Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3865/21.0T8VNF-A.G1
Relator: EVA ALMEIDA
Descritores: MÚTUO BANCÁRIO
LIVRANÇA
VENCIMENTO
PRESCRIÇÃO
INSOLVÊNCIA
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 04/20/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I - A omissão de pronúncia significa ausência de conhecimento ou de decisão do Tribunal sobre matérias que a lei impõe que o juiz resolva.
II - A matéria de facto a considerar na sentença nunca fica prejudicada pela decisão jurídica do Tribunal de 1ª instância, até porque, entre as várias plausíveis soluções do pleito, o Tribunal de recurso pode optar por outra. Há assim que atender a todos os factos com possível interesse para a decisão da causa, considerando as questões colocadas pelas partes e as plausíveis soluções jurídicas.
III - A nulidade decorrente da omissão de factos na sentença, só implica a baixa do processo à 1ª instância quando a matéria de facto em questão tenha de ser submetida a julgamento, ou seja, quando os meios de prova desses factos estejam sujeitos à livre apreciação do juiz. Se os factos omitidos estão plenamente provados, ou por acordo das partes, ou por documentos que deles fazem prova plena, a Relação pode sempre suprir tal nulidade.
IV - No contrato de mútuo bancário em que se prevê a restituição do capital e o pagamento dos juros fraccionados no tempo (quotas de amortização do capital pagáveis com juros), ocorrendo o vencimento antecipado, designadamente nos termos do art.º 781.º do Código Civil, o prazo de prescrição de cinco anos (art.º 310º al. e) do CC) mantém-se em relação a todas as quotas assim vencidas.
V - Iniciada prescrição, o seu prazo não se suspende nem se interrompe, salvo nos casos previstos na lei, sendo que não existe ao nível do Processo Especial de Revitalização uma regra idêntica à contida no artigo 100.º do CIRE, que implique a suspensão dos prazos de caducidade e de prescrição durante a vigência do PER e do dito Plano.
VI – O envio de carta à aqui Embargada para participar nas negociações no âmbito do PER dos devedores, sem referir especificamente qualquer dos créditos aqui dados à execução, não exprime o reconhecimento do concreto direito de crédito resultante deste contrato de mútuo e fiança (ou do aval das livranças dadas à execução), nem existem outros factos que inequivocamente nos levem a considerá-lo tacitamente reconhecido, nos termos e para os efeitos previstos no art.º 325º do CC.
VII - As reclamações no âmbito do PER são dirigidas e apresentadas ao Administrador Provisório e é este quem publica a relação provisória, não se prevendo no CIRE que a falta de impugnação dos créditos tenha outro efeito que o seu reconhecimento para efeitos dos credores participarem nas negociações e quórum da assembleia.
VIII - Não tendo ocorrido citação ou notificação judicial dos embargantes, nem por qualquer outro meio judicial lhes tendo sido dado conhecimento pessoal de que a embargada contra eles pretendia exercer este concreto direito de crédito. Nem tendo ocorrido reconhecimento expresso ou tácito, mas inequívoco, por parte dos embargantes deste crédito da exequente embargada (fundado no contrato de mútuo e fiança que nele prestaram). impõe-se concluir que a totalidades das prestações vencidas em 25-6-2013 já se mostravam prescritas antes da citação para os termos da presente execução.
IX – No âmbito da livrança nº ..., avalizada pelos executados ainda incompleta quanto à data de vencimento e valor, mostrando-se provado que o seu preenchimento não observou o que fora contratualmente pactuado quanto à data de vencimento e, consequentemente, quanto ao valor, os embargantes, na sua qualidade de avalistas, podem opor ao Banco exequente, portador imediato da livrança, a violação do pacto de preenchimento.
X - Apesar da questão da prescrição do direito cartular não se dever confundir com a questão do preenchimento abusivo da data de vencimento da obrigação cartular no caso de livrança incompleta, certo é que “as duas questões surgem frequentemente “entrelaçadas”, porque o (eventual) preenchimento abusivo tem repercussões na contagem do prazo de prescrição do direito: esta contagem inicia-se na data que deveria ter sido aposta na livrança como data de vencimento e não na data que foi (indevidamente) aposta”.
XI – Relativamente à livrança nº ..., avalizada pelos embargantes sem data de vencimento e sem valor, apenas se prevendo no contrato que poderia ser preenchida logo que a subscritora entrasse em incumprimento, o que ocorreu em 2-05-2013, não há uma imposição de preenchimento nessa data, nem dele consta uma data de vencimento, como sucedeu no caso da livrança analisada supra. Contudo, como o instituto da prescrição disso é paradigma, não existem obrigações eternas.
XII - Deixar nas mãos do credor, titular da livrança, a indicação da data de vencimento da livrança para quando lhe aprouver (embora tal não conste do pacto de preenchimento), mesmo anos após a insolvência da subscritora, é fomentar a incerteza do comércio jurídico, que o instituto da prescrição precisamente visa combater.
XIII - Com a declaração de insolvência, por força do art.º 91 do CIRE, vencem-se todas as dívidas do insolvente (salvo as aí especificamente contempladas com outras regras). Contrariamente a alguma jurisprudência citada no texto, o art.º 91º do CIRE não faz distinção entre dívidas cartulares e não cartulares. Reporta-se apenas ao vencimento de todas as dívidas do insolvente por efeito da declaração de insolvência, excepcionando alguns casos, que não os créditos cartulares.
XIV - Assim, por força do disposto no art.º 91º do CIRE e nos artºs 43º, 44º, 76º e 77º da LULL, a livrança, que há muito poderia ter sido preenchida, por já se mostrarem verificados os respectivos pressupostos, constantes do pacto de preenchimento ((incumprimento do contrato de financiamento), deve-se considerar vencida ope legis na data da insolvência.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I – RELATÓRIO

Por apenso aos autos de execução para pagamento de quantia certa, que “Banco 1...” (“Banco 1...”) move a AA e BB, vieram os executados deduzir embargos, pugnando para que a execução seja julgada extinta.

Para tanto, alegaram, em síntese:

– Quanto à livrança com data de emissão de 28/03/2013 e data de vencimento em 13/07/2016 – livrança nº ... no valor inscrito de € 267.494,47: [i] a falta de protesto; [ii] a falta de interpelação para o preenchimento; [iii] o preenchimento abusivo da livrança quanto ao valor e à data de vencimento; [iv] a prescrição da obrigação cambiária, prescrição essa que não foi interrompida pelo PER; [v] o abuso de direito da Exequente.
– Quanto à livrança que aparece com data de emissão de 22/10/2012 e data de vencimento de 13/04/2021 – livrança nº ... no valor inscrito de €1.103.636,31: a falta de protesto; a falta de interpelação para o preenchimento; o preenchimento abusivo da livrança quanto ao valor e à data de vencimento; a prescrição da obrigação cambiária, prescrição essa que não foi interrompida pelo PER; o abuso de direito da Exequente.
– Quanto ao contrato de mútuo com fiança celebrado em 25/06/2012: a prescrição dos créditos emergentes desse contrato ao abrigo do disposto na alínea e) do art.º 310º do Código Civil.
Pugnaram pela imediata suspensão da execução e a final pela procedência dos embargos e consequente extinção da execução
*
A exequente contestou, pugnando pela improcedência dos pedidos formulados.
*
Findos os articulados, a Mmª Sra. Juiz “a quo” fez constar dos autos ter consultado os seguintes processos:

A) PER nº 2879/13...., que correu termos no extinto ... Juízo Cível do Tribunal da Comarca ...: despacho de nomeação de administrador judicial provisório; lista provisória os créditos reclamados, junta a esses autos pela Sr. AP, em 02/07/2013;
B) PER nº 4579/15.... agora no Juízo de Comércio ... - Juiz ...: despacho de nomeação de administrador judicial provisório;
C) Proc. n.º 8637/15.... do Juiz ..., do Tribunal de Comércio ...: sentença de declaração de insolvência com nota de trânsito em julgado; lista de créditos reconhecidos apresentada nesses autos no apenso de reclamação de pelos Sr. AI e sentença de graduação de créditos com nota de trânsito em julgado
D) PER nº 703/14.... que correu termos no anterior ... Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca ...: despacho de nomeação de administrador judicial provisório; lista provisória os créditos reclamados, junta a esses autos pela Sr. AJP; plano de recuperação e decisão homologatória do mesmo com nota de trânsito em julgado;
E) PER nº 1099/17...., que correu termos na Comarca ..., - Juízo de Comércio ... - Juiz ...: despacho de nomeação de administrador judicial provisório; lista provisória os créditos reclamados, junta a esses autos pela Sr. AJP, impugnação apresentada em 24-04-2017 junto ao PER sob a ref.ª ...81 e decisão de indeferimento de 28/08/2017; plano de revitalização e acórdão que o homologou com nota de trânsito em julgado.
Dos quais ordenou a extracção de certidões.
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Realizou-se a audiência prévia no decurso da qual as partes foram notificadas de que o Tribunal entendia que o processo reunia os elementos necessários à prolação de uma decisão de mérito, dispensando a realização da audiência final.
Nada tendo sido oposto proferiu-se despacho a indeferir o pedido de suspensão da execução e de seguida despacho saneador tabelar.

Nada obstando e nos termos anunciados, proferiu-se sentença em que se decidiu:

“Pelo exposto, julgo totalmente improcedente a presente oposição à execução mediante embargos de executado e, em consequência:
a) Ordeno o normal prosseguimento da execução.
b) Condeno os Embargantes nas custas.
*
Inconformados, os embargantes interpuseram o presente recurso, que instruíram com as pertinentes alegações, em que formulam as seguintes conclusões:

«1 – Em face da factualidade invocada, quer nos supra citados números da P.I. de Embargos à Execução, quer do que pode ser extraído dos documentos e correspondência trocada com o Banco Embargado, verifica-se a omissão no elenco da matéria de facto declarada Provada na Sentença da factualidade que se passará a indicar, a qual, atenta as diversas soluções plausíveis das questões de direito que deverão ser dirimidas, deverá ser acrescentada a esse mesmo elenco da matéria de facto mais a seguinte factualidade:
2 - (A propósito do 1º titulo executivo – contrato de mútuo e fiança)
- O Banco Exequente em nº 4 do requerimento executivo invoca que não foi paga a prestação vencida em 17/09/2012, nem qualquer uma das vencidas após aquela data, o que determinou, nos termos contratualmente acordados, o vencimento imediato de todas as responsabilidades assumidas no âmbito do presente contrato e consequente resolução. (factualidade esta que foi expressamente aceite e para não mais ser retirada em nº 142 da P.I. de Embargos)
- Na nota de débito elaborada pelo Banco Exequente para justificar a reclamação a esse titulo de €.3.267.520,47, são contados juros à taxa de 7,266000% a partir de 17/09/2012 até 25/06/2013 na soma de €.100.102,27, e depois são contados juros à taxa de 6,480000% a partir de 26/06/2013 até 14/07/2017 na soma de €.470.486,24, e depois à taxa de 6,480000% a partir de 15/07/2017 até 19/04/2021 na soma de €.436.519,80 e ainda e a titulo de cláusula penal é contabilizado entre 25/06/2013 a 19/04/2021 à taxa de 3,0000% na soma de €.419.992,92 (documento junto com a execução junto aos autos principais de que estes são apensos).
3 - A inclusão na matéria de facto declarada Provada da factualidade cujo adicionamento se pede, tem importância, quer para melhor se entender quando começa a correr o período originário dos 5 anos de prescrição, quer para conferir se o valor total dos juros contados sobre o capital em divida se deveriam ter começado a contar em 25/07/2014, caso tivesse sido essa a data do vencimento e não pagamento da 1ª prestação, ou se o valor dos juros contados, tal como o valor da cláusula penal, teve inicio em 17/09/2012 como reclama e invoca o banco na “explicação” das contas que apresenta na execução.
4 - (A propósito do 3º titulo executivo – livrança em branco nº ...-5 com data de emissão de 28/03/2013 e data de vencimento de 13/07/2016):
- A data do encerramento da conta de abertura de crédito até ao limite máximo de €.200.000,00 celebrado em 28/03/2013 ocorreu, o mais tardar, em 28/09/2013 (é o que resulta do invocado em nºs 14 e 16 da P.I. de Embargos e da factualidade declarada Provada em nºs 10, 11, 16 e 27)
5 - (A propósito do 2º titulo executivo – livrança em branco nº ...-6 com data de emissão de 22/10/2012 e data de vencimento de 13/04/2021):
- A sociedade mutuária, no contrato de financiamento denominado de operação sindicada, não pagou a 1ª prestação para amortização do capital vencida em 2/12/2016, nem nenhuma das restantes (é o que resulta do invocado em nºs 80, 81, 82 e 83 da P.I. de Embargos, do alegado pelo Banco Exequente na execução e da factualidade declarada Provada em nºs 19, 20, 23 e 27).
Por outro lado,
6 - Falta também acrescentar no elenco dos factos Provados, para além da menção do que consta em nº 41, do teor da resposta que os Embargantes enviaram ao banco a propósito da comunicação que lhes foi enviada com data de 25/05/2020, ou seja, a carta que como doc. ... foi junta com a P.I. de Embargos, a saber:
- “Exmo. Senhor Administrador,
Acusamos a recepção da vossa comunicação datada de 25/05/2020, cujo conteúdo mereceu a nossa melhor atenção.
Tendo realizado buscas nos nossos antigos arquivos, não encontrámos nenhum registo de qualquer divida para com o vosso banco. As nossas, muito antigas, responsabilidades como avalistas cambiários de sociedades comerciais, que entretanto terão pago os montantes ou, infelizmente, há mais de 3 anos entraram em definitivo incumprimento e foram declaradas insolventes, já há muito prescreveram.
Acresce dizer que não temos registo de em algum momento e dentro do prazo legal previsto na L.U.L.L., terem sido accionados os títulos cambiários que ostentavam o nosso aval cambiário.
Prescrita a obrigação cambiária extingue-se a responsabilidade cartular e meramente formal aí aposta.
Solicitamos, deste modo, a gentileza de corrigirem os vossos registos, tal como interpelámos e também solicitamos os vossos bons ofícios, no sentido de o Banco 1... fazer cessar a prestação de informação errada que a nosso respeito tem vindo a divulgar, quer interna, quer externamente, provocando graves danos reputacionais ao nosso bom nome e seriedade.
Sem outro assunto de momento, subscrevemo-nos,
Atentamente,”
7 - Tal factualidade, cujo adicionamento à relação do elenco da matéria de facto Provada se reclama, também não se encontra na relação da matéria de facto “Não Provada”.
8 - Ocorre na decisão recorrida omissão da apreciação e decisão sobre aquela matéria de facto invocada pelos Embargantes na sua Petição Inicial de Embargos.
9 - Quando se afirma que a Sentença deve ter fundamentos, nos quais descrimine os factos que considera provados e os que considera não provados (art.607º nº4 do C.P.C.), e quando impõe que o julgador indique, interprete e aplique as normas de direito aos factos provados (art.607º nº3 do C.P.C.), deve entender-se que a factualidade ou factos a ter em conta são aqueles que as partes invocaram, em vista, do que peticionam ao Tribunal.
10 - Surgindo como inultrapassável e absolutamente necessário a ampliação da decisão reportada à matéria de facto para suprimento da omissão de decisão judicial reportada à factualidade/factos invocados na P.I. e supra transcritos, e os quais, como se pediu, devem incluir a relação da factualidade declarada Provada.
11 - Esta omissão de serem atendidos e levados ao elenco de factos provados ou não provados, toda a factualidade supra transcrita e antes invocada nas P.I. dos Embargos, parece configurar causa de nulidade da Sentença, nos termos do disposto no art.615º nº1 al. d) do C.P.C. ou, pelo menos, parece fazer incorrer a decisão no vício previsto no art.662º nº2 al. c) do C.P.C., por deficiência ou insuficiência da matéria de facto apurada pelo Tribunal “a quo”.
12 - Vícios estes que, salvo o devido respeito, aqui se invocam e os quais conduzem à verificação de nulidade da decisão recorrida, nos termos do art.615º nº1 al. d) do C.P.C., ou à sua anulação nos termos do art.662º nº2 al. c) do C.P.C.
SEM PRESCINDIR E POR MERA CAUTELA DO PATROCÍNIO, A PRESCRIÇÃO DO CONTRATO DE MÚTUO E FIANÇA CELEBRADO EM 25/06/2012 (1º TITULO EXECUTIVO)
13 - O contrato de mútuo e fiança n.º ...-8 foi celebrado em 25/06/2012, conforme do documento n.º... e ... juntos pelo Banco exequente com a sua execução demonstra.
14 - Tratou-se assim de um mutuo bancário em que ficou convencionada a amortização da divida em prestações periódicas de capital e juros.
15 - O dito prazo de 5 anos contado a partir de 17/09/2012 extinguiu-se em 17/09/2017.
16 – O PER, apesar de correr termos no tribunal de Comércio, tem um cariz fundamentalmente extrajudicial, e no âmbito desse processo não será efectuado qualquer pagamento.
17 - Não se destina esse processo a averiguar da veracidade de eventuais créditos e, no mesmo a denominada “lista provisória de créditos” apresentada pela senhora AJP visa tão só legitimar a intervenção dos credores e obter o “quorum” necessário para votar o Plano de Pagamentos apresentado pelo devedor e apenas isso.
18 - Os Embargantes não foram notificados pelo banco Exequente no âmbito daquele processo, nem de outro qualquer, para o pagamento do valor deste mútuo.
19 - As reclamações de crédito que foram dirigidas à senhora Administrador Judicial Provisória visaram, tão só, determinar o colégio eleitoral de quem pode, ou não, participar na votação – art.17º-D n.ºs 2, 3 e 4 e art.17º-F n.º 3 e 4, todos com a redacção que ao tempo (Fevereiro de 2017) estava em vigor.
20 - Nenhuma reclamação de créditos, nem a do Banco 1..., nem a de outro qualquer que se apresentou em tal processo, foram dirigidas ou apresentadas a qualquer dos embargantes – art. 323º nº 1 e 4 “a contrario” do CC.
21 - Note-se que atento as normas que regulam a reclamação de créditos no PER, ali se podem incluir créditos condicionais dependentes, seja de condição suspensiva, seja de condição resolutiva, por isso, igualmente se aceitam para serem incluídos no rol e para efeitos de quorum dos titulares de direito de voto de quem se arrogue ser titular de uma letra cambiária ainda que não esteja preenchida.
22 - É indubitavelmente certo que a lista provisória de créditos apresentados pela senhora AJP e publicitada no Portal Citius não constitui nenhum reconhecimento de créditos vencidos e exigíveis.
23 - Visa tão só e exclusivamente essa lista provisória de créditos legitimar a intervenção dos credores, que não são qualificados como cambiários ou não cambiários, pela mera aparência de o serem ou poderem vir a ser, com o fito de obter o “quorum” necessário para no âmbito desse processo ser votado o plano de revitalização. – aplicação conjugada dos arts. 17º-C, D, E e F do CIRE na versão em vigor em Fevereiro de 2017.
24 - Decorre daqui que, a eventual reclamação de créditos que o Banco Exequente tenha elaborado e remetido à senhora AJP no âmbito do PER, nunca foi dirigido, nem entregue aos Embargantes.
25 - Mas ainda assim se dirá que, se porventura, então, tivesse sido erradamente dirigido – mas não foi – aos Embargantes, a verdade é que não teria aí e nesse específico e especial processo a virtualidade de interromper o prazo de prescrição daquele contrato de mútuo que então já se encontrava em curso, seja a partir de 17/09/2012, seja a partir de 25/07/2014.
Por outro lado,
26 - Daí que, e regressando ao já citado art. 323º nº 1 e 4 do CC, é seguro afirmar que a reclamação de créditos apresentada pelo Banco 1... em Abril de 2017 no PER a que se sujeitaram os Embargantes e que sob o nº 1099/17.... correu termos pelo Juiz ... do Tribunal de Comércio de ..., não teve quaisquer efeitos interruptivos no decurso do prazo de prescrição que então já decorria naquele contrato de mútuo bancário, tenha o mesmo sido resolvido em 17/09/2012 ou em 25/07/2014.
27 - O crédito emergente daquele contrato de mutuo bancário em que ficou convencionada a amortização da divida em prestações periódicas de capital com os respectivos juros, prescreveu em 17/09/2017 ou em 25/07/2019, conforme se entenda ter sido a data da resolução do contrato e vencimento de todas as prestações – art. 310º al. e) do CC.
28 - Estão assim prescritos os créditos emergentes do contrato de mútuo bancário, trazido aos autos, como título executivo, pelo Banco Exequente.
29 - Excepção de prescrição desses créditos bancários que foi invocada e que, ao contrário do decidido na Sentença recorrida, deve ser conhecida e declarada, o que desde logo e nesta parte deve conduzir à pertinente extinção da execução.
A PRESCRIÇÃO DA LIVRANÇA QUE APARECE COM DATA DE EMISSÃO DE 28/03/2013 E DATA DE VENCIMENTO DE 13/07/2016 – LIVRANÇA Nº ...59... VALOR INSCRITO DE €.267.494,47 -
30 - A questão do preenchimento abusivo da letra de cambio, porque violadora do que ficou estipulado no pacto de preenchimento, no caso desta livrança parece estar já demonstrada no próprio elenco dos factos declarados Provados.
31 - A tal propósito veja-se o que ficou escrito em nº 13 do elenco dos factos Provados:
“Ficou a constar do nº 4 da cláusula 7ª desse contrato de crédito em conta corrente e respectivo pacto de preenchimento: «a livrança é domiciliada em ... e é pagável no 30º (trigésimo) dia contado da data de encerramento da conta»”. – sublinhados nossos-
32 - Decorre do claramente estipulado nesta cláusula que ficou acertado que a livrança que estava em branco seria pagável em ... e teria vencimento, obrigatório, no 30º (trigésimo) dia contado da data de encerramento da conta – art. 236º nº 1, 237º do CC.
33 - Atendendo a essa clareza do que ficou estipulado quanto à data em que a livrança era pagável, ou seja, se vencia, e conjugando com o que está já declarado Provado em nºs 10, 11, 12, 15 e 16, percebe-se que aquele contrato e conta, se não tivesse sido encerrada logo em Maio de 2013, quando a sociedade mutuária suspendeu pagamentos, nunca mais retomando os mesmos, pelo menos no prazo de 6 meses a contar de 28/03/2013 acarretaria, por falta de cumprimento da mutuária, o encerramento da conta com a pertinente exigibilidade do valor então em divida.
34 - Daí que, e até levando em conta o que vem citado do Ac. STJ de 21/04/2022, Proc. 3941/20.5T8STB-A.E1.S1, este será um daqueles casos que, sem margem para dúvidas, ficou clarificado quando e em que condições o banco portador do titulo cambiário teria o direito, mas também o dever, de preencher a data de vencimento da livrança que, em branco, tinha em seu poder, apresentando-a a pagamento nº 30º (trigésimo) dia contado da data de encerramento da conta.
35 - Como se viu o banco Exequente não respeitou o dito cláusulado e pacto de preenchimento, desde logo porque, apesar de ter encerrado a conta corrente relativa ao mútuo de €.200.000,00 – contrato ... - ainda em Junho de 2013, ou então em 28/09/2013, deixou a livrança por preencher, permitindo que os juros se fossem vencendo e acumulando para, já muito depois de a conta corrente caucionada estar encerrada, inventar uma data de vencimento diferente e para si mais vantajosa – a de 13/07/2016 - aí fazendo inscrever juros e encargos muito superiores aos que seriam devidos caso tivesse respeitado o supra citado pacto de preenchimento que o obrigava a ter em conta que:
“Ficou a constar do nº 4 da cláusula 7ª desse contrato de crédito em conta corrente e respectivo pacto de preenchimento: «a livrança é domiciliada em ... e é pagável no 30º (trigésimo) dia contado da data de encerramento da conta»”. – sublinhados nossos – nº 13 dos factos declarado Provados.
36 - Violando desta forma ostensiva o pacto de preenchimento, o preenchimento da livrança relativamente ao valor aí inscrito e à data de vencimento, unilateralmente feito pelo banco, tem de ser declarado como abusivo, deixando a mesma de valer como título cambiário.
37 - Excepção esta de preenchimento abusivo do título cambiário que os avalistas e executados podem opor ao banco Exequente nos termos do estipulado no art. 10º, 17º e 77º da LULL e arts. 236º nº 1 e 237º do CC.
38 - A aposição de diferente data de vencimento da livrança relativamente à data em que a sociedade devedora entrou em incumprimento – no dizer do próprio banco terá sido em 28/06/2013 - não pagando o valor de €.200.000,00, nem os juros e demais encargos até então vencidos, significa de forma inelutável o preenchimento abusivo do título, pelo menos no que diz respeito à data de vencimento da livrança – art. 236º, 237º, 405º e 406º do CC e art. 10º, 17º e 77º da LULL.
39 - Estando demonstrado a violação do contrato de preenchimento, por alteração abusiva, quer do valor inscrito na mesma, quer da data de vencimento acordada no citado contrato, e sendo tal violação e excepção de conhecimento oficioso e oponível ao portador da livrança, como é o caso, a prescrição do título cambiário conta-se a partir da data que, segundo o convencionado, deveria ser a que teria de estar inscrita no titulo se não tivesse ocorrido a invocada violação do pacto de preenchimento, ou seja, Junho de 2013 ou, quando muito, 28/09/2013 – “vide gratiae” entre muitos outros, neste sentido o Ac. TRL de 18/02/1999 – Recurso nº 7522/98, in Actualidade Jurídica, Ano III, nº 27, pág. 33.
40 - O que significa que a prescrição desse título cambiário, no que à prescrição directamente concerne, ocorreu em Junho de 2016 ou, quando muito, em Setembro de 2016.
SEM PRESCINDIR,
41 - Entre esta data de 13/07/2016 e 23/06/2021 transcorreu prazo superior aos 3 anos da prescrição cambiária.
42 - E como supra já se explicou, não ocorreu nenhum facto com relevância jurídica que permita afirmar a invocada interrupção da prescrição.
43 - O processo especial de revitalização com o normativo em vigor em Fevereiro de 2017, e que nessa parte perdura, é por natureza um processo voluntário, tendencialmente extrajudicial, sendo, ainda, genuinamente autocompositivo, já que a primazia é a vontade das partes.
44 - As reclamações de crédito que foram dirigidas à senhora Administradora Judicial Provisória visaram, tão só, determinar o colégio eleitoral de quem pode, ou não, participar na votação – art.17º-D n.ºs 2, 3 e 4 e art.17º-F n.º 3 e 4, todos com a redacção que ao tempo (Fevereiro de 2017) estava em vigor.
45 - É indubitavelmente certo que a lista provisória de créditos apresentados pela senhora AJP e publicitada no Portal Citius não constitui nenhum reconhecimento de créditos vencidos e exigíveis.
46 - Visa tão só e exclusivamente essa lista provisória de créditos legitimar a intervenção dos credores, que não são qualificados como cambiários ou não cambiários, pela mera aparência de o serem ou poderem vir a ser, com o fito de obter o “quorum” necessário para no âmbito desse processo ser votado o plano de revitalização. – aplicação conjugada dos arts. 17º-C, D, E e F do CIRE na versão em vigor em Fevereiro de 2017.
47 - Devendo, isso sim, ser reconhecido e declarado que em Junho de 2021 já se mostrava prescrita a obrigação cambiária, resultante daquele aval cambiário que havia sido prestado em 28/03/2013.
Por outro lado,
A PRESCRIÇÃO DA LIVRANÇA QUE APARECE COM DATA DE EMISSÃO DE 22/10/2012 E DATA DE VENCIMENTO DE 13/04/2021 – LIVRANÇA Nº ...96... VALOR INSCRITO DE €.1.103.636,31.
48 - As Cláusulas Gerais insertas, sem qualquer espécie de prévia negociação entre as partes, não suscitam, a nosso ver, dúvidas de interpretação., sendo que os seus elementos, literal e lógico de interpretação concorrem para que lhes seja atribuído um único e indesmentível sentido (arts.236º, 237º e 239º do C.C.).
49 - O que tais Cláusulas 7ª, 12ª n.º2 e 13ª n.º2 nos seus diversos números e na economia do contrato e do acordo traduzem é que o Embargado ficou com a faculdade ou possibilidade de preenchimento da livrança, condicionada, à verificação de um evento futuro e incerto.
50 - Qual seja, o incumprimento, por parte da Sociedade devedora, da obrigação de proceder ao pagamento de cada uma das prestações para amortização de capital, no dizer da cláusula:
“a)Data de vencimento – posterior ao vencimento de qualquer obrigação ou obrigações que resultem para o cliente da celebração do presente contrato;
b)Valor – qualquer quantia devida pelo cliente ao abrigo do presente contrato, incluindo responsabilidades decorrentes da própria livrança”
51 - Um declaratário normal – “bonus pater familia” – lendo a cláusula fica persuadido que a livrança que deixou em branco será preenchida com data posterior ao vencimento de qualquer obrigação ou obrigações mas, obviamente, ainda em sua vida e até em momento que lhe fosse exercer o direito de regresso sobre a devedora principal.
52 - Não parece quadrar com a posição de um declaratário normal e de boa fé que, lendo aquela cláusula, pudesse prever que a mesma permitia que o preenchimento da data de vencimento da livrança não fosse o correspondente ao momento económico do vencimento da obrigação, mas que, visando rentabilizar e incrementar a especulação decorrente da cobrança de juros e encargos exorbitantes, aquela cláusula pudesse ser aproveitada pelo banco Embargado para esperar 8, 5 ou 3 anos – no caso, contados da data da insolvência da sociedade mutuária – para vir somar juros sobre juros, mais encargos e comissões, e preencher o valor da livrança quase duplicando a quantia mutuada de €. 700.000,00 e colocando-lhe a data de vencimento de Abril de 2021.
53 - A finalidade objectiva da emissão e entrega da livrança em branco era, obviamente, garantir que o Banco mutuário, cobrasse em tempo útil e de forma célere o valor mutuado que não tivesse sido pago pela sociedade mutuária.
54 -Não parece admissível, em direito e com justiça, que aquelas citadas cláusulas tivessem o significado ou possam ser interpretadas no sentido de permitir ao banco Embargado, fazer crescer exponencialmente as quantias de juros para, passados mais de 8m 5 ou 3 anos, vir reclamar quantia que quase duplica o valor mutuado.
55 - Salvo o devido respeito, analisado o pacto de preenchimento e aquelas citadas cláusulas à luz das regras dos arts. 236º e 237º do C.C e Ainda, 762º n.º2 do CC e atendendo à economia do contrato, no caso presente, mostra-se indiciada e parece-nos que ate demonstrada, que a vontade hipotética das partes aquando da assinatura do contrato, seria no sentido de que a data de vencimento da livrança corresponderia ao do vencimento de qualquer obrigação ou obrigações que resultassem para a mutuária da celebração daquele contrato, ou, pelo menos, em data muito próxima daquela.
56 - Ou seja, optando pelo preenchimento da livrança que se encontrava em seu poder, estava obrigada a observar o acordo de preenchimento, não lhe sendo lícito afastar-se das condições e pressupostos previstos no acordo de preenchimento – “vide gratiae” n.ºs 21 e 22 do elenco dos factos declarados provados -
57 - A data de vencimento, percute-se, tal como o próprio valor a preencher na livrança, teria e tem de respeitar a data, ou pelo menos, ter essa como referência próxima, em que a Sociedade devedora, “J..., S.A”, entrou em incumprimento:
- seja o mês de Abril de 2014, data em que deixou de pagar os juros do mutuo;
-seja o mês de Dezembro de 2016, data em que se venceu a 1ª prestação de amortização de capital que não foi paga;
- seja, o mais tardar, no mês de Fevereiro de 2018, data em que a Sociedade devedora “J..., S.A” foi declarada insolvente e, “ope legis” ocorreu quer o incumprimento definitivo, quer a resolução de todo e qualquer contrato que até essa data estivesse ainda em vigor – art.91º do CIRE –.
58 - Importa ter bem esclarecido que ao contrário do afirmado na Sentença recorrida, a opção conferida na Cláusula 13º n.º2 ª do Pacto de Preenchimento, restringe-se ao acto de preenchimento, não se estendendo aos termos em que esse preenchimento pode ser efectuado.
59- O preenchimento da livrança em branco, sob pena de violar o que está previsto no n.º2 Cláusula 13ª, sob pena de violar os interesses públicos e do próprio devedor que estão subjacentes ao instituto da prescrição dos créditos cambiários, proporcionando a criação de direitos de crédito imprescritíveis… o que a lei não permite (arts.300º e 302º nº1 do C.C.), sob pena de violar a própria convenção internacional que regula as regras da prescrição dos créditos cambiários – Convenção Internacional de 07/06/1930 que é inerente e fez nascer a LULL –, e sob pena ainda, de violar os princípio da boa-fé objectivo nos contratos sujeitos ao regime das Cláusulas Contratuais Gerais, constante do DL nº446/85, de 25 de Outubro, deve respeitar e observar, a data de vencimento da livrança e quanto ao valor a nela inscrever, o que está expresso no citado Pacto de Preenchimento.
60- Todavia, o Apelado/Exequente fazendo-se valer de ter em seu poder esse título cambiário em branco e dizendo estribar-se, o que é falso, nesse mesmo pacto de preenchimento de 2012, em 2021 – passados 11 anos da entrega da livrança em branco – optou por preencher a livrança e colocar na mesma, de forma unilateral e em manifesta divergência do que está regulado no Pacto de Preenchimento, ali colocar a data de vencimento de 13/04/2021 (!!!), ali inscrevendo a exorbitante quantia de €. 1.103.636,31, alegadamente, correspondente aos juros que se teriam vencido entre Dezembro de 2016 e Abril de 2021… - apesar de bem saber que tendo sido declarada a insolvência da Sociedade devedora e subscritora da livrança em Fevereiro de 2018, a partir dessa data cessou a contagem de juros de mora sobre a alegada dívida -.
61- O preenchimento da livrança pelo dito valor de €. 1.103.636,31 com a aposição da data de vencimento de 13/04/2021, quando deveria ser a data em que a Sociedade subscritora entrou em incumprimento, Abril de 2014 ou, Dezembro de 2016, ou, pelo menos, a data de 28 de Fevereiro de 2018, em que foi declarada a sua definitiva insolvência – data em que, obrigatoriamente, caducam todos os contratos e todos os direitos de crédito se consideram vencidos –, não respeita e viola frontalmente o respectivo pacto de preenchimento.
62- Ao escrever a data de vencimento de 13/04/2021 na livrança, o Apelado viola o pacto de preenchimento, viola todos os supra citados princípios e normais legais e preenche abusivamente a livrança.
63- E tudo isto para contornar os efeitos da prescrição cambiária que, inelutavelmente, afecta aquela livrança no que aos avalistas da subscritora da livrança directamente diz respeito.
Pois,
“(…)
Na letra em branco, a prescrição decorre desde o dia do vencimento aposto pelo tomador, desde que não haja infracção do contrato de preenchimento (ac. do STJ, de 22.05.62, in BMJ 117 – 623). Havendo violação do contrato de preenchimento, por alteração abusiva da data de vencimento acordada em tal contrato, e sendo tal excepção oponível ao portador da letra, entendemos nós que a prescrição deverá contar-se desde a data que deveria constar do título se não tivesse ocorrido tal violação” – in supra citado Ac. do TRL, de 18/02/1999 –
64- Excepção esta de preenchimento abusivo do título cambiário que os avalistas e executados podem opor ao banco Exequente como fizeram, nos termos do estipulado nos arts. 10º, 17º e 77º da LULL e arts. 236º, 237º, 405º , 406º e 762º n.º2 do Código Civil.
65- O preenchimento abusivo tem repercussões na contagem do prazo de prescrição do direito cambiário: a contagem do prazo de prescrição inicia-se na data do incumprimento da sociedade devedora e subscritora da Livrança, ou, quando muito, na data em que foi decretada a insolvência da mesma – incumprimento “ope legis” da divida (art. 91º do CIRE) – sendo esta data de 28/02/2018, o mais tardar, a data que deveria ter sido aposta na livrança como dada de vencimento e não a data que lhe foi indevidamente aposta, de 13/04/2021, data em que a Sociedade mutuária e subscritora da livrança já há muitos anos tinha sido declarada insolvente.
66- Conforme resulta dos autos e observando a livrança dada à Execução, este título de crédito foi subscrito pela sociedade “J..., S.A” e avalizada pelos Embargantes/Apelantes, conforme dos mesmos tudo melhor se alcança.
67- O preenchimento abusivo, associado à violação de acordos firmados entre as partes, em especial do chamado “pacto de preenchimento”, conduz à inexigibilidade da obrigação nos termos em que a mesma é exigida.
68- Uma liberdade total na inserção das datas de emissão e de vencimento de uma livrança subscrita em branco permitiria ao credor defraudar os interesses públicos e do devedor, que presidem ao instituto da prescrição dos créditos cambiários, proporcionando a criação de direitos de crédito imprescritíveis – o que é inadmissível!! –
69- É necessário integrar o pacto de preenchimento na parte relativa à data de vencimento e ao valor que é escrito na livrança em branco, de acordo com os ditames da boa-fé.
70- Pois, como sucede com todos os direitos, o exercício do direito do preenchimento da livrança está limitado pela boa-fé (art. 334º e 762º n.º2 do Código Civil).
71- A Justiça e a boa aplicação do direito, implicam a obrigação de retirar dos princípios básicos da boa-fé a determinação que a livrança seja coincidentemente preenchida com o acordado no pacto de preenchimento, no que concerne, designadamente à data em que ocorre o incumprimento definitivo ou até a mora relativamente à obrigação principal para cuja garantia a livrança está entregue em branco.
72- Por isso, é inelutável que será a data da constituição em mora ou do incumprimento definitivo, ou pelo menos, uma data próxima e razoável, a data e o momento a partir do qual se inicia a contagem do prazo de prescrição consagrado no art.70º da LULL, aplicável às livranças, por força do art.77º da LULL.
Por outro lado,
73- Permitir que ao portador e beneficiário da livrança, em violação do acordo ou pacto de preenchimento, determinar a seu “bel-prazer” a data de vencimento da livrança, e ali inscrevendo o valor que deixou incrementar e crescer exponencialmente, corresponderia a desconsiderar totalmente os princípios da segurança e da estabilidade jurídicas que tutelam a posição dos devedores cambiários, pois nunca seria determinável o conteúdo dos direitos incorporados no título de crédito e deixaria os devedores cambiários à “mercê” do arbítrio do beneficiário da livrança.
74- Daí que, tendo ficado estipulado e regulado, aquando da entrega da livrança pela sociedade subscritora da mesma ao Apelado, o denominado “Pacto de Preenchimento de livrança em caução”, no qual ficaram estipuladas as condições para o eventual preenchimento futuro da livrança subscrita em branco,
75- Não pode o credor cambiário preencher livremente e, sem qualquer limite de tempo, dilatando a cobrança do seu crédito em seu benefício, sujeitando o devedor àquilo que é uma intolerável e desproporcional situação de incerteza, contrária aos ditames da boa-fé e, além disso, seria incompatível com as exigências de celeridade no exercício do direito cambiário e, sobretudo, permitindo contornar de forma intolerável o instituto que preside, fundamenta e regula a prescrição dos créditos cambiários.
76- Esta celeridade no exercício do direito cambiário verifica-se, desde logo, no prazo de prescrição que é substancialmente mais curto em relação ao prazo ordinário, exprimindo, dessa forma, a intenção do legislador português, em cumprimento do previsto na Convenção Universal de Letras e Livranças, assinada em Genebra aos 07/06/1930, de exigir que o credor cambiário exerça rapidamente o seu direito. – in Carolina Cunha, Manuel de Letras e Livranças, Almedina, Coimbra, 2016, pág.204.
77- A “ratio legis” do art.70º da LULL, aplicável às livranças por remissão do art.77º da LULL, é, assim, a de penalizar o credor cambiário inerte, pelo que não se pode subverter o sistema e deixar ao arbítrio do mesmo o momento a partir do qual se conta o início do prazo de prescrição que o visa compelir a agir.
78- O portador da livrança em branco não é titular do poder de, segundo a sua vontade e em seu único e exclusivo benefício, escolher qual a data de vencimento que vai apor na livrança, porque isso não é o que resulta das regras de interpretação e integração da vontade dos negócios jurídicos.
79- Dessa forma, o portador da livrança estaria a contornar, “ad aeternum”, o prazo de prescrição previsto no art.70º da LULL e que tem natureza imperativa.
80- O ponto nevrálgico da solução a adoptar relativamente à aposição da data de vencimento da livrança é fornecido pelo evento – tipicamente, o incumprimento e/ou a resolução do contrato fundamental – cuja superveniência legitima o portador a preencher o título.
81- Por razões ligadas à especial eficácia coerciva do mecanismo cambiário (inversão do ónus da prova, acesso directo à via executiva, etc.), os prazos de prescrição são substancialmente mais curtos.
82- Ora esta discrepância exprime uma valoração legislativa: a exigência de que o credor cambiário exerça rapidamente o seu direito (no prazo de um ano a contar do protesto, contra sacador e endossantes; no prazo de três anos a contar do vencimento, contra o aceitante – art.70.º).
83- Se o credor, pela sua inércia, deixar esgotar tais prazos, o direito cambiário extingue-se.
84- É justamente esta valoração legislativa inerente à rapidez da prescrição cambiária – por outras palavras, a exortação a que o credor, uma vez exercitável o direito cambiário, efectivamente o exerça num breve espaço de tempo – que não pode eclipsar-se perante as hipóteses de subscrição em branco.
85- O direito cambiário emergente de um título cambiário em branco torna-se exercitável a partir do momento em que o respectivo portador está legitimado a preenchê-lo – tipicamente, a partir da ocorrência do incumprimento e subsequente resolução do contrato fundamental. Ou seja, a verificação do pressuposto a que o preenchimento está submetido faculta-nos a determinação da data de vencimento que deve ser aposta no título e assim acaba, reflexamente, por traçar um limite factual taxativo ao exercício da faculdade de preenchimento: pode ocorrer até ao final do prazo de prescrição cambiária.
86- Por conseguinte, não é correcto afirmar que o credor tem a faculdade de indicar livremente a data de vencimento a apor no título: está vinculado, quanto a esse parâmetro como quanto aos outros, pelo que resulta do acordo de preenchimento.
87- Ora, no caso dos presentes autos, a aposição de diferente data de vencimento da livrança relativamente à data em que a sociedade devedora entrou em incumprimento – logo em 2013 – significa de forma inelutável o preenchimento abusivo do título, quer no que ao valor inscrito na livrança concerne, quer no que diz respeito à data de vencimento dessa livrança – art. 405º e 406º do CC e art. 10º, 17º e 77º da LULL.
88- É também certo que a prescrição do título cambiário se conta a partir da data que, segundo o convencionado, deveria ser a que teria de estar inscrita no título se não tivesse ocorrido a invocada violação do pacto de preenchimento, ou seja, Abril de 2014 ou, ainda, Dezembro de 2016 ou, finalmente e quando muito, 28/02/2018, data da declaração da declaração da insolvência –.
SEM PRESCINDIR E AINDA POR MERA CAUTELA DE PATROCINIO,
89- O Apelado, conformando-se com a difícil realidade económica na sociedade subscritora da livrança, que a partir do ano de 2013 afectou a mesma, não preencheu a livrança em branco ao longo dos anos de 2013, 2014, 2015, 2016, 2017, 2018, 2019 e 2020.
90- Manteve a sua passividade omitindo o exercício do direito de preenchimento da livrança, meses e anos depois de a sociedade subscritora da mesma, ter tombado em definitivo incumprimento e ter sido declarada insolvente (Fevereiro de 2018).
91- A própria e definitiva declaração de insolvência da sociedade subscritora em 28/02/2018, também não fez a exequente lançar mão da livrança em branco que tinha em seu poder, sendo certo que por força do disposto no art.91º do CIRE, a partir dessa data todos os contratos ficaram resolvidos.
92- Daí que não é tolerável que o Apelado/embargado se aproveite de ter ainda em seu poder uma livrança que lhe havia sido entregue nas descritas condições
em 2012, e sabendo que a sociedade subscritora foi declarada insolvente em 28/02/2018, não preenche, pelo menos nessa data, a livrança que tinha em branco em seu poder, para interpelar, pelo menos nessa altura os avalistas cambiários, exigindo dos mesmos o que houvesse a pagar e permitindo que os mesmos se sub-rogassem no respectivo direito de crédito e pudessem apresentar-se no processo de insolvência reclamando créditos.
93- Aparecendo em 2021 – mais de 3 anos depois da declaração de insolvência – a preencher aquela mesma livrança em branco, e utilizando-a em desconformidade com o que havia ficado cláusulado no pacto de preenchimento,
94- E venha demandar os Apelantes/Embargantes, reclamando dos mesmos o pagamento de elevadíssima quantia quer de capital, quer de juros que, sem justificação e sem direito, também apelida, em Abril de 2021, de capital em dívida…!!!
95- Verifica-se uma conduta reiterada do exequente ao longo dos anos de 2013, 2014, 2015, 2016, 2017, 2018, 2019 e 2020 a qual, objectivamente interpretada face à lei, bons costumes e boa-fé, legitima a convicção dos Apelantes de que nunca o Apelado preencheria a livrança para contra os mesmos instaurar acção executiva cambiária passados mais de 3 anos da declaração da insolvência da sociedade mutuária e subscritora.
96- Assim, ao proceder, como procedeu, o Embargado protelando no tempo o preenchimento da data de vencimento da livrança dada Execução, não actuou de acordo com ditames da boa-fé negocial, agravando a situação dos Apelantes avalistas, o que acarreta que a aposição da data que consta como sendo a do respectivo vencimento é abusiva e, consequentemente, importa a prescrição da livrança.
97- Por isso, percute-se, a partir do momento em que se verificaram as condições de que dependia o completo preenchimento da livrança em branco – por regra o incumprimento da obrigação e, ou, a declaração de insolvência – devia o Apelado, sob pena da livrança deixar de poder valer como título cambiário, proceder ao seu preenchimento e accionar o direito correspondente, nas condições e termos previstos para o accionamento dos títulos cambiários, designadamente, respeitando os prazos de prescrição, não o podendo fazer, pelo menos, sem motivo justificativo, quando lhe aprouver, mormente, para além do referido prazo.
Acresce que,
98- Também o art.44º, aplicável por remissão do art.77º, preceitua que “no caso de falência declarada do sacado, quer seja aceitante, quer não, bem como no caso de falência declarado do sacador de uma letra não aceitável, a apresentação da sentença de declaração de falência é suficiente para que o portador da letra possa exercer o seu direito de acção.”
99- Portanto, é igualmente a partir deste momento que pode e deve ser preenchida a livrança, nela se escrevendo como data de vencimento a data da declaração de insolvência da Sociedade avalizada.
100- Também por aqui torna-se evidente que é a partir do momento da declaração de insolvência da Sociedade devedora, “J..., S.A”, que o Apelado passou a ter o direito de accionar a sua garantia, podendo preencher a livrança contra os avalistas/Apelantes, e inserindo a data de vencimento, contando-se a partir desta o prazo de prescrição de três (3) anos previsto no art.70º nº1 da LULL, e não qualquer outra data que o Apelado, arbitrariamente, resolve colocar no título como data de vencimento.
101- Portanto, e não estando aqui em causa o direito ao preenchimento, mas antes a data que foi aposta na livrança dada à Execução como data de vencimento, o Apelado dentro dos três anos que correspondiam ao período de prescrição, tinha para escolher o momento do preenchimento da livrança, mas nunca em momento algum poderia exceder aquele limite de três (3) anos, o qual não está na sua disponibilidade, antes resultando da lei com uma finalidade específica, qual seja o da segurança e da certeza jurídicas, que não podem ser contornadas.
102- O regime da prescrição está ao serviço da segurança jurídica, isto é, está destinado a tutelar a certeza e a segurança do comércio jurídico.
103- A regra consagrada no art.70º nº1 da LULL é a de que “todas as acções contra o aceitante relativas a letras prescrevem em três anos a contar do seu vencimento.”
104- A regra é aplicável às livranças por força do art.77º da LULL que determina: “São aplicáveis às livranças, na parte em que não sejam contrárias à natureza deste escrito, as disposições relativas às letras e respeitantes a (…) prescrição (arts.70 e 71º).”.
105- Na presente situação, se se considerar, sem mais, que o Apelado poderia inserir de forma arbitrária o momento de vencimento da letra, sem ter em conta o pacto de preenchimento, isso é o equivalente a dizer que o Apelado poderia, se assim o quisesse, contornar o prazo de prescrição previsto no art.70º nº1 da LULL.
106- O Tribunal “a quo” ao perfilhar o entendimento de que é a partir da data aposta na livrança que começa a correr o prazo de prescrição de três (3) anos, está a desvirtuar, de forma completa e inaceitável, o instituto da prescrição e a “ratio” do art.70º nº1 da LULL, criada pelo legislador português em função da celeridade inerente ao exercício do direito cambiário.
107- Assim, ao admitir-se este entendimento está, não só, a permitir-se que os credores tornem os seus créditos imprescritíveis, como, por outro lado, leva à inversão da finalidade do regime da prescrição que é a de criar certeza, paz e segurança jurídicas, ou seja, permitir-se que nunca haja certeza quanto ao fim do prazo de prescrição e, ainda mais, que nunca ocorra a prescrição na medida em que o seu início pode ser manipulado.
108- Daí que, o art.300º do Código Civil, com a epígrafe “inderrogabilidade do regime da prescrição”, preceitua, expressamente, que “são nulos os negócios jurídicos destinados a modificar os prazos legais da prescrição ou a facilitar ou dificultar por outro modo as condições em que a prescrição opera os seus efeitos.” – (sublinhado nosso) –.
109- Inserindo-se neste “modo de dificultar” a manipulação do início do prazo de prescrição que impossibilite alcançar o justo equilíbrio dos interesses do credor e devedor, em manifesto prejuízo do devedor – que será sempre a parte mais fraca… – e em total benefício do credor.
110- Validando, igualmente, o exercício desleal e ilegítimo do Apelado do direito a preencher a livrança.
AINDA SEM PRESCINDIR E TAMBÉM POR MERA CAUTELA DE PATROCÍNIO,
111- A escolha arbitrária da data vencimento da livrança em branco dada à Execução deve ser entendido como um manifesto abuso de direito por parte do portador da livrança quando escolhe a data de Abril de 2021 como sendo a data do alegado vencimento do título cambiário que há mais de onze (11) anos tinha em seu poder e a propósito do qual a subscritora havia entrado em incumprimento em Abril de 2014!!! E foi declarada insolvente em 28/02/2018.
FINALMENTE E SEMPRE SEM PRESCINDIR,
112- A carta que o Banco Embargado remeteu aos Embargantes com data de 25/5/2020, não explica, nem menciona qual era o valor que nessa data estaria em situação de incumprimento, nem reclama qualquer pagamento, conforme do respectivo texto tudo melhor se alcança.
113- Aquela missiva é, para o efeito consignado no art. 218º do CIRE, completamente inócua e não permite saber ao interpelado o que reclama em concreto o Banco, quanto reclama e qual o fundamento para a reclamação.
114- Note-se, por exemplo, que nessa altura, Maio de 2020, a livrança que haveria de vir a ser preenchida por €.1.103.636,31, ainda não estava preenchida e, por isso, se algum “crédito” houvesse seria meramente condicional.
115- O que, também nos termos do Plano, apenas seria exigível depois de ser tornado credito efectivo.
116- Atenta a data da insolvência da sociedade mutuária e subscritora dos títulos, Fevereiro de 2018, os Apelantes nem sabiam, como não sabem, se o Banco já havia recuperado dela, algum valor.
117- Por todas essas razões, os Apelantes/embargantes responderam ao Banco nos termos da carta registada com aviso de recepção, enviada com data de 5/6/2020 e supra transcrita.
118- Não é possível, porque não tem correspondência nem se estriba na pertinente norma do art. 218º n.º 1 al. a) do CIRE, a pretensão, sufragada pelo Tribunal “a quo”, de aceitar como válida a desconsideração e até desprezo, da força de caso julgado resultante do douto Acórdão deste Venerando Tribunal que homologou o Plano de Revitalização, permitindo que o Banco Embargado, estribando-se tão só naquela carta, que em bom rigor, nada concretiza e nenhum pagamento concreto reclama, avance com a execução para cobrança imediata e penhora de bens dos Embargantes/Apelantes.
119- Acresce dizer que o n.º 2 do art. 218º do CIRE, na redacção ao tempo em vigor, previa:
 “A mora do devedor apenas tem os efeitos previstos na alínea a) do número anterior se disser respeito a créditos reconhecidos pela Sentença de verificação de créditos ou por outra decisão judicial, ainda que não transitadas em julgado”(Sublinhados nossos).
120- No caso é manifesto e também do conhecimento oficioso do tribunal que:
a) Nenhum dos créditos dados à execução foi reconhecido por Sentença de verificação de créditos – o que, como é sabido, só tem lugar nos processos de insolvência e não nos processos especiais de revitalização - ;
b) Nenhum dos créditos dados à execução foi reconhecido ou resulta de qualquer outra decisão judicial, ainda que não transitada em julgado;
121- Também por aqui, se percebe a rotunda falta de fundamento do Exequente/Embargado para a instauração da execução, nos termos em que o fez e o manifesto erro da Sentença proferida na 1.ª Instância que, desprezando os efeitos de caso julgado daquele douto Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães que homologou em 29/09/2018 o Plano de Revitalização dos Embargantes, em vez de indeferir liminarmente a Execução, permite que a mesma avance, mande citar os Executados/Embargantes e, fazendo tábua rasa do que vem invocado em n.ºs 157º a 165º da P.I. de Embargos, julgue totalmente improcedente estes Embargos.
122- O douto Acórdão que homologou o Plano de Revitalização, depois de transitado em julgado, como sucedeu, tem força jurídica inabalável, dentro e fora do processo, aplicando-se, por isso, “erga omnes”, como resulta da aplicação conjugada do disposto no art. 17º-F nº 10 do CIRE – lei especial – e no art. 619º e segs. do CPC.
123- Daí que, salvo o devido respeito, a Sentença recorrida, para além de interpretar erradamente as normas do CIRE, como se evidenciou, também, percute-se, viola frontalmente a força de caso julgado decorrente do douto Acórdão que homologou o Plano de Revitalização tal como o mesmo foi aprovado pela larga maioria dos credores dos Embargantes.
124- Resultando óbvio que a decisão recorrida e proferida no tribunal “a quo”, se não fosse revogada por todos os demais vícios e erros de que padece, teria de ser revogada para que seja respeitado o anterior e douto Acórdão deste Venerando Tribunal homologatório da aprovação do Plano de Revitalização proferida em 20/09/2018 e já transitado em julgado.
Pelo que,
125 - Sempre salvo o devido e merecido respeito, a Sentença proferida no Despacho Saneador, viola, entre outros, o conjugadamente disposto, por um lado, nos arts.607º nºs 3 e 4, 615º nº1 al. d), incorrendo no vício sancionado no art.662º nº2 do C.P.C. e, por outro, viola e, ou, interpreta erradamente o conjugadamente disposto nos arts. 236º, 237º, 239º, 280º, 300º, 323º nº 1 e 4 “a contrario”, 334º, 405º e 406º e 762º nº 2 do C.C., os arts. 12º, 13º, 15º e segs. do DL nº 446/85, de 25 de Outubro – na sua actual redacção – e, ainda, os arts.10º, 17º, 43º, 44º, 70º “ex vi” do art.77º da L.U.L.L., e a própria Convenção Internacional celebrada em Genebra aos 07/06/1930, ratificada pelo Estado Português, no que ao prazo de prescrição do exercício do direito cambiário directamente concerne, e ainda e por outro lado, a aplicação conjugada do disposto nos arts. 17º-F nº 7 e 10, 218º nº 2 do CIRE e art. 619º do CPC.

NESTES TERMOS E COM O DOUTO SUPRIMENTO DE V. EXAS. VENERANDOS DESEMBARGADORES, DEVE SER DADO INTEGRAL PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO DE APELAÇÃO E, REVOGANDO-SE A SENTENÇA RECORRIDA, JULGANDO-SE INTEGRALMENTE PROCEDENTES, POR PROVADOS, OS EMBARGOS DE EXECUTADO APRESENTADOS PELOS EMBARGANTES, COM TODAS AS DEVIDAS E LEGAIS CONSEQUÊNCIAS, ASSIM SE FAZENDO INTEIRA E MERECIDA, JUSTIÇA!»
*
A embargada apresentou contra-alegações.
*
Foi proferido despacho a admitir o recurso, como apelação a subir de imediato, no apenso de embargos e com efeito devolutivo.
Os autos foram remetidos a este Tribunal.
Nada obstando ao seu recebimento, o processo foi aos vistos e o recurso inscrito em tabela.

Cumpre decidir.

II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO E QUESTÕES A DECIDIR.

 O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações dos apelantes, tal como decorre das disposições legais dos artºs 635º nº4 e 639º do CPC, não podendo o tribunal conhecer de quaisquer outras questões, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o seu conhecimento oficioso (art.º 608º nº2 do CPC). 
As questões a resolver são as que constam das conclusões da apelação, acima reproduzidas e que assim se resumem:
– Nulidade da sentença (aditamento à matéria de facto assente).
–  Prescrição do crédito fundado no mútuo bancário (1º título dado à execução).
– Prescrição dos créditos fundados nas livranças dadas à execução avalizadas pelos embargantes.

III - FUNDAMENTOS DE FACTO

Factos julgados assentes na sentença:

«1. A embargada/exequente “Banco 1...” instaurou, em 23-06-2021, a execução para pagamento da quantia de 4 273 700,35 € (Quatro Milhões Duzentos e Setenta e Três Mil e Setecentos Euros e Trinta e Cinco Cêntimos) contra AA e BB, ora Embargantes – cfr. requerimento executivo.
2. Como título executivo juntou:
a) o documento particular denominado de contrato de mútuo e fiança com nº 135-36.000095-8, celebrado em 25-06-2012 em que são outorgantes a “Banco 1...”, a “J... SA” na qualidade de mutuária, e os ora Embargantes AA e BB, na qualidade de fiadores – cfr. doc. ... junto com o requerimento executivo que foi junto a estes autos por requerimento de 13/09/2022;
b) a livrança nº ... com data de emissão de 28/03/2013 e data de vencimento de 13/07/2016, no valor inscrito de €.267.494,47 – cujo original foi junto aos autos principais por requerimento de 22-07-2021;
c) a livrança nº ... com data de emissão de 22/10/2012 e data de vencimento de 13/04/2021, no valor inscrito de €.1.103.636,31 cujo original foi junto aos autos principais por requerimento de 22-07-2021.
3. No dia 25-06-2012 foi celebrado entre a Exequente “Banco 1...” e a “J... SA” o contrato de mútuo e fiança referido em 2. a), mediante o qual aquela entregou a esta, a título de empréstimo, por crédito na conta de depósitos à ordem, a quantia de 1.765.000,00€ que esta utilizou em proveito próprio.
4. Estipularam Exequente e a mutuária “J... SA” que, pela utilização do capital mutuado, pagaria esta juros sobre o capital em dívida, de acordo com a taxa de juros fixada na cláusula 3ª, juros esses que, em caso de mora, seriam acrescidos de uma sobretaxa de 3%, a título de cláusula penal.
5. Ficou, ainda, expressamente convencionado, na cláusula 4ª, que o empréstimo seria pago pela mutuária “J... SA” em 72 prestações mensais e sucessivas, incluindo capital e juros, no valor de €29.029,60, vencendo-se, a primeira, 25 meses após a data do contrato e as restantes em igual dia dos meses seguintes, ou no último dia do respectivo mês se neste não houver o dia correspondente.
6. Os ora Embargantes declararam constituir-se solidariamente fiadores e principais pagadores das dívidas contraídas pela mutuária, renunciando expressamente ao benefício da excussão prévia – cfr. cláusula 10ª.
7. A mutuária “J... SA” não pagou à Exequente, nem na data do respectivo vencimento, nem posteriormente, a prestação vencida em 25/07/2014, nem qualquer uma das vencidas após aquela data.
8. Os Embargantes assinaram a livrança nº ..., referida em 2. b), na qualidade de avalistas da sociedade subscritora;
9. Tendo essa livrança sido entregue ao Banco Exequente sem se encontrar totalmente preenchida, designadamente, sem se encontrar preenchida a data de vencimento e o valor;
10. Como garantia do bom cumprimento do contrato de abertura de crédito, em conta corrente, nº ... através do qual o banco Exequente convencionou a abertura de um crédito, em conta corrente até ao limite máximo de €.200.000,00, celebrado em 28/03/2013;
11. Ao qual foi atribuído o prazo de 6 meses.
12. Nos termos do estipulado nas cláusulas 4ª e 7ª nº 2 e 3 o Banco ficou autorizado a proceder ao preenchimento da livrança logo que a subscritora – J..., S.A. – caísse em incumprimento e a conta fosse encerrada.
13. Ficou a constar do nº 4 da cláusula 7ª desse contrato de abertura de crédito em conta corrente e respectivo pacto de preenchimento: “A livrança é domiciliada em ... e é pagável no 30º (trigésimo) dia contado da data de encerramento da conta.”
14. Tal como ficou convencionado no nº 5: “A Banco 1... poderá acrescentar ao valor da livrança o montante dos juros contados à taxa nominal anual, desde a data de vencimento do contrato até ao vencimento da livrança e esta vencerá juros à taxa legal”.
15. Mais se estipulando, no que directamente concerne aos aqui Embargantes/Executados: “O segundo e os terceiros contraentes declaram expressamente ter prestado aval na referida livrança nas condições e para os efeitos previstos no presente contrato, dando o seu consentimento ao preenchimento da mesma nos termos da presente cláusula, durante todo o período da vigência do contrato, bem como nas eventuais renovações do mesmo.”
16. A sociedade devedora, J..., S.A., entrou em incumprimento do contrato de abertura de conta referido em 10, tendo suspendido os pagamentos logo em 2/05/2013 – data da apresentação em tribunal do 1º PER.
17. Os Embargantes assinaram a livrança nº ..., referida em 2. c), na qualidade de avalistas da sociedade subscritora;
18. Tendo essa livrança sido entregue ao Banco Exequente sem se encontrar totalmente preenchida, designadamente, sem se encontrar preenchida a data de vencimento e o valor;
19. Como garantia do bom cumprimento do contrato de financiamento – denominado de operação sindicada -, através do qual o banco Exequente convencionou, juntamente com outros três bancos, a reestruturação de dividas anteriores dizendo que emprestou €.700.000,00 àquela sociedade “J..., S.A.”, teve lugar em 22/10/2012 e vigoraria pelo prazo de 13 anos, sendo que durante os primeiros 2 anos seriam pagos juros postecipadamente à taxa convencionada, passando a ser realizada a amortização de capital a partir de 2 de Dezembro de 2016.
20. A 1ª prestação para amortização de capital, no caso no montante de €.200.000,00, teria lugar em 2/12/2016 e cada uma das restantes prestações anuais e de valores crescentes, em igual dia dos meses subsequentes.
21. Nos termos do estipulado nas cláusulas 7ª, 12ª n.º2 e 13ª n.º 1 e 2 do contrato referido 19, o Banco ficou autorizado a proceder ao preenchimento da livrança logo que a devedora principal e subscritora da mesma – J..., S.A. – entrasse em incumprimento.
22. Ficou a constar no nº 2 da cláusula 13ª desse contrato e respectivo pacto de preenchimento:
“Os bancos ficam autorizados a preencher as referidas livranças nos seguintes termos:

a) Data de vencimento – posterior ao vencimento de qualquer obrigação ou obrigações que resultem para o cliente da celebração do presente contrato;
b) Valor – qualquer quantia devida pelo cliente ao abrigo do presente contrato, incluindo responsabilidades decorrentes da própria livrança”.
23. A sociedade devedora, J..., S.A., entrou em incumprimento do contrato referido em 19, tendo suspendido os pagamentos logo em 2/05/2013 – data da apresentação em tribunal do 1º PER.
24. A sociedade "J..., S. A." em 02 de Maio de 2013 requereu um primeiro PER, que correu termos no extinto ... Juízo Cível do Tribunal da Comarca ... sob o nº 2879/13...., tendo 06/05/2013 sido proferido despacho de nomeação de administrador judicial provisório – cfr. consulta electrónica dos autos em causa.
25. Constando da lista provisória os créditos reclamados, junta a esses autos pela Sr. AP, em 02/07/2013, os créditos reclamados pela “Banco 1...”, designadamente um crédito no valor global de 2.779.475,70 € proveniente de financiamentos – cfr. consulta electrónica dos autos em causa.
26. A sociedade J..., S.A. apresentou o seu 2.º PER em 28/05/2015, que correu termos no J... da 2ª Secção do Comércio do Tribunal da Comarca ... sob o nº 4579/15.... (e agora no Juízo de Comércio ... - Juiz ...), tendo sido em 01/06/2015 proferido despacho de nomeação de administrador judicial provisório;
27. E no seguimento da emissão do parecer da Sra. Administradora Judicial provisória no âmbito desse Processo de Revitalização n.º 4579/15...., foi apresentado requerimento a requerer a insolvência da devedora, J..., S.A., a qual foi declarada insolvente por sentença proferida em 28/02/2018, no âmbito do Proc. n.º 8637/15.... do Juiz ..., do Tribunal de Comércio ..., transitada em 20/03/2018– cfr. consulta electrónica dos autos de insolvência.
28. A “Banco 1...” reclamou créditos na insolvência da J..., S.A., no valor global de 4.787.532,50 €, respeitantes a Contrato de Mútuo, Contrato de Financiamento, Livrança, Garantias Bancárias, Contrato de Factoring e Saldo D.O., os quais foram reconhecidos e graduados por sentença proferida em 28/07/2022.
29. Os ora Embargantes, recorreram a um primeiro PER - processo nº 703/14.... que correu termos no anterior ... Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca ..., tendo sido em 10-02-2014, proferido despacho de nomeação de administrador judicial provisório dos devedores – cfr. anúncio cujo edital data de 11/02/2014 -  enviando a competente carta à aqui Embargada para participar nas negociações – cfr. doc. nº ... junto com a contestação.
30. No âmbito desse 1º PER dos ora Embargantes a Embargada reclamou os seus créditos no valor total de € 2.967.711,01, decorrentes de: Contrato de mútuo, contrato de financiamento, contrato de abertura de crédito em conta e livrança, que foram reconhecidos na lista provisória de credores apresentada nesses autos pelo AJP, em 30/04/2014.
31. O reconhecimento do crédito da Embargada não foi objeto de impugnação pelos Embargantes.
32. O plano em causa previa, para a Embargada, entre as demais condições de pagamento dos créditos, que o primeiro pagamento de capital e juros fosse realizado após 24 meses contados da data de trânsito em julgado da sentença de homologação.
33. Previa-se ainda nesse plano que sob o ponto vii. A) Créditos Comuns «Os credores acordam em não exigir aos Requerentes o pagamento dos créditos reclamados enquanto a devedora principal, a sociedade J... cumprir com as suas obrigações, conforme prescrito no apontado plano de recuperação.» - cfr. plano junto em 12/06/2014 ao PER que se consultou electronicamente.
34. No dia 21 de Outubro de 2014 foi proferida decisão que homologou o plano de recuperação apresentado nesses autos, confirmada pelo acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 08/01/2015.
35. Ainda na vigência deste primeiro PER (uma vez que ainda não se encontravam decorridos os 24 meses previstos no plano para o início dos pagamentos), os Embargantes apresentam-se a um 2º PER, mais propriamente em 15/02/2017 – o processo nº 1099/17...., que correu termos na Comarca ..., - Juízo de Comércio ... - Juiz ..., tendo a aqui Embargada remetido carta em 23/03/2017 para participação nas negociações – cfr. comunicação junta como doc. nº ... da contestação e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
36. Em 1/03/2017, foi proferido despacho de nomeação de administrador judicial provisório dos devedores, ora Embargantes;
37. Em 10.04.2017 foi apresentada pela SR. AJP a lista provisória de créditos, onde consta expressamente contemplado o crédito reclamado da aqui Embargada, no valor global de € 3 747 662.65 - cfr. lista provisória de credores junta com a contestação sob o doc. nº ... e que se consultou electronicamente.
38. Tais créditos foram impugnados pelos devedores – cfr. requerimento de 24-04-2017 junto ao PER sob a ref.ª ...81, impugnação essa que veio a ser indeferida, por ter sido apresentada extemporaneamente – cfr. despacho de 28/08/2017 proferido no âmbito do PER.
39. Por acórdão de 20/09/2018, transitado em julgado em 09-10-2018, foi homologado o plano de revitalização dos devedores, ora Embargantes – cfr. certidão de trânsito em julgado junta com a contestação sob o doc. nº ....
40. O plano homologado prevê, para os créditos reconhecidos da Embargada, nos termos da lista a que alude o 17-D do CIRE, o pagamento nos seguintes termos (cfr. doc. nº ...):
“A) Créditos comuns:
A.1) Exigíveis e não condicionados
i. Perdão total dos juros vencidos e vincendos, bem como de comissões ou quaisquer outras despesas contratualmente estabelecidas.
ii. Perdão de 70% (setenta porcento) do capital em dívida.
iii. Um período de carência de 12 meses após o trânsito em julgado do despacho de homologação.
iv. Pagamento dos restantes 30% da seguinte forma:
A. 66,66% em prestações de capital semestrais e sucessivas, vencendo-se a primeira 6 meses após o término do período de carência, de acordo com o seguinte mapa de pagamento anual:
Ano  % amortização     Ano      % amortização
1           0,25%                 11            7,00%
2           0,50%                 12            8,00%
3           0,75%                 13            8,00%
4           1,00%                 14            8,00%
5           1,25%                 15            8,00%
6           1,50%                 16            8,00%
7           1,75%                 17            8,00%
8           2,00%                 18            8,00%
9           3,00%                 19            8,00%
10         5,00%                 20          12,00%
 B 33,34% numa prestação final (bullit), vencendo-se seis meses após o terminus do pagamento previsto no ponto anterior.
v. Capital em dívida sujeito à verificação, quanto ao respectivo montante, da sua exigibilidade aos Devedores, designadamente, por não ter sido, entretanto, amortizado ou pago pelo devedor principal ou por não ter sido entretanto parcial ou totalmente pago por outro dos co-devedores obrigados na mesma linha dos Requerentes.
vi. As dívidas desta categoria que não sejam exigíveis na presente data e o venham a ser futuramente, ficam sujeitas à medida aqui proposta e a aplicar a partir da data em que se tornem exigíveis (créditos condicionados).
vii. O capital em divida será reduzido a cada momento em que ocorrerem pagamentos dos devedores principais ou de outros codevedores, obrigados na mesma linha dos Requerentes, sendo recalculado o valor de cada prestação a pagar. (...)”
41. Em 25/05/2020, o banco exequente remeteu aos Embargantes, que receberam a carta que datou de 25/05/2020 e que foi junta com o requerimento executivo como doc. ... e ...1, comunicando-lhes que considerava incumprido o PER que correu termos com o n.º 1099/17...., do Juízo de Comércio ... – Juiz ..., e concedendo o prazo de 15 dias para a regularização da situação.»

IV – FUNDAMENTOS DE DIREITO

A) NULIDADE DA SENTENÇA

 Os apelantes alegam que a sentença recorrida não se pronunciou sobre a factualidade vertida na P.I. de embargos ou no requerimento executivo, que discriminam, a qual, segundo alegam, também se encontrava plenamente provada, incorrendo assim em nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do disposto no artigo 615.º n.º 1, alínea d) do CPC, “ou, pelo menos, fazer incorrer a decisão no vício previsto no art.º 662º nº2 al. c) do C.P.C., por deficiência ou insuficiência da matéria de facto apurada pelo Tribunal “a quo”.
Nulidade essa que expressamente invocam e que defendem implicar a devolução do processo à 1ª instância com vista ao aditamento de tais factos.
A factualidade alegadamente omitida é a seguinte:
– Na nota de débito elaborada pelo Banco Exequente para justificar a reclamação a esse titulo de €.3.267.520,47, são contados juros à taxa de 7,266000% a partir de 17/09/2012 até 25/06/2013 na soma de €.100.102,27, e depois são contados juros à taxa de 6,480000% a partir de 26/06/2013 até 14/07/2017 na soma de €.470.486,24, e depois à taxa de 6,480000% a partir de 15/07/2017 até 19/04/2021 na soma de €.436.519,80 e ainda e a titulo de cláusula penal é contabilizado entre 25/06/2013 a 19/04/2021 à taxa de 3,0000% na soma de €.419.992,92.
– A data do encerramento da conta de abertura de crédito até ao limite máximo de €.200.000,00 celebrado em 28/03/2013 ocorreu, o mais tardar, em 28/09/2013.
–- A sociedade mutuária, no contrato de financiamento denominado de operação sindicada, não pagou a 1ª prestação para amortização do capital vencida em 2/12/2016, nem nenhuma das restantes.
– O teor da resposta que os Embargantes enviaram ao banco a propósito da comunicação que lhes foi enviada com data de 25/05/2020, ou seja, a carta que como doc. ... foi junta com a P.I. de Embargos, a saber:
–“Exmo. Senhor Administrador,
Acusamos a recepção da vossa comunicação datada de 25/05/2020, cujo conteúdo mereceu a nossa melhor atenção.
Tendo realizado buscas nos nossos antigos arquivos, não encontrámos nenhum registo de qualquer divida para com o vosso banco.
As nossas, muito antigas, responsabilidades como avalistas cambiários de sociedades comerciais, que entretanto terão pago os montantes ou, infelizmente, há mais de 3 anos entraram em definitivo incumprimento e foram declaradas insolventes, já há muito prescreveram.
Acresce dizer que não temos registo de em algum momento e dentro do prazo legal previsto na L.U.L.L., terem sido accionados os títulos cambiários que ostentavam o nosso aval cambiário.
Prescrita a obrigação cambiária extingue-se a responsabilidade cartular e meramente formal aí aposta.
Solicitamos, deste modo, a gentileza de corrigirem os vossos registos, tal como interpelámos e também solicitamos os vossos bons ofícios, no sentido de o Banco 1... fazer cessar a prestação de informação errada que a nosso respeito tem vindo a divulgar, quer interna, quer externamente, provocando graves danos reputacionais ao nosso bom nome e seriedade.
Sem outro assunto de momento, subscrevemo-nos,
Atentamente,”
Apreciando.

Estabelece o art.º 607º nº 4 do CPC:

– «Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência».
Acrescentando o art.º 608º do mesmo diploma:
– «O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (…)».
Por sua vez o art.º 615.º nº 1 al. d) fere de nulidade a sentença quando “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (…)
A omissão de pronúncia significa ausência de conhecimento ou de decisão do Tribunal sobre matérias que a lei impõe que o juiz resolva.
Verifica-se quando o Tribunal deixa de apreciar e julgar questões de facto e/ou de direito que lhe foram submetidas pelos sujeitos processuais ou que deve conhecer oficiosamente, entendendo-se por questões os problemas concretos e não argumentos mais ou menos hipotéticos, opinativos ou doutrinários.
No caso estamos perante questões de facto – matéria invocada pelos embargantes, que, na óptica destes, são essenciais com vista à procedência dos embargos.
Não estamos perante meros argumentos ou razões, mas sim de pontos de facto relevantes no quadro do litígio, concernentes aos fundamentos da execução e dos embargos.
Entendemos que, atentas as plausíveis soluções jurídicas do pleito (questões colocadas pelos embargantes e pela exequente/embargada), esta matéria de facto não poderia ser omitida, ainda que, na aplicação do direito aos factos, se optasse por uma solução jurídica para a qual esses factos se mostrassem irrelevantes.
Ou seja, a matéria de facto a considerar na sentença nunca fica prejudicada pela decisão jurídica do Tribunal de 1ª instância, até porque, entre as várias plausíveis soluções do pleito, o Tribunal de recurso pode optar por outra.
Há assim que atender a todos os factos com possível interesse para a decisão da causa, considerando as questões colocadas pelas partes e as plausíveis soluções jurídicas.
 Esta omissão e consequente nulidade, pode ser suprida por este Tribunal, nomeadamente, quando os factos a aditar se encontrem plenamente provados pelo acordo das partes ou por documento, ainda que particular, que, por não impugnado, tenha força probatória plena (art.º 662º n.º 1 do CPC), substituindo-se ao Tribunal recorrido. 
Só se justificando a baixa do processo à 1ª instância quando a matéria de facto em questão tenha de ser submetida a julgamento, ou seja, quando os meios de prova desses factos estejam sujeitos à livre apreciação do juiz.
No caso, face ao alegado pelos apelantes, os factos omitidos estão plenamente provados, ou por acordo das partes, ou por documentos que deles fazem prova plena.
Nas contra-alegações, a recorrida não rebateu a existência de tal prova plena, mas tão só a relevância desses factos para a decisão a proferir.
Vamos assim conhecer da requerida ampliação da matéria de facto.
Os factos são os acima transcritos.
Sustentando a sua pretensão, alegam os apelantes, que o primeiro facto supra elencado respeita à oposição que moveu à execução fundada no 1º titulo executivo – contrato de mútuo e fiança.
No que a este título tange, o Banco Exequente, no nº 4 do requerimento executivo, invoca que não foi paga a prestação vencida em 17/09/2012, nem qualquer uma das vencidas após aquela data, o que determinou, nos termos contratualmente acordados, o vencimento imediato de todas as responsabilidades assumidas no âmbito de tal contrato e consequente resolução.
Sustentam os apelantes que esta factualidade “foi expressamente aceite e para não mais ser retirada em nº 142 da P.I. de Embargos” (documento apresentado com a execução, junto aos autos principais de que estes são apenso).
Defendem que a inclusão desta matéria no elenco dos factos provados, tem importância, quer para melhor se entender quando começa a correr o período originário dos 5 anos de prescrição, quer para conferir se o valor total dos juros contados sobre o capital em divida se deveriam ter começado a contar em 25/07/2014, caso tivesse sido essa a data do vencimento e não pagamento da 1ª prestação, ou se o valor dos juros contados, tal como o valor da cláusula penal, teve inicio em 17/09/2012 como reclama e invoca o Banco na “explicação” das contas que apresenta na execução.
Analisados os documentos juntos aos autos e aceites pelas partes nos respectivos articulados, cremos assistir razão aos apelantes no sentido de que esta matéria tem eventual interesse para a apreciação das questões colocadas na respectiva oposição, face às plausíveis soluções de tal questão direito e, por isso, será adicionada no local próprio à matéria de facto assente. 
No tocante ao segundo facto, supra transcrito, alegam os apelantes que ele respeita ao 3º titulo executivo – livrança em branco nº ...-5 com data de emissão de 28/03/2013 e data de vencimento de 13/07/2016.
Defendem que a data do encerramento da conta de abertura de crédito até ao limite máximo de €.200.000,00 celebrado em 28/03/2013, como alegado nºs 14 e 16 da P.I. de Embargos e face à factualidade julgada provada sob os n.ºs 10, 11, 16 e 27, ocorreu, o mais tardar, em 28/09/2013.
Nos citados factos julgou-se provado:
10. Como garantia do bom cumprimento do contrato de abertura de crédito, em conta corrente, nº ... através do qual o banco Exequente convencionou a abertura de um crédito, em conta corrente até ao limite máximo de €.200.000,00, celebrado em 28/03/2013;
11. Ao qual foi atribuído o prazo de 6 meses.
16. A sociedade devedora, J..., S.A., entrou em incumprimento do contrato de abertura de conta referido em 10, tendo suspendido os pagamentos logo em 2/05/2013 – data da apresentação em tribunal do 1º PER.
17. Os Embargantes assinaram a livrança nº ..., referida em 2. c), na qualidade de avalistas da sociedade subscritora;
Dos factos em apreço decorre, em 1º lugar, que era esse o prazo do contrato de abertura de conta e que, antes do seu termo, a beneficiária da abertura do crédito entrou em incumprimento, cessando os pagamentos em 2-5-2013, data da apresentação do PER.
O PER, estando então vigente a 8ª versão do CIRE (redacção: Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro), concretamente o despacho de nomeação do administrador, apenas impede a instauração de acções ou execuções, bem como a suspensão das que estiverem pendentes contra o devedor (art.º 17º E do CIRE). Não impede o vencimento das obrigações, nem o termo dos contratos.
Pelo exposto cremos que assiste razão aos embargantes.
No tocante ao 3º facto acima descrito e que respeita ao 2º titulo dado à execução – livrança em branco nº ...-6 com data e emissão de 22/10/2012 e data de vencimento de 13/04/2021 – tal como invocado pelos embargantes em 80, 81, 82 e 83 da P.I. de Embargos e da factualidade provada 19, 20, 23 e 27, concretamente:
19. Como garantia do bom cumprimento do contrato de financiamento – denominado de operação sindicada -, através do qual o banco Exequente convencionou, juntamente com outros três bancos, a reestruturação de dividas anteriores dizendo que emprestou €.700.000,00 àquela sociedade “J..., S.A.”, teve lugar em 22/10/2012 e vigoraria pelo prazo de 13 anos, sendo que durante os primeiros 2 anos seriam pagos juros postecipadamente à taxa convencionada, passando a ser realizada a amortização de capital a partir de 2 de Dezembro de 2016.
20. A 1ª prestação para amortização de capital, no caso no montante de €.200.000,00, teria lugar em 2/12/2016 e cada uma das restantes prestações anuais e de valores crescentes, em igual dia dos meses subsequentes.
23. A sociedade devedora, J..., S.A., entrou em incumprimento do contrato referido em 19, tendo suspendido os pagamentos logo em 2/05/2013 – data da apresentação em tribunal do 1º PER.
24. A sociedade "J..., S. A." em 02 de Maio de 2013 requereu um primeiro PER, que correu termos no extinto ... Juízo Cível do Tribunal da Comarca ... sob o nº 2879/13...., tendo 06/05/2013 sido proferido despacho de nomeação de administrador judicial provisório – cfr. consulta electrónica dos autos em causa.
Bem como do alegado pela exequente embargada no seu requerimento executivo.
A mutuária desse contrato de financiamento denominado “operação sindicada”, não pagou a 1ª prestação para amortização do capital vencida em 2/12/2016, nem nenhuma das restantes.
Pelo exposto nada obsta à inserção deste facto no elenco dos factos provados.
Por último e no que respeita à resposta dos embargantes à carta enviada pela embargada e referida no ponto 41 dos factos provados, por ser matéria que não foi objecto de impugnação, constando dos autos a sua cópia e o comprovativo do seu envio por correio registado, nada impede que o seu teor seja aditado aos factos provados.
Em suma, a matéria que se pretende aditar encontra-se plenamente provada, quer por documento, que disso faz prova plena, quer pelo acordo das partes quanto a esses pontos, considerando o que alegaram nos articulados, bem pelo que mais consta do elenco dos factos assentes.
Tal matéria, atentas as plausíveis soluções de direito e especificamente as questões colocadas pelos embargantes, é susceptível de ter interesse para a decisão da causa.

Pelo exposto, aditando a matéria em questão, julgamos assente a seguinte factualidade:

«1. A embargada/exequente “Banco 1...” instaurou, em 23-06-2021, a execução para pagamento da quantia de 4 273 700,35 € (Quatro Milhões Duzentos e Setenta e Três Mil e Setecentos Euros e Trinta e Cinco Cêntimos) contra AA e BB, ora Embargantes – cfr. requerimento executivo.
2. Como título executivo juntou:
a) o documento particular denominado de contrato de mútuo e fiança com nº 135-36.000095-8, celebrado em 25-06-2012 em que são outorgantes a “Banco 1...”, a “J... SA” na qualidade de mutuária, e os ora Embargantes AA e BB, na qualidade de fiadores – cfr. doc. ... junto com o requerimento executivo que foi junto a estes autos por requerimento de 13/09/2022;
b) a livrança nº ... com data de emissão de 28/03/2013 e data de vencimento de 13/07/2016, no valor inscrito de €.267.494,47 – cujo original foi junto aos autos principais por requerimento de 22-07-2021;
c) a livrança nº ... com data de emissão de 22/10/2012 e data de vencimento de 13/04/2021, no valor inscrito de €.1.103.636,31 cujo original foi junto aos autos principais por requerimento de 22-07-2021.
3. No dia 25-06-2012 foi celebrado entre a Exequente “Banco 1...” e a “J... SA” o contrato de mútuo e fiança referido em 2. a), mediante o qual aquela entregou a esta, a título de empréstimo, por crédito na conta de depósitos à ordem, a quantia de 1.765.000,00€ que esta utilizou em proveito próprio.
4. Estipularam Exequente e a mutuária “J... SA” que, pela utilização do capital mutuado, pagaria esta juros sobre o capital em dívida, de acordo com a taxa de juros fixada na cláusula 3ª, juros esses que, em caso de mora, seriam acrescidos de uma sobretaxa de 3%, a título de cláusula penal.
5. Ficou, ainda, expressamente convencionado, na cláusula 4ª, que o empréstimo seria pago pela mutuária “J... SA” em 72 prestações mensais e sucessivas, incluindo capital e juros, no valor de €29.029,60, vencendo-se, a primeira, 25 meses após a data do contrato e as restantes em igual dia dos meses seguintes, ou no último dia do respectivo mês se neste não houver o dia correspondente.
6. Os ora Embargantes declararam constituir-se solidariamente fiadores e principais pagadores das dívidas contraídas pela mutuária, renunciando expressamente ao benefício da excussão prévia – cfr. cláusula 10ª.
7. A mutuária “J... SA” não pagou à Exequente, nem na data do respectivo vencimento, nem posteriormente, a prestação vencida em 25/07/2014, nem qualquer uma das vencidas após aquela data.
7.B - Na nota de débito elaborada pelo Banco Exequente para justificar a reclamação a esse titulo de €.3.267.520,47, são contados juros à taxa de 7,266000% a partir de 17/09/2012 até 25/06/2013 na soma de €.100.102,27, e depois são contados juros à taxa de 6,480000% a partir de 26/06/2013 até 14/07/2017 na soma de €.470.486,24, e depois à taxa de 6,480000% a partir de 15/07/2017 até 19/04/2021 na soma de €.436.519,80 e ainda e a titulo de cláusula penal é contabilizado entre 25/06/2013 a 19/04/2021 à taxa de 3,0000% na soma de €.419.992,92 (documento junto com a execução junto aos autos principais de que estes são apensos).
8. Os Embargantes assinaram a livrança nº ..., referida em 2. b), na qualidade de avalistas da sociedade subscritora;
9. Tendo essa livrança sido entregue ao Banco Exequente sem se encontrar totalmente preenchida, designadamente, sem se encontrar preenchida a data de vencimento e o valor;
10. Como garantia do bom cumprimento do contrato de abertura de crédito, em conta corrente, nº ... através do qual o banco Exequente convencionou a abertura de um crédito, em conta corrente até ao limite máximo de €.200.000,00, celebrado em 28/03/2013;
11. Ao qual foi atribuído o prazo de 6 meses.
12. Nos termos do estipulado nas cláusulas 4ª e 7ª nº 2 e 3 o Banco ficou autorizado a proceder ao preenchimento da livrança logo que a subscritora – J..., S.A. – caísse em incumprimento e a conta fosse encerrada.
13. Ficou a constar do nº 4 da cláusula 7ª desse contrato de abertura de crédito em conta corrente e respectivo pacto de preenchimento: “A livrança é domiciliada em ... e é pagável no 30º (trigésimo) dia contado da data de encerramento da conta.”
14. Tal como ficou convencionado no nº 5: “A Banco 1... poderá acrescentar ao valor da livrança o montante dos juros contados à taxa nominal anual, desde a data de vencimento do contrato até ao vencimento da livrança e esta vencerá juros à taxa legal”.
15. Mais se estipulando, no que directamente concerne aos aqui Embargantes/Executados: “O segundo e os terceiros contraentes declaram expressamente ter prestado aval na referida livrança nas condições e para os efeitos previstos no presente contrato, dando o seu consentimento ao preenchimento da mesma nos termos da presente cláusula, durante todo o período da vigência do contrato, bem como nas eventuais renovações do mesmo.”
16. A sociedade devedora, J..., S.A., entrou em incumprimento do contrato de abertura de conta referido em 10, tendo suspendido os pagamentos logo em 2/05/2013 – data da apresentação em tribunal do 1º PER.
16. A - – A data do encerramento da conta de abertura de crédito até ao limite máximo de €.200.000,00 celebrado em 28/03/2013 ocorreu, o mais tardar, em 28/09/2013.
17. Os Embargantes assinaram a livrança nº ..., referida em 2. c), na qualidade de avalistas da sociedade subscritora;
18. Tendo essa livrança sido entregue ao Banco Exequente sem se encontrar totalmente preenchida, designadamente, sem se encontrar preenchida a data de vencimento e o valor;
19. Como garantia do bom cumprimento do contrato de financiamento – denominado de operação sindicada -, através do qual o banco Exequente convencionou, juntamente com outros três bancos, a reestruturação de dividas anteriores dizendo que emprestou €.700.000,00 àquela sociedade “J..., S.A.”, teve lugar em 22/10/2012 e vigoraria pelo prazo de 13 anos, sendo que durante os primeiros 2 anos seriam pagos juros postecipadamente à taxa convencionada, passando a ser realizada a amortização de capital a partir de 2 de Dezembro de 2016.
20. A 1ª prestação para amortização de capital, no caso no montante de €.200.000,00, teria lugar em 2/12/2016 e cada uma das restantes prestações anuais e de valores crescentes, em igual dia dos meses subsequentes.
20.A - A sociedade mutuária, no contrato de financiamento denominado de operação sindicada, não pagou a 1ª prestação para amortização do capital vencida em 2/12/2016, nem nenhuma das restantes
21. Nos termos do estipulado nas cláusulas 7ª, 12ª n.º2 e 13ª n.º 1 e 2 do contrato referido 19, o Banco ficou autorizado a proceder ao preenchimento da livrança logo que a devedora principal e subscritora da mesma – J..., S.A. – entrasse em incumprimento.
22. Ficou a constar no nº 2 da cláusula 13ª desse contrato e respectivo pacto de preenchimento:
“Os bancos ficam autorizados a preencher as referidas livranças nos seguintes termos:
a) Data de vencimento – posterior ao vencimento de qualquer obrigação ou obrigações que resultem para o cliente da celebração do presente contrato;
b) Valor – qualquer quantia devida pelo cliente ao abrigo do presente contrato, incluindo responsabilidades decorrentes da própria livrança”.
23. A sociedade devedora, J..., S.A., entrou em incumprimento do contrato referido em 19, tendo suspendido os pagamentos logo em 2/05/2013 – data da apresentação em tribunal do 1º PER.
24. A sociedade "J..., S. A." em 02 de Maio de 2013 requereu um primeiro PER, que correu termos no extinto ... Juízo Cível do Tribunal da Comarca ... sob o nº 2879/13...., tendo 06/05/2013 sido proferido despacho de nomeação de administrador judicial provisório – cfr. consulta electrónica dos autos em causa.
25. Constando da lista provisória os créditos reclamados, junta a esses autos pela Sr. AP, em 02/07/2013, os créditos reclamados pela “Banco 1...”, designadamente um crédito no valor global de 2.779.475,70 € proveniente de financiamentos – cfr. consulta electrónica dos autos em causa.
26. A sociedade J..., S.A. apresentou o seu 2.º PER em 28/05/2015, que correu termos no J... da 2ª Secção do Comércio do Tribunal da Comarca ... sob o nº 4579/15.... (e agora no Juízo de Comércio ... - Juiz ...), tendo sido em 01/06/2015 proferido despacho de nomeação de administrador judicial provisório;
27. E no seguimento da emissão do parecer da Sra. Administradora Judicial provisória no âmbito desse Processo de Revitalização n.º 4579/15...., foi apresentado requerimento a requerer a insolvência da devedora, J..., S.A., a qual foi declarada insolvente por sentença proferida em 28/02/2018, no âmbito do Proc. n.º 8637/15.... do Juiz ..., do Tribunal de Comércio ..., transitada em 20/03/2018– cfr. consulta electrónica dos autos de insolvência.
28. A “Banco 1...” reclamou créditos na insolvência da J..., S.A., no valor global de 4.787.532,50 €, respeitantes a Contrato de Mútuo, Contrato de Financiamento, Livrança, Garantias Bancárias, Contrato de Factoring e Saldo D.O., os quais foram reconhecidos e graduados por sentença proferida em 28/07/2022.
29. Os ora Embargantes, recorreram a um primeiro PER - processo nº 703/14.... que correu termos no anterior ... Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca ..., tendo sido em 10-02-2014, proferido despacho de nomeação de administrador judicial provisório dos devedores – cfr. anúncio cujo edital data de 11/02/2014 - , enviando a competente carta à aqui Embargada para participar nas negociações – cfr. doc. nº ... junto com a contestação.
30. No âmbito desse 1º PER dos ora Embargantes a Embargada reclamou os seus créditos no valor total de € 2.967.711,01, decorrentes de: Contrato de mútuo, contrato de financiamento, contrato de abertura de crédito em conta e livrança, que foram reconhecidos na lista provisória de credores apresentada nesses autos pelo AJP, em 30/04/2014.
31. O reconhecimento do crédito da Embargada não foi objeto de impugnação pelos Embargantes.
32. O plano em causa previa, para a Embargada, entre as demais condições de pagamento dos créditos, que o primeiro pagamento de capital e juros fosse realizado após 24 meses contados da data de trânsito em julgado da sentença de homologação.
33. Previa-se ainda nesse plano que sob o ponto vii. A) Créditos Comuns «Os credores acordam em não exigir aos Requerentes o pagamento dos créditos reclamados enquanto a devedora principal, a sociedade J... cumprir com as suas obrigações, conforme prescrito no apontado plano de recuperação.» - cfr. plano junto em 12/06/2014 ao PER que se consultou electronicamente.
34. No dia 21 de Outubro de 2014 foi proferida decisão que homologou o plano de recuperação apresentado nesses autos, confirmada pelo acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 08/01/2015.
35. Ainda na vigência deste primeiro PER (uma vez que ainda não se encontravam decorridos os 24 meses previstos no plano para o início dos pagamentos), os Embargantes apresentam-se a um 2º PER, mais propriamente em 15/02/2017 – o processo nº 1099/17...., que correu termos na Comarca ..., - Juízo de Comércio ... - Juiz ..., tendo a aqui Embargada remetido carta em 23/03/2017 para participação nas negociações – cfr. comunicação junta como doc. nº ... da contestação e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido.
36. Em 1/03/2017, foi proferido despacho de nomeação de administrador judicial provisório dos devedores, ora Embargantes;
37. Em 10.04.2017 foi apresentada pela SR. AJP a lista provisória de créditos, onde consta expressamente contemplado o crédito reclamado da aqui Embargada, no valor global de € 3 747 662.65 - cfr. lista provisória de credores junta com a contestação sob o doc. nº ... e que se consultou electronicamente.
38. Tais créditos foram impugnados pelos devedores – cfr. requerimento de 24-04-2017 junto ao PER sob a ref.ª ...81, impugnação essa que veio a ser indeferida, por ter sido apresentada extemporaneamente – cfr. despacho de 28/08/2017 proferido no âmbito do PER.
39. Por acórdão de 20/09/2018, transitado em julgado em 09-10-2018, foi homologado o plano de revitalização dos devedores, ora Embargantes – cfr. certidão de trânsito em julgado junta com a contestação sob o doc. nº ....
40. O plano homologado prevê, para os créditos reconhecidos da Embargada, nos termos da lista a que alude o 17-D do CIRE, o pagamento nos seguintes termos (cfr. doc. nº ...):
“A) Créditos comuns:
A.1) Exigíveis e não condicionados
i. Perdão total dos juros vencidos e vincendos, bem como de comissões ou quaisquer outras despesas contratualmente estabelecidas.
ii. Perdão de 70% (setenta porcento) do capital em dívida.
iii. Um período de carência de 12 meses após o trânsito em julgado do despacho de homologação.
iv. Pagamento dos restantes 30% da seguinte forma:
a. 66,66% em prestações de capital semestrais e sucessivas, vencendo-se a primeira 6 meses após o término do período de carência, de acordo com o seguinte mapa de pagamento anual:
Ano  % amortização     Ano      % amortização
1           0,25%                 11            7,00%
2           0,50%                 12            8,00%
3           0,75%                 13            8,00%
4           1,00%                 14            8,00%
5           1,25%                 15            8,00%
6           1,50%                 16            8,00%
7           1,75%                 17            8,00%
8           2,00%                18            8,00%
9           3,00%                19            8,00%
10         5,00%                20         12,00%
 b. 33,34% numa prestação final (bullit), vencendo-se seis meses após o terminus do pagamento previsto no ponto anterior.
v. Capital em dívida sujeito à verificação, quanto ao respectivo montante, da sua exigibilidade aos Devedores, designadamente, por não ter sido, entretanto, amortizado ou pago pelo devedor principal ou por não ter sido entretanto parcial ou totalmente pago por outro dos co-devedores obrigados na mesma linha dos Requerentes.
vi. As dívidas desta categoria que não sejam exigíveis na presente data e o venham a ser futuramente, ficam sujeitas à medida aqui proposta e a aplicar a partir da data em que se tornem exigíveis (créditos condicionados).
vii. O capital em divida será reduzido a cada momento em que ocorrerem pagamentos dos devedores principais ou de outros codevedores, obrigados na mesma linha dos Requerentes, sendo recalculado o valor de cada prestação a pagar. (...)”
41. Em 25/05/2020, o banco exequente remeteu aos Embargantes, que receberam a carta que datou de 25/05/2020 e que foi junta com o requerimento executivo como doc. ... e ...1, comunicando-lhes que considerava incumprido o PER que correu termos com o n.º 1099/17...., do Juízo de Comércio ... – Juiz ..., e concedendo o prazo de 15 dias para a regularização da situação.
42. Os Embargantes, por carta registada enviada à embargada com data de 25/05/2020, junta como como doc. ... com a P.I. de Embargos, responderam:
–“Exmo. Senhor Administrador,
Acusamos a recepção da vossa comunicação datada de 25/05/2020, cujo conteúdo mereceu a nossa melhor atenção.
Tendo realizado buscas nos nossos antigos arquivos, não encontrámos nenhum registo de qualquer divida para com o vosso banco.
As nossas, muito antigas, responsabilidades como avalistas cambiários de sociedades comerciais, que entretanto terão pago os montantes ou, infelizmente, há mais de 3 anos entraram em definitivo incumprimento e foram declaradas insolventes, já há muito prescreveram.
Acresce dizer que não temos registo de em algum momento e dentro do prazo legal previsto na L.U.L.L., terem sido accionados os títulos cambiários que ostentavam o nosso aval cambiário.
Prescrita a obrigação cambiária extingue-se a responsabilidade cartular e meramente formal aí aposta.
Solicitamos, deste modo, a gentileza de corrigirem os vossos registos, tal como interpelámos e também solicitamos os vossos bons ofícios, no sentido de o Banco 1... fazer cessar a prestação de informação errada que a nosso respeito tem vindo a divulgar, quer interna, quer externamente, provocando graves danos reputacionais ao nosso bom nome e seriedade.
Sem outro assunto de momento, subscrevemo-nos,
Atentamente.”

B) DA PRESCRIÇÃO DA DÍVIDA FUNDADA NO CONTRATO DE MÚTUO E FIANÇA.

Por acórdão uniformizador de jurisprudência, proferido pelo Pleno do STJ em 30-6-2022, foi fixada a seguinte jurisprudência:

 “I – No caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do art.º 310.º al. e) do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação.”
“II – Ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do art.º 781.º daquele mesmo diploma, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo “a quo” na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas.”
 Na sua fundamentação explicita-se:
– «Importa pois aquilatar, neste momento, se a prescrição incide sobre cada uma das prestações de capital (tendo como termo inicial o vencimento dessas mesmas prestações de acordo com o plano de reembolso inicialmente gizado pelas partes) ou, no reverso, se a prescrição se reporta à integralidade da obrigação em dívida (tendo como termo inicial a data do incumprimento pelo devedor, enquanto data a partir da qual o direito podia ser exercido – art.º 306.º n.º1 1.ª parte do Código Civil).
Na hipótese dos autos, continuariam a ter um prazo pré-fixado antes da citação para a acção executiva e, seguindo tal critério, não se encontrariam prescritas parte das prestações que integravam a quantia total por via da perda de benefício do prazo – designadamente as quantias integrando prestações vencidas há menos de 5 anos, à data da interrupção da prescrição – art.º 323.º n.º1 CCiv (sem prejuízo do conteúdo da alegação do devedor/Embargante, a que já aludimos).
Desta forma, a integral procedência da prescrição deveria pressupor que as prestações de amortização, considerado o seu prazo inicial convencionado de vencimento, se encontrassem já igualmente prescritas, considerando o prazo de 5 anos, do art.º 310.º al. e) do Código Civil, na data em que a prescrição se mostrar interrompida.
Este último critério apontado tem sido seguido por alguma jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça, mas sobre o mais das Relações,[3] cabendo salientar o Ac. S.T.J. 4/5/93 Col. II/82 (Santos Monteiro) o Ac. S.T.J. 15/1/2008, revista n.º 4059/07 (Cardoso Albuquerque), in www.stj.pt e o Ac. S.T.J. 25/5/2017, revista n.º 1244/15.6T8AGH-A.L1.S2 (Olindo Geraldes, in www.direitoemdia.pt).
Outras decisões, porém, afirmam que, tendo cessado o pagamento das prestações convencionadas em determinada data, e tendo decorrido mais de cinco anos, após essa data, sem que o credor suscitasse o direito relativo à perda de benefício do prazo, ocorre a prescrição relativamente a todas as prestações, incluindo as vencidas entre a data do primeiro incumprimento e a data do exercício do direito relativo à perda de benefício do prazo.
É o que decorre dos fundamentos do Ac. S.T.J. 9/2/2021, revista n.º 15273/18.4T8SNT-A.L1.S1 (Fernando Samões), do Ac. S.T.J. 12/11/2020, revista n.º 7214/18.5T8STB-A.E1.S1 (Maria do Rosário Morgado) e do Ac. S.T.J. 27/3/2014, revista n.º 189/12.6TBHRT-A.L1.S1 (Silva Gonçalves).
Pode, todavia, apontar-se unanimidade nas apontadas decisões, em vista de afastar a aplicação do prazo prescricional ordinário, do art.º 309.º do Código Civil, à quantia resultante do vencimento antecipado das prestações, por via do exercício do direito a que se reporta o art.º 781.º do Código Civil.
Nesse sentido, pode também dizer-se que o Supremo Tribunal de Justiça tem aceite que:
- No caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do art.º 310.º al. e) do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação.
- Ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do art.º 781.º do Código Civil, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu termo “a quo” na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas.
É nesse sentido que deve actuar a presente uniformização de jurisprudência.»
Os apelantes defendem que não ocorreu qualquer circunstância interruptiva da prescrição pelo que o crédito exequendo fundado em tal contrato de mútuo e fiança se mostra prescrito.
Apreciando.
No tocante ao início do prazo prescricional estabelece o art.º 306º nº 1 do CPC que o prazo da prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido.
De acordo com o facto provado sob o nº 23. “a sociedade devedora, J..., S.A., entrou em incumprimento do contrato referido em 19, tendo suspendido os pagamentos logo em 2/05/2013 – data da apresentação em tribunal do 1º PER”.
Não existe ao nível do Processo Especial de Revitalização uma regra idêntica à contida no artigo 100.º do CIRE, que implique a suspensão dos prazos de caducidade e de prescrição durante a vigência do PER e do dito Plano[[1]].
No entanto, pode entender-se, que, nessa data, por força da entrada em juízo do PER, a embargada estava impedida de exercer o seu direito contra a mutuária, uma vez que o art.º 17.º-E do CIRE, na redacção então vigente, estabelecia que “a decisão a que se refere a alínea a) do n.º 3 do artigo 17.º-C (nomeação de administrador judicial provisório) obsta à instauração de quaisquer acções para cobrança de dívidas contra o devedor e, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, suspende, quanto ao devedor, as acções em curso com idêntica finalidade, extinguindo-se aquelas logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação.
Ou seja, que no tocante à mutuária, estava a embargada/exequente impedida de exercer o seu direito, não se tendo iniciado o prazo prescricional.
Contudo, “a proteção que decorre do art. 17º-E do CIRE, consistente na proibição de instauração de «acções para cobrança de dívidas», declarativas ou executivas, a suspensão de tais ações e a sua eventual extinção, tem como destinatário e beneficiário exclusivo a pessoa do devedor, requerente do processo especial de revitalização, mantendo-se incólumes os direitos dos credores sobre os condevedores (fiadores) e terceiros garantes”[[2]].
Assim, relativamente aos aqui embargantes, fiadores das obrigações resultantes do mútuo (facto provado sob o nºs 6 – Os ora Embargantes declararam constituir-se solidariamente fiadores e principais pagadores das dívidas contraídas pela mutuária, renunciando expressamente ao benefício da excussão prévia – cfr. cláusula 10.ª), o prazo prescricional iniciou-se em 2-5-2013, isto independentemente do que no Plano se tenha previsto no tocante a terceiros garantes da obrigação, pois estes não são parte no processo e relativamente a eles o Plano é ineficaz (art.º 217º n.º 4 do CIRE).
Uma vez iniciado o prazo prescricional este interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente (n.º 1 do art.º 323º do CC), sendo equiparado à citação ou notificação, para efeitos deste artigo, qualquer outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento do acto àquele contra quem o direito pode ser exercido (n.º 4 do citado preceito).
Igualmente se interrompe o dito prazo com o reconhecimento do direito “efectuado perante o respectivo titular por aquele contra quem o direito pode ser exercido” (art.º 325º nº 1 do CC, esclarecendo o seu n.º 2 que “o reconhecimento tácito só é relevante quando resulte de factos que inequivocamente o exprimam”.
Assente que o PER requerido pela sociedade mutuária não impediu o exercício do direito da mutuante contra os fiadores, aqui embargantes, que haviam renunciado ao benefício da excussão prévia e que, por isso, relativamente a eles, o prazo prescricional iniciou o seu curso, cumpre apreciar se, face ao que se provou sob os n.ºs 29 a 38 dos fundamentos fácticos da sentença, se deve considerar interrompida a prescrição com a reclamação por parte da embargada deste seu crédito no âmbito do primeiro PER requerido pelos ora embargantes (2014).
Não consta do elenco dos factos provados que este crédito tenha sido relacionado pelos devedores, aqui embargantes no âmbito do PER que requereram, relação essa prevista no art.º 24º nº 1 al. a), ex vi art.º 17ºC, n.º 3, al. c), ambos do CIRE então aplicável.
Se tal constasse poderíamos entender que existiria reconhecimento inequívoco do direito da embargada. Mas não consta.
Consta apenas do facto nº29 que os embargantes enviaram “a competente carta à aqui Embargada para participar nas negociações – cfr. doc. nº ... junto com a contestação”.
A carta em questão convida a embargante a participar nas negociações, mas em parte alguma refere especificamente qualquer dos créditos aqui dados à execução, ou valor dos créditos que lhe reconhecia.
Ora, este convite, nos termos abstractos que constam da carta junta como doc. nº ... da contestação, não exprime o reconhecimento do concreto direito de crédito resultante deste contrato de mútuo e fiança, nem existem outros factos que inequivocamente nos levem a considerá-lo tacitamente reconhecido, nos termos e para os efeitos previstos no art.º 325º do CC. 
O que consta é que a embargada, notificada pelo Administrador Provisório para participar nas negociações, reclamou o seu crédito, que foi reconhecido na lista provisória, sem oposição dos ora recorrentes, sendo que no âmbito desse processo foi acordado que (facto nº. 33): “Os credores acordam em não exigir aos Requerentes o pagamento dos créditos reclamados enquanto a devedora principal, a sociedade J... cumprir com as suas obrigações, conforme prescrito no apontado plano de recuperação”.
O n.º 4 do art.º 323º do Código Civil equipara à citação ou notificação, para efeitos deste artigo, qualquer outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento do acto àquele contra quem o direito pode ser exercido.
Como é consabido as reclamações no âmbito do PER são dirigidas e apresentadas ao Administrador Provisório e é este quem publica a relação provisória, não se prevendo no CIRE que a falta de impugnação dos créditos tenha outro efeito que o seu reconhecimento para efeitos de participarem nas negociações.
Assim, no âmbito deste procedimento especial, não existe norma equivalente à do nº 1 do art.º 789º do CPC (concurso de credores), que nos levasse a considerar que a situação sub judice equivale à que foi decidida no acórdão do STJ de 2-3-2021 (1429/18.3T8STB-A.E1.S1), publicado em www.dgsi.pt [[4]], pois, nesse caso, o devedor foi notificado, ou seja é-lhe dado pessoalmente conhecimento do exercício do direito pelo credor.
No âmbito desse 1º PER requerido pelos embargantes, ora recorrentes, apesar da aprovação do Plano, estes não efectuaram qualquer pagamento à embargada, pagamento que, a ter ocorrido, poderia ser interpretado como um reconhecimento do crédito da embargada.
Tudo o que se referiu quanto ao 1ª PER se aplica ao 2º PER (factos nºs 35 a 40), em cumprimento de cujo Plano também não consta ter sido efectuado pelos devedores, aqui recorrentes, qualquer pagamento à embargada.
Assim, nunca ocorreu citação ou notificação judicial dos embargantes nem por qualquer outro meio judicial lhes dado conhecimento de que a embargada contra eles pretendia exercer o seu direito de crédito.
Nem ocorreu reconhecimento expresso ou tácito, mas inequívoco, por parte dos embargantes do crédito da exequente embargada, fundada no referido contrato de mútuo e fiança que nele prestaram.
Impõe-se concluir que a totalidades das prestações vencidas em 25-6-2013 – data que decorre da liquidação efectuada pela embargante e constante do facto n.º 7B, bem como dos factos 24 e 25 (art.º 780º nº 1 do CC na sequência da perda do benefício do prazo previsto no art.º 780º do CC) – ou, como entendemos, em razão da perda do benefício do prazo não ser extensível aos terceiros garantes da obrigação (art.º 782º do CC), a partir da data em que não pagou a 1ª prestação nem as seguintes (art.º 781º do CC), constante do facto nº 7 (2014), a prescrição relativamente a todas as prestações então vencidas, cujo prazo é de 5 anos, já tinha ocorrido em 2019.
Consequentemente, sendo a presente execução instaurada em 2021, quando os executados foram citados para os seus termos já se mostrava decorrido o prazo prescricional.
Invocada pelos embargantes a prescrição, temos de considerar operante esta excepção peremptória e consequentemente extinto o crédito exequendo fundado no mútuo bancário, cujo pagamento os embargantes garantiram.

C) DA PRESCRIÇÃO DOS CRÉDITOS EXEQUENDOS FUNDADOS NAS LIVRANÇAS DADAS À EXECUÇÃO

C.1.  Da livrança nº ..., no valor inscrito de €.267.494,47, com data de emissão de 28-03-2013 e data de vencimento de 13/07/2016.

Atento o disposto no art.º 70.º, aplicável às livranças por força do disposto no art.º 77º e aos avalistas ex vi art.º 32º, todos da LULL, as acções contra a sociedade subscritora da livrança e contra os avalistas aqui recorrentes, prescrevem no prazo de três anos contados da data do seu vencimento.
Assim, independentemente do preenchimento abusivo que vem alegado e a seguir será apreciado, sempre todos os direitos de “acção” contra os avalistas, aqui recorrentes estariam prescritos, salvo ocorrendo causa interruptiva, no caso a decorrente do primeiro e segundo PER apresentados pelos embargantes.
Neste conspecto vale o que anteriormente referimos a propósito do crédito fundado no contrato de mútuo com fiança, considerando-se:
– Em primeiro lugar, a apresentação de PER por parte da sociedade subscritora da letra não era impeditiva do preenchimento da livrança e, se relativamente a esta sociedade, por força do PER e do Plano homologado, a credora, aqui recorrida, estava impedida de accionar a livrança, não o estava relativamente aos avalistas, terceiros relativamente a esse procedimento, que “tem como destinatário e beneficiário exclusivo a pessoa do devedor, requerente do processo especial de revitalização, mantendo-se incólumes os direitos dos credores sobre os condevedores (fiadores) e terceiros garantes”.
Aliás, a considerar-se a data de vencimento aposta na letra, já não estava em vigor qualquer Plano, pois que, no segundo PER requerido pela sociedade subscritora, não foi logrado qualquer acordo (não foi aprovado Plano de pagamentos) e o Administrador provisório formulou Parecer no sentido de ser declarada a insolvência dessa sociedade, como veio a suceder (cfr. factos provados sob os n.ºs 25, 26 e 27).
– Em segundo lugar, relativamente aos PER requeridos pelos avalistas, aqui recorrentes, não consta dos factos provados que este crédito tenha sido indicado pelos Requerentes, aqui recorrentes, nem que tenha ocorrido qualquer pagamento à recorrida, pelo que não ocorreu reconhecimento do direito com efeito interruptivo da prescrição. Acrescendo que, no âmbito desses procedimentos não foi efectivada   citação, notificação ou acto equiparável, por meio do qual fosse dado conhecimento aos devedores do exercício do direito pelo credor. Assim, também não ocorreu interrupção do prazo prescricional.
Acresce que os embargantes, aqui recorrentes, invocaram o preenchimento abusivo desta livrança, sustentando que, de acordo com o pacto de preenchimento se deverá considerar uma data de vencimento anterior.
Decorre dos factos provados sob os nºs 8º a 11º, que os embargantes assinaram a livrança nº ... na qualidade de avalistas da sociedade subscritora. A livrança foi entregue ao Banco Exequente sem se encontrar totalmente preenchida, designadamente, sem se encontrar preenchida a data de vencimento e o valor, como garantia do bom cumprimento do contrato de abertura de crédito, em conta corrente, até ao limite máximo de €.200.000,00, celebrado em 28/03/2013, pelo prazo de 6 meses.
Decorre ainda dos factos provados sob os nºs 12 e 15º, que, nesse contrato de abertura de conta corrente, foi acordado, conforme cláusulas 4ª e 7ª nº 2 e 3, que o Banco ficava autorizado a proceder ao preenchimento da livrança logo que a subscritora - J..., S.A. caísse em incumprimento e a conta fosse encerrada. Sendo que do nº 4 da cláusula 7ª desse contrato de abertura de crédito em conta corrente e respectivo pacto de preenchimento consta expressamente: “A livrança é domiciliada em ... e é pagável no 30º (trigésimo) dia contado da data de encerramento da conta.” Tal como ficou convencionado no nº 5: “A Banco 1... poderá acrescentar ao valor da livrança o montante dos juros contados à taxa nominal anual, desde a data de vencimento do contrato até ao vencimento da livrança e esta vencerá juros à taxa legal”. Mais se estipulando, no que directamente concerne aos aqui Embargantes/Executados: “O segundo e os terceiros contraentes declaram expressamente ter prestado aval na referida livrança nas condições e para os efeitos previstos no presente contrato, dando o seu consentimento ao preenchimento da mesma nos termos da presente cláusula, durante todo o período da vigência do contrato, bem como nas eventuais renovações do mesmo.”
Provou-se, sob o n.º 16, que “a sociedade devedora, J..., S.A., entrou em incumprimento do contrato de abertura de conta corrente, referido em 10, tendo suspendido os pagamentos logo em 2/05/2013 – data da apresentação em tribunal do 1º PER.
E sob o nº 16.A, que “a data do encerramento da conta de abertura de crédito até ao limite máximo de €.200.000,00 celebrado em 28/03/2013 ocorreu, o mais tardar, em 28/09/2013”.
Assim, para respeitar o pacto de preenchimento, a livrança deveria ter sido preenchida com a data de vencimento para o trigésimo dia posterior ao encerramento da conta, apenas podendo contabilizar juros à taxa nominal anual contratualizada até essa data (vencimento da letra). A partir do vencimento da letra os juros seriam contabilizados à taxa legal.
O preenchimento é abusivo na medida em que não respeitou a data acordada no pacto de preenchimento – é pagável no 30º (trigésimo) dia contado da data de encerramento da conta – e foram contabilizados juros, integrados no valor da livrança, que o não teriam sido caso fosse respeitado pacto de preenchimento
Efectivamente, não estamos perante um daqueles casos em que a possibilidade de preenchimento é deixada na disponibilidade do credor (quando este entender).
Neste caso foi concretamente estipulada a data do vencimento da livrança, assim como a fórmula do cálculo dos juros até essa data de vencimento.
Estipulação que não foi observada pelo Banco credor.
A violação de acordos firmados entre as partes, em especial do chamado “pacto de preenchimento”, conduz à inexigibilidade da obrigação nos termos em que é exigida, isto é, pela positiva, a obrigação é exigível nos termos que sejam conformes ao Direito[[5]].
O caso em apreço não encontra respaldo no art.º 10º da LULL (a não ser por argumento “a contrario sensu”), porque a livrança não saiu das relações imediatas, podendo assim ser oposto ao beneficiário da promessa de pagamento a inobservância do acordo de preenchimento.
Foi alegado e provado o preenchimento abusivo pelo Banco embargado, como transcorre da factualidade provada acabada de referir. Por isso, os embargantes/recorrentes, na sua qualidade de avalistas, podem opor ao Banco embargado, portador imediato da livrança, a falta de observância do pacto de preenchimento [[6]].
Tem-se entendido que o preenchimento abusivo não acarreta invalidade do título, no caso a livrança, mas apenas a sua redução aos termos desse acordo de preenchimento, ou seja a redução do capital inscrito (cfr., neste sentido, o Acórdão do STJ de 28/4/2016, proc. 1106/12.9YYPRT-B.P1.S1) ou a alteração da data de vencimento de acordo com o que fora acordado (veja-se a este propósito o acórdão do STJ de 21-4-2022, relatado pela Excelentíssima Conselheira Catarina Serra no processo 3941/20.5T8STB-A.E1.S1).
Efectivamente, como se refere neste último acórdão, apesar da questão da prescrição do direito cartular não se dever confundir com a questão do preenchimento abusivo da data de vencimento da obrigação cartular no caso de livrança incompleta, certo é que “as duas questões surgem frequentemente “entrelaçadas”, porque o (eventual) preenchimento abusivo tem repercussões na contagem do prazo de prescrição do direito: esta contagem inicia-se na data que deveria ter sido aposta na livrança como data de vencimento e não na data que foi (indevidamente) aposta”. (realce nosso)
Face à factualidade provada, estamos perante um preenchimento abusivo desta livrança, no tocante à data de vencimento, que deveria ter sido a acordada nas cláusulas insertas no contrato, no caso e considerando o que se provou sob o nº 16 (encerramento da conta o mais tardar em 28-9-2013) e o inserto na cláusula 7ª, nº 4 (é pagável no 30º (trigésimo) dia contado da data de encerramento da conta), a data de vencimento teria de ser, o mais tardar, para 28-10-2013.
Em consequência também o preenchimento do valor é abusivo, já que o valor a inscrever na livrança só poderia compreender os juros contabilizados até à data do seu vencimento (28-10-2013) e não o que foi aposto na livrança que compreende juros contabilizados até 13-7-2016 (data de vencimento abusivamente aposta na livrança).
Assim, considerando o preenchimento abusivo desta livrança no que toca à data do seu vencimento, por violar expressamente o pacto de preenchimento (ver facto nº 15), a obrigação cartular emergente do aval prestado pelos embargantes relativamente a esta livrança considera-se prescrita em 28-10-2016.
Destarte, considerando que a livrança prescrita não pode, em princípio, constituir título executivo como documento particular contra os avalistas da mesma – ver entre outros os acórdãos do TRP de 26-5-2015 (665/13.3TBLSD-A.P1) e do TRL de 7-3-2019 (7162/17.6T8SNT-A.L1-2), publicados em dgsi.pt –, a prescrição extingue o crédito exequendo titulado por tal livrança.
Mesmo que se tivesse alegado e provado a existência de uma fiança subjacente ao aval prestado (ver os acórdãos citados no parágrafo anterior), sempre o montante inscrito na livrança se teria de reduzir ao que era devido em termos de capital e juros contabilizados até à data de vencimento, que lhe deveria ter sido aposta em cumprimento do pacto de preenchimento.
Como já referimos, iniciada prescrição, o seu prazo não se suspende nem se interrompe, salvo nos casos previstos na lei, dando-se aqui por reproduzido tudo quanto supra se referiu a propósito do crédito titulado por contrato de mútuo.
Pelo exposto, acolhemos as conclusões dos apelantes considerando-se extinto, por prescrição, o direito de crédito fundado na supra referida livrança.

C.2 - Da livrança nº ..., no valor de €.1.103.636,31, com data de emissão de 22-10-2012 e data de vencimento de 13-04-2021.
Resulta dos factos assentes sob os nºs 19 a 22 que esta livrança, avalizada pelos embargantes, aqui recorrentes, foi entregue ao Banco exequente, aqui recorrido, “como garantia do bom cumprimento do contrato de financiamento – denominado de operação sindicada – através do qual o banco Exequente convencionou, juntamente com outros três bancos, a reestruturação de dividas anteriores dizendo que emprestou €.700.000,00 àquela sociedade “J..., S.A.”, teve lugar em 22/10/2012 e vigoraria pelo prazo de 13 anos, sendo que durante os primeiros 2 anos seriam pagos juros postecipadamente à taxa convencionada, passando a ser realizada a amortização de capital a partir de 2 de Dezembro de 2016”.
A 1ª prestação para amortização de capital, no caso no montante de €.200.000,00, teria lugar em 2/12/2016 e cada uma das restantes prestações anuais e de valores crescentes, em igual dia dos meses subsequentes.
A sociedade mutuária, no contrato de financiamento denominado de operação sindicada, não pagou a 1ª prestação para amortização do capital, vencida em 2/12/2016, nem nenhuma das restantes (facto nº 20.A)
Sendo que, no facto nº 23, se provou que “A sociedade devedora, J..., S.A., entrou em incumprimento do contrato referido em 19, tendo suspendido os pagamentos logo em 2/05/2013 – data da apresentação em tribunal do 1º PER”.
Nos termos desse contrato de financiamento (cláusulas 7ª, 12ª n.º2 e 13ª n.º 1 e 2) o Banco exequente, aqui recorrido, ficou autorizado a proceder ao preenchimento da livrança logo que a devedora principal e subscritora da mesma – J..., S.A. – entrasse em incumprimento.

Mais se estabelecendo nesse contrato (cláusula 13ª n.º 2):

a) Data de vencimento – posterior ao vencimento de qualquer obrigação ou obrigações que resultem para o cliente da celebração do presente contrato;
b) Valor – qualquer quantia devida pelo cliente ao abrigo do presente contrato, incluindo responsabilidades decorrentes da própria livrança”.
Defendem os apelantes que há preenchimento abusivo da livrança, porquanto a data de vencimento aposta pela exequente, aqui recorrida, nesta livrança, visou apenas impedir a prescrição do seu crédito contra os embargantes.
Sustentam, em suma, que, “uma liberdade total na inserção das datas de emissão e de vencimento de uma livrança subscrita em branco, permitiria ao credor defraudar os interesses públicos e do devedor, que presidem ao instituto da prescrição dos créditos cambiários, proporcionando a criação de direitos de crédito imprescritíveis – o que é inadmissível”.
Num recente acórdão do STJ, datado de 10-11-2022 e proferido no processo 250/21.6T8OER-A.L1.S1, entendeu-se o contrário, constando do seu sumário:
– «Não tendo sido acordado diversamente, é direito potestativo do portador preencher a livrança com qualquer data posterior ao vencimento da obrigação subjacente, nomeadamente quando o vencimento decorre da insolvência da subscritora».
Nele se cita o acórdão desse mesmo STJ de 06.09.2022, (processo 3940/20.7T8STB-A.E1.S1), consultável em www.dgsi.pt, o qual, no entanto, não tem por base situação idêntica (anterior insolvência da subscritora).
Efectivamente, no presente caso, tal como no supra citado (Ac. de 10-11-2022), ocorreu insolvência da subscritora anos antes da data aposta como sendo a do vencimento da livrança.
Concretamente, no nosso caso, a insolvência, foi declarada em 28-2-2018 e a data de vencimento aposta pela exequente/recorrida na livrança é de 13-04-2021.   Sendo que o incumprimento que autorizava o imediato preenchimento da livrança, já ocorrera em 2-05-2013 (facto n.º 23).
No acórdão do STJ de 19-6-2019 (1025/18.5T8PRT.P1.S1)[7], situação em que a livrança ainda não se encontrava preenchida quanto à data, mas tinha ocorrido insolvência da subscritora, partiu-se do princípio que apenas a obrigação causal ou subjacente se tinha vencido com tal declaração de insolvência, defendendo-se:
– (…)   Ora estando assente que a livrança avalisada pela autora ainda não foi preenchida pelo credor, a mesma não pode valer como título cambiário, nem o aval como tal. Quanto à questão de saber se apesar da ineficácia da “livrança” qua tale é possível reconhecer que a obrigação do avalista, enquanto tal, está prescrita e por via disso impor ao credor, portador da livrança em branco e ainda não preenchida, a obrigação de a não vir a preencher, entendemos, tal como foi feito no acórdão recorrido, que não será legal decretar essa prescrição em abstracto, ainda mais quando existe um pacto de preenchimento.
A questão de saber se o início de contagem do prazo de prescrição de três anos, previsto no art. 70º, nº 1, da LU (ex vi art. 77º da LU) se afere em função da data de vencimento inscrita na livrança ou com base no vencimento da obrigação causal, tem sido respondida em sentido afirmativo da primeira proposição pela jurisprudência reiterada deste Supremo Tribunal (cfr. entre muitos outros, os acórdãos de 12/11/2002 (proc. nº 3366/02), de 30/09/2003 (proc. n.º 2113/03), de 29/11/2005 (proc. nº 3179/05), de 09/02/2012 (proc. n.º 27951/06.6YYLSB-A.L1.S1), de 19/10/2017 (proc. n.º 1468/11.5TBALQ-B.L1.S1), consultáveis em www.dgsi.pt), não havendo razões justificativas para nos afastarmos desta orientação consolidada. O acórdão recorrido nesta parte secundou este entendimento que, como se disse, não há motivos ponderosos para deixar de seguir. Improcede pois nesta parte a pretensão dos recorrentes de ver reconhecida a prescrição da sua hipotética obrigação cambiária enquanto avalista.
Quanto à questão de saber se o portador da livrança em branco pode apor nesta uma qualquer data de vencimento, enquanto não tiver decorrido o prazo de prescrição da obrigação causal, a resposta depende do que tiver sido acordado no pacto de preenchimento. Ora como bem se observa no acórdão recorrido a recorrente subscreveu o pacto de preenchimento da livrança e só em presença do preenchimento efectivo da livrança e dos demais circunstancialismos, se poderá aferir se tal preenchimento é conforme ao pactuado, interpretado de acordo com os princípios que regem a interpretação das declarações contratuais (art.º 236 seg do CC) temperadas com o principio da boa fé (art.º 227º e 239º do CC). No caso tal ainda não sucedeu e apesar da recorrida sustentar que tem o direito de o fazer, só quando o fizer se poderá aferir se o fez em conformidade com o pacto e dentro dos limites da boa fé ou se o preenchimento se revela abusivo e consequentemente ilícito. Por ora e face à materialidade assente não é possível formular qualquer juízo, pelo que nesta parte improcede também a pretensão da recorrente.»
Contudo e pronunciando-se quanto à cláusula de preenchimento, em tudo idêntica à do presente caso, refere-se:
– «(…) Na verdade e como bem se demonstra no acórdão recorrido a cláusula em apreço não estabelece uma obrigação perpétua ou sem prazo determinável porquanto «a obrigação cambiária mostra-se delimitada pela relação causal e pelas suas vicissitudes e o preenchimento do título por parte do portador, nomeadamente quanto ao vencimento, não pode deixar de lhe estar subordinada, podendo, em última instância, ser esse preenchimento em termos temporais ser sindicado em sede de abuso de direito.
Vale, pois por dizer, que o preenchimento não pode ocorrer ad eternum e, sequencialmente, não se pode falar em obrigação perpétua(realce nosso)
Do exposto decorre que o posicionamento jurisprudencial que se tem por “consolidado” nesta matéria, embora reconheça que o preenchimento não pode ocorrer ad eternum, remete-nos sempre para o instituto do abuso de direito e raramente o mero decurso do tempo tem bastado para se considerar o exercício do direito abusivo, a não ser quando susceptível de criar na contraparte a expectativa legítima de que o direito não mais será exercido[[8]].  
Em nosso entender não existe qualquer interesse legítimo de protecção do credor quando há muito se venceu a dívida subjacente à emissão da livrança em branco (quanto à data de vencimento e quanto ao valor), que garantia o seu pagamento.
Deixar nas mãos do credor, titular da livrança, a indicação da data de vencimento da livrança para quando lhe aprouver (embora tal não conste do pacto de preenchimento), mesmo anos após a insolvência da subscritora, é fomentar a incerteza do comércio jurídico, que o instituto da prescrição precisamente visa combater.
Esta livrança tinha como relação causal ou subjacente um “contrato de financiamento”, celebrado em 2012, resultante de uma operação de reestruturação de dívidas anteriores, sendo que os juros e a amortização do capital seriam pagos em prestações.
A subscritora entrou em incumprimento, suspendendo os pagamentos com a apresentação do primeiro PER em 2-05-2013.
A 1ª prestação para amortização de capital, no montante de €.200.000,00, teria lugar em 2/12/2016 e cada uma das restantes prestações anuais e de valores crescentes, em igual dia dos meses subsequentes (facto nº 20). A mutuária (subscritora da livrança e em benefício de quem o aval foi prestado) não pagou a prestação vencida em 2-12-2016 nem nenhuma das restantes.
Assim, nos termos do pacto de preenchimento (facto nº 21), o Banco credor, aqui recorrido, ficou autorizado a preencher a livrança logo que a subscritora entrasse em incumprimento, sendo que, no caso em apreço, como resulta da factualidade provada, a sociedade subscritora, com a apresentação do primeiro PER e suspensão dos pagamentos, já em 2013 perdera o benefício do prazo.
O advérbio “logo”, constante do clausulado do contrato (fica autorizado a preencher a livrança logo que a subscritora entrasse em incumprimento do contrato) significa “imediatamente”.
 Contudo, desse pacto de preenchimento apenas resulta que o Banco, aqui recorrido, estava autorizado a preencher. Não há uma imposição de preenchimento nessa data, nem dele consta uma data de vencimento, como sucedeu no caso da livrança analisada supra (livrança nº ...).
Com a declaração de insolvência, por força do art.º 91 do CIRE, vencem-se todas as dívidas do insolvente (salvo as aí especificamente contempladas com outras regras).
A jurisprudência analisada, se bem a compreendemos, distingue entre obrigação causal ou subjacente, que se venceria imediatamente com a insolvência, e a obrigação cartular (emergente da livrança e que dela se autonomizou), cujo vencimento já não ocorreria com a insolvência, mas apenas com o preenchimento pelo credor da data de vencimento, deixando ao critério deste apor-lhe uma data de vencimento posterior, inclusivamente reclamar o seu crédito na insolvência com base no crédito subjacente (neste caso contrato de mútuo) e, posteriormente, preencher a livrança para exigir o pagamento, já não à insolvente, mas aos seus garantes.
Sucede que o art.º 91º do CIRE não faz distinção entre dívidas cartulares e não cartulares. Reporta-se apenas ao vencimento das dívidas do insolvente por efeito da declaração de insolvência, excepcionando alguns casos, que não os créditos cartulares.
Acresce que o art.º 43º da LULL, aplicável às livranças por força do disposto no art.º 77º e devidamente adaptado, estabelece que o portador de uma livrança pode exercer os seus direitos de acção contra o subscritor e outros co-obrigados, mesmo antes do vencimento, nos casos de insolvência do subscritor (…). E no art.º 44º, também aplicável às livranças, estabelece-se que: “No caso de falência declarada do sacado, quer seja aceitante, quer não, bem como no caso de falência declarada do sacador de uma letra não aceitável, a apresentação da sentença de declaração de falência é suficiente para que o portador da letra possa exercer o seu direito de acção.
O que, conjugado com o disposto no art.º 76º da LULL, do qual resulta que a omissão na livrança da data de vencimento pode ser suprida (não afecta a validade do título), permite concluir que nada obsta, antes se impõe, que a livrança em questão se considere vencida, pelo menos, na data em que foi declarada a insolvência da sociedade subscritora (28-02-2018 – facto n.º 27), sendo certo que o Banco, aqui recorrido, já estava autorizado a efectuar tal preenchimento desde 2-05-2013 (cfr. facto n.º 23), ou seja, quase 5 anos antes, e não o fizera.
Em suma, entendemos que, por força do disposto no art.º 91º do CIRE, a livrança, que há muito poderia ter sido preenchida, por já se mostrarem verificados os respectivos pressupostos constantes do pacto de preenchimento ((incumprimento do contrato de financiamento), se deve considerar vencida ope legis na data da insolvência.
É essa a data em que, por força da Lei e independentemente do pacto de preenchimento (que aliás nada dispõe em contrário) a livrança se deve considerar vencida e a partir da qual se conta o prazo da prescrição, que é de três anos.
A aposição de data posterior à declaração de insolvência, quando há cerca de 5 anos se verificavam os pressupostos do seu preenchimento, pactuado entre as partes, deve considerar-se ineficaz e abusiva.
Inexistindo posterior reconhecimento do direito ou causa interruptiva desse prazo, a prescrição verificou-se em 28-2-2021, ou seja, antes da citação para os termos da execução.
Consequentemente também o crédito exequendo fundado na livrança nº ... se considera extinto por prescrição.
*
Face ao exposto, acolhendo-se as doutas conclusões dos apelantes, impõe-se revogar a sentença recorrida.

V - DELIBERAÇÃO

Nestes termos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Guimarães em julgar procedente a apelação, revogando a sentença recorrida e, em sua substituição, julgam os embargos procedentes e extintos os créditos exequendos por prescrição.
Custas pela recorrida.
Guimarães, 20-04-2023

Eva Almeida
Ana Cristina Duarte 
Alexandra Rolim Mendes                                        


[1] Acórdão do TRL de 27-1-2016 (213/14.8TTFUN.L1-4), in www.dgsi.pt
[2] Acórdão desta Relação de 17-10-2019, relatado pelo Desembargador Alcides Rodrigues no processo 7567/15.7T8VNF-A.G1.
[3] Em cujo sumário se pode ler, que “A reclamação do crédito pelo credor em processo de execução fiscal instaurado contra o devedor constitui meio eficaz de interrupção do prazo prescricional.
[4] Em cujo sumário se pode ler, que “A reclamação do crédito pelo credor em processo de execução fiscal instaurado contra o devedor constitui meio eficaz de interrupção do prazo prescricional.
[5] Entre outros ver Ac. do STJ de 21-4-2022 (3941/20.5T8STB-A.E1.S1) in www.dgsi.pt (relatado pela Conselheira Catarina Serra)
[6] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25.05.2017 (Proc. 9197/13.9YYLSB-A.L1.S1): “IV. Intervindo no pacto de preenchimento e estando o título no domínio das relações imediatas, o executado/embargante/avalista pode opor ao exequente/embargado a violação desse pacto de preenchimento. V - No caso, o avalista pode opor ao credor exequente as excepções no que concerne ao preenchimento abusivo da livrança (…)”.
Bem como, o Acórdão de 23.9.2010 – Proc. 4688-B/2000.L1.S1,entre muitos outros.
[7] Publicado em www.dgsi.pt
[8] Caso do acórdão do STJ de 5-6-2018, relatado no processo 10855/15.9T8CBR-A.C1.S1, pelo Excelentíssimo Conselheiro Henrique Araújo,