Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
11/20.0T8BGC.G1
Relator: VERA SOTTOMAYOR
Descritores: IMPUGNAÇÃO DO DESPEDIMENTO
ABUSO DE DIREITO
NULIDADE DO PROCEDIMENTO DISCIPLINAR – VIOLAÇÃO DO SEGREDO BANCÁRIO
PRESCRIÇÃO
GERENTE BANCÁRIO
DESOBEDIÊNCIA E VIOLAÇÃO DO DEVER DE ZELO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 03/30/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
I – Não se verifica a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, quando a excepção (questão) não se encontra suficientemente equacionada, nem foi formulada nos termos previstos no art.º 572. al. c) do CPC., nem foi formulado qualquer pedido, que impusesse a sua apreciação.
II - Há abuso de direito quando o direito, em princípio legítimo e razoável, é exercido em determinado caso de maneira a constituir clamorosa ofensa do sentimento jurídico dominante.
III – O procedimento disciplinar não é nulo, porque a prova nele produzida também não é nula, já que não existe violação do segredo bancário previsto no art.º 78 do Decreto-Lei nº 298/92, de 31.12, quando no processo disciplinar instaurado por uma instituição bancária a um seu trabalhador, o empregador utiliza como meios de prova informações, designadamente documentos, referentes às relações estabelecidas entre a instituição bancária com os clientes, pois tudo se passa no âmbito interno da própria instituição.
IV – Aos trabalhadores bancários exige-se que assumam uma postura de transparência e que exerçam as suas funções de forma íntegra, idónea, leal e de boa fé, com respeito pelas disposições legais e pelas normas emanadas pela Administração da Instituição Bancária.
V – A desobediência e o incumprimento do dever de zelo manifestados pela conduta do Autor, bem como a sua deslealdade ao fazer-se passar pela sua mãe, ainda que a sua conduta não tenha causado qualquer prejuízo ao Recorrido, é qualificar de muito grave por força da qualidade de gerente bancário que lhe exigia outra forma de agir no quadro da prossecução de interesses que o seu empregador lhe confiou.
A conduta do autor abalou irremediavelmente a confiança que subjaz à relação laboral, designadamente aquela que o Recorrido nele depositou quer ao desrespeitar as normas e os procedimentos que estava obrigado a observar, quer no desinteressar-se pelas consequências de tal incumprimento sobre os seus subordinados e do dever de lhes impor o cumprimento da mesma disciplina.
VI - A sanção do despedimento é a proporcionalmente adequada ao caso, pois atenta a atuação de um gerente bancário, a sua culpa reveladora do desinteresse pela entidade empregadora e pelo cumprimento dos seus deveres profissionais e a dimensão dos interesses do empregador lesado com a conduta do autor, não se vislumbra que outra sanção pudesse ser aplicada, sendo certo que quer sua antiguidade, quer o facto de não ter antecedentes disciplinares, só por si não afastam a adequação da sanção.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães

APELANTE: AA
APELADA: Banco 1..., S.A.
Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo do Trabalho ...

I – RELATÓRIO
           
AA, intentou a presente acção, com processo especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento promovido pela sua entidade empregadora Banco 1..., S.A, apresentando para tanto o respectivo formulário a que alude o artigo 98.º C do C.P.T e requerendo a declaração da ilicitude ou irregularidade do seu despedimento

Realizada a audiência de partes e não tendo sido obtida a conciliação, foi a empregadora notificada para, no prazo de 15 dias, apresentar articulado motivador do despedimento e juntar o original do procedimento disciplinar que conduziu ao despedimento do impugnante.
A entidade empregadora apresentou articulado motivador do despedimento pugnando pela improcedência da acção e manutenção da decisão de despedimento com justa causa.
Alega em resumo que o autor no exercício da sua actividade profissional de gerente, violou repetidamente o normativo interno na intervenção em contas por si tituladas ou co-tituladas, ou em contas tituladas por pessoas estreitamente consigo relacionadas, designadamente pais e cônjuge, não acautelando os conflitos de interesses em que incorreu, figurando indevidamente como gestor dessas contas, movimentando e intervindo nas mesmas contas em violação dos normativos internos e mesmo com recurso a falsificação de documentos e incumprindo o normativo aplicável em matéria de óbito de cliente, comportamentos esses integradores de infracções disciplinares culposa, graves e conscientes por violação dos deveres de zelo e diligência e de obediência às ordens e instruções do empregador respeitantes à execução e disciplina do trabalho.
O Trabalhador contestou suscitando a nulidade do procedimento disciplinar, por ter sido carreada para o mesmo, prova obtida mediante violação do dever de sigilo e impugnou no essencial os factos alegados pelo empregador, dando a sua versão, concluindo que os factos que constam do procedimento disciplinar não são suficientes para conduzir ao despedimento.

Por fim, formula ainda pedido reconvencional no âmbito do qual peticiona o seguinte:

“(…) deve a presente acção e reconvenção ser julgada provada e procedente, e ser declarado nulo o procedimento disciplinar, e condenar-se o R.:

a) A reintegrar o A. no seu posto de trabalho com todos os direitos, incluindo os inerentes à sua categoria profissional e à sua antiguidade;
b) Ou, se essa for a opção feita até ao termo da discussão em audiência final de julgamento, a pagar-lhe a indemnização prevista no art. 391 CT;
c) A pagar ao A.:
i. As retribuições perdidas desde o despedimento até ao presente, no valor de €5.165,22, acrescidos dos juros de mora à taxa legal;
ii. As retribuições que deixar de receber desde a presente data até ao trânsito em julgado da decisão do Tribunal, nomeadamente retribuição base, diuturnidades, retribuição complementar mensal, retribuição por isenção de horário de trabalho, subsídio de alimentação isento e não isento, subsídio de estudo e SIM;
d) A pagar ao A. os juros moratórios à taxa legal, calculados sobre cada uma das prestações pedidas;
e) A pagar ao A. o valor de €2.500,00 a título de indemnização por danos morais;
f) A suportar as custas.
Subsidiariamente, se não se considerar como tal (o que não se aceita mas se acautela por dever de patrocínio), devem ser consideradas prescritas as alegadas infracções disciplinares supra referidas, ser declarado ilícito o despedimento do A. e condenar-se o R:
g) A reintegrar o A. no seu posto de trabalho com todos os direitos, incluindo os inerentes à sua categoria profissional e à sua antiguidade;
h) Ou, se essa for a opção feita até ao termo da discussão em audiência final de julgamento, a pagar-lhe a indemnização prevista no art. 391 CT;
i) A pagar ao A.:
i. As retribuições perdidas desde o despedimento até ao presente, no valor de €5.165,22, acrescidos dos juros de mora à taxa legal;
ii. As retribuições que deixar de receber desde a presente data até ao trânsito em julgado da decisão do Tribunal, nomeadamente retribuição base, diuturnidades, retribuição complementar mensal, retribuição por isenção de horário de trabalho, subsídio de alimentação isento e não isento, subsídio de estudo e SIM;
j) A pagar ao A. os juros moratórios à taxa legal, calculados sobre cada uma das prestações pedidas;
k) A pagar ao A. o valor de €2.500,00 a título de indemnização por danos morais;
l) A suportar as custas.”
A R. respondeu à contestação e à matéria da reconvenção, impugnando-a e pugnando pela sua improcedência

Foi proferido despacho saneador, foi fixado o objecto do litígio e dispensada a enunciação dos temas da prova.
Realizou-se a audiência de julgamento e foi proferida sentença, que terminou com o seguinte dispositivo:
“Perante o exposto, decide-se julgar totalmente improcedentes, por não provadas, a presente acção especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento e a reconvenção e, em consequência, absolver a R. empregadora Banco 1..., S.A. do pedido contra si formulado pelo A. trabalhador Banco 1..., S.A.
Custas pelo A.
Notifique.
Registe.

Inconformado com o decidido apelou o Trabalhador para este Tribunal da Relação, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões:

1. A sentença em crise viola os art. 338, 351, 329/1 e 330 do Código do Trabalho (CT); art. 13, 53, 58 e 59 da Constituição da República Portuguesa (CRP); cl. 79/2, 80/5 do Acordo Colectivo do Trabalho para o Sector Bancário, art. 73, 75 e 86-A do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras.
2. Dão-se aqui como reproduzidos todos os factos dados como provados e não provados, supratranscritos.
3. O Recorrente impugna a decisão sobre a matéria de facto, considerando os factos provados 20, 26, 27, 29, 30, 31, 33 e 39 incorrectamente julgados; e considerando os factos não provados 42, 48 e 51 incorrectamente julgados.
4. Os factos provados e não provados incorrectamente julgados, e descritos em 3, devem ser alterados por força dos documentos juntos aos autos, que supra se referem e para os quais se remete e aqui se deixam transcritos para os devidos efeitos legais, bem como pelos depoimentos de BB, CD, (sessão de 29/11/2021), minuto 00:30:16 a 00:32:25; AA, CD, (sessão de 29/11/2021), minuto 00:31:45 a 00:36:13; CC, CD, (sessão de 06/12/2021), minuto 00:30:16 a 00:32:45; e de DD, CD, (sessão de 20/01/2022), minuto 00:29:20 a 00:29:45; (sessão de 04/01/2022), minuto 00:07:45 a 00:08:37.
5. A sentença em crise enferma de nulidade, vícios e incorrecções, que deverão ser superiormente corrigidas pelo Tribunal ad quem:
a. nulidade da sentença por omissão de pronúncia (art. 615/1/al. d) do CPC)
b. abuso de direito;
c. nulidade do processo disciplinar;
d. prescrição;
e. erro de julgamento, na medida em que faz uma errada subsunção dos factos provados ao direito;
f. impugnação da matéria de facto dos factos provados 20, 26, 27, 29, 30, 31, 33, 39; g. impugnação da matéria de facto dos factos não provados 42, 48, 51, 131;
h. litigância de má-fé;
i. desproporcionalidade da sanção aplicada – ilicitude do despedimento;
j. indemnização por danos morais.
6. A sentença é nula, por omissão de pronúncia (art. 615/1/al. d) do CPC).
7. O Recorrente alegou, nos art. 54 a 56 da contestação-reconvenção que o Recorrido, ao colocar-se na situação de não ter mecanismos organizacionais que mitiguem ou evitem conflitos de interesses, organizando-se de forma a que o sistema informático possa aleatoriamente atribuir a gestão de contas bancárias a trabalhadores que são titulares das mesmas ou são familiares dos seus titulares, não só não mitiga ou evita o risco de conflito de interesses, como cria condições anómalas e contra legem para que as mesmas se verifiquem.
8. Por esse motivo, ao ter censurado disciplinarmente o Recorrente, fê-lo em abuso de direito, agindo “num verdadeiro venire contra factum proprium, uma vez que censura a conduta do trabalhador por situações que o Banco ajudou a criar”.
9. Observada a decisão em crise, o Tribunal a quo demitiu-se do dever de se pronunciar quanto ao abuso de direito invocado, resultando nula a sentença por omissão de pronúncia, nos termos dos art. 615/1/al d) e 616 do CPC.
10. Razão pela qual deverá ser considerada nula a sentença, com as demais consequências legais.
11. O Recorrido pune disciplinarmente o Recorrente, despedindo-o com justa causa, cujo despedimento é validado pela sentença em crise, em dois blocos de actuação onde age claramente em abuso de direito: i) no facto do Recorrente ter alegadamente incumprido com o normativo de participação de óbito de cliente (no caso, o seu pai); e ii) no facto de o Recorrente ter figurado indevidamente como gestor de conta de familiares.
12. Em ambas as situações, age o Recorrente em claro abuso de direito, não só na modalidade de venire contra factum proprium, como em outras modalidades de abuso de direito, que são as da inalegabilidade e supressio.
13. O Recorrido, ao agir como agiu, despedindo o Recorrente com justa causa pelos factos que alega, fê-lo em claro abuso de direito.
14. E fê-lo, honra lhe seja feita, em três modalidades: i) venire contra factum proprium; e ii) Inalegabilidade; e iii) supressio:
a. Venire contra factum proprium, na medida em que o Recorrido possui um sistema informático que propicia a distribuição das carteiras de clientes de forma aleatória, sabendo que o encarteiramento pode muito bem resultar em diversas situações onde um trabalhador passa a ser gestor de contas bancárias onde é ele o cliente, ou familiares, cria esse risco nos seus trabalhadores, e posteriormente pune os mesmos quando a culpa objectiva de tal ter sucedido repousa na entidade patronal;
b. Inalegabilidade, porque ao agir como age, pretende o Recorrido deitar mão de um expediente que sabia de antemão ser ilícito, guardando tal expediente “como trunfo”, para quando lhe conviesse, de forma censurável e, claro está, inaceitável, punir disciplinarmente o Recorrente, como o fez; e
c. Supressio, na medida em que, ao saber e aceitar que o Recorrente: i) não havia comunicado por ele próprio o óbito de seu pai; e ii) permitir que o reencarteiramento seja feito automaticamente, criou a convicção no Recorrente que estava a agir, pelo menos desde 2014, dentro dos padrões éticos, morais e dos normativos internos, e que se havia conformado o Banco que a actuação seria feita deste modo, criando a expectativa, legítima, no trabalhador, de que aquele nunca lhe iria imputar nenhuma censura disciplinar.
15. Esta questão do reencarteiramento ser realizada de forma automática, e de não ser dado qualquer alerta aos trabalhadores de que poderiam passar a ser gestores das suas próprias contas, ou de familiares, é confirmado pela testemunha BB (CD, sessão de 29/11/2021, minuto 00:30:16 a 00:32:25)
16. O processo disciplinar é nulo.
17. Carreou o Recorrido aos autos de procedimento disciplinar, em especial a fls. 3 a 6, 25, 26 a 70, 78 a 87 e 93 a 148 do processo disciplinar, cópia das movimentações de contas bancárias tituladas por clientes do Banco.
18. Resulta dos autos que nenhum dos clientes deu o seu assentimento para que o conteúdo e movimentação das mesmas pudessem ser usados para que fim fosse, nem o mesmo lhes foi pedido.
19. (…)
22. Parte substancial dos factos descritos na sentença estão prescritos.
23. Prevê a cl. 79/1 do ACT para o Sector Bancário, adiante melhor descrito, que “A infracção disciplinar prescreve ao fim de um ano a contar do momento em que teve lugar (…)”.
24. Os factos descritos nos art. 11 (que se reportam a 28/03/2014); 12 (que alegadamente se reportam a 31/03/2014 e 02/04/2014); 13 (que se reportam a 04/04/2014); 14 (que se reporta a momento imediatamente posterior ao do art. 13); 16 (que se reportam a 10/10/2017); 19 e 20 (que se reportam ao período de 10/04/2014 a 01/05/2018); 22 (que se reportam ao período entre 24/05/2018 e 31/12/2018); 25 (que se reportam a 03/09/2014 e 24/02/2016) e 26 (que se reportam a 31/01/2018, 27/02/2018, 07/03/2018, 02/05/2018, 01/06/2018 e 03/07/2018), todos do AMD, estão irremediavelmente atingidos pela prescrição e não podem ser alvo de censura disciplinar, ao contrário do que veio a acontecer.
25. Não se tratam de infracções disciplinares continuadas, uma vez que em nenhuma das situações apontadas se pode sequer observar meros indícios de infracção disciplinar continuada, pelo que todas as situações apontadas e cuja prescrição expressamente se alegou e continua a alegar são factos isolados no modo, tempo e espaço, pelos fundamentos que supra se expendem, e para cujo conteúdo expressamente se remete.
26. A sentença em crise enferma de erro de julgamento.
27. (…)
31. Existe erro de julgamento por parte do Tribunal a quo, ao considerar na fundamentação que “o dever de participação do óbito e desencadear o respectivo procedimento também impendia sobre si”, uma vez que, não só vai o Tribunal muito mais longe do que é exigido pelo normativo interno do Banco, pois não resulta deste o que se refere no aresto em crise, o que não lhe é permitido, como além disso a conjugação dos factos provados 21 e 47 teriam que ter, como consequência lógica, a decisão de que o Recorrente cumpriu com o normativo aplicável em matéria de óbito de cliente.
32. (…)
34. O Recorrente impugna o facto provado 26.
35(…)
38. O Recorrente impugna a matéria de facto dos factos provados 20, 27, 29, 30, 31 e 33, e dos não provados 42, 48 e 51.
39.(…)
41. Conjugando os depoimentos transcritos, verifica-se que os factos provados 20, 27, 29, 30, 31 e 33 nunca poderiam ter sido considerados como tal, pelo Tribunal a quo, da forma como foram redigidos, sendo que, face aos elementos que consta dos autos, se propõem as seguintes redacções cuja alteração se requer:
a. 20- O Autor, de 01/01/2019 a 06/03/2019 (data em que foi inquirido pela Direcção de Auditoria Interna - DAI), figurou, sem culpa que lhe possa ser imputada, como gestor do Número Único de Cliente (N..., com data de abertura em 26/06/2006 e que tem como único titular o próprio A.
b. 27- O NUC: 0 – ..., com data de abertura em 01/04/2014, tem como 1ª titular M... (Mãe do Autor) e como 2º titular, o próprio Autor, o qual figurou, sem culpa que lhe possa ser imputada, como seu gestor desde 01/01/2019 até 06/03/2019 (data em que foi inquirido pela DAI).
c. 29- Pese embora tais circunstâncias, o Autor figurou, sem culpa que lhe possa ser imputada, como gestor desta conta no período compreendido entre ...14 e ...18, efetuando com frequência consultas à respetiva movimentação.
d. 30- O NUC: 5 – ..., com data de abertura em 08/01/2007, e o NUC: 4 – 4692216, com data de abertura em 12/08/2011, têm ambos como única titular a Cônjuge do Autor, sendo que este figurou, sem culpa que lhe possa ser imputada, como gestor destas contas no período compreendido entre ...18 e ...19, (data em que foi inquirido na DAI) efetuando com frequência consultas à respetiva.
e. 31- O NUC: 5 – ..., com data de abertura em 08/01/2007, tem como titular a sociedade R... Unipessoal, Lda. e como representante EE (Cônjuge do Autor), que detém a totalidade do capital social da mesma, sendo que o Autor figurou, sem culpa que lhe possa ser imputada, como gestor desta conta no período compreendido de 24/05/2018 e 31/12/2018, efetuando com frequência consultas à respetiva movimentação.
f. 33- O NUC: 1 – ..., com data de abertura em 19/11/2008, tem como 1ª titular M... (Mãe do Autor) e como 2º titular AA (Pai do Autor, falecido em 28/03/2014), sendo que o Autor figurou, sem culpa que lhe possa ser imputada, como gestor da conta desde 01/01/2019 até 06/03/2019 (data em que foi inquirido na DAI), tendo efetuado consultas à respetiva movimentação.
42. Nos termos do art. 640 do CPC, deverão os factos não provados 42, 48 e 51 serem aditados à matéria de facto provada, em virtude da conjugação dos depoimentos apontados e restantes factos provados.
43. O Recorrente impugna a matéria de facto do facto provado 39.
44.(…)
48. Pelo que o facto provado 39 deverá ser eliminado.
49. O Recorrente impugna o facto não provado 131
50. (…)
52. Significa isto que o facto não provado 131 deveria ter sido considerado como provado, mas com a seguinte redacção, que se propõe: 131- Além desse valor o A., no 3.º trimestre de 2019 ganhou o SIM com 1197 pontos, a que corresponde um valor de €830,00, que não lhe foram pagos em virtude do ilícito despedimento de que foi alvo.
53. O Recorrido deve ser condenado por litigância de má-fé.
54.(…)
60. Condenação em litigância de má-fé que se requer.
61. O despedimento do Recorrente é ilícito, sendo desproporcional a sanção aplicada.
62. (…)
74. Reconhecendo-se, como reconheceu o Recorrente nos autos e no seu depoimento, que agiu em incumprimento com o normativo interno em causa, a verdade é uma só: não foi provocado qualquer dano, de que natureza seja, a nenhum cliente, nem ao Banco (como resulta dos factos provados 41, 46, 52, 53 e 54).
75. Nessa medida, e sendo certo que o Recorrente incumpriu com o normativo interno em causa, por tudo o quanto ficou dito, considera-se que a sanção disciplinar aplicada não é proporcional à gravidade da conduta, dentro da factualidade apurada e dos condicionalismos descritos.
76. (…)
81. Considerando o Tribunal ad quem como conclui o Recorrente, deverá ser arbitrada uma indemnização por danos morais, tendo por base os factos provados 58 a 60, o que se requer.
82. Com tudo isto dito, e sem mais delongas, considera o Recorrente que, espremida toda a sua actuação, que foi analisada exaustivamente nestes autos, merecia censura disciplinar, mas nunca que tornasse de forma imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
83. Uma sanção conservatória do vínculo laboral, que desse oportunidade ao Recorrente de rever os procedimentos em matéria do princípio da segregação de funções – sendo certo que mesmo que não tenha causado qualquer prejuízo ao Banco, tem que cumprir com tal princípio, e respectivo normativo -, seria, smo, uma sanção verdadeiramente proporcional à gravidade dos factos que, a final, se vieram a apurar.
84. Por tudo o quanto ficou dito, a decisão em crise faz, com o devido respeito, uma errada aplicação dos art. 338, 351, 329/1 e 330 do Código do Trabalho (CT); art. 13, 53, 58 e 59 da Constituição da República Portuguesa (CRP); cl. 79/2, 80/5 do Acordo Colectivo do Trabalho para o Sector Bancário, art. 73, 75 e 86-A do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras.”
Termina pedindo a procedência do recurso, com a revogação da sentença proferida e a condenação da Recorrida no pedido por si, oportunamente, formulado.
A entidade empregadora respondeu ao recurso, pugnando pela sua improcedência.
Não tendo sido apreciada a nulidade da sentença pela juiz a quo, foi admitido o recurso interposto pelo Trabalhador na espécie própria, com o adequado regime de subida e efeito, tendo sido os autos remetidos a esta Relação.
*
Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, pelo Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto foi emitido parecer no sentido da procedência da apelação.
Mostram-se colhidos os vistos dos senhores juízes adjuntos e cumpre decidir.

II - OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objeto do recurso pelas conclusões do recorrente (artigos 608º n.º 2, 635º, nº 4 e 639º, nºs 1 e 3, toos do Código de Processo Civil), não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nela não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso, que aqui se não detetam, no recurso interposto, colocam-se à apreciação deste Tribunal da Relação as seguintes questões:

1 - Da nulidade da sentença por omissão de pronúncia
2 – Do abuso de direito
3 - Da nulidade do Procedimento Disciplinar;
4 – Da prescrição;
5 -  Do erro de julgamento (errada subsunção dos factos provados ao direito)
6 – Da impugnação da matéria de facto
7 - Da desproporcionalidade da sanção aplicada;
8 - Da indemnização por danos morais
9 – Da litigância de má-fé

III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Factos Provados:
a) Factos provados por confissão ou admitidos por acordo nos articulados ou por documento:
Do articulado motivador do despedimento
1- O Autor foi admitido ao serviço do Réu em 23/06/2006, detendo à data dos factos a categoria de Gerente, com o n.º de colaborador e operador 0292567, no Balcão do Réu de ....
2- O Número Único de Cliente (N..., com data de abertura em 26/06/2006, tem como único titular o próprio Autor.
3- AA era pai do Autor e faleceu em 28/03/2014.
4- M... era mãe do Autor e faleceu em .../.../2019.
5- FF é, desde .../.../2008, casada civilmente com o Autor.
6- O NUC: 0 – ..., com data de abertura em 11/07/2006 e movimentação solidária, tem como 1º titular AA (Pai do Autor), como 2ª titular M... (Mãe do Autor), e como 3º titular, o próprio Autor. 7- Por deliberação do Comité de Incidências Laborais de 15.07.19, com base no teor da Informação nº 2019 – 0315 da DAI, foi mandado instaurar processo disciplinar com intenção de despedimento ao Colaborador Dr. AA, ora Autor, sendo nomeado instrutor.
8- Foi junta aos autos cópia da ficha curricular do Autor.
9- Em 24.07.19 foi deduzida contra o Autor a nota de culpa de fls. 6 a 13 do Processo Disciplinar (doravante PD), a qual lhe foi entregue em 5.08.19, a coberto da comunicação de fls. 16 do PD. Da nota de culpa e da referida comunicação foi remetida cópia à Comissão de Trabalhadores.
10- Por requerimento de 7.08.19 veio o Autor requerer que lhe fosse facultada a consulta do processo disciplinar em local que não tornasse demasiado onerosa tal consulta, bem como que lhe fosse facultada a possibilidade de obter cópia das partes que entendesse necessárias.
11- Sobre tal requerimento foi proferido despacho, facultando a possibilidade de consulta do processo disciplinar nas instalações da ... no ..., sem quaisquer restrições e condicionando a obtenção de eventuais cópias em função da salvaguarda do dever de sigilo bancário.
12- Em 29.08.19 apresentou o Autor a resposta à nota de culpa de fls. 21 a 44 do PD, subscrita por ilustre mandatário, cuja procuração já fora junta aos autos do PD.
13- Em 16.10.19 foi inquirida a testemunha arrolada na nota de culpa Dr. DD, tendo-se prescindido, por despacho da mesma data, da inquirição da outra testemunha arrolada na nota de culpa. Em 21.10.19, por seu turno, foi inquirida a testemunha arrolada na resposta à nota de culpa FF, assim se dando por concluída a instrução do processo, uma vez que, por comunicação prévia, o Autor comunicou a impossibilidade de inquirição da outra testemunha arrolada na defesa, em consequência do seu falecimento.
14- A Comissão de Trabalhadores, notificada para o efeito, emitiu o seu parecer, junto a fls. 81 do PD.
15- A Comissão Executiva do Conselho de Administração do Réu deliberou aplicar ao Autor a sanção disciplinar de despedimento com justa causa, tendo proferido, em reunião de 3 de Dezembro de 2019 a seguinte deliberação:
“Deliberação da Comissão Executiva do Conselho de Administração
Ata de 3 de dezembro de 2019
Para conhecimento e devidos efeitos, transmitimos a seguinte deliberação da Comissão Executiva do Conselho de Administração:
Processo Disciplinar
AA – ... – ...
Analisado o Processo Disciplinar instaurado contra o Colaborador em epígrafe, designadamente o parecer emitido pela Comissão de Trabalhadores, a Comissão Executiva do Conselho de Administração deu o seu acordo aos fundamentos de facto e de direito constantes do relatório final elaborado pelo Instrutor. A Comissão Executiva do Conselho de Administração considerou, assim, integralmente provados todos os factos como tal considerados pelo Instrutor do processo no mencionado relatório, o qual aqui se dá por reproduzido, constituindo, pois, parte integrante da presente deliberação.
Deste modo, atentos os factos apurados, tendo em conta o elevado grau de culpa imputável ao arguido e ponderadas todas as circunstâncias do caso, foi deliberado aplicar ao Colaborador AA (nº emp. 292567) a sanção disciplinar de despedimento com justa causa.”
16- A comunicação de despedimento foi entregue em mão ao Autor em 9 de Dezembro de 2019.
Da contestação
17- O A. é casado desde .../.../2008 com FF no regime de separação de bens.
18- Por escritura notarial de 17/6/2015 o A. e a sua mãe M... foram habilitados como únicos e universais herdeiros de AA.
19- Por escritura notarial de 18/09/2019 o A. foi habilitado como único e universal herdeiro de M....
b) Factos provados da matéria de facto controvertida constante dos temas da prova:
Do articulado motivador do despedimento
20- O Autor, de 01/01/2019 a 06/03/2019 (data em que foi inquirido pela Direcção de Auditoria Interna - DAI), figurou como gestor do Número Único de Cliente (N..., com data de abertura em 26/06/2006 e que tem como único titular o próprio A.
21- Após o falecimento do 1º titular do NUC: 0 – ..., em 28/03/2014, o A. não assegurou o cumprimento do normativo aplicável e em vigor em matéria de óbito de Cliente, que estipula: “O conhecimento do óbito pode ser: - formal – comunicação escrita de um herdeiro ou familiar acompanhada, eventualmente, de Certidão de Óbito, ou; - informal – vindo de uma fonte fidedigna.” (…) Deverá ser assegurada a suspensão das contas tituladas pelo Cliente falecido assim que o Banco tenha o conhecimento (formal ou informal) e, adicionalmente, registada a data de óbito.”
22- À data de 31/03/2014, a supracitada conta evidenciava ativos no montante total de 731.142,00€, sendo que em 02/04/2014 foi creditado o produto de vendas de títulos, relativamente às quais, até à data do despedimento, não se logrou obter evidência das respetivas instruções, no valor de 412.513,50€.
23- Em 04/04/2014, foi processado o pagamento de um cheque no valor de 430.000,00€, entretanto depositado no NUC: 0 – ..., com data de abertura em 01/04/2014, tendo como 1ª titular M... (Mãe do Autor) e como 2º titular, o próprio Autor.
24- Após aquela data, a conta registou, fundamentalmente, resgate de aplicações financeiras e vendas de títulos, tendo os respetivos fundos sido objeto de transferências para o mesmo NUC: 0 – ....
25- Em 05/02/2019, foi transferido o saldo então existente, no valor de 2.427,23€, também para o NUC: 0 – ....
26- O Autor apôs no espaço mais à direita, do campo “Assinatura(s) para Uso no Banco” da ficha de informação individual, da 2ª titular M..., com data de 10/10/2017, uma rubrica, que seria supostamente da autoria da sua mãe, rubrica essa que a partir de 2018 aparece frequentemente aposta na documentação de suporte à movimentação da conta em causa e outras, designadamente em cheques e ordens de transferências.
27- O NUC: 0 – ..., com data de abertura em 01/04/2014, tem como 1ª titular M... (Mãe do Autor) e como 2º titular, o próprio Autor, o qual figurou como seu gestor desde 01/01/2019 até 06/03/2019 (data em que foi inquirido pela DAI).
28- O NUC: 1 – ..., com data de abertura em 10/04/2014, tem como titular a sociedade Sr. L. - Armazém Popular ..., Lda. e como representante, M... (Mãe do Autor), sendo que aquela empresa foi constituída na mesma data e tem como objeto o comércio por grosso e a retalho de artigos de decoração, têxteis e retrosaria, nela detendo o Autor uma quota de 10% e nela exercendo as funções de gerente.
29- Pese embora tais circunstâncias, o Autor figurou como gestor desta conta no período compreendido entre ...14 e ...18, efetuando com frequência consultas à respetiva movimentação.
30- O NUC: 5 – ..., com data de abertura em 08/01/2007, e o NUC: 4 – 4692216, com data de abertura em 12/08/2011, têm ambos como única titular a Cônjuge do Autor, sendo que este figurou como gestor destas contas no período compreendido entre ...18 e ...19, (data em que foi inquirido na DAI) efetuando com frequência consultas à respetiva.
31- O NUC: 5 – ..., com data de abertura em 08/01/2007, tem como titular a sociedade R... Unipessoal, Lda. e como representante EE (Cônjuge do Autor), que detém a totalidade do capital social da mesma, sendo que o Autor figurou como gestor desta conta no período compreendido de 24/05/2018 e 31/12/2018, efetuando com frequência consultas à respetiva movimentação.
32- Mais, interveio, em 13/08/2018, no pedido ... com o nrº. ..., relativo à mesma conta, enquanto elemento integrante da CLC (Comissão Local de Crédito), em matéria de parecer – taxa e parecer – preçário, para estipulação de limite de confirming no montante de 40.000,00€ e redução das comissões devidas em 50%.
33- O NUC: 1 – ..., com data de abertura em 19/11/2008, tem como 1ª titular M... (Mãe do Autor) e como 2º titular AA (Pai do Autor, falecido em 28/03/2014), sendo que o Autor figurou como gestor da conta desde 01/01/2019 até 06/03/2019 (data em que foi inquirido na DAI), tendo efetuado consultas à respetiva movimentação.
34- Não sendo titular da referido conta, o Autor assinou, em 03/09/2014 e 24/02/2016, duas ordens de transferências, no montante global de 2.500,00€, tendo uma delas, no montante de 1.500,00€, sido efetuada para a conta (NUC: ...53), na qual intervém como titular, juntamente com os Pais.
35- De igual modo, o Autor também assinou incorretamente, em 31/01/2018, 27/02/2018 e 07/03/2018, ordens de transferências no montante global de 9.000,00€, tendo como destino conta na qual intervém como titular, juntamente com a Mãe (NUC: 0 - ...) e em 02/05/2018, 01/06/2018, 03/07/2018, 01/08/2018, 03/09/2018, 02/10/2018, 05/11/2018 e 07/12/2018, apôs assinaturas em ordens de transferência executadas tendo como destino o NUC: 0 – ..., no valor global de 6.000,00€, sendo que todas as transferências identificadas foram objeto de conferências de assinatura.
36- A Ordem de Serviço ...71 – Operações Pessoais e Conflitos de Interesses (atualização n.º 3 em 07/08/2017), no seu ponto 5 dispõe:
“Os Colaboradores estão impedidos de, através dos sistemas informáticos internos do Banco 1..., aceder, movimentar ou realizar operações sobre contas que se integrem em alguma das seguintes categorias:
Contas que sejam por si tituladas ou co-tituladas;
(…)
Contas que sejam tituladas ou co-tituladas por pessoas com eles estreitamente relacionadas;
Contas em que intervenham como representantes ou procuradores de pessoas com eles estreitamente relacionadas.
Para este efeito consideram-se pessoas estreitamente relacionadas com o Colaborador:
Cônjuge, parentes em 1º grau e irmãos;”
Da contestação do trabalhador
37- O A. é licenciado em economia e aquando da sua admissão ao serviço da Ré, esta reconheceu-lhe toda a antiguidade profissional no sector bancário, reportada a 15/12/1997, para todos os efeitos previstos no ACTV do sector bancário, exercendo até à data do ilícito despedimento as funções de gerente no ....
38- O R. é uma Instituição de Crédito e exerce a actividade bancária.
39- Participou nas negociações e outorgou o ACT para o Sector Bancário, cuja versão integral se encontra publicada no B.T.E., 1ª Série, n.º 29, de 08/08/2016, pg. 2339 e ss.
40- O A. encontra-se filiado no Sindicato dos Bancários do Norte (SBN), onde figura como sócio ....
41- A referida M..., Mãe do A., sofria de graves problemas de visão, sendo que, pelo menos em Agosto de 2018, encontrava-se já cega do olho direito.
42- O sistema informático de gestão dos gestores de conta do Banco 1... funciona de forma sistemática e automática, sem a intervenção inicial de mão humana, podendo ser alterado pela gerência do balcão em função de critérios comerciais.
43- Pelo menos nas contas com o NUC 1 – ... no período de 1/1/2010 e 06/03/2019 e com o NUC 5 – ... no período entre 24/05/2018 e 31/12/2018, o A. tornou-se gestor de tais contas bancárias em virtude de uma alocação automática que o próprio sistema fez.
44- O Pai do A. foi empresário em nome individual (ENI) desde 1970 tendo como actividade o comércio de artigos de decoração, têxteis e retrosaria e após o seu falecimento a Mãe do A. decidiu dar continuidade ao negócio, o que fez através da constituição para o efeito de uma sociedade comercial por quotas, da qual também era sócio e gerente o A.
45- O Banco nunca informou expressamente ou alertou os trabalhadores, incluído o ora A., para estarem alerta caso existissem migrações automáticas que convolassem os
46- As conferências de assinatura referidas em 35 foram realizadas pelos colegas de agência e, ao que sabe, não existem notícias de que aos mesmos tenham sido levantados processos disciplinares por tais factos.
47- O R. teve conhecimento do falecimento do pai do A., uma vez que o A. gozou o período de nojo em virtude do infeliz decesso.
48- O A. não causou prejuízo ao R. por não ter sido assegurada a suspensão da conta titulada pelo falecido cliente.
49- A ordem de venda dos títulos referidos em 22 foi dada através da aplicação Banco 1... ... entre as 5h51 e as 5h56 do dia 28/03/2014 - ELIMINADO, em conformidade com o decidido em IV.6.
50- O produto da venda de títulos não fica disponível no dia das instruções de venda, mas posteriormente.
51- A rubrica aposta pelo A. à direita do campo “Assinatura(s) para Uso no Banco” referida em 26 é a rubrica que o A. utiliza em seu nome individual.
52- Todos os actos imputados ao A. não provocaram qualquer prejuízo patrimonial ao R., até porque aquele e, ainda em vida, a sua Mãe, sempre mantiveram os seus investimentos financeiros no Banco, os quais eram de valor elevado.
53- O Banco manteve os activos financeiros dos pais do A..
54- O A. não criou prejuízos nem ao Banco, nem à imagem do Banco, nem a qualquer cliente do mesmo.
55- Ultimamente, antes de lhe ser aplicada a sanção de despedimento, o A. estava integrado no Grupo I, nível 13, exercendo as funções de Gerente, auferindo a título de vencimento base €1.797,56, acrescido de diuturnidades no valor de €176,75, €300,00 a título de retribuição complementar fixa mensal, €897,91 a título de retribuição por isenção de horário de trabalho; €97,60 a título de subsídio de alimentação não isento e €95,40 a título de subsídio de alimentação isento e subsídio trimestral de estudo.
56- Além dos itens retributivos descritos, o A. beneficiava de viatura automóvel atribuída pelo R. e plafond até €3.000,00 anuais para combustível.
57- No 3.º trimestre de 2019, o balcão do A. alcançou 1197 pontos, a que corresponderia o valor de, pelo menos, €830,00 a pagar ao gerente e que não lhe foram pagos por ter sido despedido.
58- O A., por causa do despedimento, viu-se colocado numa situação deprimente e vexatória, dando causa a um estado de permanente desgosto, ansiedade, frustração e revolta.
59- Sofre de insónias, perdeu o gosto pelas actividades que normalmente gostava de praticar, necessitando de ajuda médica e medicamentosa para suportar.
60- Deixou de conviver com amigos e sente-se vexado e diminuído na sua dignidade pessoal e profissional.
61- O A., enquanto bancário e sindicalizado no SBN, e a sua esposa e filho por inerência familiar, são beneficiários do subsistema médico dos SAMS – Serviços de Assistência Médico-Social do Sindicato dos Bancários do Norte, o qual lhes proporciona um acesso a cuidados médicos e medicamentosos com baixos encargos monetários.
Da resposta
62- O R. atribuiu ao Autor uma viatura de serviço, de acordo com as condições e regras que a todo o momento estiverem em vigor no Banco Réu, para deslocações profissionais.
63- Do Normativo relativo à atribuição e utilização de Viaturas de Serviço afectas a Colaboradores do R. consta, além do mais, que: “A utilização da viatura automóvel pelo Colaborador fora do âmbito estritamente profissional, quando consentida, configura uma mera liberalidade do Banco, não se tratando de uma contrapartida pelo trabalho prestado e não integrando, por isso, a retribuição pelo mesmo auferida.”

FACTOS NÃO PROVADOS
- Todos os demais alegados pelas partes e que não constam do elenco dos factos provados, designadamente e com relevo para a decisão:
Do articulado motivador: que as vendas de títulos tivessem ocorrido em 2/4/2014;
Da contestação-reconvenção: os factos vertidos nos artigos 42, 45, 46, 47, 48, 51, 57, 58, 59, 70, 79, 80, 81, 82, 130, 131, 133º (última parte) e 147.
A demais matéria alegada pelas partes nos seus articulados reconduz-se a meros juízos de valor e argumentativos a extrair da matéria de facto.

IV – APRECIAÇÃO DO RECURSO

1 – Da nulidade da sentença por omissão de pronúncia

O Recorrente/Apelante veio arguir a nulidade da sentença, por alegada omissão de pronúncia, por a juiz a quo não ter apreciado a questão relativa ao abuso de direito, por si invocada, nos art.º 54 a 56 da contestação/reconvenção.

Dispõe o artigo 615º n.º 1 do C.P.C. o seguinte:

“1 – É nula a sentença quando:
a) (…)
b) (…)
c) (…)
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) (…).”

A nulidade invocada está relacionada o incumprimento do poder/dever de resolver todas as questões submetidas à apreciação do tribunal, exceptuadas aquelas, cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, em conformidade com o previsto no n.º 2 do artigo 608º do C.P.C.
O vício processual de omissão de pronúncia reconduz-se a uma ausência de emissão de um juízo apreciativo sobre uma questão processual ou de direito material-substantivo que os sujeitos tenham, expressamente, suscitado e que o juiz em observância ao princípio da cognoscibilidade, deva tomar conhecimento. O juiz tem por obrigação emitir um juízo de valoração e de apreciação sobre todas as questões que os sujeitos processuais reputem pertinentes para a decisão do pleito.
A este propósito da omissão de pronúncia escreveu-se no Acórdão do STJ de 3/07/2008, proferido no Proc. n.º 08P13112, relatado pelo Senhor Conselheiro Simas Santos o seguinte: “A omissão de pronúncia só se verifica quando o juiz deixa de se pronunciar sobre questões que lhe foram submetidas pelas partes ou de que deva conhecer oficiosamente, entendendo-se por questões os problemas concretos a decidir e não os simples argumentos, opiniões ou doutrinas expendidos pelas partes na defesa das teses em presença”
Como escreve também Alberto dos Reis, CPC Anotado, V, pág.143, a este propósito, “são, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão jurídica produzida pela parte”, “o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão (…)”.
Salvo o devido respeito por opinião em contrário, no caso em apreço não estamos assim perante qualquer omissão de pronúncia, pois o autor/recorrente limitou-se no seu articulado, designadamente no art.º 56.º a aflorar a questão do abuso do direito, sem que daí resultasse quaisquer consequências ou tivesse formulado qualquer pedido.
Na verdade, o autor, no seu articulado faz uma referência ao abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium, ao afirmar o seguinte: “Ao censurar disciplinarmente o A., da forma que o faz, o R. age num verdadeiro venire contra factum proprium, uma vez que censura a conduta do trabalhador por situações que o Banco ajudou a criar.”
Como bem refere a Sr.ª Procuradora Geral Adjunta, no parecer junto aos autos o Recorrente “…não alega os factos da alegada excepção em separado, como impõe o art. 572º al. c) CPC, nem a final faz qualquer pedido de procedência dessa excepção.”
Em suma, não se verifica a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, quando a excepção (questão) não se encontra suficientemente equacionada, nem foi formulada nos termos previstos no art.º 572. al. c) do CPC., nem foi formulado qualquer pedido, que impusesse a sua apreciação.
Não ocorre assim a invocada nulidade da sentença por omissão de pronúncia, já que a juiz a quo apreciou todas as questões relevantes que lhe foram submetidas para apreciação, nelas não se incluindo a simples alegação de que a actuação do Réu constituiria um abuso de direito.
Não merece provimento, nesta parte o recurso interposto.

2 – Do abuso de direito

Suscita o Recorrente agora de forma exaustiva a questão do abuso de direito, que apenas será por nós conhecida, por considerarmos tratar-se de questão de conhecimento oficioso, uma vez que os recursos visam o reestudo por um Tribunal Superior de questões já vistas e resolvidas pelo tribunal “a quo” e não a pronúncia pelo tribunal “ad quem” sobre questões novas.
Prescreve o art. 334º, do CC, Sob a epígrafe “abuso do direito”, que é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.
Este instituto assenta em razões de justiça e de equidade e prende-se com o facto das normas jurídicas serem gerais e abstratas, trata-se de uma verdadeira “válvula de segurança” para impedir ou paralisar situações de grave injustiça que o próprio legislador preveniria se as tivesse previsto, é uma forma de antijuricidade cujas consequências devem ser as mesmas de todo o ato ilícito (Ac. do STJ, de 23.1.2014, consultável em www.dgsi.pt).
Há abuso de direito quando o direito, em princípio legítimo e razoável, é exercido em determinado caso de maneira a constituir clamorosa ofensa do sentimento jurídico dominante.
Não basta que o titular do direito exceda os limites referidos, sendo necessário que esse excesso seja manifesto e gravemente atentatório e ofensivo daqueles valores.
A nossa lei adota a conceção objetiva do abuso do direito, pois não exige que o titular do direito tenha consciência de que o seu procedimento é abusivo, por isso basta que objetivamente esses limites tenham sido excedidos de forma evidente para que se considere preenchida a atuação com abuso de direito.
Como refere de Antunes Varela (Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 128º, pág. 241) o abuso de direito é um instituto que rege para as situações concretas em que é clamorosa, sensível e evidente a divergência entre o resultado da aplicação do direito subjetivo e alguns dos valores impostos pela ordem jurídica para a generalidade dos direitos ou dos direitos de certo tipo.
A boa fé significa que as pessoas devem ter um comportamento honesto, correto, leal, nomeadamente no exercício dos direitos e deveres, não defraudando a legítima confiança ou expectativa dos outros.
Os sujeitos de determinada relação jurídica devem atuar como pessoas de bem, com correção e probidade, de modo a contribuir, de acordo com o critério normativo do comportamento, para a realização dos interesses legítimos que se pretendam atingir com a mesma relação jurídica. Os limites impostos pela boa fé são excedidos, designadamente, quando alguém pretenda fazer valer um direito em contradição com a sua conduta anterior, quando tal conduta objectivamente interpretada, de harmonia com a lei, justificava a convicção de que se não faria valer o mesmo direito. O mesmo se diga dos limites impostos pelos bons costumes, ou seja, pelo conjunto de regras éticas de que costumam usar as pessoas sérias, honestas e de boa conduta na sociedade onde se inserem. (cfr. Ac. da Relação de Lisboa, de 24.4.2008, proc. n.º 2889/2008-6 consultável em www.dgsi.pt).
Em suma, o abuso de direito existe se houver um excesso manifesto, ou seja, tem de ser facilmente apreensível sem que seja preciso o recorrer a extensas congeminações. Não basta que o exercício do direito pelo seu titular cause prejuízo a alguém - a atribuição de um direito traduz deliberadamente a supremacia de certos interesses sobre outros interesses com aqueles confluentes, sendo necessário, sim, que o titular dele manifestamente exceda os limites que lhe cumpre observar, impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do próprio direito exercido (cf. Acórdãos da Relação de Guimarães de 2.7.2009, do STJ de 1.7.2004, da Relação de Coimbra, de 2.12.2003 in www. dgsi.pt; do STJ de 19.10.2000, in CJ, Ano VIII, Tomo III-2000, pág. 83 a 84).
Assentes nestas premissas e de retorno ao caso em apreço, cumpre apreciar.
Defende o Recorrente que foi punido disciplinarmente por ter alegadamente incumprido com o normativo de participação de óbito de cliente (no caso, o seu pai) e no facto de o Recorrente ter figurado indevidamente como gestor de conta de familiares, sendo certo que ambas as situações o empregador age em claro abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, inalegabilidade e supressio.
Cabe-nos referir que apesar da gestão das contas baancárias ser atribuída de forma automática, o certo é que cabe ao gerente do balcão assegurar a correta alocação das carteiras de clientes de forma a impedir a atribuição de clientes com os quais o gestor tivesse algum impedimento.
Atentas as funções e os deveres do Recorrente, salientamos que este exercia as funções de gerente, nelas se incluindo a função acima referida, não vislumbramos como possa o Banco ter agido em abuso de direito ao sancionar o Recorrente pelo comportamento por este assumido, já que para além de apenas de duas das contas que estão em causa terem sido atribuídas automaticamente ao Recorrente, sendo uma delas a sua própria conta bancária, bem conhecia este, o procedimento que estava obrigado a observar e nada fez. Acresce dizer que o Recorrente não podia ignorar que não podia ser o gestor da sua própria conta bancária.
O risco criado pelo recorrido ao utilizar o sistema informática para distribuir as carteiras de clientes de forma aleatória, ciente de que pode vir a verificar situações de impedimento, por o gestor ser o cliente ou ter relações familiares como clientes, é um risco do próprio sistema, cuja culpa não é de imputar ao empregador. Ao invés do defendido pelo recorrente, a distribuição aleatória de clientes não cria qualquer risco de punição para os trabalhadores, mas impõe que estes cumpram os seus deveres de denunciar e corrigir os impedimentos que se venham a verificar, tal como sucede com tantos outros procedimentos que tem de ser observados pelos trabalhadores por determinação do empregador.
Não está assim verificado o abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium.
Ao utilizar o referido sistema informático para alocação de clientes a gestor, é expectável para o empregador que os seus gestores de clientes ao aperceberem-se da existência de qualquer impedimento, o denunciem e procedam em conformidade com as regras estabelecidas pelo Banco, que estão obrigados a observar e não que continuem a atuar em desconformidade com as instruções emanadas pelo réu, ignorando-as e nada corrigindo. Não se vislumbra assim que a verificação destes impedimentos possa ser considerado “como um trunfo” que o empregador utiliza quando pretende punir disciplinarmente os seus trabalhadores.
Não se verifica assim o abuso de direito por inalegabilidade.
Por fim, apraz ainda dizer que também não se verifica o abuso de direito na modalidade de supressio, na medida em que, o recorrido não tomou qualquer atitude ou comportamento que pudesse criar a convicção no Recorrente de que este estava a agir, dentro dos padrões éticos, morais e dos normativos internos do Banco, quer ao ser gestor da conta do seu pai, quer ao ter continuado a movimentar aquela conta depois do pai ter falecido, quer ao não ter participado o óbito do seu pai. Os comportamentos que o autor foi adotando porque desconhecidos do Réu não podem ter criado qualquer expectativa, legítima, no recorrente, no sentido de que aquele nunca lhe iria imputar nenhuma censura disciplinar.
Em suma, improcede o recurso nesta parte, uma vez que na conduta do Recorrido não pode ser considerada de abusiva ao sancionar o autor por ter incumprido e violado diversos deveres que estava obrigado a observar, tais como o de assegurar a correta alocação das carteiras do Balcão do qual era gerente, o dever de comunicação do óbito de seu pai, o dever de suspender a movimentação de contas de cliente falecido até à apresentação da escritura de habilitação de herdeiros e por ter feito passar a sua assinatura como se fosse a da sua mãe.

3 - Da nulidade do Procedimento Disciplinar

Insurge o Recorrente quanto ao facto de o Tribunal a quo não ter declarado o procedimento disciplinar nulo, uma vez que o mesmo se fundou em prova nula, que foi obtida em violação do dever de segredo bancário.

A este propósito a sentença recorrida refere o seguinte:

1.1 Da invalidade do procedimento disciplinar

Suscita o trabalhador a nulidade do processo disciplinar, por referência a fls. 3 a 6, 25, 26 a 70, 78 a 87 e 93 a 148 do processo disciplinar, relativas a cópias das movimentações de contas bancárias tituladas por clientes do banco, alegando que nenhum dos clientes deu o seu assentimento para que tal conteúdo fosse usado, nem o mesmo lhe foi pedido e que o acesso e uso de tais informações para efeitos disciplinares implica violação do dever de sigilo bancário estabelecido no art. 78º do Regime Gral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, não integrando tal utilização qualquer uma das excepções estabelecidas no art. 79º do mesmo diploma.. Assim, conclui o A., ao fundar a sua convicção para aplicação da sanção disciplinar com base em prova obtida contra legem, fere de nulidade o procedimento disciplinar.
A Ré respondeu, pugnando pela inexistência da invocada nulidade, invocando em seu favor o Ac. Do STJ de 2/12/2004, disponível em www.dgsi.pt.
Desde logo importa assinalar que uma eventual nulidade ou ilicitude da prova recolhida no PD não integra o elenco dos vícios invalidantes do procedimento, pelo que, a existir tal nulidade, a consequência não seria a ilicitude do despedimento por vício de procedimento, mas, eventualmente, a proibição de utilização da prova ilícita, o que poderia redundar na ilicitude material do despedimento, por improcedência do motivo justificativo, nos termos do art. 381º al. b) do Código do Trabalho, por falta de prova dos respectivos fundamentos de facto.
Ainda assim, conhecendo, da questão, adianta-se que não assiste razão ao A.
O art. 2º do Dec. Lei 298/92, de 31 de Dezembro, diploma que regula o processo de estabelecimento e o exercício da actividade das instituições de crédito e das sociedades financeiras, dispõe que as instituições de crédito são “as empresas cuja actividade consiste em receber do público depósitos ou outros fundos reembolsáveis, a fim de os aplicarem por conta própria mediante a concessão de crédito.” Determina o art. 78º nº1 do referido diploma legal, sob a epígrafe “Dever de segredo”, que “Os membros dos órgãos de administração ou de fiscalização das instituições de crédito, os seus empregados, mandatários, comissários e outras pessoas que lhes prestem serviços a título permanente ou ocasional não podem revelar ou utilizar informações sobre factos ou elementos respeitantes à vida da instituição ou às relações desta com os seus clientes cujo conhecimento lhes advenha exclusivamente do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços”. De acordo com o nº 2, “Estão, designadamente, sujeitos a segredo os nomes dos clientes, as contas de depósito e seus movimentos e outras operações bancárias.” O sigilo bancário destina-se à protecção de dois interesses fundamentais: por um lado, um interesse de ordem pública que se prende com o regular funcionamento da actividade bancária, a qual tem de se basear num clima generalizado de confiança e segurança das transacções, sendo que o sistema bancário constitui um pilar essencial para o bom funcionamento da economia; por outro lado os interesses dos clientes da banca na salvaguarda da sua vida privada, de forma que o direito ao sigilo bancário se pode ancorar no direito à reserva da intimidade da vida privada (cf. AC RL de 7/11/2012, in www.dgsi.pt). Se é assim, o problema do sigilo bancário colocar-se-á na interacção entre os obrigados ao mesmo e sujeitos externos à actividade bancária ou alheios às relações contratuais da instituição bancária com os seus clientes, isto é, ocorrerá violação do sigilo bancário se os obrigados ao mesmo se servirem das informações e dados de que têm conhecimento por via do exercício das suas funções fora do âmbito da actividade bancária e das relações dos bancos com os seus clientes. Ora, aderindo ao entendimento perfilhado no Ac. RP de 13/06/11, in www.dgsi.pt., dir-se-á não existir «violação do segredo bancário previsto no artigo 78º do Decreto-Lei nº 298/92, de 31-12, quando num processo disciplinar instaurado por uma instituição bancária a um seu trabalhador, a entidade empregadora utiliza como meios de prova informações sobre factos ou elementos respeitantes à instituição e às relações desta com os clientes, uma vez que tudo se passa no âmbito interno da própria instituição». No mesmo sentido pode ver-se o Ac. da Relação de Lisboa de 7/11/2012, supra citado, onde, a propósito da prestação de depoimento de parte do trabalhador acerca de factos relacionados com a movimentação de contas de clientes se discorreu que “Não estando em causa a transmissão desses conhecimentos a terceiros na relação empregador – instituição bancária/trabalhador - funcionário da mesma instituição bancária, não ocorre por parte do Autor, funcionário da Ré, qualquer violação do dever profissional bancário. Na verdade, a análise da movimentação das contas dos clientes do banco pela instituição bancária, faz parte da sua própria actividade. E o labor dos funcionários bancários desenvolve-se através de actos relacionados com a movimentação das contas dos seus clientes. O sigilo bancário funciona do interior do Banco para o exterior, não nas relações internas.”
Conclui-se, pois, que não ocorre violação de sigilo bancário pelo facto da ré ter utilizado os dados constantes do seu sistema informático para sustentar a acusação vertida na Nota de Culpa.
Ainda que se entendesse que vigora o sigilo bancário no âmbito do procedimento disciplinar, ou que a divulgação em juízo dos dados pessoais do A. e dos clientes da R. contenderia com o direito à reserva da intimidade e da vida privada, sempre deveria entender-se que a utilização e divulgação dos dados confidenciais estaria justificada ao abrigo do disposto nos artigos 79º nº 2 al. f) do Dec. Lei 298/92, de 31 de Dezembro, segundo a qual os factos ou elementos das relações do cliente com a instituição podem ser revelados quando exista outra disposição legal que expressamente limite o dever de segredo. Neste caso, a permissão resultaria do preceituado no novo RGPDP, aprovado pelo Regulamento (UE) 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho de 27 de abril de 2016. Com efeito, o direito à protecção dos dados pessoais não é um direito absoluto e está sujeito a restrições resultantes, nomeadamente, da tutela de outros interesses relevantes, como decorre do disposto no artigo 6.º do referido Regulamento, que, entre outras situações de relevo, prevê a licitude do tratamento de dados pessoais sempre que o tratamento for necessário para efeito dos interesses legítimos prosseguidos pelo responsável pelo tratamento ou por terceiros, exceto se prevalecerem os interesses ou direitos e liberdades fundamentais do titular que exijam a proteção dos dados pessoais, em especial se o titular for uma criança. A reserva da vida privada dos clientes da R., incluindo o próprio A., enquanto tal, em cuja esfera se inserem os dados pessoais que são alvo de tratamento pela Ré no exercício da sua actividade bancária, estão a coberto da protecção constitucional conferida pelos arts. 26º e 35º da Constituição e pelo RGPD. Contudo, os interesses de ordem pública que o sigilo bancário visa proteger e o direito à reserva da vida privada não são direitos absolutos, estando sujeitos a restrições resultantes, nomeadamente, da tutela de outros interesses relevantes. Entre esses interesses relevantes está, seguramente, o direito de acção disciplinar do empregador – instituição bancária – sobre o seu empregado, por infracção disciplinar por este praticada no exercício da sua actividade e através da movimentação alegadamente irregular das contas bancárias de terceiro e das suas próprias contas bancárias. Neste caso é essencial a utilização e divulgação dos dados relativos às movimentações que constituem o substracto da acusação, estando, por isso, plenamente justificada a dispensa da confidencialidade desses dados. Ora, no caso vertente, o tratamento dos dados de terceiros que ocorreu com a junção ao PD dos documentos relativos à movimentação das contas do A. e de terceiros é necessário para satisfazer o direito da R. empregadora à prova dos factos essenciais à procedência da sua pretensão disciplinar. Trata-se de um interesse legítimo que justifica a compressão do direito à protecção dos dados pessoais de terceiros que constem dos documentos juntos aos autos. Está, ainda, em causa o interesse público na realização da justiça. Improcede, pois, a questão suscitada pelo A., não padecendo a prova produzida no processo disciplinar de qualquer invalidade ou ilicitude, nem existindo qualquer obstáculo à sua consideração no processo judicial de impugnação do despedimento.”
Concordamos na íntegra com a posição assumida pelo Tribunal a quo, não havendo muito mais a acrescentar.
A factualidade que está em causa integradora de infracção disciplinar, que se pretende apurar, ocorreu dentro da instituição bancária e respeita ao relacionamento entre esta instituição e os seus clientes, tendo como interveniente o próprio Autor. Estão em causa factos que se passaram a nível interno no Banco, ora Réu, sendo certo que os documentos juntos aos autos de procedimento disciplinar se destinam ao esclarecimento de factos que subjazem ao despedimento do autor. No caso, não está em causa a transmissão de tais factos a terceiros na relação empregador(Banco)/trabalhador (funcionário bancário), razão pela qual tais eventos, sustentados pela documentação junta ao procedimento disciplinar não estão abrangidos pelo segredo bancário.
Como refere o Professor Menezes Cordeiro, no Manual de Direito Bancário, pág. 326 “O sigilo não vigora nas relações internas entre o banco e o seu trabalhador mesmo quando essas relações internas derivem de conflitos entre a instituição de crédito e o seu trabalhador que sejam trazidos a tribunal”.
Com efeito, quer porque o sigilo bancário funciona do interior do Banco para o exterior e não nas relações internas, quer porque está em causa o interesse legítimo da recorrida à prova dos factos essenciais à procedência da sua pretensão disciplinar que justifica a compressão do direito à protecção dos dados pessoais de terceiros que constem dos documentos juntos aos autos, quer ainda porque está em causa o interesse público na realização de justiça, não padece nem a prova documental junta aos autos, nem o procedimento disciplinar de qualquer invalidade ou ilicitude que conduza à nulidade do procedimento disciplinar.
Como se sumariou no Ac. do STJ de 2.12.2004 (relator Vítor Mesquita), consultável em www.dgsi.pt. “VII A fim de prosseguir a obrigação legal de dotar a sua organização empresarial com os meios materiais e humanos necessários para realizar as suas actividades em condições apropriadas de qualidade e eficiência (art. 73º da Lei n.º 67/98), é lícito à instituição de crédito dar a conhecer ao tribunal os dados pessoais necessários para fazer a prova dos factos que invocou para fundamentar a justa causa de despedimento de um trabalhador gerente que desrespeitou os interesses que lhe estão confiados.
VIII - O âmbito do direito ao segredo bancário, em si mesmo, não prejudica a sua consideração e ponderação no contexto da globalidade e unidade do sistema jurídico, vg. atendendo-se às regras vigentes em matéria de colisão de direitos.
IX - É indispensável o conhecimento e valoração de factos em que o trabalhador teve intervenção, protegidos pelo segredo bancário, para que a instituição de crédito possa exercer nos termos da lei o poder disciplinar e ver sindicada pelo tribunal a decisão proferida no processo disciplinar no sentido de sancionar o comportamento do trabalhador gerente que não procedeu em conformidade com as regras bancárias.
X - Ponderando neste caso os interesses e valores jurídicos colidentes nos termos do art. 335º, n.º2 do CC, é de considerar que o interesse público na administração da justiça, o princípio constitucional da tutela judicial efectiva e os interesses em que radica o direito disciplinar da instituição de crédito, designadamente os ligados ao direito bancário (em parte coincidentes com os próprios interesses subjacentes ao segredo bancário e de que são também titulares os titulares do direito ao segredo) assumem maior peso jurídico e justificam o sacrifício do segredo bancário em prol do direito a produzir prova dos factos invocados em fundamento da justa causa para o despedimento do trabalhador gerente.”
Em suma o procedimento disciplinar não é nulo, porque a prova nele produzida também não é nula, já que não existe violação do segredo bancário previsto no art.º 78 do Decreto-Lei nº 298/92, de 31.12, quando no processo disciplinar instaurado por uma instituição bancária a um seu trabalhador, o empregador utiliza como meios de prova informações, designadamente documentos, referentes às relações estabelecidas entre a instituição bancária com os clientes, pois tudo se passa no âmbito interno da própria instituição.
Improcede nesta parte a alegação de recurso.

4 – Da prescrição

Insurge-se o Recorrente relativamente ao facto de na sentença recorrida não se ter considerado a prescrição de parte das infracções disciplinares que lhe são imputadas, defendido o recorrente que os Factos 22, 23, 26, 32, 34 e parte do Facto 35, isoladamente considerados, tiveram lugar mais de um ano antes da notificação da nota de culpa ao Autor, que ocorreu em 5/08/2019.
Mais uma vez iremos remeter para a sentença recorrida onde se fez a correta apreciação da questão com clareza e exaustão que dispensa outras considerações e que passamos a transcrever:
“1.2 Da prescrição parcial do procedimento disciplinar
Nos termos do artigo 329º do Código do Trabalho 2009 o direito de exercer o poder disciplinar prescreve um ano após a prática da infracção ou no prazo de prescrição da lei penal se o facto constituir igualmente crime (nº 1) e o procedimento disciplinar deve iniciar-se nos 60 dias subsequentes àquele em que o empregador, ou o superior hierárquico com competência disciplinar, teve conhecimento da infracção (nº 2). A prescrição ocorre, ainda, decorrido um ano contado da data em que é instaurado o procedimento disciplinar se o trabalhador não for notificado nesse prazo da decisão final (nº 3).
Os prazos de prescrição e caducidade estabelecidos nas citadas disposições legais interrompem-se com a notificação ao trabalhador da nota de culpa ou com o início do processo prévio de inquérito, caso este seja necessário para fundamentar a nota de culpa, o seu início ocorra dentro dos 30 dias subsequentes à suspeita de comportamentos irregulares, o procedimento seja conduzido de forma diligente e a nota de culpa seja notificada até 30 dias após a conclusão do mesmo (arts. 352º e 353º nº 3 do Código do Trabalho 2009).
O decurso do prazo prescricional torna ilícito o despedimento, nos termos do art. 382º nº 1 do Código do Trabalho 2009.
Segundo o trabalhador A. os factos descritos nos artigos 11 (que se reportam a 28/03/2014); 12 (que alegadamente se reportam a 31/03/2014 e 02/04/2014); 13 (que se reportam a 04/04/2014); 14 (que se reporta a momento imediatamente posterior ao do art. 13); 16 (que se reportam a 10/10/2017); 19 e 20 (que se reportam ao período de 10/04/2014 a 01/05/2018); 22 (que se reportam ao período entre 24/05/2018 e 31/12/2018); 25 (que se reportam a 03/09/2014 e 24/02/2016) e 26 (que se reportam a 31/01/2018, 27/02/2018, 07/03/2018, 02/05/2018, 01/06/2018 e 03/07/2018), todos do AMD, estão irremediavelmente atingidos pela prescrição. Mais defende que não se trata de infracções disciplinares continuadas, sendo antes factos isolados no modo, tempo e espaço.
Por sua vez, a R. sustenta que os factos imputados ao Autor integram a prática, pelo mesmo, de um conjunto de irregularidades sequenciais relacionadas com o exercício de funções de gestor de contas por si tituladas ou co-tituladas ou tituladas por pessoas com ele estreitamente relacionadas, consubstanciada nas sucessivas intervenções em contas de familiares e a falsificação de assinaturas, estando, por isso, em causa a prática de infracções, pelo que o dies a quo para a contagem do prazo de prescrição do direito de exercício do poder disciplinar é aquele em que é praticado o último facto integrador da infracção continuada. Além do mais, defende a R., as assinaturas apostas pelo Autor, como sendo supostamente da autoria da sua mãe, quer na ficha de informação mencionada no artigo 16.º do articulado motivador, quer nos documentos de transferência referidos nos artigos 25.º e 26.º do mesmo articulado, abstractamente, são susceptíveis de integrar o tipo legal de crime de falsificação ou contrafacção de documento, previsto no artigo 256.º do Código Penal e aí punível com pena de prisão até três anos, pelo que tem aplicação o prazo de prescrição de cinco anos previsto no artigo 118.º, n.º 1, alínea c) do Código Penal.
Apreciando. O direito de exercer o poder disciplinar (a prerrogativa disciplinar) extingue-se por prescrição logo que sobre a prática da infração disciplinar tenha decorrido o prazo de um ano, independentemente do seu conhecimento ou desconhecimento pela entidade patronal. O problema reside na determinação do momento em que se deve ter por verificada a infracção disciplinar. A lei laboral é omissa neste ponto, pelo que é no direito penal, como direito sancionatório por excelência, que se devem colher os ensinamentos necessários à resolução do problema. Nos termos do artigo 3º do Código Penal, o facto considera-se praticado no momento em que o agente actuou ou, no caso de omissão, deveria ter actuado, independentemente do momento em que o resultado típico se tenha produzido. De acordo com o art. 119º do mesmo diploma, o prazo de prescrição do procedimento criminal corre desde o dia em que o facto se tiver consumado. Contudo, o prazo de prescrição só corre, nos crimes permanentes, desde o dia em que cessar a consumação, nos crimes continuados e nos crimes habituais, desde o dia da prática do último acto e nos crimes não consumados, desde o dia do último acto de execução.
Transpondo tais normativos para a responsabilidade disciplinar, a infracção disciplinar consuma-se no momento em que o agente actuou ou deveria ter actuado. E é a partir desse momento da prática do facto que começa a correr o prazo de prescrição. Mas, se estivermos perante infracções permanentes ou continuadas, então o prazo de prescrição corre apenas partir da cessação da consumação ou da prática da última infracção.
No caso vertente, são, em síntese, duas situações: por um lado, o incumprimento do normativo do R. aplicável e em vigor em matéria de óbito de cliente, relativamente a conta bancária titulada pelo seu pai AA, falecido em 28/03/2014, de que também era co-titular, continuando a movimentar tal conta pelo menos até 5/2/2019 (artigos 10º a 15º do AMD); e, por outro lado, o incumprimento da Ordem de Serviço ...71 – Operações Pessoais e Conflitos de Interesses, através de sucessivas intervenções nas contas tituladas por si próprio ou tituladas e/ou representadas por pessoais estreitamente consigo relacionadas, designadamente, cônjuge e pais, o que sucedeu entre 28/04/2014 e 6/3/2019 (artigos 6º e 16º a 26º).
Não se trata, como defende o Trabalhador A., de meros actos isolados, atomísticos, que se consubstanciem em infracções de execução instantânea que nenhuma ligação têm entre si.
Trata-se, antes, de uma pluralidade de condutas do trabalhador, violadoras do mesmo bem jurídico, realizadas de forma essencialmente homogénea e enquadradas numa mesma situação exterior ou exógena que, se pode dizer, é susceptível de diminuir a culpa do infrator, subsumíveis, por isso, à noção de infracção continuada que decorre do art. 30º, n.º 2 do Código Penal. Com efeito, a actuação do A. ocorreu num contexto familiar e profissional que facilitou a prática das infrações, contexto esse, aliás, salientado pelo próprio, designadamente as relações familiares estreitas existentes entre o A. e os titulares das contas em causa, o óbito do seu pai, a circunstância de ter sido habilitado, juntamente com a sua mãe, como únicos herdeiros daquele, a que se junta a circunstância de exercer as funções de gerente do balcão. Este circunstancialismo favoreceu claramente a repetição das mesmas condutas infractoras ao longo do tempo, as quais como decorre dos factos provados, só cessam no momento em que o trabalhador é confrontado pela empregadora com o incumprimento das ordens de serviço, em 6/3/2019, data da sua inquirição no âmbito da auditoria interna que levou à instauração do procedimento disciplinar. Só a partir de tal data se iniciou o prazo de prescrição das infracções disciplinares imputadas ao trabalhador. Assim, quando o trabalhador foi notificada da nota de culpa, em 5/08/2019, não havia decorrido o prazo de prescrição das infracções disciplinares.
Tal conclusão torna inútil a apreciação da questão da aplicabilidade do prazo de prescrição da lei penal relativamente aos factos alegados nos artigos 16º e 25º e 26º do AMD”.
Da análise da factualidade integradora de infracção, que no dizer do recorrente, já estaria prescrita, teremos de dizer que no caso, não estamos perante factos isolados no modo, no tempo e no espaço, nem os elementos carreados para os autos são imprecisos, ao invés estamos perante uma pluralidade de condutas praticadas de forma homogénea pelo autor, ao longo do tempo, enquadradas numa mesma situação exterior, já que a actuação do Autor ocorre em contexto familiar (relação familiar com os titulares das contas em causa e o óbito de um deles) e profissional (exercia as funções de gerente) que facilitou a prática das infrações, o que é susceptível de diminuir a culpa. Acresce dizer que o bem jurídico protegido é mesmo, ou seja, a salvaguarda da imagem publica do empregador e o seu interesse patrimonial (é o interesse do serviço em que o trabalhador se insere, que pode ser ofendido com a violação dos deveres decorrentes das funções exercidas), só tendo cessado a conduta infratora quando o autor foi confrontado com o incumprimento das ordens de serviço, em 6.3.2019.
Estamos perante uma infração disciplinar continuada pois está em causa a prática repetida da mesma conduta que se traduz nas sucessivas intervenções nas contas bancárias de familiares e falsificação da assinatura de um deles, que é o que basta para que se conclua que o prazo prescricional apenas se iniciou em 6.3.2019 (pratica do último acto que integra a continuação), razão pela qual ainda não tinha terminado quando o autor foi notificado da nota de culpa em 5.08.2019. Apraz ainda dizer que caso assim não se entendesse os factos que constam dos pontos 26, 34 e parcialmente do 35 em abstracto são suscetíveis de integrar o tipo legal de crime de falsificação ou contrafacção de documento, previsto no artigo 256.º do Código Penal, que é punível com pena de prisão até três anos, só se extinguindo por efeito da prescrição decorridos cinco anos sobre a sua prática. cfr. art.º 118.º n.º 1 al. c) do Código Penal, razão pela qual atento o prescrito no art.º 329.º n.º 1 do CT. também por esta via não se poderia concluir pela prescrição do procedimento disciplinar.
Improcede a alegação de recurso no que respeita à excepção da prescrição.

5– Do erro de julgamento (errada subsunção dos factos provados ao direito)

Defende o Recorrente que a sentença em crise enferma de erro de julgamento já que dá como provado que “Após o falecimento do 1º titular do NUC: 0 – ..., em 28/03/2014, o A. não assegurou o cumprimento do normativo aplicável e em vigor em matéria de óbito de Cliente, que estipula: “O conhecimento do óbito pode ser: - formal – comunicação escrita de um herdeiro ou familiar acompanhada, eventualmente, de Certidão de Óbito, ou; - informal – vindo de uma fonte fidedigna.” E também dá como provado que “O R. teve conhecimento do falecimento do pai do A., uma vez que o A. gozou o período de nojo em virtude do infeliz decesso.”.
Em face desta factualidade defende o Recorrente que o Tribunal a quo devia ter concluído que o recorrente cumpriu com o normativo aplicável em matéria de óbito do cliente, pois se o Recorrido teve conhecimento do óbito do pai do Recorrente, teve conhecimento, de forma informal, e de fonte fidedigna, do óbito do cliente, razão pela qual o Tribunal a quo errou ao concluir na fundamentação que “o dever de participação do óbito e desencadear o respectivo procedimento também impendia” sobre o Recorrente, bem como ao concluir que o normativo em questão em matéria de comunicação de óbito não foi cumprido.
Da análise da decisão recorrida, designadamente dos pontos de factos provados conjugados com a fundamentação de direito teremos de dizer que não assiste qualquer razão à recorrente, não se vislumbrando assim que a sentença padeça de erro de julgamento.
Com efeito, sendo o autor, para além de gerente do balcão da instituição bancária em causa, o gestor da conta bancária titulada pelo seu pai incumbia-lhe a si dar cumprimento ao normativo interno do banco relativo ao conhecimento do óbito de cliente, designadamente competia ao autor suspender a conta bancária ou dar instruções para o efeito aos seus colaboradores.
O facto da instituição bancária ter tido conhecimento do falecimento do pai do autor, por o autor ter gozado a licença por dias de luto o familiar, não se confunde com o cumprimento ou incumprimento do normativo aplicável em matéria de óbito de cliente, pois estão em causa procedimentos distintos sem qualquer ligação, não sendo plausível nem exigível que o recorrido ao ter conhecimento do óbito do pai do recorrente tivesse de averiguar se aquele teria, ou não, contas bancárias naquela instituição para suspender os seus movimentos.
Em suma, tendo falecido o pai do Recorrente e não se tendo procedido à suspensão das contas por aquele tituladas bem andou o Tribunal a quo ao concluir que que “o dever de participação do óbito e desencadear o respectivo procedimento também impendia sobre si”. Não padece a sentença de qualquer erro de julgamento, já que o Recorrente, não deu cumprimento ao normativo relativo ao óbito de cliente, norma esta que não se confunde, nem pode ser substituída com o procedimento a que estão sujeitos os funcionários bancários aquando do falecimento de um seu familiar tendo em vista a obtenção da justificação das suas faltas. Assim a conjugação dos pontos 21 e 47 dos pontos de facto provados não nos permite concluir que o normativo foi cumprido, inexistindo ilícito disciplinar, desde logo porque o objectivo de efectuar a participação do óbito é o de assegurar a suspensão das contas tituladas pelo cliente falecido, com o registo da data do óbito, o que não sucedeu no caso.

6 -  Da impugnação da matéria de facto

Pretende o Recorrente que se proceda à alteração dos pontos de facto provados sob os n.ºs 20, 26. 27, 29, 30, 31, 33 e 49 e artigos 42, 48, 51 e 131 da contestação/reconvenção dados como não provados passem a constar dos factos provados.
(…).

7 - Da desproporcionalidade da sanção aplicada

Insurge-se o Recorrente quanto à sanção do despedimento que lhe foi aplicada pelo empregador defendendo a sua desproporcionalidade relativamente à gravidade dos factos apurados.
Vejamos.
A sanção do despedimento foi aplicada ao Recorrente, quer pela violação do dever de zelo, quer pela violação do dever de obediência a instruções legitimas emanadas pelo empregador e sobretudo, por perda da confiança do empregador, alicerçando-se tal perda de confiança num conjunto de irregularidades praticadas pelo recorrente no exercício das suas funções de gestor de contas que agrupamos em dois grupos distintos:
O primeiro grupo referente à gestão de carteiras dos clientes do Banco, mantendo o Recorrente na sua carteira clientes, nos quais se incluía ele próprio e os seus familiares, estando tal vedado pelo Banco, em clara violação à Ordem de Serviço ...71, operações Pessoais e Conflito de Interesses, a qual atentas as suas funções de gerente não podia deixar de conhecer, sendo certo que apenas duas dessas contas lhe tinha sido atribuída de forma automática.
O Segundo grupo respeita quer ao facto de o recorrente não ter participado o óbito de seu pai, como permitiu a continua movimentação das contas de que era titular o seu pai, ciente de que o óbito de um cliente implica, de imediato, a suspensão das contas até à apresentação da escritura de habilitação de herdeiros, a qual apenas foi realizada em .../.../2015, tendo o pai falecido em .../.../2014. E o facto de ter aposto a sua assinatura, como sendo supostamente a de sua mãe, quer na ficha de informação do Banco (ponto 26 dos pontos de facto provados), quer em documentos de transferência, o que em abstracto é suscetível de integrar o crime de falsificação ou contrafação de documento, previsto no artigo 256.º do Código Penal.
A 1ª instância conclui pela licitude do despedimento, considerando o despedimento como sendo a sanção adequada à gravidade da conduta do autor e para tanto desenvolveu a seguinte argumentação.

1.3 Da verificação e procedência da justa causa invocada

O conceito de justa causa encontra-se consagrado no art. 351.º, n.º 1: Constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho. O nº 2 da mesma disposição legal enumera, a título meramente exemplificativo, alguns comportamentos que poderão constituir justa causa de despedimento. Prevê-se, ainda, no nº 3 que na apreciação da justa causa se atenda, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes. Nas palavras de Pedro Furtado Martins1 A justa causa “convoca a dogmática dos conceitos indeterminados e o método que lhe está associado, com recusa de simplistas operações de subsunção e apelo para uma decisão criadora através de um preenchimento com valorações. Valorações que, sendo jurídicas, têm na sua base critérios de natureza Cessação do Contrato de Trabalho, Princípia, 3ª Edição revista e actualizada, págs. 171 muito diversa e que, como indica Monteiro Fernandes, podem ser «éticos, organizacionais, técnico-económicos, gestionários e mesmo, não raro, relacionados com pressupostos de ordem socio-cultural e até afectiva». Em suma, há que ponderar fatores de natureza vária, levando em conta elementos normativos (usos e costumes, valores morais, a igualdade, a coerência disciplinar), elementos fácticos ambientais, (a posição do trabalhador na organização, as circunstâncias temporais e espaciais em que o comportamento teve lugar) e elementos relativos à consequência da decisão (ponderação dos reflexos na disciplina e organização, no nome e imagem da empresa, etc.)”.
Sobre o conceito de justa causa na nova legislação laboral transcrevem-se, pela sua pertinência, as considerações tecidas no Ac. da RP de 7/12/2009, acessível no sítio www.dgsi.pt/jtrp.nsf, como documento nº RP20091207277/09.6TTVRL.P1: Decompondo o conceito de justa causa, constante da norma, logo se vê que ele se analisa em três elementos, a saber: a) - Comportamento do trabalhador, culposo - elemento subjectivo; b) - Uma situação de impossibilidade prática de a relação de trabalho subsistir - elemento objectivo e c) - Uma relação causal - nexo de causalidade entre aquele comportamento e esta impossibilidade. Tal significa que o comportamento do trabalhador tem de lhe poder ser imputado - atribuída a sua autoria - a título de culpa. Por outro lado, a justa causa tem de ser apreciada em concreto, isto é, o comportamento do trabalhador tem de ser analisado integrado dentro da organização produtiva que é a empresa da entidade empregadora e face aos interesses desta; isto é, como o trabalhador é um elemento da empresa, integrado na respectiva organização dinâmica, o seu comportamento também tem de ser visto em acção, para se poder aferir da sua gravidade e consequências dentro e para a empresa. Para isso, interessa, nomeadamente, averiguar das relações entre o trabalhador e os seus colegas de trabalho, da relação entre o trabalhador e a empresa, saber da prática disciplinar em geral e em relação ao trabalhador em causa e todas as outras circunstâncias do caso. É fazendo o caldeamento crítico de todos estes elementos e circunstâncias que, caso a caso, se há-de concluir pela existência ou não de justa causa, face ao grau de gravidade da conduta, em si mesma e nas suas consequências, que determine a impossibilidade da manutenção do vínculo laboral. Pois, se atendendo ao princípio da proporcionalidade e fazendo apelo a juízos de equidade, for possível a conservação do contrato pela aplicação de sanção mais leve, é isso o que deve ser feito: o despedimento é a sanção mais grave a que se deverá recorrer apenas quando outra sanção não possa eficazmente ser aplicada. Como se vê, são os mesmos os pressupostos da justa de despedimento, independentemente do diploma aplicável à hipótese concreta dos autos.”
A decisão de despedimento está balizada pela nota de culpa, não podendo nela ser invocados factos não constantes desta ou da resposta do trabalhador, salvo se atenuarem a responsabilidade deste (art. 357º nº 4 do Código do Trabalho). Apenas os factos constantes da decisão de despedimento podem ser invocados pela entidade patronal na acção de apreciação judicial do despedimento, competindo-lhe a respectiva prova, como decorre do art. 387º nº 3 do referido diploma.

1.3.1 Importa, pois, apreciar se se verificam e procedem os fundamentos invocados pela R. para o despedimento da A.
Resulta da factualidade supra descrita que a R. logrou provar, no essencial, os factos imputados ao A. na decisão de despedimento, designadamente e em síntese, que o A. figurou como gestor de conta em contas bancárias por si tituladas ou co-tituladas e em contas bancárias, tituladas ou representadas por familiares próximos, designadamente os seus pais e esposa, que apôs uma rúbrica na ficha de informação individual da sua mãe que seria supostamente desta e que foi utilizada a partir de 2018 em documentação de suporte à movimentação das contas em que aquela era titular, designadamente em cheques e ordens de transferência, que o A. efectuava com frequência consultas à movimentação de contas tituladas por si ou pelos referidos familiares, que interveio como elemento integrante da CLC em matéria de parecer - taxa e parecer – preçário, para estipulação de limite de confirming e redução de comissões pedido em conta bancária titulada pela sociedade que tinha como representante a sua esposa, que assinou ordens de transferência de fundos de contas de que não era titular e que não assegurou o cumprimento do normativo do banco aplicável e em vigor em matéria de óbito de cliente relativamente ao seu pai, permitindo que as contas por este tituladas continuassem a ser movimentadas.
Tal factualidade revela que o A. violou elementares deveres impostos ao trabalhador pela relação laboral, designadamente o dever de zelo e diligência e obediência, previstos nas als. c) e e) do nº 1 do art. 128º do Código do Trabalho, norma que estabelece, exemplificativamente, os deveres do trabalhador emergentes do contrato de trabalho. O primeiro traduz-se na adstrição do trabalhador ao cumprimento da prestação a que se obrigou com a atenção, o cuidado, o esforço e as cautelas razoavelmente exigíveis, segundo um padrão de normalidade perante as circunstâncias concretas de cada caso. O segundo constitui um corolário da subordinação jurídica do trabalhador e do correspectivo poder de direcção do empregador, que compreende o poder de determinar e conformar a prestação do trabalhador mediante ordens directas e regulamentos genéricos, sempre tendo em vista as necessidades de organização do trabalho e de satisfação dos objectivos visados pela organização empresarial.
A violação de tais deveres abala a confiança que deve vigorar entre as partes. A conduta do A. é, aliás, susceptível de se integrar nas situações de justa causa expressamente previstas nas alíneas a) e d) do nº 2 do art. 351º do Código do Trabalho.
Trata-se de uma conduta culposa, já que o A. não podia ignorar que punha em causa os interesses da empresa e a relação de confiança que deve presidir ao vínculo laboral. Não provou o A. que agiu na execução do mandato que lhe teria sido conferido por sua mãe, nem colhe a justificação invocada pelo A. de que era o único herdeiro dos seus pais, de que não causou qualquer prejuízo patrimonial ao R. e à sua imagem, de que a alocação da gestão das contas e carteiras de clientes era automática e o R. não adoptou mecanismos de alerta dos seus trabalhadores para o eventual conflito que daí poderia resultar e de que o óbito do seu pai, cliente do R., foi do conhecimento da sua hierarquia de demais trabalhadores do R. É que tal motivação e contexto familiar e profissional não pode sobrepor-se ao cumprimento de elementares regras de prudência no comércio bancário, como são as que se prendem com o cumprimento do principio da segregação de funções, cuja implementação no seio da organização produtiva do R. resultaria do estrito cumprimento da Ordem de Serviço ...71 – Operações Pessoais e Conflitos de Interesses, a qual determinava que “Os Colaboradores estão impedidos de, através dos sistemas informáticos internos do Banco 1..., aceder, movimentar ou realizar operações sobre contas que se integrem em alguma das seguintes categorias: Contas que sejam por si tituladas ou co-tituladas; (…) Contas que sejam tituladas ou co-tituladas por pessoas com eles estreitamente relacionadas; Contas em que intervenham como representantes ou procuradores de pessoas com eles estreitamente relacionadas. Para este efeito consideram-se pessoas estreitamente relacionadas com o Colaborador: Cônjuge, parentes em 1º grau e irmãos;”. O facto de haver alocação automática de carteiras de clientes não justifica a inércia do A. na correcção dos erros que dessa alocação pudessem resultar, já que, como se provou, como gerente, podia adequar e alterar essa alocação de acordo com critérios comerciais. adequados. O A. incumpriu repetidamente este normativo e fê-lo conscientemente, dado que não se coibiu de utilizar uma rúbrica feita pelo seu próprio punho na ficha de informação da cliente M..., sua mãe, como se tratasse de rúbrica desta, o que não podia deixar de ter como objectivo facilitar a movimentação das contas de que a mesma fosse titular, como sucedeu.
O mesmo se diga do incumprimento do normativo relativo ao óbito de cliente, pois, ainda que se tratasse do óbito do seu pai e que este fosse do conhecimento dos seus colegas de trabalho e até superiores hierárquicos, o dever de participação do óbito e desencadear o respectivo procedimento também impendia sobre si, como empregado bancário, sendo que o eventual incumprimento por parte dos demais trabalhadores do banco nesta matéria não afasta a ilicitude e a culpa do próprio trabalhador.
Para que se considere preenchido o conceito de justa causa não basta a verificação do comportamento infractor grave e culposo. É necessário que, pelas suas consequências, torne praticamente impossível a manutenção do vínculo. Essa impossibilidade mede-se por um padrão objectivo de não exigibilidade, isto é, a verificação da justa causa pressupõe que não seja exigível ao empregador que prossiga na relação laboral. Trata-se de um corolário do princípio constitucional da segurança e da estabilidade do emprego e da proibição dos despedimentos sem justa causa estabelecidos no art. 53º da Constituição.
Assim sendo, regressando à análise da cláusula geral de inexigibilidade da manutenção do vínculo laboral como condição para a verificação da justa causa de despedimento, a gravidade e relevância de cada uma das condutas do A. não pode ser apreciada isoladamente, mas antes no seu conjunto e tendo presente, no quadro de gestão da empresa, o grau de lesão dos interesses do empregador, o carácter das relações entre as partes e as demais circunstâncias que no caso sejam relevantes (nº 3 do art. 351º).
Quanto às consequências da conduta do trabalhador, tal como pondera Júlio Gomes (Direito do Trabalho, vol. I, Relações Individuais de Trabalho, Coimbra Editora, 2007, p. 951), “estas deverão consistir num prejuízo grave para o empregador, embora tal prejuízo não seja necessariamente de ordem patrimonial. Com efeito, as consequências perniciosas podem consistir em minar a autoridade do empregador (ou do superior hierárquico), lesar a imagem da empresa ou num dano por assim dizer “organizacional”. Referimo-nos, com isto, ao que vulgarmente se refere pela perda de confiança no trabalhador”.
No caso concreto, apesar de não ter havido prejuízo patrimonial para o R., nem para a sua imagem, é manifesto o dano organizacional que resulta da conduta infractora do A., sobretudo ao nível do poder de direcção e autoridade do R. empregador. Na verdade, o A. era o gerente do balcão, cabendo-lhe, nos termos da definição de funções constante do ACTV, assegurar a gestão comercial e administrativa do estabelecimento, no exercício da competência hierárquica e funcional que lhe foi conferida. O A. tinha, portanto, um dever acrescido de cumprimento dos normativos e regras de disciplina do trabalho por força da sua posição hierárquica e funcional. Aliás, só o compreensível ascendente do A. sobre os seus colegas de trabalho decorrente das funções de gerente pode explicar a abonação e conferência de assinaturas do A. em documentos usados na movimentação de contas de que o mesmo não era titular.
A conduta do trabalhador é susceptível de um juízo de censura agravado, já que a sua posição hierárquica impunha-lhe uma actuação diferente. E é, também, susceptível de justificar a perda da confiança que nele depositava o R. empregador, em termos de tornar impossível a manutenção da relação de trabalho, ponderando que a actividade deste é o comércio bancário, em que o valor da confiança é absolutamente indispensável, implicando a sua quebra um dano irremediável na relação laboral. A ausência de passado disciplinar do requerente e a sua antiguidade não são suficientes para neutralizar o juízo de impossibilidade prática de manutenção da relação de trabalho decorrente da gravidade, em si mesma, da actuação da A.
Comprometeu, assim, o A. irremediavelmente a relação de confiança que deve existir entre um trabalhador e a sua entidade patronal, em termos que levam a considerar inexigível a manutenção da relação de trabalho por parte desta. Conclui-se, pois, pelo preenchimento de todos os requisitos do conceito de justa causa e, logo, pela licitude do despedimento promovido pelo R., cuja decisão está, assim, devidamente fundamentada, improcedendo a impugnação do mesmo e, consequentemente, o direito às retribuições vencidas e vincendas, o direito à reintegração no posto de trabalho ou à indemnização de antiguidade.
Desde já diremos que concordamos com a análise da questão efectuada pelo Tribunal a quo, como passamos a expor.
A prática dos factos em apreciação ocorreu na vigência do Código do Trabalho de 2009 (doravante CT), diploma à luz do qual deverão ser apreciados.
Prescreve o art.º 351.º, n.º 1 do CT, que constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.

Neste conceito genérico de justa causa concorrem três elementos essenciais, a saber:

a)- elemento subjectivo - traduzido num comportamento culposo e grave do trabalhador por ação ou omissão;
b)- elemento objectivo - que se traduz numa situação de impossibilidade prática e imediata de subsistência da relação de trabalho;
c)- um nexo de causalidade - entre aquele comportamento e esta impossibilidade.

Resulta assim que só em casos culposos e particularmente graves é admissível o despedimento do trabalhador. Todavia, tanto a culpa como a gravidade do comportamento (em si mesmo e nas suas consequências) e o decorrente juízo de prognose da aludida impossibilidade estruturam-se em critérios objetivos e de razoabilidade de acordo com o entendimento de um bom pai de família ou de um empregador normal em face das circunstâncias de cada caso em concreto. E na apreciação da justa causa – em concreto – atender-se-á ao comportamento do trabalhador no quadro de gestão da empresa, tendo em conta os danos resultantes da conduta censurada, as funções exercidas na empresa, sem olvidar os reflexos da sua conduta nos seus companheiros e/ou subordinados e demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes.
A justa causa traduz-se, assim, numa situação de impossibilidade prática, de inexigibilidade no confronto dos interesses opostos das partes – essencialmente o da urgência da desvinculação do empregador e o da conservação do vínculo por parte do trabalhador. E de tal sorte que, face à vocação de perenidade subjacente à relação de trabalho, apenas se justifica o recurso à sanção expulsiva ou rescisória que o despedimento configura, quando se revelarem inadequadas para o caso as medidas conservatórias ou corretivas, representando a continuidade do vínculo laboral uma insuportável e injusta imposição ao empregador em função do princípio da proporcionalidade.
Por outro lado, sempre que a exigência da manutenção contrato e das relações pessoais e patrimoniais que ele pressupõe sejam de molde a ferir de modo desmesurado e violento a sensibilidade e a liberdade psicológica de uma pessoa normal colocada na posição do empregador, não poderá deixar de concluir-se pela impossibilidade prática de manutenção da relação de trabalho.
Esta impossibilidade prática existirá sempre que se verifique uma situação de quebra absoluta da relação de confiança entre o trabalhador e o empregador, tornando inexigível ao contraente interessado na desvinculação o respeito pelas garantias da estabilidade do vínculo, o que sucederá sempre que a rutura da relação laboral seja irremediável, na medida em que nenhuma outra sanção seja suscetível de sanar a crise contratual aberta por aquele comportamento culposo.

Estipula, ainda, o citado artigo 351º do C.T. que:

2. Constituem, nomeadamente, justa causa de despedimento os seguintes comportamentos do trabalhador:
a) Desobediência ilegítima às ordens dadas por responsáveis hierarquicamente superiores;
d) Desinteresse repetido pelo cumprimento, com a diligência devida, de obrigações inerentes ao exercício do cargo ou posto de trabalho a que está afeto.”

Esta norma concretiza os deveres do trabalhador plasmados no art. 128.º, n.º 1, designadamente nas suas alíneas c) e e) do mesmo código, segundo o qual: Sem prejuízo de outras obrigações, o trabalhador deve realizar o trabalho com zelo e diligência; e deve cumprir as ordens e instruções do empregador respeitantes à execução ou disciplina do trabalho”.
A falta de zelo e diligência deve ser aferida por parâmetros objectivos segundo o padrão do bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso, variando em função da atividade a desenvolver»
Como tem sido defendido pela jurisprudência designadamente no Acórdão do STJ de 22.02.2017, proc. n.º 4614/14.3T8VIS.C2.S1 (relator Leones Dantas) “No domínio da atividade bancária a relação de confiança entre o empregador e os seus trabalhadores situa-se a níveis elevados decorrentes da especificidade dos interesses em jogo, onde a imagem das entidades nele envolvidas junto dos seus clientes e uma gestão prudencial do crédito têm papel de relevo.”
O STJ tem-se pronunciado inúmeras vezes sobre despedimentos de trabalhadores bancários com funções de gestão ao nível das agências bancárias. A título meramente exemplificativo referimos o Acórdão de 22 de setembro de 2010, proferido na revista n.º 217/20..., no qual se refere a este propósito o seguinte: «Este Supremo Tribunal tem vindo frequentemente a pronunciar-se sobre situações de despedimento de trabalhadores colocados em cargos de maior confiança na organização das entidades empregadoras, designadamente em casos que envolvem o trabalho de gerentes e sub-gerentes bancários: depois de considerar que o dever de lealdade é aí mais acentuado, por serem mais exigentes e qualificadas as funções atribuídas, tem vindo a concluir que a subsistência dessa confiança constitui o fundamento nuclear da subsistência do vínculo. O Acórdão de 18/1/05 (Revista n.º 3157/04), no qual se escreve o seguinte: “- sendo a empregadora uma instituição bancária, a respetiva atividade assume transcendente relevância a nível interno e internacional, sendo objeto de fiscalização por banda dos bancos centrais, e cabendo-lhe, em boa medida, o papel de motor da economia e do desenvolvimento;
- por via disso, os bancos necessitam de colaboradores de grande confiança, dinâmicos e com capacidade de iniciativa, o que necessariamente rejeita a adoção de esquemas ou procedimentos duvidosos e obscuros, à margem das boas práticas comerciais e de grave risco para as instituições que os acolhem. O Acórdão de 23/11/ 2011, revista n.º 318/07...., no qual se sumariou o seguinte: «III - Na atividade bancária, a exigência geral de boa fé na execução dos contratos assume um especial significado e reveste-se por isso de particular acuidade pois a relação juslaboral pressupõe a integridade, lealdade de cooperação e absoluta confiança da/na pessoa contratada.
IV - É de afirmar a justa causa do despedimento, atenta a quebra da relação de confiança, quando está demonstrado que o A., à revelia das regras que conhecia perfeitamente por força do exercício das suas funções, alterou, sucessivamente, os plafonds dos cartões de crédito que lhe estavam afetos, sem a devida autorização hierárquica, com movimentações cruzadas entre duas contas bancárias de que era titular, em inobservância das correspondentes normas procedimentais de controlo instituídas pela R., consubstanciando-se, assim, uma conduta fora da imperativa transparência exigível no comportamento do trabalhador bancário, não sendo de relevar, na concretização do juízo subsumível à noção de justa causa, os montantes dos valores monetários em causa, a reposição dos eventuais prejuízos, ou mesmo a sua inverificação real».
E por fim o acórdão de 22/02/2017, (relator Leones Dantas), acima mencionado, no qual se sumariou o seguinte:
2.º – Na atividade bancária, a exigência geral de boa-fé na execução dos contratos assume um especial significado e reveste-se por isso de particular acuidade pois a relação juslaboral pressupõe a integridade, lealdade de cooperação e absoluta confiança da/na pessoa contratada;
3.º – Viola os deveres de obediência e zelo, consagrados nas alíneas d) e c), do n.º1 e no n.º 2 do artigo 128.º, do mesmo Código do Trabalho, o trabalhador responsável pela gestão de agência bancária que realiza operações bancárias com clientes da agência que gere, alguns deles seus familiares, utilizando user names e passwords de outros trabalhadores da agência e não obtendo a assinatura dos mesmos clientes nos documentos que titulam as operações realizadas.
4.º - A conduta descrita no número anterior, face à especificidade das funções de gerente, quebra de forma irreparável a relação de confiança entre as partes tornando inexigível a sua manutenção e integra, por tal motivo, justa causa de despedimento.
Em suma, aos trabalhadores bancários exige-se que assumam uma postura de transparência e que exerçam as suas funções de forma íntegra, idónea, leal e de boa fé, com respeito pelas disposições legais e pelas normas emanadas pela Administração da Instituição Bancária.
Importa agora apreciar se o comportamento do Recorrente impossibilitou a manutenção da relação laboral.
No caso dos autos está em causa o comportamento de um gerente bancário, que representa o Banco empregador no balcão que gere, tendo por função a gestão comercial e administrativa do estabelecimento, funções estas de especial confiança, que impõe uma atuação responsável íntegra, idónea e exemplar relativamente aos restantes funcionários que chefia, tendo por obrigação impor aos seus subordinados o respetivo cumprimento das normas internas, bem como com os demais intervenientes que mantêm relações com o empregador.
Ora, em face à factualidade provada, não restam quaisquer dúvidas que o Recorrente desobedeceu a ordens e instruções do empregador respeitantes à execução e disciplina do trabalho, violando nomeadamente normas deontológicas e normas internas relativas ao funcionamento da instituição bancária, quer no que se refere à falta de cumprimento referente aos impedimentos de gestão de clientes (ao realizar de operações bancárias relativamente a familiares e ao próprio), quer no referente ao óbito de clientes (não cumpriu o procedimento na sequência do falecimento de seu pai), não realizando assim o trabalho com o zelo e diligência que lhe eram exigidos. Acresce ainda ao facto do recorrente não só não se ter preocupado com a correção da alocação da  automática de carteiras de clientes dos erros que dessa alocação pudessem resultar, já que, como gerente tal função lhe incumbia, como também não se coibiu de efectuar frequentemente consultas à movimentação de contas tituladas por si ou pelos seus familiares, tendo participado como elemento integrante da CLC em matéria de parecer - taxa e parecer – preçário, para estipulação de limite de confirming e redução de comissões pedido em conta bancária titulada pela sociedade que tinha como representante a sua esposa, nem se coibiu de assinar ordens de transferência de fundos de contas de que não era titular e de utilizar uma rúbrica feita pelo seu próprio punho na ficha de informação da cliente M..., sua mãe, como se tratasse de rúbrica desta, facilitando assim a movimentação das contas de que a mesma fosse titular, como sucedeu, em clara violação do dever de zelo e do dever de obediência.
A desobediência e o incumprimento do dever de zelo manifestados pela conduta do Autor, bem como a sua deslealdade ao fazer-se passar pela sua mãe, ainda que a sua conduta não tenha causado qualquer prejuízo ao Recorrido, é qualificar de muito grave por força da qualidade de gerente que lhe exigia outra forma de agir no quadro da prossecução de interesses que o seu empregador lhe confiou.
A conduta do autor abalou irremediavelmente a confiança que subjaz à relação laboral, designadamente aquela que o Recorrido nele depositou quer ao desrespeitar as normas e os procedimentos que estava obrigado a observar, quer no desinteressar-se pelas consequências de tal incumprimento sobre os seus subordinados e do dever de lhes impor o cumprimento da mesma disciplina.
Na verdade, o Recorrente demonstrou um enorme desinteresse no cumprimento dos seus deveres e um desrespeito pelas suas obrigações, criando com violação de tais obrigações, uma situação de perigo para os interesses do Banco que poderia ter sido demandado pelos clientes, designadamente pela mãe do Recorrente cujas contas foram movimentadas pelo Autor tal como resulta dos factos provados.
Está assim quebrada de modo irremediável a relação de confiança em que assenta a relação de trabalho e tal basta para não ter de impor ao empregador a manutenção daquela relação.
Acresce dizer que a sanção do despedimento se nos afigura ser a proporcionalmente adequada ao caso, pois atenta a atuação de um gerente bancário, a sua culpa reveladora do desinteresse pela entidade empregadora e pelo cumprimento dos seus deveres profissionais e a dimensão dos interesses do empregador lesado com a conduta do autor, não se vislumbra que outra sanção pudesse ser aplicada, sendo certo que quer sua antiguidade, quer o facto de não ter antecedentes disciplinares, só por si não afastam a adequação da sanção.
Não há, assim, qualquer motivo para alterar o julgado.

8 - Da indemnização por danos morais

Mantendo-se a decisão recorrida, no que respeita à justa causa de despedimento da iniciativa do empregador, apenas apraz dizer que não se verificam os pressupostos da obrigação de indemnizar resultante de responsabilidade civil extra contratual, desde logo porque não se provou a prática de qualquer conduta ilícita imputada ao empregador.

9 – Da litigância de má-fé

Quanto ao pedido de condenação do empregador como litigante de má-fé, o recorrente sustenta a sua pretensão no facto de a Ré através de um seu funcionário, testemunha nos autos, ter feito um uso manifestamente reprovável do processo, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade e entorpecer a acção da justiça.
Ora, para além desta tese não ter qualquer apoio nos factos provados designadamente da motivação da matéria de facto, onde consta uma síntese do depoimento da testemunha visada, também não se compreende como é que a Ré poderia ser condenada como litigante de má fé se seria uma testemunha, que não a Ré, quem supostamente atuou de má-fé, não tendo nesta sede qualquer cabimento a responsabilidade a que alude o art.º 500.º do Código Civil.
Improcede também nesta parte o recurso.

V- DECISÃO

Nestes termos, acordam os juízes que integram a Secção Social deste Tribunal da Relação em negar provimento à apelação interposta por AA, assim se confirmando a decisão recorrida.
Custas a cargo do Recorrente.
Notifique.
Guimarães, 30 de Março de 2023

Vera Maria Sottomayor (relatora)
Maria Leonor Barroso
Francisco Sousa Pereira