de contrato de trabalho.
Mas, também o tribunal a quo, ao proceder ao cálculo da compensação indemnizatória, com base em valor correspondente a 30 dias por cada ano de antiguidade, pretensamente à luz do artº 439º,nº1, do CT e alegadamente em vigor na data do despedimento, não é igualmente feliz, desde logo porque, à data do despedimento – 10/11/2014 – o artº 439º do CT, então vigente, e sob a epígrafe de Controlo de legalidade da constituição e dos estatutos das comissões, nada dizia sobre o montante da compensação devido.
Vejamos.
À data da cessação do contrato de trabalho ( 10/11/2014 ), vigorando o artº 347º do Código do Trabalho com a redacção anterior às alterações nele introduzidas com a Lei n.º 28/2015, de 14 de Abril ( oitava alteração ao Código do Trabalho), e com a Lei n.º 120/2015, de 1 de Setembro
( nona alteração ao Código do Trabalho ), a verdade é que dispunha o respectivo nº 5 que caso o administrador da insolvência faça cessar o contrato de trabalho de trabalhador - cuja colaboração não seja indispensável ao funcionamento da empresa - , tem este último direito à compensação prevista no artigo 366.º.
O art. 366º do CT, com as alterações nele introduzidas pela Lei nº 23/2012, de 25/6, e como bem refere Leal Amado (26), passou doravante a assumir um valor matricial , em razão das múltiplas remissões que os demais artigos do Código lhe endereçam.
O mesmo artº 366º do CT, maxime em resultado das alterações que lhe foram efectuadas pela Lei n.º 69/2013, de 30 de agosto , passou a dispor que :
1 - Em caso de despedimento colectivo, o trabalhador tem direito a compensação correspondente a 12 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade.
2 - A compensação prevista no número anterior é determinada do seguinte modo:
a) O valor da retribuição base mensal e diuturnidades do trabalhador a considerar para efeitos de cálculo da compensação não pode ser superior a 20 vezes a retribuição mínima mensal garantida;
b) O montante global da compensação não pode ser superior a 12 vezes a retribuição base mensal e diuturnidades do trabalhador ou, quando seja aplicável o limite previsto na alínea anterior, a 240 vezes a retribuição mínima mensal garantida;
c) O valor diário de retribuição base e diuturnidades é o resultante da divisão por 30 da retribuição base mensal e diuturnidades;
d) Em caso de fracção de ano, o montante da compensação é calculado proporcionalmente .
Por sua vez, por força do regime transitório aprovado pela Lei nº 69/2013, de 30/8 (27) [ e tal como já o fizera a Lei nº 23/2012 ] , e tendo presente a redacção do respectivo artº 5º ( Regime transitório em caso de cessação de contrato de trabalho sem termo ) , importa atentar que :
1- Em caso de cessação de contrato de trabalho celebrado antes de 1 de Novembro de 2011, a compensação prevista no n.º 1 do artigo 366.º do Código do Trabalho, na redacção conferida pela presente lei, é calculada do seguinte modo:
a) Em relação ao período de duração do contrato até 31 de Outubro de 2012, o montante da compensação corresponde a um mês de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade ou é calculado proporcionalmente em caso de fracção de ano;
b) Em relação ao período de duração do contrato a partir de 1 de Novembro de 2012 inclusive e até 30 de Setembro de 2013, o montante da compensação corresponde a 20 dias de retribuição base e diuturnidades calculado proporcionalmente ao período efectivo de trabalho prestado;
c) Em relação ao período de duração do contrato a partir de 1 de Outubro de 2013 inclusive, o montante da compensação corresponde à soma dos seguintes montantes:
i) A 18 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade, no que respeita aos três primeiros anos de duração do contrato;
ii) A 12 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade, nos anos subsequentes;
iii) O disposto na subalínea i) aplica-se apenas nos casos em que o contrato de trabalho, a 1 de Outubro de 2013, ainda não tenha atingido a duração de três anos;
2- O montante total da compensação calculado nos termos do número anterior não pode ser inferior a três meses de retribuição base e diuturnidades.
Efectuando os devidos cálculos, temos assim que, ao invés de € 6.500,00 , a compensação devida ao Autor/apelado, e em razão do regime transitório acima identificado, é de € 6.210,00 [ €5.525,00 ( com referência ao período do contrato até 31/10/2012 ) + €397,00 ( com referência ao período do contrato de 1/11/2012 a 30/9/2013 ) + € 260,00 00 ( com referência ao período do contrato de 1/10/2013 a 30/9/2014 ) + €28,00 ( com referência ao período do contrato de 1/10/2014 a 10/11/2014 ).
Em suma, a apelação da Ré MASSA INSOLVENTE DE SOCIEDADE P, SA, ainda que por razões diversas das invocadas, procede parcialmente.
*
5.- Decisão.
Pelo exposto,
acordam os Juízes na 2 dª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães , em , julgando a apelação parcialmente procedente:
5.1.- Fixar em € 6.210,00 a compensação indemnizatória que ao apelado F é devida pela massa insolvente e em razão da cessação do contrato de trabalho;
5.2.- Manter, no mais, a sentença recorrida, maxime relativamente ao decidido no tocante ao crédito respeitante à retribuição pelas férias, subsídio de férias e subsídio de Natal.
Custas da apelação pela massa insolvente e pelo apelado, e na proporção , respectivamente, de 96% e 4%.
*
(1) Aprovado pelo DL nº 53/2004, de 18 de Março .
(2) Aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, e , em razão da data da cessação do contrato, com a redacção anterior às alterações introduzidas no Código do Trabalho com a Lei n.º 28/2015, de 14 de Abril ( oitava alteração ao Código do Trabalho ), e Lei n.º 120/2015, de 1 de Setembro
(nona alteração ao Código do Trabalho).
Neste conspecto, acolhe-se o entendimento de Carvalho Fernandes [ in RDES, XLV, 1, 2 e 3, págs. 19, 20 e 21 ], sufragado também por Joana Vasconcelos [ in Insolvência do Empregador, Destino da Empresa e Destino dos Contratos de Trabalho, VIII Congresso Nacional de Direito do Trabalho, Almedina, Coimbra, 2005 ] , no sentido de que é o próprio CIRE – no artº 277º - que refere qual a sede legal do destino do contrato de trabalho, como efeito da declaração de insolvência, pois que, embora de uma norma de conflitos se trate , também esclarece o artº 277º , no foro doméstico, qual o regime aplicável, ao determinar que “os efeitos da declaração de insolvência relativamente a contratos de trabalho e à relação laboral regulam-se exclusivamente pela lei aplicável ao contrato de trabalho” .
(3) Cfr. Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, in Direito da Insolvência, 2103, 5 tª Edição, pág. 89
(4) Cfr. Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, ibidem, pág. 89.
(5) Cfr. Carvalho Fernandes e João Labareda, in CIRE Anotado, 3ª Edição, Quid Juris,2015, pág. 308.
(6) Cfr. Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, ibidem, pág. 87.
(7) Ibidem, pág. 309.
(8) In Nótula sobre os efeitos da insolvência do empregador nas relações de trabalho, in I Congresso de direito da insolvência”, Almedina, 2013, págs. 285 ss.
(9) Cfr. Ac. Acórdão da Relação do Porto de 14.7.2010, proc. 562/09.7T2AVR-P.C1, in www.dgsi.pt .
(10) In “A natureza dos créditos laborais resultantes de decisão do administrador de insolvência” , Cadernos de Direito Privado nº 34, 2011, págs. 63 a 66.
(11) Vide neste sentido, os Acs. do tribunal da Relação de Guimarães, de 21/5/2015, Proc. nº 6320/07.6TBBRG-W.G1, de 29/9/2014, Proc. nº 6320/07.6TBBRG-W.G1 e de 9/7/2015, Proc. nº 72/12.5TBVRL-AG.G1 ; o Ac. do tribunal da Relação de Évora, de 14/6/2012, Proc. nº 177/09.0TBVRS-F.E1; os Acs. do tribunal da Relação do Porto, de 7/6/2010, proferido no âmbito do processo 373/07.4TYVNG-V.P1, de 14/10/2013, Proc. nº 711/12.8TTMTS.P1, e de 30/11/2015, Proc. nº 775/12.4TTMTS.P3, todos eles acessíveis in www.dgsi.pt.
(12) Vide por todos Miguel Lucas Pires, in Dos Privilégios Creditórios, Almedina, 2015, 2ª edição revista e actualizada, págs . 411 a 413, aludindo o autor na referida ob. às diversas e divergentes posições conhecidas.
(13) Cfr. Júlio Manuel Vieira Gomes, in I Congresso de Direito da Insolvência, 2013, Almedina.
(14) Vide v.g. o Ac. deste Tribunal da Relação de Guimarães, de 9/7/2015, Proc. nº 72/12.5TBVRL-AJ.G1 , in www.dgsi.pt.
(15) In Efeitos da Declaração de Insolvência no Contrato de Trabalho segundo o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, RDES 2004, ano XLV, págs. 5 e segs., pág. 26.
(16) Neste sentido vide os Acs. deste Tribunal da Relação de Guimarães, os dois de 9/7/2015, e referentes aos Procs. nº 72/12.5TBVRL-AH.G1 e nº 72/12.5TBVRL-AJ.G1, ambos in www.dgsi.pt.
(17) Cf. João de Matos Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, Vol. I, 3ª edição, pág. 52.
(18) Cfr. Bernardo da Gama Lobo Xavier, in Curso de Direito do Trabalho, pág. 478.
(19) Cfr. José João Abrantes, in Efeitos da Insolvência do Empregador no Contrato de Trabalho, Estudos em homenagem ao Prof. Doutor José Lebre de Freitas, vol. II, Coimbra, Coimbra Editora, 2013, pp. 577 a 586.
(20) Cfr. António de Lemos Monteiro Fernandes , in Direito do Trabalho , I , pág. 479.
(21) Em Ac. de 29/9/2014, Proc. nº 6320/07.6TBBRG-W.G1, in www.dgsi.pt.
(22) Cfr. Acórdão da Relação do Porto de 14.10.2013 proc. 711/12.8TTMTS.P1, in www.dgsi.pt.
(23) Ibidem.
(24) In O CONTRATO DE TRABALHO NO CONTEXTO DA EMPRESA, DO DIREITO COMERCIAL E DO DIREITO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS, CEJ, Colecção de Formação Inicial, Janeiro de 2014, “ Efeitos da Insolvência do Empregador no Contrato de Trabalho”, pág. 20, nota 10.
(25) Proferido no Processo nº 72/15.5TBVRL-W.G1 , in www.dgsi.pt.
(26) In “O Despedimento e a Revisão do Código do Trabalho: as Primeiras Notas Sobre a Lei n.º23/2012, de 25 de junho”, Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 141, n.º3974, Coimbra Editora, maio-junho 2012, pág.302.
(27) Lei nº 69/2013, de 30 de Agosto, que, introduzindo a quinta alteração ao Código do Trabalho, vem rever o valor compensatório devido por cessação do contrato, reduzindo o valor das compensações, na eventualidade de cessação dos contratos de trabalho celebrados a partir de 1 de Outubro de 2013.
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Guimarães, 14 de Janeiro de 2016.
António Manuel Fernandes dos Santos ( O Relator)
Maria Amália Pereira dos Santos ( 1º Adjunto)
Ana Cristina Oliveira Duarte ( 2º Adjunto)