Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
834/19.2T9VRL.G1
Relator: VERA SOTTOMAYOR
Descritores: RECURSO PENAL
CONTRA-ORDENAÇÃO LABORAL
NULIDADE DA DECISÃO
DEVER DE OCUPAÇÃO EFECTIVA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/05/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
I Não padece de nulidade a por insuficiência de fundamentação (omissão de pronúncia de prova documental constante dos autos), a sentença cuja motivação se afigura de suficientemente clara, perceptível e objectivada no que respeita à prova dos factos que foram considerados provados, dela constando pronúncia expressa e suficiente no que respeita à prova documental trazida aos autos pela recorrente.

II – Em face do disposto nos artigos 19.º e 32.º do DL n.º 433/82 de 27/10, aplicável ex vi art.º 60.º da Lei n.º 107/2009, de 14/09, deles não resultando previsto o regime do concurso superveniente de contra ordenações e inexistindo qualquer omissão não há fundamento para recorrer a título subsidiário, ao regime do concurso superveniente previsto no artigo 78.º do CP., que aliás apenas contem as regras aplicáveis não ao concurso de infracções, mas sim ao concurso de crimes.

III – Para arguir a nulidade por violação do disposto no art. 19.º do RGCOC, não basta invocar a omissão de diligências da ACT na verificação da existência de outros processos, tanto neste Centro Local como em todo o território nacional, pois impunha-se que a arguida indicasse os processos de contra-ordenação existentes em território nacional que deviam ter sido considerados para determinação da coima única.

IV – Prescreve o art.º 129.º ns.º 1 al. b) e 2 do CT que é proibido ao empregador obstar injustificadamente à prestação efetiva de trabalho, daqui resulta o dever de ocupação efectiva, implicando tal violação a prática de uma contra-ordenação muito grave.

V – A violação de tal dever ocorre se a inactividade do trabalhador é imposta pelo empregador de forma injustificada, constitua uma violação ao princípio da boa-fé ou constitua uma situação de abuso de direito.

Vera Sottomayor
Decisão Texto Integral:
RECORRENTE: X – SERVIÇOS DE COMUNICAÇÕES E MULTIM´DIA, S.A.
RECORRIDO: ACT – AUTORIDADE PARA AS CONDIÇÕES DO TRABALHO DE VILA REAL
Tribunal da Comarca de Vila Real, Juízo do Trabalho d Vila Real, Juiz 2.

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães

1. RELATÓRIO

No âmbito da decisão administrativa proferida pela Autoridade para as Condições do Trabalho – Centro Local do Douro, que deu origem aos presentes autos foi à arguida/recorrente aplicada a coima única de €13.000,00, pela prática como reincidente da contra ordenação muito grave prevista e punida pelos artigos 129.º, n.ºs. 1 al. b), 2, 554.º n.º 4 al. e) e 561.º do Código do Trabalho.
A arguida/recorrente não concordando com a decisão administrativa recorreu para o Tribunal da Comarca de Vila Real, Juízo do Trabalho de Vila Real, peticionando pela revogação da decisão administrativa com a sua consequente substituição por outra que a absolva da prática da imputada infracção.

Recebido o recurso, procedeu-se à realização de audiência de julgamento na 1ª instância e seguidamente foi proferida sentença a qual terminou com o seguinte dispositivo:

“Perante o exposto, julga-se totalmente improcedente a presente impugnação judicial e, em consequência, decide-se manter na integra a decisão administrativa que condenou a arguida “X – SERVIÇOS DE COMUNICAÇÕES E MULTIMÉDIA, S.A.”, pela prática da contra-ordenação ao disposto no art. 129º, nºs. 1, alínea b) e 2, do Código do Trabalho, na coima de €13.000,00 (treze mil euros).
Custas pela arguida/recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UC’s - cfr.art. 8º, n.º 9 do R.C.P. e tabela III do referido Regulamento -, levando-se em consideração (nesta) a taxa de justiça já liquidada.
*
Notifique e comunique nos termos do disposto no art. 45º, n.º 3 da Lei nº. 107/2009, de 14/09.
Oportunamente, deposite.”

A arguida/recorrente inconformada com esta decisão recorreu para este Tribunal da Relação de Guimarães pedindo a revogação da sentença e motivando o seu recurso com as seguintes conclusões:

“A. A coima em causa foi aplicada em por, alegadamente, a ora Recorrente ter obstado à prestação efetiva de trabalho do seu ex-trabalhador, A. M., a título de negligência, violando desse modo o disposto pela alínea b), do n.º 1, do artigo 129.º, do Código do Trabalho a título de negligência, violando desse modo o disposto pela alínea b), do n.º 1, do artigo 129.º, do Código do Trabalho.
B. Pois apesar de ter sido condenada nos termos mencionados supra, a Recorrente não pode aceitar ser condenada pela prática dessa infração, existindo na douta sentença proferida vício de erro na aplicação do direito, porque a situação de inactividade não preenche o tipo legal da infracção imputada, sendo o entendimento perfilhado pela decisão ora recorrida ser contrária à legalidade vigente no nosso ordenamento jurídico.
C. Desde logo, a Decisão em crise é nula, por violação manifesta do disposto pelo n.º 2, do art. 374.º, do Código de Processo Penal (doravante CPP), aplicável pela remissão do art. 60.º, da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro, para o Regime Geral das Contra- Ordenações (doravante RGCO), constante do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, que por sua vez, no seu art. 41.º, n.º 1, dispõe «Sempre que o contrário não resulte deste diploma, são aplicáveis, devidamente adaptados, os preceitos reguladores do processo criminal.».
D. O n.º 2, do art. 374.º, do CPP dispõe que é requisito da sentença penal, entre outros, que “Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.”
E. A Recorrente, em sede de recurso de impugnação, juntou com as suas alegações 3 (três) documentos, entre Despacho de Dispensa de Assiduidade e respectivo gozo e contrato de cessação do contrato de trabalho do trabalhador visado, com o intuito de comprovarem a boa-fé da Recorrente para com o trabalhador, porém, não resulta da Sentença, qualquer exame crítico dessas provas, nem sequer referência a esses documentos, e pese embora tenha o seu conteúdo considerado provado, o tribunal a quo não apresenta qualquer fundamento para serem desconsiderados, uma vez que apenas alude aos depoimentos das testemunhas trazidas a julgamento.
F. Esta omissão de pronúncia acerca da prova documental trazida aos autos, consubstancia a nulidade da sentença, nos termos do disposto pelo art. 379.º, n.º 1, alínea a), do CPP, conforme jurisprudência do Tribunal da Relação de Évora e de Lisboa, o que expressamente se invoca com as consequências legais.
G. Em relação à errada aplicação do direito aos factos, sempre se dirá que a problemática associada ao presente processo contraordenacional não se pode resumir ou qualificar levianamente como um mero caso gratuito ou injustificado de violação do dever de ocupação efectiva do trabalhador, de acordo com o teor da Decisão proferida.
H. Tal significa que, para que lhe seja imputada a prática de qualquer contraordenação, terá que ficar devidamente provado, que a Recorrente, de forma deliberada e injustificada, e com o exclusivo propósito de lesar os interesses do trabalhador, o colocou em situação de inatividade – o que, como se viu, não sucede, uma vez que, ao contrário, ficou evidenciado e provado que a conduta da Recorrente esteve plena e objetivamente justificada pela reestruturação interna que se encontra a implementar, e por todo o circunstancialismo relativo ao próprio trabalhador em causa, tendo sido, ainda, a situação de inatividade deste trabalhador meramente temporária, constituindo uma situação excecional.
I. Desconhecendo a Recorrente, sempre sem conceder, que danos foram causados ao trabalhador ou que pressão foi exercida sobre este pois da Decisão nada resulta.
J. Inexistindo igualmente qualquer conduta susceptível de ser configurada como má-fé por parte da Recorrente ao manter o trabalhador desocupado durante longos períodos de tempo quando se demonstre por exemplo que procedeu a diversas tentativas 8de os recolocar, ainda que sem êxito, num posto de trabalho correspondente à sua categoria profissional, noutros departamentos ou que fez diversas tentativas para resolver situação através da revogação do contrato de trabalho por mútuo acordo ou da sua passagem à situação de pré-reforma).”, circunstância que, comprovadamente sucedeu.
K. É inequívoco que, ao direito de valorização e dignificação profissional dos trabalhadores, que poderá encontrar suficiente respaldo na alínea b) do n.º 1 do artigo 59.º da CRP, contrapõe-se o princípio da liberdade da iniciativa económica das empresas, também consagrado constitucionalmente (artigo 61.º, n.º 1 da CRP), de tal forma que a existência de um suposto direito à ocupação efectiva decorre, em primeira linha, de um princípio de igualdade entre os trabalhadores da mesma empresa; os trabalhadores devem estar sempre numa situação de igualdade quer quanto à ocupação quer quanto à execução do trabalho, e daí que a violação da ocupação efectiva se deva reconduzir a um problema de boa-fé.
L. Entre outros, a Decisão em crise considerou como matéria de facto provadas:
“1. No dia - de maio de 2017, a ACT (Autoridade para as Condições do Trabalho) – Centro Local do Douro – Vila Real, levou a efeito uma visita inspectiva às instalações da arguida, sitas na Rua …, em Chaves.
2. No âmbito dessa visita inspectiva, verificou a ACT que o trabalhador da arguida A. M., com a categoria de técnico superior, se encontrava afastado das actividades da empresa, sozinho no seu local de trabalho, constituído por um gabinete, com uma secretária, cadeira, telefone e computador.
15. Desde 17 de Fevereiro de 2017, data em que o trabalhador foi colocado no departamento Unidade de Suporte (USP) e até 30 de Novembro de 2017, data em que a arguida e o autor resolveram cessar, por escrito, o contrato por mútuo acordo, a arguida não distribuiu ao trabalhador A. M. qualquer atividade ou função correspondente às suas funções de técnico superior, nem quaisquer outras;
17. Que entre o dia 17/02/2017 2 10/10/2017, o trabalhador gozou 23 dias de férias.
18. Que o trabalhador a partir de dia 10/10/2017 gozou de dispensa de assiduidade, pelo que não mais se apresentou ao serviço até à sua saída em 01/12/2017.
19. Que o trabalhador e a arguida fizeram cessar o contrato de trabalho que vigorava entre ambos, por mútuo acordo, com efeitos a 01/12/2017.
20. O trabalhador A. M., desde 2014, por recomendação da medicina de trabalho, foi ficando sucessivamente “apto condicionalmente” para algumas das funções exercidas na DOI (Direcção de Operações).
22. A arguida, nas circunstâncias descritas, não agiu como cuidado a que estava obrigada e de que era capaz, no sentido de proporcionar ao trabalhador A. M. uma efectiva prestação do seu trabalho.”
M. É manifesta a contradição entre o facto provado em 22. e os factos provados entre 17. E 20., porquanto, resulta provado que o trabalhador esteve a gozar férias até Outubro de 2017, e dispensado de assiduidade desde Outubro de 2017, até ao final do contrato de trabalho em 30/11/2017, pelo que é objectiva e materialmente impossível afirmar que a arguida não agiu com o dever de cuidado que lhe cabia, ao não atribuir funções ao trabalhador!
N. Face à matéria de facto considerada provada, facilmente se alcança não ter a Recorrente praticado a infração pela qual foi condenada, porquanto não se encontra preenchido o tipo objectivo da infracção imputada, na medida em que a questão da eventual violação do dever de ocupação efetivo não poderá ser encarado de forma simplista, pois nem todas as situações de inatividade se reconduzem à conduta imputada à Recorrente
O. Pois resulta da Doutrina maioritária, “(…) o problema da ocupação efetiva do trabalhador não se reconduz a toda e qualquer situação de inatividade deste, mas apenas surge naquelas situações em que o empregador, de forma deliberada e independente de qualquer causa objetiva ligada às vicissitudes da atividade empresarial, nada lhe dá para fazer” (sublinhado nosso), q que significa que, para que lhe seja imputada a prática de qualquer contraordenação, terá que ficar devidamente provado, que a Recorrente, de forma deliberada e injustificada, e com o exclusivo propósito de lesar o interesse do trabalhador, o colocou em situação de inatividade – o que, como se viu, não sucede, uma vez que, ao contrário, ficou evidenciado e provado que a conduta da Recorrente esteve plena e objetivamente justificada pela por todo o circunstancialismo relativo ao próprio trabalhador em causa, sendo, ainda, a situação de inatividade deste trabalhador meramente temporária, constituindo uma situação excecional.
P. Por todo o exposto, a condenação da Autoridade para as Condições do Trabalho carece de quaisquer fundamentos legais, devendo por isso ser revogada e substituída por outra que absolva a Recorrente da prática da contraordenação pela qual foi condenada.
Q. Sempre sem conceder, e apenas para o caso de não obterem procedência os argumentos utilizados, o que só por mero dever de patrocínio se admite, haverá ainda que atender às regras aplicáveis em caso de condenação na Recorrente pela prática das contraordenações de que vem acusada, designadamente o art.º 19.º do Regime Geral das Contraordenações, que estabelece a obrigatoriedade de cúmulo jurídico de todas as contraordenações praticadas por uma única entidade, não podendo essa coima única exceder o dobro do limite máximo mais elevado das contraordenações em concurso.
R. Sendo certo que no cúmulo jurídico das sanções aplicáveis à Recorrente deve-se incluir não apenas as respeitantes às infrações cometidas dentro da área territorial da Delegação da ACT onde foram praticadas, mas também as sanções de todas as infrações cometidas pela Recorrente em todo o território nacional.
S. Pelo que, na decisão a tomar no âmbito deste processo contraordenacional, teria a Autoridade Administrativa de verificar a existência de outros processos existentes, tanto neste Centro Local como em todo o território nacional, com vista à aplicação de coima única, dentro dos limites legalmente previstos, acima indicados – o que manifestamente não sucedeu.
T. Assim, a considera-se que não tem cabimento a argumentação da Decisão em crise, por manifestamente violar as regras atinentes ao cúmulo jurídico da pena a aplicar às Recorrente, pelo que deverá ser devolvida à Autoridade para as Condições do Trabalho para realização de tal cúmulo jurídico, com as legais consequências.”

Termina peticionando que a sentença seja considerada de nula, caso assim não se entenda, que se revoga a sentença recorrida que deverá ser substituída por outra que absolva a Recorrente, ou caso assim não se entenda que se declare nula a sentença, por violar as normas atinentes ao obrigatório cúmulo jurídico das penas a aplicar à Recorrente, nos termos previstos no art.º 19.º do RGCO, devendo o processo ser devolvido à Autoridade para as Condições do Trabalho para esse efeito.
O Ministério Público contra alegou concluindo pela improcedência do recurso por manifesta ausência de fundamento legal e consequentemente pela manutenção da decisão recorrida.
*
Remetidos os autos para este Tribunal da Relação de Guimarães, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer de fls. 326, no sentido do recurso ser julgado de improcedente.
Colhidos os vistos legais, cumpre agora apreciar e decidir.
*
Objecto do Recurso

Uma vez que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pela recorrente na sua motivação – artigos 403º n.º 1 e 412º n.º 1, ambos do C.P.P. e aqui aplicáveis por força do artigo 50º n.º 4 da Lei n.º 107/2009, de 14/09.

Tendo em atenção as conclusões de recurso, as questões a apreciar são as seguintes:

- Da nulidade da sentença por insuficiente fundamentação da matéria de facto (omissão de pronúncia acerca de prova documental constante dos autos) e da contradição entre os factos provados;
- Da verificação da imputada infracção;
- Da nulidade da decisão administrativa por violação das regras respeitantes ao cúmulo jurídico da pena a aplicar à arguida.

Fundamentação de facto

O Tribunal de 1ª instância considerou provada a seguinte matéria de facto.

1. No dia - de Maio de 2017, a ACT (Autoridade para as Condições do Trabalho) – Centro Local do Douro – Vila Real, levou a efeito uma visita inspectiva às instalações da arguida, sitas na Rua …, em Chaves.
2. No âmbito dessa visita inspectiva, verificou a ACT que o trabalhador da arguida A. M., com a categoria de técnico superior, se encontrava afastado das actividades da empresa, sozinho no seu local de trabalho, constituído por um gabinete, com uma secretária, cadeira, telefone e computador.
3. O referido trabalhador cumpria um horário de trabalho de segunda a sexta-feira, das 9H00 às 12H00 e das 14H00 às 17H36.
4. O mencionado trabalhador, foi colocado nesse local de trabalho, com efeitos a 17 de Fevereiro de 2017, pelos Órgão de Administração da arguida.
5. O trabalhador A. M. foi admitido ao serviço da sua entidade empregadora – na altura com a designação social de Correios – Correios e Telecomunicações de …, EP -, em 4 de Dezembro de 1979, como técnico de telecomunicações e colocado inicialmente em Aveiro, tendo passado São João da Madeira, por Bragança e, posteriormente, sido colocado em Chaves.
6. O trabalhador realizou, ao longo da sua actividade para a arguida e até Fevereiro de 2017, diversas acções de formação, a maioria de carácter técnico.
7. O referido trabalhador, admitido como técnico de telecomunicações e actualmente classificado como técnico superior, sempre exerceu funções de manutenção, conservação e reparação de avarias no exterior das instalações da empresa, em equipa de dois elementos e viatura distribuída pela arguida para deslocações e realização dos referidos trabalhos.
8. O trabalhador em questão, durante cerca de 20 anos esteve integrado num sistema de prevenção de 14 horas, sob chamada, organizado em escalas semanais e recebendo para o efeito trabalho suplementar, quando prestado fora do seu horário normal de trabalho.
9. No mês de Outubro de 2016, a arguida apresentou ao trabalhador uma proposta de rescisão do contrato de trabalho, por acordo, que o trabalhador rejeitou.
10. Por correio electrónico enviado em Fevereiro de 2017, a arguida informou o referido trabalhador do seu novo posto de trabalho, o local referido em 1º e 2º.
11. Desde que colocado nesse novo local de trabalho, em 17/02/2017, o trabalhador A. M., não recebeu contacto telefónico, pessoal ou por correio electrónico por parte da arguida, nem qualquer informação a esclarecê-lo da sua actual situação laboral.
12. Desde essa data, também não lhe foram distribuídas, directa ou indirectamente, quaisquer funções relacionadas com a sua categoria profissional, tendo-lhe sido solicitada a devolução de todos os instrumentos de trabalho inerentes ao exercício das funções de manutenção, conservação e reparação de avarias no exterior das instalações da empresa.
13. Constatada no âmbito da visita inspectiva essa falta de atribuição de funções, a ACT notificou a arguida para apresentação de documentos e esclarecimentos acerca das funções desempenhadas pelo trabalhador A. M. e da sua situação profissional.
14. Em resposta, a arguida comunicou/informou à ACT que” … o trabalhador identificado na notificação foi afecto ao departamento Unidade de Suporte (USP) a 17 de Fevereiro de 2017. Este departamento integra todos os trabalhadores que estão temporariamente sem funções e tem por objectivo proceder à sua respectiva colocação nas áreas de negócio da empresa onde actualmente existem necessidades de trabalho efectivas”.
Face ao contexto da Empresa, de reestruturação significativa nas suas áreas de negócio, com especial relevância nas áreas operacionais e, apesar da procura activa de uma nova colocação, compatível com o respectivo perfil, competências e categoria na área geográfica do respectivo local de trabalho ou na da residência do trabalhador, ainda não foi possível resolver a sua situação profissional, o que lamentamos (…).”
15. Desde 17 de Fevereiro de 2017, data em que o trabalhador foi colocado no departamento Unidade de Suporte (USP) e até 30 de Novembro de 2017, data em que a arguida e o autor resolveram cessar, por escrito, o contrato por mútuo acordo, a arguida não distribuiu ao trabalhador A. M. qualquer actividade ou função correspondente às suas funções de técnico superior, nem quaisquer outras.
16. Desde o momento em que o trabalhador A. M. foi colocado no departamento Unidade de Suporte (USP), que passou a fazer o registo informático, por computador, dos tempos de serviço, não tendo a arguida o informado sobre quem era a sua chefia directa.

Mais resultou provado:

17. Que entre o dia 17/02/2017 e 10/10/2017, o trabalhador gozou 23 dias de férias.
18. Que o trabalhador a partir de dia 10/10/2017 gozou de dispensa de assiduidade, pelo que não mais se apresentou ao serviço até à sua saída em 01/12/2017.
19. Que o trabalhador e a arguida fizeram cessar o contrato de trabalho que vigorava entre ambos, por mútuo acordo, com efeitos a 01/12/2017.
20. O trabalhador A. M., desde 2014, por recomendação da medicina de trabalho, foi ficando sucessivamente “apto condicionalmente” para algumas das funções exercidas na DOI (Direcção de Operações).
21. A arguida apresentou no Relatório Único de 2016, um volume de negócios de €2.228.475.671,00.
22. A arguida, nas circunstâncias descritas, não agiu como cuidado a que estava obrigada e de que era capaz, no sentido de proporcionar ao trabalhador A. M. uma efectiva prestação do seu trabalho.
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Fundamentação de direito

Da nulidade da sentença por insuficiente fundamentação da matéria de facto (omissão de pronúncia acerca de prova documental constante dos autos) e da contradição entre os factos provados;

Defende a recorrente que a sentença é nula por violação do disposto no n.º 2 do art.º 374.º do Código do Processo Penal (doravante CPP), aplicável por força do disposto nos arts. 60 da Lei n.º 107/2009, de 14/09 e 41.º n.º 1 do DL n.º 433/82, de 27/10, uma vez que em sede de impugnação juntou três documentos com o intuito de comprovar a sua boa-fé para com o trabalhador, os quais pese embora o tribunal a quo na sentença tenha considerado o seu conteúdo não procedeu a qualquer exame critico dessas provas, nem lhes faz qualquer referência.

Estabelece, no seu art.º 379.º n.º 1 do CPP, que é nula a sentença quando, não contenha as menções previstas no nº 2 do art.º 374º do CPP. E por seu turno estabelece o n.º 2 do art.º 374.º do CPP que da fundamentação da sentença consta a enumeração dos factos provados e não provados, bem como a exposição completa ainda que concisa dos motivos de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
Importa assim rever a motivação da matéria de facto na sentença, passando a transcrevê-la, no que aqui nos interessa.
“A factualidade provada vertida nos pontos 1º. a 9º, 13º e 14º. resultam do teor do auto de notícia e bem assim do depoimento da autuante L. P., que nos termos supra sumariados esclareceu a forma como efectuou a visita inspectiva às instalações da arguida, o contacto que teve com o trabalhador e a análise que fez da documentação remetida pela arguida, quanto à situação da colocação do trabalhador no USP e dos contactos encetados com o trabalhador entre a vista inspectiva e o levantamento do Auto de Notícia para se inteirar da situação laboral do trabalhador, conjugado com o teor dos documentos juntos a fls. 8/9, bem como o teor de fls. 10, relativamente aos períodos de formação ministrada ao trabalhador e ao seu horário de trabalho e, ainda, o teor da informação prestada pela arguida/recorrente de fls. 12.
Quanto à factualidade constante dos pontos 10º, 11º 12º, 15º e 16º, considerou o tribunal o depoimento da autuante, conjugado com o depoimento do trabalhador/testemunha A. M. (supra transcritos), depoimentos que o tribunal considerou credíveis, isentos e desinteressados e que não se mostram de alguma forma contrariados pelos depoimentos das testemunhas M. A., E. M. e M. C., que confirmam a factualidade dada como provada naqueles pontos.

Relativamente demais matéria dado como provada, considerou o tribunal o teor dos documentos juntos aos autos, nomeadamente os de fls. 197, 198, 199, 200 a 201, dos autos, sendo que as testemunhas ouvidas também se referiram a essa factualidade de forma a confirmá-la nos termos em que se deu como provada.

Quanto à factualidade dada como não provada, considerou o tribunal que não foi feita prova bastante da sua verificação, nem tal resulta do conjunto da prova testemunhal e documental produzida nos autos e acima referida.”
Os documentos em causa são, precisamente, os que constam de fls. 197 a 201 e são referentes à dispensa de assiduidade, gozo de férias pelo trabalhador e à cessação por acordo de respectivo contrato de trabalho, daí que não se possa dizer que na motivação de facto não se faz qualquer referência a tais documentos. Por outro lado, a matéria que com os mesmos se pretendia demonstrar está assente nos pontos 17 a 19 dos pontos de facto provados, tendo o tribunal motivado a sua convicção no que ao teor dos mesmos respeita de forma suficiente e não merecedora de qualquer reparo.
Com efeito, o Tribunal a quo indicou as provas que serviram para formar a sua convicção e efectuou o seu exame crítico, ao afirmar a propósito da prova que suporta a factualidade que consta dos pontos 17 a 19 dos factos provados, que as testemunhas ouvidas sobre tais documentos, confirmaram a factualidade atinente aos mesmos nos termos dados como provados. Daqui resulta inequívoco que nada mais de relevante a este propósito foi apurado.
Em suma, a motivação afigura-se-nos de suficientemente clara, perceptível e objectivada no que respeita à prova dos factos que foram considerados provados e não existindo qualquer omissão de pronúncia no que respeita à prova documental trazida aos autos pela recorrente, não enferma a sentença de nulidade por falta de fundamentação da matéria de facto.

Improcedem as conclusões C) a F) da alegação de recurso.

Alega ainda Recorrente ser manifesta a contradição entre o facto provado no ponto 22 dos pontos de factos provados e os pontos 17 a 20 dos pontos de facto provados, por ser objectiva e materialmente impossível afirmar em face da factualidade provada que a arguida não agiu com o dever de cuidado que lhe cabia, ao não atribuir funções ao trabalhador.

A factualidade em questão é a seguinte:

22. A arguida, nas circunstâncias descritas, não agiu como cuidado a que estava obrigada e de que era capaz, no sentido de proporcionar ao trabalhador A. M. uma efectiva prestação do seu trabalho.
17. Que entre o dia 17/02/2017 e 10/10/2017, o trabalhador gozou 23 dias de férias.
18. Que o trabalhador a partir de dia 10/10/2017 gozou de dispensa de assiduidade, pelo que não mais se apresentou ao serviço até à sua saída em 01/12/2017.
19. Que o trabalhador e a arguida fizeram cessar o contrato de trabalho que vigorava entre ambos, por mútuo acordo, com efeitos a 01/12/2017.
20. O trabalhador A. M., desde 2014, por recomendação da medicina de trabalho, foi ficando sucessivamente “apto condicionalmente” para algumas das funções exercidas na DOI (Direcção de Operações).
Salvo o devido respeito por opinião em contrário não se vislumbra qualquer contradição entre a factualidade apontada pelo recorrente.
Na verdade, o facto de se ter dado como provado que o trabalhador em causa foi ficando sucessivamente “apto condicionalmente“ para algumas funções exercidas na DOI, gozou férias, a partir de determinada data gozou de dispensa se assiduidade, vindo o seu contrato a cessar por mútuo acordo não é incompatível nem contraria o facto de se ter dado como provado que a arguida não agiu com o cuidado a que estava obrigada no sentido de proporcionar ao trabalhador uma efectiva prestação do seu trabalho, pois outros factos que se provaram sustentam este.
A conduta objectiva que sustenta a factualidade que consta do ponto 22 dos pontos de factos provados está vertida nos pontos 11, 12, 15, e 16, sendo certo que a arguida não logrou provar a factualidade que poderia por esta em causa, designadamente a factualidade que consta dos factos não provados.
É de manter a factualidade dada como provada, improcede a conclusão M) da alegação de recurso.

- Da nulidade da decisão administrativa por violação das regras respeitantes ao cúmulo jurídico da pena a aplicar à arguida.

Importa agora apreciar a suscitada questão, não seguindo assim a ordem pela qual foram suscitadas as questões pela recorrente, uma vez que do seu conhecimento poderá ficar prejudicado o conhecimento das demais.
A Recorrente discorda da decisão recorrida, além do mais, por não ter acolhido a sua posição relativamente à alegada nulidade da decisão administrativa por violação do art.º 19.º do Regime Geral das Contra-ordenações, aplicável ex vi art.º 60.º da Lei n.º 107/2009, de 14/09, mais concretamente por violação das regras atinentes ao cúmulo jurídico da pena a aplicar.

A este propósito o Tribunal a quo na decisão recorrida consignou o seguinte:

“Quanto à segunda das nulidades invocadas (nulidade da decisão administrativa por não ter procedido ao cúmulo jurídico das sanções de todas as infracções cometidas pela arguida/recorrente em todo o território nacional).
Alega a arguida/recorrente que haverá ainda que atender às regras aplicáveis em caso de condenação na Recorrente pela prática da contra-ordenação de que vem acusada.
Que estabelece o art.º 19.º do Regime Geral das Contra-ordenações (doravante RGCO), aplicável ex vi art.º 60.º da Lei n.º 107/2009, de 14.09, que “quem tiver praticado várias contra-ordenações é punido com uma coima cujo limite máximo resulta da soma das coimas concretamente aplicadas às infracções em concurso”, não podendo essa coima única exceder o dobro do limite máximo mais elevado das contra-ordenações em concurso.
Sendo certo que no cúmulo jurídico das sanções aplicáveis à Recorrente deve-se incluir não apenas as respeitantes às infracções cometidas dentro da área territorial da Delegação da ACT onde foram praticadas, mas também as sanções de todas as infracções cometidas pela Recorrente em todo o território nacional – conforme decorre exemplarmente do Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães datado de 21.01.2016, no âmbito do Proc.º 1216/15.0T8VCT.G1.
Pelo que, na decisão a tomar no âmbito deste processo contra-ordenacional, teria a ACT de verificar a existência de outros processos existentes, não só nesta Unidade Local como em todo o território nacional, com vista à aplicação de coima única, dentro dos limites legalmente previstos, acima indicados – o que manifestamente não sucedeu.
Assim, a decisão administrativa em causa é nula, por violar as regras atinentes ao cúmulo jurídico da pena a aplicar à Recorrente, pelo que deverá ser devolvida à ACT para realização de tal cúmulo jurídico, com as legais consequências.

Cumpre apreciar.

Relativamente a esta invocada nulidade, não deixaremos de seguir a posição seguida pelo recente Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido no processo Nº. 1873/18.6T8VIS.C1, de 15/03/2019 (acessível, in, www.dgsi.pt.), que se debruçou sobre essa questão, nos seguintes termos: “[Ora,] a Lei nº 107/2009, de 14/09, aplicável aos presentes autos não regula expressamente a questão do concurso de contra-ordenações laborais, pelo que haverá que recorrer ao direito subsidiário aplicável previsto no artº 60º de tal Lei, ou seja ao regime geral das contra-ordenações.
O Regime Geral das Contra-ordenações e Coimas (doravante RGCC) encontra-se previsto no DL nº 433/82, de 27/10, com a redacção introduzida pela Lei 109/2001, de 24/12.

As regras do concurso de contra-ordenações, encontram-se previstas no artº 19º do aludido RGCC, o qual estabelece que:

“1- Quem tiver praticado várias contra-ordenações é punido com uma coima cujo limite máximo resulta da soma das coimas concretamente aplicadas às infracções em concurso.
2- A coima aplicável não pode exceder o dobro do limite máximo mais elevado das contra-ordenações em concurso.
3- A coima a aplicar não pode ser inferior à mais elevada das coimas concretamente aplicadas às várias contra-ordenações."

No que concerne à competência estabelece o artº 36º, nº 1 do RGCC que "Em caso de concurso de contra-ordenações, será competente a autoridade a quem, segundo os preceitos anteriores, incumba processar qualquer das contra-ordenações."

Por sua vez o artº 37º, 1 do mesmo diploma legal dispõe que "Se das disposições anteriores, resultar a competência cumulativa de várias autoridades, o conflito é resolvido a favor da autoridade que por ordem de prioridades:

a) Tiver primeiro ouvido o arguido pela prática da contra-ordenação;
b) Tiver primeiro requerido a sua audição pelas autoridades policiais;
c) Tiver primeiro recebido das autoridades policiais os autos de que conste a audição do arguido".

Ainda por remissão do art.º 32º do citado RGCO, aplicar-se-á ao concurso de contra- ordenações, o art.º 77º do C. Penal, o qual estabelece que: "Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa pena única. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente."

No que concerne ao conhecimento superveniente do concurso, estipula o art.º. 78º, 1 do C. Penal: "Se depois de uma condenação transitada em julgado, se mostrar que o agente praticou anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, são aplicáveis as regras do artigo anterior, sendo a pena que já tiver sido cumprida, descontada no cumprimento da pena única aplicável ao concurso."
Contudo, entendemos que em sede contra-ordenacional, o art. 78º do C. Penal não tem aplicação, uma vez que prevendo o RGCC o regime do concurso de contra-ordenações, tal regime não prevê o concurso superveniente.
Na verdade, no que concerne ao cúmulo jurídico das coimas a sua possibilidade legal mostra-se prevista no RGCC, no seu artigo 19º, prevendo a aplicação de uma coima única em caso da prática de várias contra-ordenações, à semelhança do regime previsto no artº 77º do Cód. Penal para o caso de concurso de crimes.
No entanto, no regime contra-ordenacional não se mostra previsto a possibilidade de realização de cúmulo jurídico de coimas em caso de conhecimento superveniente de concurso, como ocorre no regime penal, em que tal possibilidade se encontra prevista no artº 78º do Cód. Penal.
Assim, e uma vez que as regras do concurso de contra-ordenações se encontram expressamente previstas no RGCC, não existindo qualquer omissão legal, não poderá recorrer- se a título subsidiário ao regime previsto no Código Penal, fazendo uso do disposto no artº 32º do RGCO.
Efectivamente a aplicação do Código Penal, a título subsidiário, nos termos previstos no aludido artº 32º, só ocorrerá quando no RGCC houver uma omissão. Para haver omissão é necessário que determinado instituto não esteja previsto e não que, estando previsto, não o seja de modo igual ao que se estabelece no Código Penal (cfr. neste sentido António Beça Pereira, in Regime Geral das Contra-ordenações e Coimas. 2ª ed. 1996, pág. 70).

No caso em apreço o instituto de concurso de contra-ordenações encontra-se expressamente previsto no aludido RGCC, embora não prevendo a possibilidade de ser efectuado o cúmulo jurídico das coimas, em caso de conhecimento superveniente do concurso, pelo que não há que recorrer subsidiariamente ao regime previsto no Cód. Penal, por não estarmos perante uma omissão.

Com efeito, como também refere Paulo Pinto de Albuquerque, in "Comentário do Regime Geral das Contra-Ordenações", p. 90, "O conhecimento superveniente do concurso de contra-ordenações rege-se por uma regra distinta da vigente no C.P., por força de disposição expressa do RGCO. A aplicação do artigo 78º do C.P. no âmbito do processo contra- ordenacional implicaria a reabertura do processo em qualquer momento ulterior para reapreciação do facto como contra-ordenação, o que a lei veda expressamente nos artigos 54º, nº 2 e 79º, nº 1 do RGCO (...) Portanto, há concurso entre contra-ordenações que ocorram antes da definitividade da decisão administrativa de qualquer uma delas, mas não há concurso entre contra-ordenações que sejam conhecidas depois da definitividade de uma delas." No mesmo sentido - inaplicabilidade do art. 78º do C. Penal no âmbito das contra-ordenações, vide António Beça Pereira, "Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas", 2ª edição, 1996, p. 70, Ac. RP de 09/05/1990, Proc. 310176, citado por Simas Santos e Lopes de Sousa, "Contra-Ordenações - Anotações ao Regime Geral" - 2ª edição - 2002 - Dezembro, Vislis Editores, p. 182, e Ac. do STJ de 12/04/1989, in www.dgsi.pt, nº de Documento SJ98904120397133.
Assim, concluindo-se que não há lugar a cúmulo jurídico no caso de concurso superveniente de contra-ordenações, não há que ponderar e apreciar a realização do cúmulo jurídico entre a coima aplicada nos presentes autos e as coimas aplicadas por decisões que já se tornaram definitivas.
E, também relativamente a processos de contra-ordenação que alegadamente se encontrem em fase de instrução em Unidades Locais da ACT, que a arguida não identifica nem sequer se sabe se no seu âmbito irá ser proferida decisão de condenação da arguida, pelo que não deverão ser tidos em conta para efeitos de cúmulo jurídico com a coima cominada nos presentes autos.
Resulta, pois de tudo o que ficou exposto que não ocorre no caso em apreço a nulidade da decisão administrativa, por falta de realização de cúmulo jurídico, não se impondo que a ACT realize cúmulo jurídico com outras coimas em que a arguida foi já condenada por decisão transitada em julgado, sendo certo que na decisão proferida foi respeitado o disposto no artº 19º do RGCC, quanto às contra-ordenações e coimas que se encontravam em concurso.
Assim sendo terá que se julgar também improcedente a invocada nulidade da decisão administrativa por omissão de realização do cúmulo jurídico. – fim de transcrição. (…)
Na verdade, face ao disposto nos artigos 19.º e 32.º do RGCC (aplicável por força do disposto no artigo 60.º da Lei n.º 100/2009, de 14/09), tal regime não prevê o concurso superveniente de contra-ordenações, pelo que, inexistindo qualquer omissão não há que recorrer, a título subsidiário, ao regime do concurso superveniente previsto no artigo 78.º do CP.” (…)”.
Sufragando este entendimento, impõe-se concluir pela inexistência da invocada nulidade.”
Concordamos com o decidido e por isso apenas iremos fazer umas breves considerações.
No que respeita ao concurso superveniente de contra ordenações, sufragamos a posição que tem vindo a ser acolhida quer pela doutrina, quer pela jurisprudência no sentido de que em face do disposto nos artigos 19.º e 32.º do DL n.º 433/82 de 27/10, aplicável ex vi art.º 60.º da Lei n.º 107/2009, de 14/09 e deles não resultando previsto o regime do concurso superveniente de contra ordenações, e inexistindo qualquer omissão não há fundamento para recorrer a título subsidiário, ao regime do concurso superveniente previsto no artigo 78.º do CP., que aliás apenas contem as regras aplicáveis não ao concurso de infracções, mas sim ao concurso de crimes. (Não há concurso entre contra ordenações que sejam conhecidas depois da definitividade de uma delas, Paulo Pinto de Albuquerque in “Comentário do Regime Geral das Contra –Ordenações, pág. 90 e António Beça Pereira, “Regime Geral das Contra-ordenações”, 2ª, 1996, pág. 70 e Acórdãos RC de 10/07/2018 e de 15/03/2019, disponíveis in www.dgsi.pt.

Importa ainda salientar que apesar de a arguida reclamar a efectivação de um cúmulo jurídico a nível nacional não indicou, nem na fase administrativa, nem na impugnação judicial a existência de qualquer processo no qual esteja em causa a prática de infracções que esteja em relação de concurso com a imputada nos presentes autos, sendo certo que a existirem ninguém melhor do que a arguida teria de ter conhecimento da sua pendência, pois necessariamente já teria de ter sido notificada para exercer o seu direito de defesa. Tal seria decisivo para aferir da pretensa nulidade que só se verificaria se tivessem sido invocados processos cujas coimas deveriam ter sido consideradas para fixação da coima única, em conformidade com o prescrito no art.º 19 do RGCOC e não foram.

Como se escreve a este propósito no Ac. da RP de 8/03/2019, proc. n.º 158/18.2T2AVR.P1, disponível im www.dgsi.pt “Com efeito, para que ocorresse a alegada nulidade por violação do art.º 19.º do RGCOC em razão de não terem sido consideradas “também as sanções de todas as infrações cometidas pela Recorrente em todo o território nacional”, era necessário, desde logo, que a recorrente tivesse praticado várias contra-ordenações susceptíveis de integrarem o concurso de infracções. A eventual nulidade só poderia ocorrer nesse caso, nunca podendo resultar apenas da alegada omissão de diligências da ACT para verificar “a existência de outros processos existentes, tanto neste Centro Local como em todo o território nacional, com vista à aplicação de coima única, (..)”

É certo que as normas do cúmulo jurídico são naturalmente favoráveis ao arguido, posto que impedem o cumprimento de todas as coimas parcelares, possibilitando-lhe o cumprimento de um coima única inferior à soma das coimas parcelares. E, sendo favoráveis ao arguido, a sua omissão ou preterição é efectivamente susceptível de envolver uma nulidade, nos termos do art. 120º do Cód. Proc. Penal, subsidiariamente aplicável ao processo contra-ordenacional ex vi do art. 41º do RGCOC.
Contudo, para sustentar uma tal nulidade, cabia à recorrente indicar concretamente, se porventura existiam, quais os outros processos de contra-ordenação existentes em território nacional que deviam ter sido considerados para determinação da coima única, em conformidade com a previsão do art.º 19.º RGCOC. Não o tendo feito, não tem a recorrente o necessário fundamento concreto para sustentar eventual violação daquele preceito.”

Em suma, para arguir a nulidade por violação do disposto no art. 19.º do RGCOC, não basta invocar a omissão de diligências da ACT na verificação da existência de outros processos, tanto neste Centro Local como em todo o território nacional, com vista à aplicação de coima, pois incumbia à arguida indicar os processos de contra-ordenação existentes em território nacional que deviam ter sido considerados para determinação da coima única, já que no âmbito dos presentes autos não se revela a existência de processo ou processos que estejam em relação de concurso que devesse ou pudessem ser apensados para decisão conjunta, por esta razão não vislumbramos como se possa afirmar que tenha sido omitida a realização e de um hipotético e eventual cúmulo.
A questão tem de ser colocada em termos concretos reveladores da alegada omissão, sob pena de não existir fundamento para decretar a nulidade da decisão.
Improcede assim o recurso quanto a esta questão.

Da verificação da imputada infracção

Insurge-se a recorrente quanto ao facto do tribunal a quo ter considerado verificada a violação do dever de ocupação efectiva, uma vez que da factualidade provada não resulta que tenha actuado de forma deliberada e injustificada, com o exclusivo propósito de lesar o interesse do trabalhador, colocando em situação de inactividade (conclusão O).

Na sentença recorrida a este propósito escreveu-se o seguinte:

Imputa-se à arguida/recorrente a prática, a título negligente, da contra-ordenação muito grave, prevista e punível pelas disposições conjugadas do art. 129º, nsº. 1, alínea b) e 2, do Código do Trabalho e punível nos termos do disposto na alínea c) do nº. 4 do art. 554º do Código do Trabalho, com a coima de 90 a 300 UC,s (€9.180,00 a €30.600,00), em caso de negligência e de 300 a 600 UC,s (€30.600,00 a €61.200,00), em caso de dolo, tendo por referência o volume de negócios apurado da arguida (€2.228.475.671,00).
A Constituição da República Portuguesa – artºs 13º, 58º e 59º - e as normas legais em matéria de igualdade e não discriminação no trabalho exigem do empregador que adopte as medidas necessárias à efectiva igualdade de tratamento e se iniba das práticas que importem diferenciação injustificada

Em termos de lei ordinária, temos que dispõe o artº 23º, nº 1, al. a) do Código Trabalho que:

“Para efeitos do presente Código, considera-se:

Discriminação directa, sempre que, em razão de um factor de discriminação, uma pessoa seja sujeita a tratamento menos favorável do que aquele que é, tenha sido ou venha a ser dado a outra pessoa em situação comparável;”.
Por sua vez, o artº 24º, nº 1, dispõe que “O trabalhador ou candidato a emprego tem direito a igualdade de oportunidades e de tratamento no que se refere ao acesso ao emprego, à formação e promoção ou carreira profissionais e às condições de trabalho, não podendo ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão, nomeadamente, de ascendência, idade, sexo, orientação sexual, estado civil, situação familiar, situação económica, instrução, origem ou condição social, património genético, capacidade de trabalho reduzida, deficiência, doença crónica, nacionalidade, origem étnica ou raça, território de origem, língua, religião, convicções políticas ou ideológicas e filiação sindical, devendo o Estado promover a igualdade de acesso a tais direitos”.
E o artº 25º consagra a “Proibição de discriminação” e estabelece, no seu nº 1, que “O empregador não pode praticar qualquer discriminação, directa ou indirecta, em razão nomeadamente dos factores referidos no n.º 1 do artigo anterior” e no nº 5 que “Cabe a quem alega discriminação indicar o trabalhador ou trabalhadores em relação a quem se considera discriminado, incumbindo ao empregador provar que a diferença de tratamento não assenta em qualquer factor de discriminação”.
Estatui-se, por sua vez, na alínea b) do nº 1 do artº 129º do Código do Trabalho que é proibido ao empregador obstar, injustificadamente, à prestação efectiva do trabalho, consagrando-se aqui, de forma expressa, o direito à ocupação efectiva do trabalhador, que se traduz na exigência deste a que lhe seja dada a oportunidade de exercer efectivamente a actividade para que foi contratado.
Ainda na vigência da LCT, que não estatuía expressamente o direito à ocupação efectiva do trabalhador, a jurisprudência foi desenvolvendo a sua aplicação com a dimensão dos casos concretos que lhe iam chegando, assim como era referenciado pela doutrina que o admitia de forma generalizada. Era tido à luz da lei portuguesa como corolário do direito ao trabalho e do reconhecimento do papel de dignificação social que o mesmo tem, cujos princípios estão consignados nos artºs 58º, nº 1 e 59º, nº 1, al. c), da Constituição.
Na vigência dos Códigos do Trabalho de 2003 e 2009 é pacífica a ilegitimidade da desocupação do trabalhador que não se mostre efectivamente fundada, cabendo ao empregador o ónus da prova da justificação na desocupação do trabalhador.
Como se decidiu no acórdão da Relação de Coimbra de 12/10/1999 ( CJ, 1999, tomo 4, pags. 79 e ss.) “Ocorre violação do direito à ocupação efectiva sempre que uma injustificada inactividade é imposta ao trabalhador pela entidade patronal, ou quando deixa de lhe proporcionar as condições à efectiva realização das tarefas compreendidas no conteúdo funcional da categoria atribuída ao trabalhador, desaproveitando a actividade a que aquele se obrigou e quer prestar condignamente, de forma a realizar-se pessoal e socialmente.
Quando o trabalhador é colocado pela entidade patronal numa situação de inactividade ou de subaproveitamento, assiste-lhe, entre outros, o direito de rescindir o seu contrato de trabalho com justa causa, consubstanciado na violação do direito a uma efectiva ocupação das suas funções.”.
Por sua vez, o legislador laboral cominou essa situação de violação do direito à ocupação efectiva injustificada, como contra-ordenação muito grave –cfr. nº. 2 do art. 129º do
Código do Trabalho.
O direito do trabalhador à ocupação efectiva não é um direito absoluto, já que podem surgir situações justificadas em que o empregador esteja objectivamente impedido de oferecer a ocupação ao trabalhador. Nessas situações o empregador pode provar que não tem culpa na situação de não atribuir qualquer trabalho, como por exemplo, em situações transitórias de escassez de matérias-primas, redução de encomendas e outras situações de crise.
À entidade empregadora, dentro dos princípios que regem os seus direitos e deveres, assiste não apenas o direito de exigir do trabalhador a actividade a que este se obrigou por via do contrato de trabalho, mas também o dever de lhe proporcionar a possibilidade do seu exercício, a menos que existam razões (objectivas e independentes de actuação culposa da entidade empregadora) que, de forma justificada, o impeçam.
Escreve Pedro Furtado Martins, in Despedimento Ilícito, Reintegração na Empresa e Dever de Ocupação, 1992, pag. 191, que “Quando o empregador não recebe o trabalho que lhe é regularmente oferecido, sem para tal ter qualquer justificação, poder-se-á dizer que atenta contra o prosseguimento dos fins envolvidos na situação jurídica de trabalho, violando um dever acessório de conduta derivado do princípio geral da boa-fé.”.

Como referido, sobre o empregador incide o ónus da prova de que a violação do dever de ocupação efectiva era em concreto justificada, na medida em que se trata de facto impeditivo do direito do trabalhador à ocupação efectiva [artº 342º, nº 2 do Cod. Civil], caso contrário, essa violação tem de presumir-se culposa [artº 799º, nº 1, do Cod. Civil].

No caso dos autos, a arguida/recorrente alega que que não existiu qualquer violação à ocupação efectiva do trabalhador, pois a problemática associada ao presente processo contra- ordenacional não se pode resumir ou qualificar levianamente como um mero caso gratuito ou injustificado de violação do dever de ocupação efectiva do trabalhador e que, para que lhe seja imputada a prática de qualquer contra-ordenação, terá que ficar devidamente alegado, e provado, que a arguida, de forma deliberada e injustificada, e com o exclusivo propósito de lesar os interesses do trabalhador, o colocou em situação de inactividade, o que não sucedeu, uma vez que ficou evidenciado e provado que a conduta da arguida esteve plena e objectivamente justificada pela reestruturação interna que se encontra a implementar, e por todo o circunstancialismo relativo ao próprio trabalhador em causa, tendo sido, ainda, a situação de inactividade deste trabalhador meramente temporária, constituindo uma situação excepcional.
De acordo com o alegado, a arguida/recorrente fundamenta essa sua actuação no pressuposto de que foi a adequada, face à reestruturação que estava a levar a cabo, da qual resultou o esvaziamento das funções exercidas pelos trabalhadores, aqui incluindo o trabalhador A. M., colocados/afectos ao departamento Unidade de Suporte (USP), departamento este que - como informado a arguida/recorrente – cfr. fls. 12 -, integra todos os trabalhadores que estão temporariamente sem funções e tem por objectivo proceder à sua respectiva colocação nas áreas de negócio da empresa onde actualmente existam necessidades de trabalho efectivas.
Em relação ao referido trabalhador (A. M.), informou ainda a arguida/recorrente, que “(…) apesar da procura activa de uma nova colocação, compatível com o respectivo perfil, competências e categoria nas áreas do respectivo local de trabalho ou na da residência do trabalhador, ainda não foi possível resolver a sua situação profissional, o que lamentamos”.
O certo é que, a alegada factualidade não resultou provada – cfr. alíneas a) e d) -, porquanto a arguida/recorrente nada demonstrou, desde logo, não demostrou que a transferência/colocação do trabalhador A. M. no departamento Unidade de Suporte (USP), da qual resultou o esvaziamento das funções por este exercidas até àquele momento, se deveu à alegada reestruturação que estava a levar a cabo e, por outro, não demonstrou, como lhe competia, ter a arguida/recorrente providenciado (encetado) por uma procura activa de uma nova colocação, compatível com o perfil do trabalhador, competências e categoria na áreas do respectivo local de trabalho ou na da residência do referido trabalhador.
Também não logrou a arguida/recorrente demonstrar que a colocação/transferência do referido trabalhador para o referido departamento se deveu a condicionantes físicas do trabalhador e que apresentou ao dito trabalhador, no âmbito da reestruturação da empresa e em alternativa à proposta de saída (na altura rejeitada pelo trabalhador), uma proposta de desempenho de novas funções, antes tendo resultado que a arguida/recorrente, após as negociações (falhadas) da proposta de saída do trabalhador, comunicou-lhe/ordenou-lhe (por correio electrónico) que se apresentasse a partir de 17/2/2017 no departamento Unidade de Suporte (USP), não tendo demonstrado que nessa comunicação tenha informado o trabalhador das razões (justificação) dessa transferência/colocação, nomeadamente as por si alegadas/invocadas, como sejam as da reestruturação que estava a levar a cabo e/ou os motivos relacionados com as condicionantes físicas do trabalhador, nem, por fim, logrou demonstrar qual a proposta de desempenho de novas funções que alega ter apresentado ao trabalhador em alternativa à proposta (rejeitada) de saída da empresa.
Perante todo este circunstancialismo, evidente se nos antolha, que a arguida/recorrente não deu qualquer explicação, informação e/ou justificação ao trabalhador A. M., dos motivos porque se decidiu coloca-lo/transferi-lo de um dia para o outro (no dizer do próprio trabalhador) no departamento Unidade de Suporte (USP).
Não demonstrou tê-lo feito aquando da sua colocação/transferência para o departamento Unidade de Suporte (USP), nem em momento posterior, sendo certo que resultou provado que a arguida a partir do momento dessa transferência/colocação, retirou ao trabalhador todas as funções inerentes à sua categoria profissional (esvaziou-o de funções), não lhe atribuindo quaisquer outras funções (próprias e/ou diferentes da até ali desempenhadas pelo trabalhador), sendo que esta situação se prolongou até à data da visita inspectiva e posteriormente até à cessação (por acordo) do contrato de trabalho, o que veio a ocorrer em finais de Novembro de 2017, com obrigação de este ter de cumprir o horário de trabalho até 10 de Outubro de 2017, altura em que lhe concedeu dispensa de assiduidade.

No sumário do Ac. da Relação do Porto, de 18/12/2018, proferido no proc. 4881/16.8T8MTS e acessível, in, www.dgsi.pt., escreveu-se o seguinte: “(…)

III - Havendo que reconhecer a necessidade de uma interpretação prudente do disposto no artigo 29.º do CT/2009, face aos critérios enunciados no artigo 9.º, n.ºs 2 e 3, do Código Civil, teremos de concluir que, para efeitos da prática da contra-ordenação a que naquele se alude a lei não estipula que no “assédio” tenha de estar presente o “objectivo” de afectar a vítima, bastando que este resultado seja efeito do comportamento adoptado pelo “assediante”, não resultando assim desse normativo, por um lado, qualquer referência a que se exija necessariamente o dolo (em qualquer das suas modalidades), sendo que, por outro, o legislador, tal como resulta expressamente do artigo 550.º estabeleceu que nas contra- ordenações laborais a negligência “é sempre punível”.
IV - Assim, se na verificação dos requisitos do “assédio” em geral se poderá defender a exigência da referida intencionalidade do agente, essa intencionalidade, porém, consubstanciar- se-á então como elemento específico desse conceito, mas já não, por ser coisa diversa, como pressuposto da verificação do elemento subjectivo da contra-ordenação laboral, pois que quanto a esta, como se viu, por previsão expressa de norma legal, é sempre punível.
V - Integra a prática da contra-ordenação analisada a conduta da entidade patronal que, no âmbito de um processo de reorganização e reestruturação da empresa, não instaurando qualquer processo de despedimento por extinção do posto de trabalho, em face da recusa do trabalhador em celebrar acordo de cessação do seu contrato de trabalho esse mantém sem exercer quaisquer funções, não obstante saber que tal lhe provocava sentimentos negativos de angústia, humilhação e desgaste psicológico.”.

No caso dos autos, não pode deixar de se considerar que a arguida/recorrente, ao agir da forma descrita, colocou o trabalhador A. M. numa situação objectivamente humilhante e degradante da sua dignidade pessoal e profissional, bem sando que essa situação lhe provocava sentimentos negativos (como reconhecido pelo trabalhador no seu depoimento em audiência de julgamento), porquanto o transferiu, de um momento para o outro, das suas funções habituais e inerentes à sua categoria profissional (exercidas desde a sua admissão, em Dezembro de 1979 – cfr. ponto 4º dos factos provados) e o colocou no departamento Unidade de Suporte (USP), sem qualquer tipo de informação, esclarecimento e justificação, sem quaisquer funções para executar e com a obrigação do cumprimento do horário de trabalho.
O art. 15º do Código do Trabalho consagra o direito do trabalhador à sua integridade física e moral e o n.º 2 do artigo 29.º do mesmo diploma legal define como assédio o “comportamento indesejado, nomeadamente o baseado em factor de discriminação, praticado aquando do acesso ao emprego ou no próprio emprego, trabalho ou formação profissional, com o objectivo ou o efeito de perturbar ou constranger a pessoa, afectar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador.”.
Incontornavelmente, a lei estipula que no assédio não tem de estar presente o “objectivo” de afectar a vítima, bastando que este resultado seja “efeito” do comportamento adoptado pelo “assediante”.

No caso, face ao circunstancialismo factual verificado, não temos dúvida de que a conduta da arguida/recorrente (colocação do trabalhador USP, sem exercer qualquer função), não se mostra minimamente justificada, sendo que a arguida/recorrente não podia desconhecer que com base na reestruturação da empresa (por si alegada), face à recusa do trabalhador na celebração de acordo de cessação do contrato de trabalho, a lei lhe facultava o procedimento de despedimento por extinção dos postos de trabalho, pelo qual poderia ter optado, em detrimento da colocação do trabalhador na situação descrita, sem qualquer função atribuída e em situação que não deixou de afectar o consagrado direito do trabalhador à sua integridade física e moral.
Entende a arguida/recorrente – como se extrai das suas alegações – que a situação de inactividade do trabalhador não lhe poder ser imputada, nem sequer a título negligente, porquanto essa situação de inactividade resultou da reestruturação que estava a levar a cabo, inexistindo violação do disposto na alínea b) do n.º 1 e n.º 2 do artigo 129.º do Código do Trabalho.
No entanto, para além das considerações já anteriormente feitas quanto a tal matéria, importa salientar que o artº 129º do Código do Trabalho estabelece as garantias do trabalhador consubstanciadas em proibições impostas ao empregador, consagrando-se na alínea b) do nº. 1 de tal normativo que é proibido ao empregador “Obstar injustificadamente à prestação efectiva de trabalho.”, ou seja, impõe este normativo ao empregador o dever de ocupação efectiva do trabalhador.
Dos factos provados, pese embora tenha resultado que a arguida se encontrava em processo de reestruturação, também resultou provado que a arguida não justificou, nem informou o trabalhador dos motivos da sua colocação/transferência para o USP e, após, não fez (pelo menos, não demonstrou ter feito) qualquer diligência para ocupar o trabalhador A. M. desde que o colocou, em Fevereiro de 2017, na Unidade de Suporte (USP) [departamento criado exclusivamente pela arguida para os trabalhadores a quem deixou de atribuir quaisquer tarefas ou funções profissionais, como informado por esta à ACT (fls. 12 dos autos)] , isto apesar de as funções exercidas pelo referido trabalhador no DOI (Direcção de Operações) não terem sido extintas, como referido pelo trabalhador e pela testemunhas M. A. nos seus depoimentos.
Acresce a arguida/recorrente manteve o trabalhador na situação de inactividade (sem atribuição de qualquer tarefa) desde Fevereiro de 2017 até finais de Novembro desse mesmo ano, altura em que o contrato de trabalho cessou por rescisão por mútuo acordo, sem ter a arguida/recorrente demonstrado ter nesse período disponibilizado informação quanto a eventuais propostas de reafectação do trabalhador e/ou eventuais planos de formação para requalificação profissional.
Por tudo o que exposto fica, em conjugação com a factualidade dada como provada, resulta com elevada clareza que a situação de inactividade a que a arguida/recorrente submeteu o trabalhador A. M. não se mostra justificada quer pela alegada reestruturação da empresa, quer por motivos inerentes a condicionantes de natureza física do trabalhador.
Tem assim, que se concluir que se mostra preenchido o elemento objectivo da contra- ordenação que aqui vem imputada à arguida/recorrente.
Também da factualidade dada como provada, resulta que se encontra preenchido o elemento subjectivo de tais contra-ordenações.
Assim sendo, a conduta da arguida não deixa de preencher os elementos objectivos e subjectivos do tipo de infracção que lhe é imputada, porquanto não logrou a arguida demonstrar que a situação a que submeteu o trabalhador se encontra justificada, sendo, assim, responsável pela prática de tal contra-ordenação, a título negligente, tal como decidido pela entidade administrativa.
Em conformidade com os fundamentos expostos, importa declarar totalmente improcedente o recurso interposto e, em consequência, manter a condenação e a coima aplicadas (coima esta, não posta em crise quanto à sua proporcionalidade e adequação).”
Atenta a factualidade provada, outra não poderia ser a decisão a proferir, já que foi feita a correcta interpretação jurídica dos factos, não sendo estes confundíveis com aqueles outros que se provaram no Proc. n.º 772/18.6T8BRG.G1 referentes à pratica da mesma infracção, que conduziram à absolvição da ora aqui recorrente, por Acórdão proferido neste Tribunal da Relação, em 24/04/2019, no qual participei como Adjunta.

Resulta do previsto no art.º 129.º ns.º 1 al. b) e 2 do CT que é proibido ao empregador obstar injustificadamente à prestação efetiva de trabalho, implicando tal violação desta norma a prática de uma contra-ordenação muito grave.
O dever de ocupação efectiva está intimamente ligado ao dever do empregador de proporcionar boas condições de trabalho ao trabalhador, do ponto de vista físico e moral – cfr. art.º 127.º n.º 1 al.c) do CT, associando-se a estes deveres o princípio geral da boa-fé que deverá presidir à execução do contrato tendo em vista quer a maior produtividade, quer promoção humana, profissional e social do trabalhador – cfr. art. 126.º do CT.
Daqui resultando que incumbe ao empregador ocupar efectivamente o trabalhador quer proporcionando-lhe a realização das funções para as quais foi contratado, quer proporcionando-lhe boas condições do ponto de vista e moral para as poder realizar.
Tudo isto não significa que basta verificar-se uma qualquer situação de inactividade do trabalhador para que se possa concluir pela violação do dever de ocupação efectiva.
Na verdade, só podemos conceber tal situação quando a inatividade do trabalhador não for justificada, constitua uma violação ao princípio da boa-fé ou constitua uma situação de abuso de direito. Importa assim distinguir as situações em que a inatividade visa causar apenas prejuízos ao trabalhar pressionando em termos inadmissíveis, designadamente para por termo ao contrato, daqueles outros em que por facto não imputável ao empregador de forma esporádica transitória e ultrapassável o trabalhador fica sem ocupação.
Para que possamos concluir pela violação do dever de ocupação efectiva terá de que resultar da factualidade provada que a recorrente agiu de forma deliberada contrariando o princípio da boa-fé injustificadamente.
A questão não é tanto saber se a inactividade do trabalhador se ficou a dever à vontade da recorrente, mas sim apurar se ela seria totalmente injustificável atendendo aos ditames da boa-fé.
Retornando ao caso dos autos, tudo indica que a recorrente num primeiro momento agindo de forma deliberada e no âmbito dos seus legítimos poderes procedeu à reestruturação tendo em vista a maior rentabilidade da sua empresa e propôs ao trabalhador em questão a revogação do seu contrato com o pagamento de uma compensação, o que este não aceitou.
Seguidamente colocou-o num novo posto de trabalho, constituído por um gabinete, uma secretária, uma cadeira, telefone e um computador, sem que tivesse recebido qualquer informação por parte da recorrente a esclarecê-lo da sua actual situação e sem que lhe fosse atribuída qualquer função, mas tendo-lhe sido solicitada a devolução de todo os instrumentos de trabalho inerentes ao exercício de funções que havia desempenhado, sem que se verificasse uma efectiva recolocação.
A recorrente colocou assim o trabalhador de forma reiterada e injustificada, numa situação de total inactividade laboral, não lhe proporcionando o desempenho de qualquer outra tarefa, nem lhe proporcionando formação com vista a eventual requalificação, tudo isto de forma prolongada e por tempo indeterminado até que o autor aceitasse a revogação do contrato como veio a suceder.
Tal não pode ser considerado de minimamente justificado, assim o poderia ser, caso a recorrente tivesse tido uma conduta activa de efectiva recolocação do trabalhador, oferecendo-lhe uma nova posição, ou dando-lhe formação ou ocupação adequada a uma possível recolocação num posto de trabalho necessário para a empresa ou ainda se a recorrente tivesse objectivamente impedida de oferecer ocupação ao trabalhador, quer por razões económica, disciplinares ou outras.
Mas tal não resultou provado, ao invés a recorrente não logrou provar que a sua conduta estava justificada que pela reestruturação interna que se encontra a implementar e por todo o circunstancialismo relativo ao próprio trabalhador, nem logrou provar, que tal se tratava de uma situação temporária e excepcional, nem provou que foi apresentada ao trabalhador uma proposta de desempenho de novas funções.
Em suma, o que ressaltada dos factos provados é que tendo em vista uma reestruturação da empresa com o objectivo de minorar custos, designadamente com o pessoal, o trabalhador visado (A. M.) foi seleccionado para ser dispensado, tendo–lhe sido feita uma proposta de acordo de revogação de contrato, o qual inicialmente não aceitou, sendo colocado numa unidade onde nada tinha para fazer, ficando a aguardar pela saída da empresa.
Ao contrário do alegado pela recorrente o facto de ter sido alvo de reestruturação (que nem sequer logrou provar), bem como o facto de ter proposto ao trabalhador a revogação do contrato por acordo, bem como o facto de após a visita inspectiva da ACT o ter dispensado do dever de assiduidade, não nos permite concluir que a sua actuação se encontra justificada, pois não só obstou a que o trabalhador prestasse a sua actividade, como os esforços encetados para procura de actividade compatível se revelaram de inexistentes, não se revelando ser tal situação nem transitória, nem excepcional.
Estão verificados quer os elementos objectivos, quer os subjectivos do ilícito contra-ordenacional, pelo que mais resta do que manter a decisão recorrida.

Decisão

Em conformidade com o exposto, acordam os Juízes desta Secção Social do Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso e consequentemente se confirma a decisão recorrida.
Custas a cargo da arguida/recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UCs (artigos 513º, n.º 1 do CPP, ex vi do artigo 74º, nº 4 do RGCO e 59º e 60º, da Lei nº 107/2009, de 14 de Setembro e 8.º, n.º 9 e Tabela III do RCP).
Guimarães, 5 de Março de 2020

Vera Maria Sottomayor (relatora)
Maria Leonor Barroso