Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
409/17.0T8FAF.G1
Relator: MARGARIDA SOUSA
Descritores: ASSOCIAÇÃO
ASSEMBLEIA GERAL
ANULAÇÃO DE DELIBERAÇÃO
LEGITIMIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 02/08/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2.ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - O art. 178º, nº 1, do Cód. Civil contende com a legitimidade para a arguição da apontada anulabilidade e não com o mérito da ação.

II - A previsão contida naquele preceito deve ser interpretada no sentido de que só os associados que, tendo participado no processo deliberativo, tenham aprovado a deliberação em apreço, votando-a favoravelmente, não dispõem de legitimidade para posteriormente a impugnar em juízo;

III - Estando em causa, no aludido preceito, a redução do leque dos interessados - todos os associados, sujeitos da relação material controvertida - que, de acordo com a regra geral enunciada no art. 30º, nº 3, do CPC, teriam legitimidade para pedir a anulação de uma deliberação da assembleia geral de uma associação, à ré/associação compete a alegação e prova de votação favorável, por banda do arguente da anulabilidade.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães:

I. RELATÓRIO:

Rui, Pedro e Filipe, instauraram a presente ação de processo comum contra Associação Cultural e de Solidariedade Social X (ACSSX), peticionando a anulação das deliberações sociais tomadas na sessão da assembleia geral da Ré, realizada no dia 17 de Dezembro de 2016, no que concerne às eleições dos órgãos sociais para o quadriénio 2017/2021, em virtude das irregularidades havidas na convocação dos associados, assim como relativamente ao funcionamento da assembleia.

Para tanto alegaram os Autores, em síntese, que são associados da Associação ora Ré, tendo sido realizada uma assembleia geral na qual foram eleitos os respetivos órgãos sociais da ré, pelo período de quatro anos, sem que a convocatória para a aludida assembleia geral tenha obedecido aos formalismos e exigências previstos nos estatutos da Ré, porquanto, ao contrário do que se prevê naqueles estatutos, a convocatória não foi publicada nos dois jornais de maior circulação da área da sede da Associação, nem remetido qualquer aviso por via postal ou por correio eletrónico aos associados.

Mais alegaram os Autores que no dia em que se realizou a assembleia geral para a eleição dos órgãos sociais, a lista de associados com direito de voto não se encontrava conforme, na medida em que vários associados com quotas pagas não constavam daquela lista, tendo sido impedidos de exercer o seu direito de voto.

A Ré apresentou contestação, arguindo, por um lado, a ilegitimidade do Autor Rui, invocando que o mesmo, à data da propositura da ação já não era seu associado, mais alegando que não assiste aos Autores o direito a peticionarem a anulabilidade das deliberações tomadas na assembleia geral em causa nos autos, na medida em que efetivaram a respetiva votação nessa assembleia.

Em resposta às exceções arguidas na contestação, limitaram-se os Autores a ressaltar o reconhecimento pela Ré da irregularidade da convocatória da assembleia geral, reiterando ainda que vários sócios se viram impedidos de efetivar a sua votação na assembleia.

Na fase do despacho saneador, para além de ter sido julgada improcedente a exceção de ilegitimidade do Autor Rui invocada pela Ré e julgadas partes legítimas os restantes intervenientes, foi proferida sentença que decidiu julgar a ação totalmente improcedente e, consequentemente, absolver a Ré do peticionado pelos Autores.

Inconformados com o referido saneador-sentença, os Autores interpuseram o presente recurso, concluindo a sua alegação nos seguintes termos:

A - Vem o presente recurso interposto do douto despacho saneador/sentença proferida pela Mta. Juiz “a quo” a fls. , que julgou a acção totalmente improcedente e, consequentemente decidiu absolver a Ré do peticionado pelos AA.
B – Ao julgar a causa no sentido demonstrado o Tribunal “a quo” faz uma incorrecta apreciação da prova carreada pelas partes para os autos e uma deficiente interpretação das normas jurídicas aplicáveis ao caso concreto.
Na verdade;
C - O despacho saneador/sentença de que ora se recorre alicerça a decisão proferida no facto dos AA. terem participado e votado na deliberação tomada, carecendo assim de legitimidade para o exercício do referido direito à impugnação da deliberação.
D – Dá o Tribunal “a quo” como provado que os AA. participaram na votação da deliberação social ora posta em crise, no entanto, sendo tal matéria controvertida deveria o Tribunal produzir prova cabal sobre o sentido de voto dos AA. a realizar em sede de Audiência de Discussão e Julgamento.
E – Sendo certo que, junto com a Petição Inicial, os AA. juntaram comoDoc. 14 uma declaração de protesto subscrita por dois dos AA., na qual solicitam formalmente a impugnação do acto eleitoral, por verificação de irregularidades, desconformidades e ilegalidades.
F - Ora, segundo as regras da experiencia comum à luz do qual devem ser apreciadas as provas, forçoso seria de concluir pela não votação da deliberação tomada ou votação desfavorável e/ou contrária por parte dos AA.
G – Concordando embora com a desnecessidade de produção de prova, a decisão a proferir seria, no entanto em sentido diverso da produzida.
H – Ao contrário do vertido no despacho saneador/sentença de que ora se recorre, competia à R. alegar, demonstrar e provar que os AA. votaram a deliberação tomada, e que a votaram em sentido favorável.
I - Pois incumbe à parte interessada na validade e eficácia da deliberação o ónus de prova de que os impugnantes votaram favoravelmente a deliberação em crise, o que não sucedeu in casu.
J - E a ser assim, porque a R. não alegou, nem provou, o voto favorável dos AA. da deliberação em crise, forçoso seria de concluir pela legitimidade dos AA. em impugnar judicialmente essa mesma deliberação.
K – Ora, atento os factos dados como provados, e atento ainda o supra alegado, forçoso seria de concluir que os AA. possuem legitimidade para impugnar judicialmente a deliberação ora posta em causa.
L – Bem como demonstrado está, atento o facto dado como provado no ponto 7, das irregularidades na convocatória da assembleia geral da R.
M - Impondo-se por isso decisão diversa da proferida, concluindo pela procedência total da presente Ação, o que se requer a V.ª Ex.as. Venerandos Desembargadores.
N - De facto, o despacho saneador/sentença faz uma incorrecta aplicação do direito vigente, verificando-se uma desconformidade entre os factos dados como provados e a decisão proferida, atenta as normas legais aplicáveis ao caso “sub Júdice”.
O - Porque se verificou uma incorrecta apreciação do vertido nos arts. 177º e 178º nº 1 do Código Civil;
P - Bem como o Tribunal “a quo” não valorou correctamente as regras relativas ao ónus da prova, vertidas no art. 341º do Código Civil,
Q - O despacho saneador/sentença enferma da nulidade prevista no art. 615º nº 1 al. c) do NCPC, que expressamente se invoca.

Terminam requerendo seja o despacho saneador/sentença proferido revogado e substituído por outro, no qual se declarem os AA. como partes legitimas, e por verificação dos demais requisitos legalmente previstos, nomeadamente irregularidades havidas na convocatória da assembleia geral eleitoral dos órgãos sociais da R., serem anuladas as deliberações sociais tomadas na sessão da Assembleia geral realizada no dia 17 de Dezembro de 2016, no que concerne às eleições dos órgãos sociais para o quadriénio 2017/2021, com as legais consequências de tal declaração.
Não foram apresentadas contra-alegações.
No despacho que admitiu o recurso, a Sr.ª Juíza a quo pugnou pela inexistência da nulidade arguida, mantendo integralmente a sentença recorrida.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

Como é sabido, as conclusões da alegação do recorrente delimitam o objeto do recurso, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal (artigos 635º, n.º 4, e 639º, n.º 1, do NCPC).

Assim sendo, no caso vertente, as questões a decidir que relevam das conclusões recursórias são as seguintes:

- Saber se o despacho saneador/sentença enferma da nulidade prevista no art. 615º, nº 1, al. c), do CPC;
- Saber se a previsão do art. 178º, nº 1, do Cód. Civil deve ser interpretada no sentido de que só os associados que, tendo participado no processo deliberativo, tenham aprovado a deliberação em apreço, votando-a favoravelmente, não dispõem de legitimidade para posteriormente a impugnar em juízo, à ré/associação competindo a alegação e prova de votação favorável, por banda do arguente da anulabilidade;
- Saber se a deliberação em crise é nula em razão da verificação das arguidas irregularidades na convocação.

*
III. FUNDAMENTAÇÃO
Os factos

a) Na 1ª instância foi considerada a seguinte factualidade:

1) A ré é uma instituição particular de solidariedade social, sem fins lucrativos, que foi constituída em 19.03.2004, cujo objecto principal consiste em colaborar com as famílias na protecção e no apoio à velhice e invalidez.
2) Os autores Pedro e Filipe, são associados da Associação, ora ré, respectivamente, sócios número 172 e 101, com quotas pagas.
3) Em assembleia geral realizada no dia 17 de Dezembro de 2016, foram eleitos os órgãos sociais pelo período de quatro anos.
4) Segundo o previsto nos estatutos da ré, a assembleia geral deverá ser convocada com, pelo menos, quinze dias de antecedência.
5) A convocatória deverá ser feita por meio de aviso postal expedido para o associado ou através de anúncio publicado nos dois jornais de maior circulação da área da sede da Associação e deverá ser afixada na sede e noutros locais de acesso ao público, dela constando obrigatoriamente o dia, o local e a ordem de trabalhos.
6) A convocatória pode também ser efectuada através de correio electrónico.
7) A convocatória para a assembleia geral referida em 3) foi apenas afixada na sede da ré, não tendo, porém, sido publicado edital nos dois jornais de maior circulação da área da sede da associação, nem remetido qualquer aviso por via postal ou por correio electrónico aos associados
8) No dia 1 de Janeiro de 2017 o autor Rui, sócio n.º 3 da Associação ora ré, solicitou a sua exoneração, pelo que naquela data perdeu a sua qualidade de associado da ré.
9) À eleição para os órgãos sociais da Associação ré concorreram duas listas, designadas, respectivamente, por lista A e lista B.
10) Os autores foram candidatos integrantes da Lista B, sendo que Rui foi candidato ao cargo de Presidente da Assembleia Geral, Pedro ao cargo de presidente do Órgão de Administração e Filipe ao cargo de Tesoureiro deste mesmo Órgão.
11) Os autores constituíram a sua lista, apresentaram-na em tempo útil, submeteram-se à votação, votaram e apresentaram um protesto a final, no qual não suscitaram qualquer violação dos Estatutos na convocação do processo eleitoral.

O Direito

- Da nulidade prevista no art. 615º, nº 1, c), do CPC

Como se viu, a primeira questão que importa resolver é a de saber se a sentença recorrida é nula.
A sentença, como ato jurisdicional, pode atentar contra as regras próprias da sua elaboração e estruturação ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra do qual é decretada, e então torna-se passível de nulidade, nos termos do art. 615.º do CPC.
De acordo com a primeira parte da alínea c) do nº 1 deste preceito, a sentença é nula quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão.
A nulidade em apreço resulta apenas dos fundamentos invocados pelo juiz conduzirem logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto - Prof. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. V, p. 141 -, e não da errónea interpretação da lei que, face aos factos considerados provados, culmina em errónea decisão, deficiência, esta, que consubstancia erro de julgamento, apenas sanável pela via do recurso de mérito.
No caso, o Recorrente, ao referir-se a “desconformidade” entre os factos provados e a decisão está apenas a defender que, face a tais factos, a por si defendida interpretação da norma aplicada pelo julgador conduz necessariamente a uma outra decisão: em causa não está, pois, uma contradição lógica mas sim a defesa de uma diferente premissa ao nível dos fundamentos jurídicos.
Improcede, pois, a arguida nulidade.

- Da legitimidade para arguir a anulabilidade de deliberações sociais

Aparentemente, deveria de imediato passar a tratar-se da questão de saber se, ao julgar a presente ação improcedente, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, por, perante a factualidade julgada provada nos autos, a solução jurídica a extrair ser precisamente a oposta, ou seja, a da procedência da ação.
Outro enquadramento, porém, se impõe.

Vejamos.

A questão em apreço prende-se com a interpretação da parte final do art. 178º, n.º 1, do Cód. Civil que preceitua que “a anulabilidade (...) pode ser arguida, dentro do prazo de seis meses, pelo órgão da administração ou por qualquer associado que não tenha votado a deliberação”.
Tal como resulta do Acórdão desta Relação de 08.10.2015, a apreciação do aludido ponto contende com a legitimidade para a arguição da apontada anulabilidade, não contendendo, pois, com o mérito da ação, tal como pressuposto na sentença recorrida.

Explanando:
A legitimidade constitui um pressuposto processual que se exprime através da titularidade do interesse em litígio, resultando da lei que, nada se dispondo em contrário, consideram-se titulares do interesse relevante para efeitos de legitimidade os sujeitos da relação controvertida tal como é configurada pelo autor (art. 30º, nº 3, do CPC) e sendo inegável que, para efeitos da legitimidade interessa apenas saber quem são os sujeitos da relação controvertida, pois saber se a relação existe, ou não, pertence ao mérito da ação.
Todavia, como decorre do citado normativo, saber se existe qualquer indicação da lei no sentido de indicar quem é o titular do interesse relevante para o efeito da legitimidade é ainda questão que se prende com o referido pressuposto formal.
Ora, o citado artigo 178º, nº1, parte final do Código Civil, ao estipular que as anulabilidades ali em causa podem ser arguidas “por qualquer associado que não tenha votado a deliberação” está, manifestamente, a restringir o leque dos interessados que as podem arguir, ou seja, a limitar as pessoas com legitimidade ativa para o efeito.
No despacho saneador já foi afirmada a legitimidade das partes.
Todavia, em matéria de qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso a Relação tem plena liberdade, não estando limitada pela iniciativa das partes, podendo, designadamente julgar procedente o recurso por razões jurídicas diversas das invocadas pelo recorrente, ou julgá-lo improcedente por fundamentos jurídicos não coincidentes comos da sentença recorrida, bem como conhecer oficiosamente de determinadas questões relativamente ao segmento decisório sob reapreciação, entre elas, questões de natureza processual (cfr. Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código Processo Civil, pág. 107), tais como a incompetência absoluta, a falta de personalidade ou a falta de legitimidade, certo que todas as exceções dilatórias, salvo a incompetência absoluta decorrente da violação de pacto privativo de jurisdição ou da preterição de tribunal arbitral voluntário e da incompetência relativa nos casos não abrangidos pelo disposto no artigo 104.º, são de conhecimento oficioso (cfr. o art. 578º do mesmo Código).
Isto, salvo se, no despacho saneador oportunamente proferido, o tribunal de primeira instância se tiver ocupado, em concreto, da questão da legitimidade das partes, não se quedando pela afirmação genérica, em termos tabelares, de que as partes seriam legítimas – caso em que a reapreciação, pela Relação, da questão da legitimidade envolveria violação do caso julgado formal constituído no saneador (cfr. o art. 595º, nº 3, 1ª parte, do C.P.C.).
No caso em apreço só a questão da ilegitimidade do Autor Rui por ausência da qualidade de associado aquando da propositura da ação foi conhecida em concreto, limitando-se, quanto ao demais, o Tribunal a quo proferir decisão tabelar.
Assim sendo, no que toca aos restantes associados, esta Relação não incorre em violação do caso julgado formal ao reapreciar, nesta sede, a questão da respetiva legitimidade ativa, porque, como já se disse, é com este pressuposto processual e não com a decisão de mérito que contende a aplicação do disposto no art. 178º, nº 1, parte final, do CPC.
Isto esclarecido, vejamos, então, qual a posição a tomar no que respeita à interpretação e aplicação do aludido preceito.
Na visão da sentença recorrida, em acção de anulação de deliberação de assembleia geral de associação com fundamento na existência de irregularidades na convocação e funcionamento da assembleia geral, caberá ao autor o ónus de alegar e provar a sua qualidade de associado, a existência das preditas irregularidades na convocação e funcionamento da assembleia e a existência de deliberação não votada por si (cfr. artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil).
Como resulta do que acima se disse, a caber ao autor, como se diz na sentença recorrida, o ónus de alegar e provar a existência de deliberação não votada por si, sempre a decisão deveria ser de absolvição de instância por verificação de uma exceção dilatória - correspondente à ilegitimidade ativa - e não de improcedência do pedido.
Mas, como se demonstrará, nem o sentido da expressão “associado que não tenha votado a deliberação” tem o significado que lhe é dado pela sentença recorrida, nem a distribuição do ónus da prova é a propugnada pela sentença em crise.
Na verdade, como referem os Recorrentes vários são os arestos que, com argumentos sólidos, se têm pronunciado sobre tal questão contrariando a aludida interpretação.

Assim, no Acórdão do STJ de 06.10.2005, pode ler-se:

“Face ao disposto no art. 178º nº 1 do CC (preceito este na base do qual está o propósito relevante de obstar a que o associado se valha da "própria torpeza, impugnando deliberação que é sua" - cfr. acórdão do TRL, de 10-2-81, in CJ -81, tomo I, págs. 226 e 227), deve entender-se que o direito de arguição da anulabilidade só é defeso a associado que tenha votado favoravelmente a deliberação”, na medida em que, como ali se argumenta, citando um outro acórdão do STJ de 05.06.85, “não faria sentido que o associado que discordasse de uma deliberação, "em lugar de votar contra, tivesse de abster-se sob pena de ficar impedido de arguir a respectiva anulabilidade", assim acabando "por facilitar o vencimento de uma eventual minoria."
Isto, “na linha do previsto para a anulabilidade das deliberações dos sócios das sociedades comerciais, que reconhece ao órgão de fiscalização e ao sócio que não tenha votado favoravelmente a deliberação a indispensável legitimidade para a impugnar – cfr. art. 59º, n.º 1, in fine, do Cód. das Sociedades Comerciais” (cfr. já referido Acórdão desta Relação de 08.10.2015).

Com idêntica orientação, veja-se ainda o Acórdão da Relação de Lisboa de 11.10.2012, onde se frisa:

“Outro entendimento, tal como o seguido na decisão recorrida, conduziria ao resultado absurdo de se exigir ao sócio que não manifestasse a sua vontade, o seu sentido de voto, ainda que contrário ou contra o conteúdo dessa deliberação, apesar de estar presente.
Dito doutro modo, não faria sentido o legislador tratar da mesma forma duas situações diametralmente opostas: o sócio que vota favoravelmente a deliberação e aquele que vota contra a sua aprovação.
Daí que a expressão “não tenha votado a deliberação”, só possa significar que “não tenha expressado a sua concordância nessa deliberação”, “não tenha contribuído favoravelmente, com o seu voto, para a sua aprovação”.
Na verdade, como ali se defende, “o art.º 9.º/3 do C. Civil, ao determinar que “na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”, admite uma interpretação em benefício das soluções mais acertadas, e embora o legislador mande presumir que soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, concede que uma formulação imperfeita acabe por ser o verdadeiro espelho das soluções acertadas. E um dos princípios fundamentais decorrentes da boa hermenêutica jurídica é justamente o de que “não pode haver interpretação que conduza a resultados injustos ou absurdos”.
Por outro lado, à ré/associação competirá, “em ordem a fundar o acerto da dedução da excepção dilatória de ilegitimidade activa”, “a alegação e prova de votação favorável, por banda do arguente da anulabilidade” (cfr. citado acórdão do STJ de 06.10.2005), o que bem se compreende se atentarmos que em causa está, como já antes se disse, a redução do leque dos interessados - todos os associados, sujeitos da relação material controvertida - que, de acordo com a regra geral enunciada no art. 30º, nº 3, do CPC, teriam legitimidade para pedir a anulação de uma deliberação da assembleia geral de uma associação.
Também na doutrina, é esta a interpretação que vem sendo defendida (Paulo Olavo da Cunha, in “Comentário ao Código Civil – Parte Geral”, pág. 387, e Pedro Maia, in “Deliberações dos Sócios ”, in Estudos de Direito das Sociedades, pág.´s 253 e 254).

Aderindo, nós também, inteiramente, a esta argumentação, concluímos que só os associados que, tendo participado no processo deliberativo, tenham aprovado a deliberação em apreço, votando-a favoravelmente, não dispõem de legitimidade para posteriormente a impugnar em juízo.
Assim, recaindo, como recai, o ónus de alegação e de prova da aludida exceção sobre a associação demandada e não estando sequer, no caso em apreço, tal como no tratado pelo já citado acórdão desta Relação, alegado pela Ré que as deliberações sociais aprovadas na Assembleia Geral realizada tenham merecido o voto favorável dos associados, ora Autores, Pedro e Filipe, é de concluir, sem mais, que são estes partes legítimas na presente ação (estando, como já se disse, vedado ao Tribunal pronunciar-se quanto à legitimidade do associado Rui a respeito da qual o Tribunal a quo se pronunciou de forma não tabelar), o que se decide.

Aqui chegados, há que recordar que, nos termos do preceituado no art. 177º do Cód. Civil, “as deliberações da assembleia geral contrárias à lei ou aos estatutos, seja pelo seu objeto, seja por virtude de irregularidades havidas na convocação dos associados ou no funcionamento da assembleia, são anuláveis”.
No caso, sabe-se que em assembleia geral realizada no dia 17 de Dezembro de 2016, foram eleitos os órgãos sociais pelo período de quatro anos, sendo esta a deliberação ora em crise.
Segundo o previsto nos estatutos da ré, a assembleia geral deverá ser convocada com, pelo menos, quinze dias de antecedência e convocatória deveria ser feita por meio de aviso postal expedido para o associado ou através de anúncio publicado nos dois jornais de maior circulação da área da sede da Associação, bem como deveria ser afixada na sede e noutros locais de acesso ao público, dela constando obrigatoriamente o dia, o local e a ordem de trabalhos, podendo a convocatória ser também efetuada através de correio eletrónico.

Ora, como se mostra assente, a convocatória para a referida assembleia geral foi apenas afixada na sede da ré. Não tendo sido publicado edital nos dois jornais de maior circulação da área da sede da associação, em alternativa, teria de ser remetido qualquer aviso por via postal ou por correio eletrónico aos associados e tal também não foi efetuado.
Por verificadas devem, pois, ter-se as arguidas irregularidades na convocação, sendo irrelevante, para efeito de pedir a anulação da deliberação, que o associado não tenha previamente protestado contra a situação ulteriormente invocada com vista à pretendida anulação. (Alberto dos Reis, Código Processo Civil Anotado, Vol. I, pág. 679/680).
Procede, pois, a apelação.

Sumário

I - O art. 178º, nº 1, do Cód. Civil contende com a legitimidade para a arguição da apontada anulabilidade e não com o mérito da ação.
II - A previsão contida naquele preceito deve ser interpretada no sentido de que só os associados que, tendo participado no processo deliberativo, tenham aprovado a deliberação em apreço, votando-a favoravelmente, não dispõem de legitimidade para posteriormente a impugnar em juízo;
III - Estando em causa, no aludido preceito, a redução do leque dos interessados - todos os associados, sujeitos da relação material controvertida - que, de acordo com a regra geral enunciada no art. 30º, nº 3, do CPC, teriam legitimidade para pedir a anulação de uma deliberação da assembleia geral de uma associação, à ré/associação compete a alegação e prova de votação favorável, por banda do arguente da anulabilidade.
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IV. DECISÃO:

Pelo exposto, na procedência da apelação, acordam os juízes desta Relação em revogar a decisão recorrida, substituindo-a por outra que, considerando os Autores Pedro e Filipe partes legítimas, anula as deliberações sociais tomadas na sessão da Assembleia geral realizada no dia 17 de Dezembro de 2016, no que concerne às eleições dos órgãos sociais para o quadriénio 2017/2021.
Custas da ação e do recurso pela Ré/Recorrida.
Guimarães, 08.02.2018

(Margarida Sousa)
(Afonso Cabral de Andrade)
(Alcides Rodrigues)