Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3405/18.7T8BCL.G1
Relator: MARGARIDA ALMEIDA FERNANDES
Descritores: CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS
VIOLAÇÃO DA BOA FÉ
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 01/30/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I- O aderente, que pretenda prevalecer-se da violação dos deveres previstos nos art. 5º e 6º do RJCCG, tem o ónus de alegar que aderiu ao texto das cláusulas sem que a proponente lhas tivesse comunicado ou prestado os devidos esclarecimentos e, apenas no caso de alegação expressa da falta de cumprimento de tais deveres, é incumbe ao proponente o ónus da prova da comunicação efectiva, adequada e esclarecedora do conteúdo de tais cláusulas.

II- A violação da boa fé por parte de uma cláusula contratual geral (art. 15º do RJCCG) consubstancia nulidade que é de conhecimento oficioso devendo o tribunal apenas assegurar, se necessário, o cumprimento do princípio do contraditório.

III- O preponente, que tem o poder de pré-estabelecer as cláusulas contratuais, tem o dever de evitar um desequilíbrio significativo entre os direitos e obrigações das partes decorrentes do contrato, i.e., uma vantagem injustificável para si e uma penalização gravosa para o aderente.

IV- Num contrato de seguro de danos com a cobertura de furto e, em que se distingue o furto do conteúdo do furto simples do conteúdo, não é proibida (por não violar a boa fé) a cláusula referente ao primeiro que exige que este tenha sido praticado com arrombamento ou escalamento de portas, janelas, montras, telhados, paredes, sobrados, tectos ou qualquer outra construção que dê acesso ao local de risco desde que resultem vestígios inequívocos para que o tomador seja ressarcido do valor dos bens furtados até ao limite do capital seguro.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I – Relatório

S. P., residente na Rua …, Apartamento …, nº …, Barcelos, intentou a presente acção declarativa sob a forma de processo comum contra X Seguros, S.A., com sede na Avenida …, em Lisboa, pedindo a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de € 10.640,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.
Alega, para o efeito, que celebrou com a ré um contrato de seguro no qual figurava como tomadora e pessoa segura e a ré como seguradora, com condições gerais da apólice nº 1004370930, contrato esse que cobria o risco de furto ou roubo. No dia 21/02/2018, entre as 13h00 e as 21h30, ocorreu um furto na sua residência, tendo os assaltantes levado consigo bens móveis no valor global de € 10.410,00. Além disso causaram danos na sua porta, no valor de € 730,00, acrescidos de IVA.
Apresentou queixa-crime, a qual deu origem aos autos de inquérito nº 78/18.0PABCL (DIAP Barcelos), sendo que os indícios correspondiam à pratica do crime de furto qualificado. Não obstante, a ré recusa-se a assumir todas as responsabilidades que lhe estão adstritas por força do contrato de seguro celebrado.
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A ré contestou impugnando parte da factualidade alegada pela autora e concluiu que o sinistro não está coberto pelo contrato de seguro celebrado entre as partes.
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Foi proferido despacho saneador, foram admitidos os requerimentos probatórios e foi designada data para audiência de julgamento.
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Após audiência de julgamento foi proferida sentença, cuja parte decisória reproduzimos:

“Pelo exposto, atentas as considerações expendidas e as normas legais citas, julga-se a presente acção totalmente improcedente, por não provada e, consequentemente, absolve-se a Ré X Seguros, S.A. do pedido contra si formulado pela Autora S. P..
Custas a cargo da Autora, pois deu causa aos presentes autos e neles decaiu – cfr. artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil. (…)”
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Não se conformando com esta sentença veio a autora dela interpor recurso de apelação, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões:

“a. O objeto do presente recurso prende-se com a apreciação da nulidade que inquina a decisão recorrida, e ainda, na reapreciação da matéria de facto e de direito que considera a aqui Recorrente, incorretamente julgada.
b. Resulta dessa decisão que o sinistro descrito nos autos não se encontra coberto pelo contrato de seguro porque não ficou demonstrado que o furto foi praticado nas circunstâncias exigidas pela apólice.
c. A cláusula especial aqui em questão está sujeita ao regime legal imperativo das cláusulas contratuais gerais, de acordo com o artigo 1.º do Decreto-Lei 446/85 de 25 de Outubro.
d. A cláusula em questão implica um âmbito extremamente restrito das condições em que ocorre o evento de furto ou roubo.
e. Esta cláusula, à luz do Decreto-Lei mencionado, é claramente nula – por ser proibida – de acordo com os artigos 12.º, 15.º e 16.º do diploma. Isto, pois, são nulas todas as cláusulas proibidas, e são proibidas todas as cláusulas que sejam contrárias à boa-fé – o que é aqui o caso.
f. Podemos concluir que se violou o regime imperativo das cláusulas contratuais quer pela proibição e nulidade, quer pela falta e incumprimento dos deveres de comunicação e informação, previstos nos artigos 5.º e 6.º.
g. O vício que inquina esta cláusula é de conhecimento oficioso, como refere o Supremo Tribunal de Justiça em acórdão de 27/09/2016 relatado por José Rainho. O Tribunal recorrido não se pronunciou sobre o mesmo, e devia, incorrendo assim a sentença numa nulidade por omissão de pronúncia sobre questões que devesse apreciar, de acordo com o artigo 615.º n.º 1 al. d) do CPC.
h. Impugnam-se, também, por não se concordar, os factos dados como não provados na decisão recorrida, designadamente: b), c), d), e), f), j), k), l), m), n), o), p), q), r), s), t), u), w) e y).
i. Os factos dados como não provados de b) a w), deveriam ter sido dados como provados e consequentemente ter a sentença declarado que aos bens furtados correspondia o valor que lhes foi atribuído pela Recorrente quer no articulado da petição inicial, quer em sede de audiência de julgamento.
j. O tribunal a quo refere nos factos provados que os bens em questão foram efetivamente furtados, mas que o seu valor não foi passível de ser concretamente determinado. Explica que “no que respeita ao valor dos bens subtraídos, o Tribunal considerou por não provados todos os que foram indicados sem suporte documental que o atestasse (com exceção dos perfumes, cujo preço pesquisou na internet)”.
k. Poderia então o Tribunal ter pesquisado, de igual forma, diversos bens cujo valor deu como não provado, impunha-se-lhe esta diligência por força do dever de gestão processual que impende sobre o juiz, e que bem o cumpriu em relação aos perfumes da marca Chanel, também furtados.
l. Portanto, deveriam ter sido estes factos não provados, de b) a w), dados como provados nos termos dos valores que são atribuídos a cada um dos bens na petição inicial, tendo em conta a prova que foi presta em sede documental e pelo depoimento da Requerente.
m. No que concerne ao ponto y) dos factos não provados, o Tribunal a quo determina que não se encontra provado que foram causados danos na porta de entrada da autora no valor de 730,00 € (setecentos e trinta euros).
n. E ainda, o ponto 13. dos factos provados, em que o tribunal determina que “o acesso à habitação da autora é feito através de uma porta com uma só folha em estrutura de madeira, que está dotada de uma fechadora se segurança, a qual estava operacional e não apresentava qualquer dano nem vestígio de intrusão.”
o. Não pode a recorrente concordar com esta decisão tendo em conta que, fez prova – por declarações de parte – de que resultou do furto dano à fechadura da porta de entrada, que a mesma ficou perra tornando-se extremamente difícil abri-la com a chave, algo que até então se dava com um movimento fluído. Resulta da prova que, a Recorrente teve que proceder à substituição do canhão da porta
p. Devia ter o tribunal recorrido decidido no sentido de que ficou provado que o acesso à habitação da autora é feito pela porta de entrada com uma só folha em estrutura de madeira, que está dotada de uma fechadora se segurança, e que a mesma estava danificada, designadamente na sua fechadura, o resultou numa necessidade de substituição da mesma.
q. Cumpre ainda referir que o Tribunal recorrido não faz constar da matéria de facto provada ou não provada, qualquer referência à existência de vestígios inequívocos da ocorrência do furto. Ainda assim, vem o Tribunal a quo decidir no sentido de que não ficou demonstrado que o furto foi praticado nas circunstâncias exigidas pela apólice de seguro, o que constitui uma nulidade da sentença nos termos do artigo 615.º n.º 1 al. b).
r. Pela prova testemunhal e de depoimento de parte, assim como, por tudo aquilo que decorre dos autos, podemos concluir que se fez prova da existência de vestígios inequívocos da ocorrência de furto.
s. Não obstante tudo aquilo que já foi exposto supra acerca da validade da cláusula em crise, cumpre focar na questão do arrombamento.
t. Dizer, como decide o tribunal, que a fechadura não apresentava qualquer dano é, de todo, incorreto e incongruente com a matéria fáctica pois, se a fechadura não apresentava qualquer dano porque razão haveria a aqui recorrente de proceder à substituição da mesma?
u. Sobre conceitos de arrombamento e escalamento, podemos apenas concluir pelo que resulta dos autos e pelo que surge da jurisprudência e da doutrina que, apesar do devido respeito que é muito, o tribunal a quo ao interpretar o conceito de arrombamento fê-lo de forma bastante restrita, positiva e formalista e sem consideração pela justiça material, olvidando tudo aquilo que temos vindo a assimilar e aprender desde a reforma processual civil de 2012/2013 no sentido de assegurar o fundo sobre a forma.
v. Por força do artigo 6.º do CPC deveria o Tribunal a quo, interpretar os preceitos normativos de maneira a que se assegure a verdade e a justiça material, prescindindo- se assim de interpretações subsuntivas, positivistas e literais. Não o tendo feito, incorre na violação do dever de gestão processual.
w. Nos termos previamente expostos, a decisão recorrida ao determinar totalmente improcedente a ação apresentada pela recorrente, incorre na violação dos artigos 5.º, 6.º, 12.º, 15.º e 16.º do Decreto-Lei 446/85 de 25 de Outubro, assim como, do artigo 6.º do Código de Processo Civil.
Pugna pela revogação da sentença que deve ser substituída por outra que condene a ré nos termos requeridos.
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Foram apresentadas contra-alegações.
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O recurso foi admitido como sendo de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo.
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Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.
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Tendo em atenção que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente (art. 635º nº 3 e 4 e 639º nº 1 e 3 do C.P.C.), sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, observado que seja, se necessário, o disposto no art. 3º nº 3 do C.P.C., as questões a decidir são:

A) Apurar se houve erro na apreciação da matéria de facto;
B) E se houve erro na subsunção jurídica.
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II – Fundamentação

Foram considerados provados os seguintes factos:

1 – Entre a autora S. P. e a aé X Seguros, S.A. foi celebrado um contrato de seguro, intitulado “X”, do ramo multirriscos habitação, no qual a primeira figurava como tomadora e pessoa segura, titulado pela apólice nº 1004370930.
2 – De acordo com o ponto 4, da cláusula 3ª, das Condições Gerais do contrato de seguro titulado pela apólice nº 1004370930, este cobria o risco de furto ou roubo.
3 – Consta do ponto 4 das condições especiais do contrato de seguro titulado pela apólice nº 1004370930 o seguinte:
“4. Furto ou roubo:
Para os efeitos desta garantia entende-se por:
Furto: A subtracção sob a forma tentada ou consumada dos bens seguros realizada por terceiros sem o emprego de violência ou intimidação contra pessoas com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa.
Roubo: A subtracção sob a forma tentada ou consumada dos bens seguros por terceiros realizada mediante o emprego da violência ou intimidação contra pessoas.

4.1. Furto ou Roubo do Conteúdo

Mediante a contratação desta garantia complementar o segurador garante ao segurado uma indemnização pelas perdas ou danos resultantes da subtração, destruição e deterioração das coisas seguras, em consequência de furto ou roubo, tentado ou consumado, desde que praticado:

a) Com arrombamento ou escalamento de portas, janelas, montras, telhados, paredes, sobrados, tectos ou qualquer outra construção que dê acesso ao local de risco e desde que resultem vestígios inequívocos;
b) Com acção constrangedora por meio de violência ou ameaças físicas exercidas sobre o segurado, qualquer pessoa do seu agregado familiar ou outras pessoas que se encontrem no local de risco. (…)

4.2. Furto Simples do Conteúdo

Entende-se como furto simples a subtracção de bens seguros (para este risco, somente se consideram os elementos do conteúdo), na habitação segura, por terceiros sem o emprego de força nas coisas ou violência e intimidação sobre as pessoas.

Valores Seguros: Em primeiro risco, até 5% do capital seguro do conteúdo, no máximo de € 500,00. (…)”.

4 – No dia 22/02/2018, em hora e circunstâncias não concretamente apuradas, foram subtraídos, do interior da residência da autora, os seguintes bens:

a) um par de brincos em ouro com pedra em castanho, de valor não concretamente determinado;
b) um anel em ouro branco com brilhantes, de valor não concretamente determinado; c) três anéis em ouro de criança, de valor não concretamente determinado;
d) um par de argolas em ouro, de valor não concretamente determinado;
e) dois fios de ouro com medalhas, de valor não concretamente determinado;
f) um par de brincos de Viana, de valor não concretamente determinado;
g) um par de brincos em forma quadrado, em ouro amarelo, de valor não concretamente determinado;
h) um anel em ouro branco e dourado, em forma de onda, de valor não concretamente determinado;
i) um relógio da marca Guess, em aço inox, de valor não concretamente determinado; j) um relógio em aço da marca Mercedes, de valor não concretamente determinado;
k) um relógio da marca Swatch, cor azul marinho, de valor não concretamente determinado;
l) um par de brincos em prata, em forma de símbolo da marca Tous, com pérolas brancas, de valor não concretamente determinado;
m) um par de brincos com brilhantes e pérola branca, em prata, de valor não concretamente determinado;
n) um colar em prata, da marca Tous, de valor não concretamente determinado;
o) dois frascos de perfume da marca Chanel, de 100 ml, no valor de aproximado de 240,00€ (duzentos e quarenta euros).
p) uma estatueta em prata e ouro, de valor não concretamente determinado;
q) um estojo de maquilhagem da marca Clínic, de valor não concretamente determinado;
r) um par de óculos da marca Ray Ban, de valor não concretamente determinado;
s) um colar fino em ouro amarelo, de valor não concretamente determinado;
t) um relógio de senhora prateado da marca Péquignet, no valor de 1.650,00€ (mil seiscentos e cinquenta euros).
u) um anel em ouro amarelo e dourado da marca Péquignet, no valor de 710,00€ (setecentos e dez euros);
v) uma escrava em ouro amarelo, de valor não concretamente determinado;
ww) um casaco pele camel, da marca Massimo Dutti, de valor não concretamente determinado;
x) um casaco de senhora, em pele, da marca Roberta Biagi, preto, de valor não concretamente determinado.
5 - A autora apresentou a respectiva queixa-crime, a qual deu origem aos autos de inquérito nº 78/18.0PABCL, registados no DIAP de Barcelos, pelo crime de furto qualificado.
6 – A Ré, alegando que não existem pressupostos para accionar a cobertura de furto ou roubo, assumiu apenas o pagamento de € 500,00 (quinhentos euros), valor esse que já se encontra liquidado.
7 – A autora apresentou à ré, em 26/02/2018, uma participação de sinistro, com a seguinte descrição: “No passado dia 21/02/2018 furtaram da habitação do segurado diversos objectos, conforme lista em anexo.”.
8 – Na sequência de tal participação, a ré contratou os serviços da empresa de peritagens “Y, Sociedade de Peritagens Técnicas, Lda.” para procedeu à averiguação do sinistro participado.
9 – A autora, em 06/03/2018, declarou ao colaborador da “Y, Sociedade de Peritagens Técnicas, Lda.” que procedia à averiguação do sinistro, o seguinte: “No dia 21 de Fevereiro de 2018, saí de casa por volta das 8:30h, só regressei a casa por volta das 21.15h. Quando cheguei a casa abri a porta da entrada e tinha luzes ligadas no hall dos quartos e no meu quarto, mas pensei eu que me tinha esquecido de desligar as luzes. Fui tratar das minhas filhas como habitualmente e depois fui ao meu quarto, quando abri os armários vi tudo mexido e umas caixas abertas., comecei a abrir todos os restantes armários e estava tudo mexido. Quando regressei a casa a porta encontrava-se totalmente fechada, com a fechadura operacional e ligeiramente pega mais dura ao abrir e ao fechar.”.
10 – A autora entregou à Polícia de Segurança Pública a “relação de bens furtados em 22 de Fevereiro de 2018”, cujo cópia de encontra junta a fls. 83, na qual quantificou o valor total dos bens em € 6.070,00.
11 – Do auto de notícia lavrado pela Polícia de Segurança Pública no seguimento da comunicação efectuada pela Autora, datado de 22/02/2018, consta o seguinte:
“(…) De serviço de patrulhamento à área desta Esquadra, foi-me comunicado via rádio, pelo graduado de serviço a este departamento de Polícia, para me deslocar ao local da ocorrência, em virtude de momentos antes ter recebido uma chamada telefónica, a comunicarem que a residência acima mencionada havia sido assaltada.
Uma vez no local, dirigiu-se-me a identificada em lesada, a comunicar que a sua residência havia sido assaltada no período e hora acima mencionado, na outra noite, mas só verificou que tinham remexido nos locais no dia de hoje, tendo o indivíduo(s) entrado pela porta de entrada, provavelmente através de chave falsa, sem causar qualquer dano na mesma.
O(s) indivíduo(s), uma vez no interior, remexeram no interior de um armário embutido que está localizado no corredor da suite (quarto da lesada) tendo remexido na mesinha de cabeceira e roupeiro, e furtado várias peças em ouro e prata (brincos, colares, pulseiras, anéis) e relógios, desconhecendo de momento marcas e modelos e o valor exato do furto, mas segundo a lesada, ascende os 1000 (mil) euros.
A lesada informou que possui seguro de recheio mas desconhece se cobre estas situações, no entanto, no momento desconhecia o número da apólice, assim como a companhia de seguros.

Do facto não foi dado conhecimento às UPT de Braga, derivado ao facto de o(s) suspeito(s) não deixarem qualquer dano ou marca na porta de entrada (único acesso para o interior da residência) e só remexeram em roupa. (…)”.
12 - A residência da autora situa-se no 5º e último andar de um prédio e o acesso às fracções desse prédio faz-se via dois ascensores, sendo que o do 5º piso é protegido por chave e pelas escadas cuja porta de acesso do vão de escadas não apresentava qualquer dano.
13 - O acesso à habitação da autora é feito através de uma porta com uma só folha em estrutura de madeira, que está dotada de uma fechadura de segurança, a qual estava operacional e não apresentava qualquer dano nem vestígio de intrusão.
14 - Os meios de acesso interiores, portas e janelas, também não apresentavam quaisquer indícios de violação.
15 - Apenas a autora tem acesso à chave do elevador que dá acesso ao 5.º andar, sendo que, nas escadas existe uma porta corta-fogo que se encontra batida.
16 - A autora tinha fechado a porta de entrada com o trinque quando saiu da sua habitação.
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Não se provou:

a) O facto descrito em 4) dos factos provados ocorreu entre as 13H00 e as 21H30M.
b) O bem descrito na alínea a) do ponto 4) dos factos provados tem o valor de € 150. c) O bem descrito na alínea b) do ponto 4) dos factos provados tem o valor de € 1500. d) Os bens descritos na alínea c) do ponto 4) dos factos provados têm o valor de € 90. e) O bem descrito na alínea d) do ponto 4) dos factos provados tem o valor de € 500.
f) Os bens descritos na alínea e) do ponto 4) dos factos provados têm o valor de € 75. g) O bem descrito na alínea f) do ponto 4) dos factos provados tem o valor de € 80.
h) O bem descrito na alínea g) do ponto 4) dos factos provados tem o valor de € 80.
i) O bem descrito na alínea h) do ponto 4) dos factos provados tem o valor de € 250
j) O bem descrito na alínea i) do ponto 4) dos factos provados tem o valor de € 200.
k) O bem descrito na alínea j) do ponto 4) dos factos provados tem o valor de € 300.
l) O bem descrito na alínea k) do ponto 4) dos factos provados tem o valor de € 75.
m) O bem descrito na alínea l) do ponto 4) dos factos provados tem o valor de € 150. n) O bem descrito na alínea m) do ponto 4) dos factos provados tem o valor de € 55.
o) O bem descrito na alínea n) do ponto 4) dos factos provados tem o valor de € 200.
p) O bem descrito na alínea p) do ponto 4) dos factos provados tem o valor de € 2000. q) O bem descrito na alínea q) do ponto 4) dos factos provados tem o valor de € 170. r) O bem descrito na alínea r) do ponto 4) dos factos provados tem o valor de € 180.
s) O bem descrito na alínea s) do ponto 4) dos factos provados tem o valor de € 250.
t) O bem descrito na alínea v) do ponto 4) dos factos provados tem o valor de € 350.
u) O bem descrito na alínea w) do ponto 4) dos factos provados tem o valor de € 450. w) O bem descrito na alínea x) do ponto 4) dos factos provados tem o valor de € 380.
x) Nas circunstâncias descritas no ponto 4) dos factos provados, foram subtraídos, do interior da residência da autora, € 200 (duzentos euros) em numerário.
y) Foram causados danos na porta de entrada da residência da autora no valor de € 730 (setecentos e trinta euros).
z) O acesso ao hall comum de entrada do prédio onde se situa a residência da autora é efectuado por porta com folhas em vidro, inserida em caixilharia de alumínio, dotadas de trinco eléctrico, que se encontrava operacional.
aa) A autora é a única que possui a chave da porta das escadas de acesso ao 5º andar.
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A) Nulidades da sentença

Refere o apelante que a sentença é nula nos termos do art. 615º nº 1 b) do C.P.C. porquanto não se fez constar da matéria de facto provada ou não provada qualquer referência à existência de “vestígios inequívocos” de furto.

Mais refere que a sentença é nula por omissão de pronúncia nos termos do art. 615º nº 1 d) do C.P.C. uma vez que o tribunal recorrido não apreciou a validade da cláusula do contrato de seguro que exclui no caso em apreço a responsabilidade ao abrigo do regime das cláusulas contratuais gerais, o que é de conhecimento oficioso.

Vejamos.

1.
Dispõe o art. 615º nº 1 do C.P.C.: “É nula a sentença quando: (…)
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
(…)”.

Nos termos do art. 154º do C.P.C. as decisões são sempre fundamentadas sendo este dever constitucionalmente imposto (art. 205º nº 1 da C.R.P.). Não pode, porém, confundir-se a falta absoluta de fundamentação com a fundamentação insuficiente, errada ou medíocre, sendo que só a primeira constitui a causa de nulidade prevista na al. b) do nº 1 do artigo 615º citado. Disso dão nota A. Varela, M. Bezerra e S. Nora, in Manual de Processo Civil, 2ª ed., 1985, p. 670/672, ao escreverem “Para que a sentença careça de fundamentação, não basta que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito”.

No caso em apreço, entendemos que, de modo algum, ocorre falta absoluta de fundamentação de facto e/ou de direito pelo que não se verifica a presente nulidade.
A suscitada falta de referência a “vestígios inequívocos” da ocorrência de furto na matéria de facto constante sentença é matéria a apreciar em sede de eventual erro no julgamento de facto.

2.
Nos termos do art. 615º nº 1 do C.P.C. É nula a sentença quando: (…)
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; (…).
Este vício incide sobre as questões a resolver nos termos e para os efeitos do disposto no art. 608º nº 2 do C.P.C.., nos termos do qual O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
Questões cuja omissão de pronúncia conduz à nulidade de decisão são “(…) todas as pretensões processuais formuladas pelas partes que requerem decisão do juiz, bem como os pressupostos processuais de ordem geral e os pressupostos específicos de qualquer acto (processual) especial, quando realmente debatidos pelas partes (…)” (Antunes Varela, in R.L.J., Ano 122, p. 112). São “todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que oficiosamente lhe cabe conhecer” (Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, in Código de Processo Civil Anotado, 2º, 2ª ed., p. 704).
Assim, tais questões não se confundem com argumentos, razões (de facto ou de direito) ou motivos invocados pelas partes em defesa ou reforço das suas posições
E para que a nulidade ocorra é necessário que ocorra omissão absoluta de conhecimento relativamente a cada questão não prejudicada e não uma fundamentação deficiente.
In casu nenhuma questão ficou por apreciar pelo que também não se verifica a suscitada nulidade.
O referido pela apelante inscreve-se na indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, matéria em relação à qual o julgador não está sujeito às alegações das partes (art. 5º nº 3 do C.P.C.), a apreciar em sede de subsunção jurídica.
*
B) Reapreciação da matéria de facto

A apelante insurge-se contra a matéria de facto dada como provada sob o ponto 13 defendendo que a mesma deve ter outra redacção e contra a matéria de facto não provada sob as al. b) a f), j) a u), w) e y) por entender que a mesma devia ter sido dada como provada.
A apelada defendeu que a matéria de facto foi correctamente julgada.

Decidindo.

O Tribunal da 1ª Instância, ao proferir sentença, deve, em sede de fundamentação “(…) declarar quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas de factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência” (art. 607º nº 4 do C.P.C.) e “O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes” (art. 607º nº 5 do C.P.C.).
Sendo certo que o julgador aprecia a prova de acordo com a sua livre convicção, salvo algumas limitações, a análise crítica da prova é da maior importância do ponto de vista da fundamentação de facto da decisão. Com efeito, esta deve ser elaborada por forma a que, através da sua leitura, qualquer pessoa possa perceber quais os concretos meios de prova em que o Tribunal se baseou para considerar determinado facto provado ou não provado e a razão pela qual tais meios de prova foram considerados credíveis e idóneos para sustentar tal facto. Esta justificação terá de obedecer a critérios de racionalidade, de lógica, objectivos e assentes nas regras da experiência.
A exigência de análise crítica da prova nos termos supra referidos permite à parte não convencida quanto à bondade da decisão de facto tomada pelo tribunal da 1ª instância interpor recurso contrapondo os seus argumentos e justificar as razões da sua discordância.
Caso seja requerida a reapreciação da matéria de facto incumbe, desde logo, ao Tribunal da Relação verificar se os ónus previstos no acima art. 640º do C.P.C. se mostram cumpridos, sob pena de rejeição do recurso.
Não havendo motivo de rejeição procede este tribunal à reapreciação da prova nos exactos termos requeridos. Incumbe a este Tribunal controlar a convicção do julgador da primeira instância verificando se esta se mostra contrária às regras da experiência, da lógica e dos conhecimentos científicos e sindicar a formação da sua convicção. i.e., o processo lógico. Não deixando de ter presente que o tribunal da 1ª instância, por força da imediação, é o tribunal melhor posicionado para proceder ao julgamento de facto, nada impede que, fundado no mesmo princípio da livre apreciação da prova, o tribunal superior conclua de forma diversa da do tribunal recorrido desde que tenha bases sólidas e objectivas.
Uma vez que, no caso em apreço, a apelante assinala os pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados, a decisão que deve ser proferida e indica os concretos meios probatórios em que se baseia inexiste fundamento de rejeição de recurso nesta parte.
Tendo por base estas considerações e depois de ouvir a prova produzida importa analisar os factos acerca dos quais a apelante discorda.
- não referência a “vestígios inequívocos” da ocorrência de furto
Desde logo, a expressão “vestígios inequívocos” encerra uma conclusão a retirar de outros factos pelo que não consta, nem devia constar da matéria de facto. Tal expressão consta da cláusula 4.1 a) das Condições Especiais do contrato de seguro em causa e reporta-se apenas a vestígios de arrombamento e escalamento.
Contrariamente ao defendido pela apelante, no ponto 13 dos factos provados e al. y) dos factos não provados, consta expressa referência à prova de inexistência de vestígios de intrusão na porta de acesso à habitação da autora e à não prova de dano nessa porta e muito menos no valor de € 730,00.
Refere a apelante que, tendo a autora encontrado caixas debaixo da sua cama vazias e os armários remexidos, verificam-se “vestígios inequívocos” de furto, mas sem razão. Com efeito, este “vestígio” não foi alegado pela autora e, tendo o mesmo resultado da instrução da causa, não se inscreve nos factos que o juiz deve considerar nos termos do art. 5º nº 2 a) do C.P.C. por não ter relevância para a subsunção jurídica.

- Facto provado nº 13 e facto não provado sob a al. y)
Entendemos ser de manter estes factos nos seus precisos termos atenta a prova documental e testemunhal produzida.
No auto de notícia a PSP fez constar expressamente a inexistência de dano na porta de entrada. As testemunhas A. F. e M. P., amiga e vizinha da autora respectivamente, nenhuma referência fizeram a dano na porta de entrada da casa desta. A testemunha C. M., irmã da autora, referiu que a fechadura estava danificada, contudo, atentas as suas declarações vagas e o grau de parentesco com a autora, não nos merece credibilidade.
Por fim, a própria autora, nas suas declarações, limitou-se a referir que, naquele dia, ao entrar em casa, notou que a fechadura estava “perra”. Ora, uma fechadura “perra” não é uma fechadura danificada, sendo que esse facto pode ter origem apenas na falta de óleo. Não aludiu a nenhum dano na fechadura. Acresce que não se mostra junto qualquer declaração de serralheiro a comprovar tal dano, nem qualquer recibo referente à eliminação do mesmo. Referiu que tinha mudado o canhão da porta, mas, das suas declarações, resultou que o fez para se sentir segura, o que se compreende, e não porque estivesse danificado. Por outro lado, a mesma, na participação do sinistro de 26/02/2018, não referiu qualquer dano na porta e, em 06/03/2018, em sede de processo de sinistro, declarou por escrito que se encontrava a “fechadura operacional e ligeiramente perra mais dura ao abrir e ao fechar”. Não sendo, assim, credível a afirmação da mesma em sentido contrário, em 09/03/2018, em sede de declarações no âmbito do processo crime.

- a matéria de facto não provada sob as al. b) a f), j) a u), w) e y)
Refere a apelante que o julgador deveria ter diligenciado, designadamente junto da internet, pelo valor dos bens furtados referidos nessas alíneas dando como provados os valores constantes da p.i. e confirmados pela prova documental e pelas declarações de parte da autora.
É de manter a não prova do valor dos bens referidos nestas alíneas por a autora não ter, de modo algum, logrado provar o valor por si indicado na petição inicial. Desde logo, a mesma não juntou recibos da sua aquisição. Acresce que a autora começou por dizer, no dia em que detectou o furto e chamou a P.S.P., que os bens furtados tinham um valor de cerca de € 1.000,00 e, em 09/03/2018, quando foi ouvida pela polícia, declarou que o valor dos bens constantes da relação por si apresentada, bem como os bens que nesse momento aditou, era de cerca de € 10.210,00. Das suas declarações percebeu-se que desconhece o valor exacto dos bens tendo indicado valores por alto. Uma vez que os bens referidos não se mostram suficientemente descritos e identificados e as fotografias juntas não permitem tal identificação não podia, de modo algum, o tribunal recorrido ter diligenciado por apurar o valor dos mesmos tanto mais que, em regra, o valor dos bens em novo é diferente do valor dos bens usados.
Por fim, nenhuma testemunha revelou saber o valor exacto dos bens.
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C) Subsunção jurídica

A apelante insurge-se contra a subsunção jurídica apresentando três argumentos: o tribunal recorrido interpretou a cláusula 4.1 das condições especiais de forma restritiva, inclusive os conceitos de arrombamento e escalamento aí referidos, desconsiderando a justiça material; não concluiu pela nulidade da mesma cláusula com fundamento em violação da boa fé e na falta de cumprimento dos deveres de comunicação e informação, isto ao abrigo da lei que regula as cláusulas contratuais gerais.

A apelada veio chamar à atenção que apenas em sede de recurso é que a autora defende a nulidade da cláusula supra referida.

Vejamos.

Com início em 01/02/2017, entre autora e ré, foi celebrado o contrato de seguro multirriscos habitação, denominado “X”, com o objecto “Conteúdo”, titulado pela apólice nº 1004370930, nos termos do qual o risco de furto e roubo, entre outros, foi transferido para a ré, sendo que as condições gerais, especiais e particulares estão juntas aos autos cfr. doc. de fls. 8V a 30 e 80 a 81.
Nos termos das condições particulares e especiais o local de risco é “R. … Barcelos” e o capital seguro no que concerne à garantia “Furto e Roubo Conteúdo” é de € 35.000,00 e à garantia “Furto Simples Conteúdo” de € 500,00.
Em sede de condições gerais, a Cláusula 1ª (definições), para as coberturas de edifícios e/ou conteúdos, dá a noção de “Edifício e/ou Fracção de edifício” como sendo “A estrutura, paredes, cobertura, tectos, pavimentos, portas e janelas, bem como os vidros nela fixos, armários encastrados e outros elementos de construção (nº 2 a) 1), de “Conteúdo” como sendo “Conjunto de objectos de uso doméstico e de uso pessoal, que sejam propriedade do Segurado (…) e desde que se encontrem dentro do edifício e/ou fracção segura (…)” (nº 2 b), 1) e “Os objectos de valor elevado, em habitações permanentes, entendendo-se como tal as pedras preciosas, metais preciosos, pérolas, jóias, (…).” (nº 2 b), 3). Um dos riscos cobertos é o furto ou roubo do conteúdo, bem como o furto simples de conteúdo (Cl. 3ª, 4.2).

Em sede de condições especiais da apólice de seguro multirriscos habitação encontram-se as seguintes noções de furto, de roubo, de furto ou roubo do conteúdo e de furto simples de conteúdo:

“4. Furto ou roubo:

Para os efeitos desta garantia entende-se por:
Furto: A subtracção sob a forma tentada ou consumada dos bens seguros realizada por terceiros sem o emprego de violência ou intimidação contra pessoas com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa.
Roubo: A subtracção sob a forma tentada ou consumada dos bens seguros por terceiros realizada mediante o emprego da violência ou intimidação contra pessoas.

4.1. Furto ou Roubo do Conteúdo

Mediante a contratação desta garantia complementar o segurador garante ao segurado uma indemnização pelas perdas ou danos resultantes da subtração, destruição e deterioração das coisas seguras, em consequência de furto ou roubo, tentado ou consumado, desde que praticado:

a) Com arrombamento ou escalamento de portas, janelas, montras, telhados, paredes, sobrados, tectos ou qualquer outra construção que dê acesso ao local de risco e desde que resultem vestígios inequívocos;
b) Com acção constrangedora por meio de violência ou ameaças físicas exercidas sobre o segurado, qualquer pessoa do seu agregado familiar ou outras pessoas que se encontrem no local de risco. (…)

4.2. Furto Simples do Conteúdo

Entende-se como furto simples a subtracção de bens seguros (para este risco, somente se consideram os elementos do conteúdo), na habitação segura, por terceiros sem o emprego de força nas coisas ou violência e intimidação sobre as pessoas.
Valores Seguros: Em primeiro risco, até 5% do capital seguro do conteúdo, no máximo de € 500,00. (…)”.
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O contrato de seguro é aquele em que uma das partes, o segurador, mediante retribuição pelo tomador de seguro, se obriga, a favor do segurado ou terceiro, à indemnização de prejuízos resultantes no caso de se verificar um determinado evento futuro e incerto.
O Regime Jurídico do Contrato de Seguro (RJCS) encontra-se previsto no Dec.-Lei nº 72/2008 de 16/04 alterado pela Lei nº 147/2015, de 09 de Setembro.
Nos termos do art. 11º deste diploma este contrato rege-se pelos princípios da liberdade contratual pelo que têm caracter supletivo as regras constantes do referido regime com os limites previstos nos art. 12º a 15º. O mesmo é regulado pelas estipulações da respectiva apólice, que não sejam proibidas por lei, subsidiariamente pelas disposições do R.J.C.S., e subsidiariamente pelas disposições da lei comercial e da lei civil (art. 4º).
A lei exige a sua formalização num instrumento escrito ou em suporte electrónico duradouro que constituirá a apólice de seguro (art. 32º nº 2, 34º nº 2, 37º do cit. diploma). Presentemente esta é uma mera formalidade ad probationem do contrato.
O seguro em apreço é um seguro de danos previsto nos art. 43º nº 2 e 123º do R.J.C.S. Dispõe o art. 49º do cit. diploma que o “capital seguro” representa o valor máximo da prestação a pagar pelo segurador por sinistro ou anuidade, consoante o previsto no contrato, incumbindo ao tomador, quer no início, quer na vigência do contrato, indicar o valor da coisa, direito ou património a que respeita o contrato para determinação daquele capital seguro, excepto se for determinado por lei.
O art. 128º do R.J.C.S. prevê, como regra, o princípio indemnizatório ao preceituar que a prestação do segurador está limitada ao dano decorrente do sinistro até ao montante do capital seguro.
Parte significativa das cláusulas que integram o contrato de seguro – condições gerais e especiais - são cláusulas contratuais gerais reguladas pelo Regime Jurídico das Cláusulas Contratuais Gerais (RJCCG), aprovado pelo Dec.-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro, alterado pelo Dec.-Lei nº 323/2001, de 17/12, Dec.-Lei nº 249/99, de 07/07, Dec.-Lei nº 220/95, de 31/08 e Rect. nº 114-B/95, de 31/08.

No caso em apreço provou-se que, no dia 22/02/2018, em hora e circunstâncias não concretamente apuradas, na ausência da autora, foram subtraídos da sua residência os bens discriminados no ponto 4 dos factos provados. Apurou-se que o acesso à habitação da autora se faz por porta com fechadura de segurança, que se apresentava operacional e sem danos ou vestígios de intrusão. Outros meios de acesso como portas e janelas também não apresentavam indícios de violação. Mais se apurou que a autora nesse dia, quando saiu de casa, tinha deixado a porta fechada apenas no trinco.

Assim, encontramo-nos perante um furto e não roubo por ausência de violência ou intimidação sobre pessoas.
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Refere a apelante que a cláusula 4.1. do contrato de seguro não lhe foi comunicada, nem lhe foram explicados os aspectos nela compreendidos. Mais refere que o tribunal devia ter-se pronunciado acerca da falta de cumprimento dos deveres de comunicação e informação ao abrigo da lei que regula as cláusulas contratuais gerais.
Mas sem razão porquanto esta matéria não foi alegada na petição inicial ou na resposta e não é de conhecimento oficioso.
Com efeito, incumbia à autora, se pretendesse prevalecer-se da violação dos deveres previstos nos art. 5º e 6º do RJCCG, o ónus de alegar que aderiu ao texto das cláusulas sem que a proponente lhas tivesse comunicado ou prestado os devidos esclarecimentos possibilitando à parte contrária impugnar tais factos. Só o próprio contraente é que pode saber se a determinada cláusula lhe foi ou não comunicada, se a mesma lhe foi ou não explicada e, no caso de o ter sido, se a explicação dada foi suficiente para perceber o seu sentido. No caso de alegação expressa da falta de cumprimento de tais deveres é que incumbe ao proponente o ónus da prova da comunicação efectiva, adequada e esclarecedora do conteúdo de tal cláusula conforme dispõe o art. 5º nº 3 do RJCCG. Neste sentido vide, entre outros, Ac. do S.T.J. de 29/06/2004 (Araújo de Barros) e de 24/06/10 (Bettencourt de Faria), in www.dgsi.
Improcede, assim, a pretendida exclusão da mencionada cláusula ao abrigo do art. 8º do RJCCG.
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A apelante discorda da qualificação feita pela seguradora nos termos da qual nos encontramos perante um furto simples do conteúdo defendendo estarmos perante um furto do conteúdo. Refere que o conceito de furto de conteúdo previsto na cláusula 4.1 é muito restritivo.

Importa proceder à interpretação das cláusulas 4.1. e 4.2. das condições especiais recorrendo ao disposto nos art. 236º e 238º do C.C. ex vi art. 10º e art. 11º nº 1 do RJCCG.

Interpretar uma declaração negocial é a actividade tendente a determinar o que as partes quiseram ou declararam querer. A regra prevista no nº 1 do art. 236º do C.C. é que o sentido decisivo da declaração negocial é aquele que seria apreendido por um declaratário normal, i.e., medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real em face do comportamento do declarante. As excepções são: não poder ser imputado ao declarante razoavelmente aquele sentido (nº 1) ou o declaratário conhecer a vontade real do declarante (nº 2).

Em caso de dúvida sobre o sentido da declaração aplica-se o disposto no art. 11º nº 2 do RJCCG (e não o art. 237º do C.C.) nos termos do qual prevalece o sentido mais favorável ao aderente.

Nos negócios formais é necessário que o sentido da declaração tenho reflexo ou expressão no texto do documento (art. 238º do C.C.), não podendo tal sentido ser deduzido pelo declaratário e não pode ser imposto ao declarante. Optou nesta sede a lei por uma orientação objectiva.

Ora, da leitura das cláusulas 4.1. e 4.2. resulta que no primeiro caso se exige que se ultrapasse um obstáculo para se proceder à subtracção das coisas seguras: ou através de violência física contra o segurado, sua família ou pessoa que se encontre no local de risco, ou através de uma acção de arrombamento ou escalamento de portas, janelas, etc, que dêem acesso ao local de risco.

Uma vez que as referidas cláusulas não nos dão a noção de arrombamento e de escalamento e que estas não estão previstas no R.J.C.S., lei comercial e lei civil o seu sentido deve ser procurado no direito penal.

Assim, nos termos do art. 202º d) do Código Penal (C.P.), por arrombamento entende-se “o rompimento, fractura ou destruição, no todo ou em parte, de dispositivo destinado a fechar ou impedir a entrada, exterior ou interiormente, de casa (…)” e nos termos da alínea e) do mesmo preceito por escalamento “a introdução em casa (…), por local não destinado normalmente à entrada, nomeadamente por telhados, portas de terraços ou de varandas, janelas, paredes, aberturas subterrâneas ou por qualquer dispositivo destinado a fechar ou impedir a entrada ou passagem”.

Este diploma distingue o furto simples (art. 203º) do furto qualificado (art. 204º). Nos termos deste último preceito a qualificação do furto pode resultar designadamente de introdução ilegítima em habitação ou permanência escondido com intenção de furtar (nº 1 f)) ou de penetração em habitação por arrombamento, escalamento ou chaves falsas (nº 2 e)).

No caso em apreço, apurou-se apenas que houve a subtracção de bens que se encontravam no local de risco, mas não se provou o modo utilizado por terceiro(s) para ter(em) acesso ao interior da habitação da autora: podem ter encontrado a porta aberta porque alguém, que não a autora, a deixou aberta; podem ter utilizado uma chave da porta; podem ter procedido a arrombamento ou escalamento sem ter deixado sinais disso, etc.

A referência na cláusula a “vestígios inequívocos” permite exactamente concluir pelo arrombamento ou escalamento uma vez que estas condutas não são em regra presenciadas por testemunhas.

Pelo exposto, não se mostra verificada a situação prevista na cláusula 4.1. a), pois não se provou o arrombamento ou escalamento com ou sem vestígios, pelo que os factos ocorridos se reconduzem à cláusula 4.2.

Uma vez que nos encontramos perante realidades muito distintas afigura-se-nos que não é possível recorrer aos conceitos de furto simples e qualificado do direito penal, designadamente ao disposto no art. 204º nº 1 f) do C.P., para concluir que bastaria a introdução sem autorização de terceiros na habitação da autora com intenção de apropriação de bens alheios, para se concluir pela subsunção dos factos provados na cláusula 4.1.. Com efeito, enquanto que, no direito penal, naquele preceito se protege o património e a privacidade das pessoas, no caso em apreço está em causa um contrato civil facultativo.
Acresce que uma tal interpretação não teria um mínimo de apoio no texto do contrato em causa pelo que, de modo algum, se pode dizer que se está a fazer uma interpretação restritiva da mencionada cláusula ou com desconsideração pela justiça material.
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Questão distinta é a de saber se a cláusula 4.1 é nula por violação da boa fé nos termos do art. 15º e 16º do RJCCG.

Antes de mais, não obstante esta questão da nulidade apenas nas alegações de recurso haver sido suscitada, importa referir que a mesma é de conhecimento oficioso pelo tribunal nos termos dos art. 24º do RJCCG e 286º do C.C.. O mesmo resulta do art. 6º da Directiva 93/13/CEE do Conselho de 5 de Abril de 1999 relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores e da orientação do TJUE. Neste sentido, entre outros, vide Ac. do S.T.J. de 24/06/10 (Bettencourt Faria), 18/09/2014 (Granja da Fonseca) e 27/09/2016 (José Rainho), in www.dgsi.pt.

No caso em apreço, está assegurado o princípio do contraditório uma vez que a apelada teve a oportunidade de se pronunciar acerca da referida nulidade em sede de contra-alegações.

Entendemos que a mencionada cláusula não contraria a boa fé.

Vejamos.

O art. 15º do RJCCG prevê o princípio geral segundo o qual São proibidas as cláusulas contratuais gerais contrárias à boa fé.

Dispõe ao art. 16º do mesmo diploma, sob a epígrafe “Concretização”:

Na aplicação da norma anterior devem ponderar-se os valores fundamentais do direito, relevantes em face da situação considerada, e, especialmente:

a) A confiança suscitada, nas partes, pelo sentido global das cláusulas contratuais em causa, pelo processo de formação do contrato singular celebrado, pelo teor deste e ainda por quaisquer outros elementos atendíveis;
b) O objectivo que as partes visam atingir negocialmente, procurando-se a sua efectivação à luz do tipo de contrato utilizado.

A boa fé que aqui se trata é a boa fé objectiva.
O preponente, que tem o poder de pré-estabelecer as cláusulas contratuais, tem o dever de sopesar os interesses previsíveis do aderente com vista à obtenção de um equilíbrio com os seus interesses. Deverá evitar um desequilíbrio significativo entre os direitos e obrigações das partes decorrentes do contrato, i.e., uma vantagem injustificável para si e uma penalização gravosa para o aderente.

A este propósito refere Almeno de Sá, in Cláusulas Contratuais Gerais e Directiva sobre Cláusulas Abusivas, p. 261: “A consecução de um adequado equilíbrio contratual de interesses aparece como o objectivo último desse controlo, objectivo que seguramente não será atingido se o utilizador procurar garantir, de antemão, os seus exclusivos propósitos negociais, sem atender, de forma minimamente adequada, aos interesses da parte contrária. O imperativo do respeito pelo interesse do outro flui directamente da própria intencionalidade que atravessa o princípio da boa-fé, pelo que somos assim levados à necessidade de uma ponderação de interesses. (…) Nesta ponderação, haverá de concluir-se por uma violação do escopo da norma singular de proibição, se a composição de direitos e deveres resultantes da conformação do contrato, considerado no seu todo, e tendo em conta o quadro negocial padronizado, não corresponder "à medida" do equilíbrio, pressuposto pela ordem jurídica, verificando-se, ao invés, uma desrazoável perturbação desse equilíbrio, em detrimento da contraparte do utilizador (…) Torna-se manifesto que, nesta contraposição de interesses igualmente legítimos, está naturalmente reservado um lugar de destaque para o princípio da proporcionalidade, numa incessante sopesagem e comparação de vantagens, custos, compensações e riscos”.

In casu, procedendo ao controlo do conteúdo da cláusula 4.1. do contrato de seguro à luz da boa fé, afigura-se-nos que a confiança objectiva de um “tomador normal” é a de que, em caso de furto ou roubo na sua habitação, será ressarcido.
Por outro lado, verificamos que o interesse da segurada e tomadora do seguro é poder ser indemnizada no caso de ocorrer um furto ou roubo na sua habitação pagando um determinado prémio e o interesse da seguradora é o de se certificar que ocorreu mesmo um furto para proceder ao pagamento de indemnização em função dos concretos bens furtados.
Ora, da análise comparativa dos interesses de ambas não resulta, quanto a nós, um desequilíbrio significativo dos interesses dos contraentes, nem uma vantagem injustificável para a seguradora e uma penalização gravosa para a aderente. Com efeito, em situações como a presente, em que a seguradora não comprova que ocorreu um furto através de arrombamento e escalamento é compreensível que não assuma a responsabilidade pelo pagamento integral dos danos e que assuma o pagamento de determinada quantia mínima (prevista na cláusula 4.2.) não se podendo dizer que assim obtém uma vantagem injustificável. Uma vez que o segurado, provando o furto, ainda que sem vestígios de arrombamento e escalamento, não fica totalmente desprotegido e aufere a referida quantia mínima também não se pode dizer que sofre uma penalização gravosa ou que tudo se passa como se não existisse seguro.

Pelo exposto, concluímos pela não proibição e nulidade da mencionada cláusula.
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Improcede, assim, a apelação.
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Sumário – 663º nº 7 do C.P.C.:

I – O aderente, que pretenda prevalecer-se da violação dos deveres previstos nos art. 5º e 6º do RJCCG, tem o ónus de alegar que aderiu ao texto das cláusulas sem que a proponente lhas tivesse comunicado ou prestado os devidos esclarecimentos e, apenas no caso de alegação expressa da falta de cumprimento de tais deveres, é incumbe ao proponente o ónus da prova da comunicação efectiva, adequada e esclarecedora do conteúdo de tais cláusulas.
II – A violação da boa fé por parte de uma cláusula contratual geral (art. 15º do RJCCG) consubstancia nulidade que é de conhecimento oficioso devendo o tribunal apenas assegurar, se necessário, o cumprimento do princípio do contraditório.
III - O preponente, que tem o poder de pré-estabelecer as cláusulas contratuais, tem o dever de evitar um desequilíbrio significativo entre os direitos e obrigações das partes decorrentes do contrato, i.e., uma vantagem injustificável para si e uma penalização gravosa para o aderente.
IV – Num contrato de seguro de danos com a cobertura de furto e, em que se distingue o furto do conteúdo do furto simples do conteúdo, não é proibida (por não violar a boa fé) a cláusula referente ao primeiro que exige que este tenha sido praticado com arrombamento ou escalamento de portas, janelas, montras, telhados, paredes, sobrados, tectos ou qualquer outra construção que dê acesso ao local de risco desde que resultem vestígios inequívocos para que o tomador seja ressarcido do valor dos bens furtados até ao limite do capital seguro.
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III – Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação e em confirmar integralmente a decisão recorrida.
Custas pela apelante.
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Guimarães, 30/01/2019

Relatora: Margarida Almeida Fernandes
Adjuntos: Margarida Sousa
Afonso Cabral de Andrade