Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
447/18.6T8GMR.G1
Relator: MARIA DOS ANJOS NOGUEIRA
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
DOCUMENTO AUTÊNTICO
PROVA TESTEMUNHAL
DOCUMENTO PARTICULAR
CONFISSÃO
LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO PASSIVO
RESPOSTAS CONTRADITÓRIAS
SIMULAÇÃO
TERCEIRO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/09/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: APELAÇÃO IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
I – O documento autêntico garante o que tiver sido praticado pela entidade documentadora, ou seja, os factos que nele são atestados com base nas suas próprias percepções. mas não garante, nem pode garantir, que tais factos correspondem à verdade.
II – Numa situação de litisconsórcio necessário passivo, ao não se ter verificado confissão de todos os litisconsortes, a confissão isolada de cada um é objecto de livre apreciação pelo Tribunal, nos termos do art. 353.º, n.º 2, in fine, do Cód. Civil
III - Existe contradição quando dois ou mais segmentos da resposta ou duas ou mais respostas conjugadas entre si são incompatíveis, no sentido de que a verificação de uma determinada realidade de facto exclui a outra.
IV - Com o intuito de enganar terceiros as partes pretendem, criando uma aparência jurídica, ludibriar todos os terceiros externos à mancomunação, levando-os a acreditar que a vontade manifestada é realmente querida.
V - O terceiro, no tocante ao negócio simulado e para efeitos de arguição da respectiva nulidade, é aquele que não interveio no acordo simulatório, nem representa por sucessão quem aí participou, embora possa figurar como parte representada no negócio simulado.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I Relatório

V. N. e mulher, M. M., intentaram acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra A. F. e mulher, O. F., E. M. e M. P., estes últimos por si e em representação, na qualidade de sócios, da extinta sociedade X–Imobiliária, L.da, pedindo:

a) se declare e condene os RR. a reconhecer que é nulo e de nenhum efeito, por ser simulado, o contrato de mútuo com hipoteca a que se alude no art.º 12º da petição inicial e que teve por objecto o prédio referido no art. 1º do mesmo articulado;
b) na hipótese de se entender que o contrato de mútuo com hipoteca referido na alínea anterior é válido, que os RR. sejam condenados a reconhecer que esse mesmo empréstimo foi pago aos 1ºs RR. através dos bens e valores que o 2º R. lhes entregou, tal como se alega no art.º 29º e 35º da petição;
c) no caso da al. a) e b) procederem, condenar os RR. a restituir aos AA. o prédio melhor identificado no anterior art. 1º, totalmente livre de pessoas e bens, nomeadamente, quanto à situação jurídica e ao respetivo registo que foi objecto daquele contrato nulo e simulado, cancelando os registos efectuados, nomeadamente, repondo o mesmo (registo) em nome dos autores e cancelando a respectiva hipoteca;
d) no caso das als. a) e b) procederem, condenar os RR. a absterem-se da prática de quaisquer actos lesivos do direito de propriedade e posse dos AA. sobre o prédio identificado no art. 1º da petição inicial;
e) se assim não se entender, que os RR. sejam condenados a reconhecer que o mútuo com hipoteca referido na alínea a) deve ser reduzido para a quantia de cento e setenta e cinco mil euros, por ter sido esse o valor efetivamente entregue pelos 1ºs RR. ao 2º R. E. M., como representante da X, no acto da respectiva escritura.
Alegam para tanto, e em síntese, que, em 10 de Novembro de 2003, foi outorgada uma escritura de mútuo com hipoteca, através da qual os 1ºs RR. declararam emprestar à X 350.000,00 euros, a pagar no prazo de cinco anos, sem juros, fazendo os RR. constar que a referida sociedade tinha recebido, no acto e naquela data, a totalidade do empréstimo, o que não era verdade, simulando, em conluio, os RR. dificuldades económicas (que na altura não existiam) para convencer os AA. a outorgar a hipoteca do prédio de que são proprietários, como o fizeram.
Referem que, por outro lado, o que pretendiam era garantir a quota parte que o 1º R. A. F. pretendia pagar para entrar na sociedade civil que formou com o 2º R. E. M. para investir e vender os lotes do prédio dos AA., como tinham combinado fazer e que a X não recebeu qualquer montante desse intitulado empréstimo.
Mencionaram, ainda, que entre 20 de Novembro de 2003 e 27 de Julho de 2005, o 2º R. E. M. pagou aos 1ºs RR. cerca de 650.958,00 € para pagamento dos empréstimos existentes, incluindo o mútuo com hipoteca referido, mencionando ter apenas entregue a quantia de 175.000,00 €, correspondente a metade do valor que hipoteca constituída.
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Os RR. A. F. e mulher, O. F., contestaram, excepcionando a ilegitimidade dos 2ºs RR., e impugnando os factos alegados pelos AA.
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Os AA. requereram a condenação dos RR. como litigantes de má fé.
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O R. E. M., pessoalmente citado, não contestou a acção.
A R. M. P. foi citada por editais e não contestou nem se fez representar por advogado.
Foi citado o Ministério Público, em sua representação.
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Dispensou-se a realização da audiência prévia; proferiu-se despacho saneador, declarando-se a ilegitimidade dos RR. E. M. e M. P., enquanto demandados a título pessoal, tendo sido absolvidos da instância; foi identificado o objecto do litígio e foram enunciados os temas da prova.
A R. M. P. e o R. E. M., entretanto, juntaram procuração forense, constituindo mandatário.
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Foi realizada a audiência final, julgando-se a acção parcialmente procedente, tendo-se, consequentemente:

- declarado a nulidade, por simulação, do contrato de mútuo com hipoteca pelo valor declarado de 350.000,00 €, e válido o contrato dissimulado de mútuo com hipoteca pelo valor de 175.000,00 €;
- condenado os RR. a reconhecer que esse empréstimo foi pago;
-ordenado o cancelamento da inscrição registal da hipoteca realizada pela Apresentação 36 de 2004/04/07 sobre o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o número …/20130305, freguesia de ..., inscrito na matriz no art.º …º da união de freguesias de …, ... e Outiz;
- absolvido os RR. do demais peticionado.
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II- Objecto do recurso

Não se conformando com a decisão proferida vieram os 1.ºs RR. A. F. e O. F., interpor recurso, juntando, para o efeito, as suas alegações, e apresentando, a final, as seguintes conclusões:

1. Por douta Sentença proferida em 14 de Janeiro de 2022 pelo Juízo Central Cível de Guimarães, no Processo n.º 447/18.6T8GMR, o Julgador de 1ª Instância decidiu:
1.1. declarar a nulidade, por simulação, do contrato de mútuo com hipoteca pelo valor declarado de 350.000,00 €, e válido o contrato dissimulado de mútuo com hipoteca pelo valor de 175.000,00 €;
1.2.condenar os RR. a reconhecer que esse empréstimo foi pago;
1.3.ordenar o cancelamento da inscrição registral da hipoteca realizada pela Apresentação 36 de 2004/04/07 sobre o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de ……/20130305,freguesiade..., inscrito na matriz no art.º …º da união de freguesias de …, ... e …;
1.4. absolver os RR. dos demais peticionado.
2. Ora, desta decisão recorrem os Réus, ora Recorrentes, por dela não concordarem, tendo o presente Recurso como objeto o teor da douta Sentença acima identificada.
3. As questões que o Tribunal a quo apreciou e decidiu são as seguintes:
3.1. Da nulidade, por simulação, do contrato de mútuo com hipoteca;
3.2. Da realização do negócio dissimulado e da sua validade;
3.3. Do apuramento do montante do valor mutuado e do seu pagamento;
3.4. Da litigância de má-fé dos 1ºs Réus (ora Recorrentes).
4. Ora, salvo o devido respeito, e atendendo aos depoimentos de parte dos Réus, à prova documental e à prova testemunhal, pensa-se que o Tribunal a quo (A) faz uma incorreta apreciação da prova documental, (B) julga erradamente verificados os elementos constitutivos da simulação e (C) contradiz os factos.
5. Do valor probatório da prova documental:
5.1. Conforme referido, o Tribunal a quo, na douta Sentença recorrida, decidiu declarar “a nulidade, por simulação, do contrato de mútuo com hipoteca pelo valor declarado de 350.000,00 €, e válido o contrato dissimulado de mútuo com hipoteca pelo valor de 175.000,00 €” e condenar “os RR. a reconhecer que esse empréstimo foi pago”.
5.2. Tal decisão parece ser tomada com recurso ao único documento que permitiria essas conclusões.
5.3. Sumariamente, conforme douta Sentença recorrida, o Tribunal de 1ª Instância deu como provado o facto G), O), S), U) e V) da douta Sentença recorrida.
5.4. Neste enquadramento, e em síntese, considerou o Tribunal a quo – no entender dos Recorrentes – valorizar a “Declaração” em detrimento do “Confissão de dívida e dação em pagamento”.
5.5. Pese embora seja reconhecido na “Declaração” que apenas foi entregue a quantia de € 175.000,00, ao invés de € 350.000,00, tal declaração não pode ter a força probatória que o Julgador de 1ª Instância quer extrair dela.
5.6. Ora, uma vez que todos os documentos acima referidos foram dados como provados, salvo o devido respeito, pensa-se que o Tribunal a quo apenas valorou o que permitiria concluir pela verificação dos elementos constitutivos do conceito de simulação relativa e ainda, o que determinaria o empréstimo como pago.
5.7. Mas na verdade, foi outorgada uma escritura de confissão de dívida e dação em pagamento entre os Réus, em 26 de Janeiro de 2006, e sendo a escritura pública um documento autêntico, está investido de força probatória plena, ou seja, a sua força probatória só pode ser ilidida com a demonstração da falsidade do documento (artigos 371.º n.º 1 e 372.º nºs 1 e 2 do Código Civil), o que limita a liberdade de apreciação do juiz sobre os factos documentados. Assim, as proposições de facto contidas no documento gozam de uma presunção legal de veracidade.
5.8. Nestes termos, uma vez que não foi impugnado o teor da escritura, nem arguida a sua falsidade ou nulidade ou qualquer erro/vício da vontade, a escritura de mútuo com hipoteca faz prova plena das declarações nela contidas.
5.9. De facto, não suscita dúvidas o teor do artigo 371.º n.º 1 do CC: “Os documentos autênticos fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo, assim como dos factos que neles são atestados com base nas percepções da entidade documentadora”.
5.10. Consequentemente, resulta do facto S) da douta sentença que, “Em 27 de Janeiro de 2006, o 1º R. A. F. e o 2º R. E. M. outorgam uma escritura de “Confissão de Dívida e Dação em Cumprimento” pela qual o 2º R., por si e na qualidade de sócio e gerente da X, declara que ele e a sociedade que representa devem ao 1º R. a quantia de 330.000,00 €, e para pagamento parcial do crédito, a X dá (dação pro solvendo) os quatro prédios aí descritos, correspondem aos bens que constam das alíneas a), c) e d) da cláusula segunda do Protocolo.”provado I) da douta Sentença que “Os RR. fizeram constar nessa escritura que a referida sociedade tinha recebido, no acto e naquela data, a totalidade do empréstimo”.
5.11. Ora, se são os devedores que fazem tais afirmações, perante o notário, que se confessam devedores do montante de € 330.000,00, estas suas declarações de dívida implicam o reconhecimento de um facto que lhe são desfavoráveis e beneficiam os Recorrentes, o que a qualifica como confissão, nos termos do artigo 352.º do CC.
5.12. Trata-se de uma confissão extrajudicial em documento autêntico, feita à parte contrária, admissível pela sua própria essência, que goza de força probatória plena contra o confitente, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 355.º n.ºs 1 e 4 e 358.º n.º 2 do CC.
5.13. Acontece que, a força probatória plena da confissão só pode ser contrariada por meio de prova do contrário, nos termos do disposto no artigo 347.º do CC, que dispõe: “A prova legal plena pode se contrariada por meio de prova que mostre não ser verdadeiro o facto que dela for objecto (...)”.
5.14. Dúvidas não restam de que a escritura pública outorgada entre o Recorrente e o Réu E. M., por si e na qualidade de representante da sociedade X faz prova plena dos factos nela contidos e de que o Réu E. M. confessou extrajudicialmente uma dívida de € 330.000,00, proveniente dos empréstimos efetuados pelo Recorrente ao Réu E. M. e à sociedade.
5.15. Mais foi declarado que os dados em pagamento ascendiam ao valor global de € 44.000,00, dado estarem onerados com garantia a favor da Caixa …, que em 05/06/20006 é liquidada em cessão de créditos no valor de € 261.000,00.
5.16. - Sendo assim, as declarações contidas na “Declaração” cedem perante a escritura pública de mútuo com hipoteca, em consequência da força probatória desta.
5.17. - Aliás, o Réu E. M. afirmou, em depoimento de parte, que apenas o “Protocolo” revela a vontade dele e do Recorrente. Já o Recorrente afirmou que o contrato de mútuo com hipoteca retrata expressamente a vontade das partes.
5.18. Assim, não se percebe como é que o Tribunal recorrido dá mais valor à “Declaração”, atendendo a toda a prova produzida.
5.18. Logo, salvo melhor entendimento, não poderia a douta Sentença recorrida ter determinado que o empréstimo foi pago, nem que há simulação no caso dos autos.

6- Da simulação:
6.1- Conforme acima sublinhado, a douta Sentença recorrida decide declarar nulo, por simulação, o contrato de mútuo com hipoteca.
6.2-Salvo devido respeito, não podemos concordar com a douta decisão.
6.3- Nos termos do disposto no artigo 240.º do Código Civil, a simulação é o acordo entre o declarante e o declaratário, no sentido de celebrarem um negócio que não corresponde à sua vontade real e no intuito de engarem terceiros.
6.4 Ora, desta noção retira-se que, para haver simulação, devem ocorrer simultaneamente os seguintes elementos: divergência entre a vontade real e a declarada; acordo entre as partes e a intenção de enganar terceiros.
6.5 Ora, pensa-se que, quanto ao suposto elemento intenção de enganar terceiros, a douta Sentença recorrida incorre em evidente erro – não ocorre o circunstancialismo fáctico integrador do elemento – que, em consequência, determina a procedência da verificação da simulação.
6.6 O terceiro a que se refere o artigo 240.º do CC não é, necessariamente, alguém que seja alheio ao negócio, mas antes alguém que seja alheio ao conluio.
6.7 Assim, para os Autores serem terceiros relativamente ao negócio, têm que ser alheios ao conluio.
6.8 A lei exige ainda, para a declaração de nulidade do negócio simulado, a prova concreta e efetiva do intuito de enganar terceiros.
6.9.Uma vez que não foi valorada a prova testemunhal, nem se extraiu da prova documental a existência de um conluio, nem tão-pouco confessou qualquer facto o Recorrente, apenas podia o Tribunal a quo basear a sua convicção no depoimento de parte do Réu E. M..
6.10 Assim, o Réu E. M., em sede de depoimento de parte, afirmou que a intenção de constituir a hipoteca era para segurar o imóvel cujo direito de propriedade estava a ser discutido num processo pendente que corria termos entre a Autora (M. M.) e outro irmão e disse também que os Autores estavam conscientes da vontade de todos.
6.11 Mais declarou que “também havia o conluio dos AA.”.
6.12. Ao menos no entender dos Recorrentes, parece inequívoco que os Autores não são terceiros relativamente ao negócio. Isto é, que não existe nenhuma prova concreta e efetiva do intuito de enganar os Autores. Aliás, o pouco que existe vai em sentido diverso (cf. depoimento de parte do Réu E. M. e o facto dado como não provado sob o n.º 5).
6.13 Assim, os factos invocados na douta sentença recorrida são manifestamente insuficientes para o preenchimento dos pressupostos legais da simulação, previstos no artigo 240.º do CC, já que se não mostra alegado um facto essencial: o intuito de enganar os Autores.

7 - Da contradição dos factos:
7.1 - Nos termos do artigo 607.º n.º 3 e 4 do Código de Processo Civil o Juiz deve discriminar os factos que considera provados e não provados, e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondestes.
7.2Deste modo, o Juiz na discriminação dos factos não pode entrar em contradição, sob pena da (eventual) contradição entre factos provados, mas também entre factos provados e não provados, determinar a anulação da sentença, nos termos da alínea c) do n.º 2 do artigo 662.º do CPC.
7.3Nesta circunstância podemos estar perante um erro ou vício da decisão de facto, situação que encontra acolhimento na previsão do artigo 662.º do CPC relativamente à modificabilidade da decisão de facto, à luz do qual deve ser avaliada.
7.4Assim, face ao teor do artigo 640.º do CPC, os Recorrentes impugnam a decisão proferida sobre a matéria de facto, mais invocam a contradição de factos na douta Sentença e a discordância quanto a factos que o Tribunal a quo teve como provados e não provados.
7.5 Pelo que, impugna o facto dado como provado sob a letra L) e N) e o não provado sob o n.º 5.
7.6 É, pois, evidente, ao menos no entender dos Recorrentes, que o Tribunal a quo deu como provado e como não provado exatamente o mesmo facto, razão pela qual existe contradição entre o facto provado N) e o facto não provado n.º 5.
7.7 Atendendo ao exposto, o facto sob a letra N) deveria ter sido dado como não provado, ao invés de provado, uma vez que a atuação dos Autores não foi um “convencimento” ou um “acreditando” (como se extrai do facto). Aliás, segundo a prova documental junta aos autos, nomeadamente, o contrato de mútuo com hipoteca, que é investido de força probatória plena, os Autores hipotecaram o prédio para efetivamente garantir o empréstimo feito à X no valor de € 350.000,00.
7.8 Por fim, os Recorrentes não podem concordar com o facto dado como provado sob a letra L) pois
7.9 Por um lado, Conforme já explicado, entendemos que os Réus não estavam conluiados para convencer os Autores a outorgar a hipoteca do prédio em questão. Na verdade, os Autores estavam bem conscientes da vontade de todos, consoante afirmou o Réu E. M. no seu depoimento de parte.
7.10 Por outro lado, Não se consegue extrair de nenhum meio de prova que a hipoteca garantia tanto (1) o pagamento de empréstimos que já existiam e nada tinham a ver com aquele cujo pagamento os Autores foram convencidos a garantir através da hipoteca, como (2) a quantia de € 175.000,00 emprestada. Sendo que, só o facto dado como provado sob a letra L) é que menciona que “hipoteca garantia tanto o pagamento de empréstimos que existiam e nada tinham a ver com aquele cujo pagamento os Autores foram convencidos a garantir através da hipoteca”, tendo o Tribunal a quo defendido no resto da douta Sentença que a hipoteca garantia o empréstimo de € 175.000,00.
7.11 Mas afinal os Autores hipotecaram o prédio (através do contrato de mútuo com hipoteca) para garantir a alegada quantia de € 175.000,00? Ou para garantir o pagamento de empréstimos que já existiam?
7.12 Deste modo, a douta Sentença deveria ter dado como não provado o facto L).
7.13 Salvo o devido respeito, os Recorrentes defendem que a douta Sentença apresenta diversas incongruências, tanto na matéria de facto, como na fundamentação da mesma e na fundamentação de direito, que fazem levantar questões quanto à decisão do Tribunal a quo.
7.14 Face ao supra exposto, os Recorrentes entendem que o contrato de mútuo com hipoteca, documento autêntico investido de força probatória plena, não pode ser afastado por um documento particular; que não estão verificados os requisitos da simulação, desde logo porque não se provou a intenção de enganar os Autores; e, por fim, que a matéria de facto está em contradição.
7.15 Assim, não poderia a douta Sentença recorrida ter declarado nulo, por simulação, o contrato de mútuo com hipoteca e condenado os Réus a reconhecer que o empréstimo foi pago.
Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença e substituída por uma outra que julgue a acção totalmente improcedente por não provada, ou, sem conceder, os AA. condenados a reconhecer que a garantia hipotecária constituída a favor do 1º R. A. F. ascende ao valor de € 175.,000,00 que a sociedade X ou terceiro nunca pagaram ou demonstraram pagar, montante esse que é devido ao 1º R. A. F., com todas as legais consequências, fazendo-se assim JUSTIÇA!
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Os AA. vieram apresentar as suas contra-alegações concluindo nos seguintes termos:
A. Segundo os recorrentes, o tribunal não podia valorizar a declaração de que apenas foi entregue a quantia de 175.000€ (doc. 21), em detrimento do contrato de dação em pagamento, na medida em que o primeiro é um documento particular e o segundo um documento autêntico e nessa medida faz prova plena do que nele consta, que só pode ser ilidida mediante a demonstração da sua falsidade.
B. A alegação do recorrente põe, desde logo em causa o princípio da livre apreciação do julgador de acordo com o qual o tribunal “aprecia livremente as provas, decidindo os juizes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.” - art.º 607 n.º 5 do CPC.
C. A sentença recorrida, na sua fundamentação indicou todos os meios de prova que serviram para formar a sua convicção (depoimento das partes e das testemunhas e documentos juntos aos autos), nenhuma delas proibida por lei, e todas da livre apreciação do julgador, segundo as regras da experiência comum e a sua convicção pessoal (art.º 607º do CPC).
D. Além disso, elaborou uma minuciosa análise critica, explicitando pormenorizada e individualmente os elementos de prova que considerou primordiais, e o crédito probatório que concedeu e denegou a cada um deles para a formação dessa mesma convicção, pelo que inexiste qualquer razão privilegiar ou hierarquizar determinados documentos em detrimento doutros, pois essa é tarefa que compete ao tribunal, em sede de decisão.
E.Efectivamente, a escritura de confissão de divida e dação em pagamento (doc. 20), é um documento autêntico, porém quanto a este tipo de documentos, o artigo 370.º, n.ºs 1 e 2 do Código Civil estabelece uma presunção de autenticidade: presume-se que o documento provém da autoridade ou oficial público a quem é atribuído desde que se mostre subscrito pelo autor, com assinatura reconhecida notarialmente ou com o selo do respectivo serviço.
F.Como refere a decisão impugnada: “o facto de estar estabelecida a autenticidade de um documento, seja ele autêntico ou particular, não equivale a considerar verdadeiras e sinceras as declarações que dele constam. Esses documentos, assinados pelas partes e por elas aceite, fazem apenas prova plena da materialidade das declarações neles contidas; mas já não fazem prova plena quanto à exactidão das mesmas.”
G. Consequentemente, nada na lei obstava a que o tribunal a quo interpretasse, como interpretou, o documento em questão de acordo com a sua livre convicção, designadamente em confronto com a demais documentação existente no processo.
H. E o mesmo se diga relativamente ás declarações de parte prestadas pelos réus E. M. e A. F., completamente opostas, pois como refere a sentença recorrida, “tratando-se de uma situação de litisconsórcio necessário passivo, não havendo confissão de todos os litisconsortes, a confissão isolada de um ou de alguns deverá ser objecto de livre apreciação pelo Tribunal (…) ambos os depoimentos prestados pelos RR. E. M. e A. F. serão considerados pelo Tribunal de acordo com o princípio da livre valoração da prova, conjugados com os restantes elementos de prova produzidos.
I. Acresce que, também não é verdade que existe prova documental nos autos de que os prédios se encontravam hipotecados, concretamente a escritura de dação em pagamento e o documento n.º 16, pois o que tribunal recorrido diz, relativamente aos prédios em questão é “não resulta dos documentos juntos aos autos a oneração com hipoteca de qualquer um desses prédios, porquanto não foi junta certidão do registo predial donde se retire o registo de hipotecas e valores garantidos).
J. O art.º 2º al. h) CRP diz que estão sujeitos a registo “A hipoteca, a sua cessão ou modificação (…), acrescentando o art.º 8º-A n.º 1 al. iv), desse código, que é obrigatório submeter a registo a constituição de hipoteca e o seu cancelamento.
K. E refere o n.º 110º n.º 1 desse diploma, que “o registo prova-se por meio de certidões.”
L. Como é sabido, existem factos que só podem ser provados por determinado documento, pelo que cabia aos réus e não aos autores, alegar e provar não só que os prédios em questão estavam onerados, como qual o montante do valor garantido pela alegada hipoteca e o valor ainda em divida, e como acima se referiu, essa prova só poderia ser feita juntando a correspondente certidão predial de cada prédio.
M. De todo o modo, pretensão dos réus implicaria alteração da matéria de facto pois foi dado como não provado que “Sobre os lotes 15 e 16 incidia uma hipoteca para garantia do montante de 270.000,00.” – vide art.º 10º dos factos dados como não provados.
N. Sucede que a recorrente limita-se a alegar que o tribunal fez uma incorrecta apreciação a prova documental, sem, contudo, concretizar os concretos pontos que entendiam incorrectamente julgados bem como a decisão que, no seu entender, deveria ser proferida sobre as questões de facto impugnadas – art.º 640º n.º 1 CPC.
O. Sustentam os recorrentes que não se encontram verificados os requisitos da simulação e que os autores não são terceiros e nem houve qualquer conluio, uma vez que de acordo com o depoimento de parte do réu E. M., aqueles conhecedores do negócio!
P. Ora, além de não assistir razão aos recorrentes, o certo é que, à semelhança do que se referiu acima, também aqui seria necessário que estes requeressem a alteração da matéria de facto dada como provada e não provada, pois, para além do mais, no que respeita à simulação resultou provado que, entre outra, a matéria de facto constante dos pontos A), E), F), G), I), L) N) –art.º 640º n.º 1 CPC.
Q. De todo o modo, a verdade é que, como se vê da matéria de facto acima transcrita, os requisitos da simulação encontram-se totalmente preenchidos, ou seja: A intencionalidade da divergência entre a vontade e a declaração; acordo simulatório (pactum simulationis), e intuito de enganar terceiros (que se não deve confundir com o intuito de prejudicar).
R. Como refere a sentença recorrida, em face da factualidade apurada, conclui-se que estão verificados os elementos constitutivos do conceito de simulação relativa. “Provou-se a divergência intencional entre as declarações insertas na escritura pública de mútuo com hipoteca e a vontade dos intervenientes, bem como que que tal negócio tenha sido celebrado com o valor declarado com o intuito de enganar os AA., que apenas intervieram enquanto titulares do direito de propriedade sobre o prédio hipotecado em garantia do mútuo celebrado entre o R. A. F. (mutuante) e a X, representada pelo R. E. M.. Provou-se ainda que o R. A. F. emprestou efectivamente determinada quantia à X, no entanto, por valor inferior ao declarado, no montante de 175.000,00 €.”
S. Sendo que no caso, a validade do negócio está assegurada por ter sido cumprida a forma legal – por ter sido celebrado por escritura pública (cf. artigo 947º, n.º 1 do Código Civil).
T. Note-se que ainda que os recorridos tivessem conhecimento de todo o negócio, o que apenas por hipótese se admite, uma vez que tal hipótese foi levantada pelos recorrentes, ainda assim estes careceriam de razão pois os próprios simuladores têm legitimidade para invocar a simulação; simplesmente ficam, em princípio, limitados à prova documental, que no caso concreto avulta,
U. Acresce que, os recorrentes não se podem “apegar ao que foi dito pelos réus, porquanto, tal como foi já referido, não havendo confissão de todos os litisconsortes, a prova é apreciada de acordo com a livre convicção do juiz.
V. Invoca o apelante existir contradição entre a factualidade dada como provada sob os pontos L e N e aquela dada como não provada sob o ponto 5, porém só pode existir contradição entre factos dados como provados e não entre factos provados e não provados. Uma resposta negativa a um quesito só significa que não ficou provado o que se perguntava, não significando que tenha ficado provado o contrário, tudo se passando como se a matéria respectiva não tivesse sido alegada - Ac. RP de 24/05/01 (processo JTRP00032197) e Ac. RC de 12/12/17 (Proc.320/15.0T8MGR.C1), www.dgsi.
W. Mesmo que assim não se entenda, o que apenas por hipótese se admite, não existe qualquer contradição, pois confrontando a referida matéria de facto verifica-se que, efectivamente foi efectuado um contrato de mútuo, onde consta como quantia mutuada o valor de 350.000,00€, porém tal contrato realizou-se de acordo com circunstancialismo referido na matéria de facto dada como provava e não nos moldes referidos na matéria de facto dada como não provada.
X. Face ao exposto, a sentença recorrida não merece qualquer reparo.

TERMOS em que deve ser negado provimento ao recurso interposto pelos Recorrentes, mantendo-se integralmente a douta sentença recorrida, tudo com as consequências legais, assim se fazendo a devida JUSTIÇA.
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Recebido o recurso, foram colhidos os vistos legais.
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III. O objecto do recurso

Como resulta do disposto nos arts. 608.º, n.º 2, ex. vi do art.º 663.º, n.º 2; 635.º, n.º 4; 639.º, n. os 1 a 3; 641.º, n.º 2, alínea b), todos do Código de Processo Civil, (C.P.C.), sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.
Face às conclusões das alegações de recurso, cumpre apreciar e decidir, sobre o alegado erro de julgamento e direito aplicável relativamente à verificação alegada de falta de requisitos do instituto jurídico aplicado.
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· Fundamentação de facto

Factos provados

A) Os AA. são legítimos proprietários e possuidores de um prédio rústico, denominado “Bouça do …” ou “Bouça de …”, composta de mato com pinheiros, com a área de vinte e um mil e oitocentos metros quadrados, sita no Lugar … ou …, freguesia de ..., de Vila Nova de Famalicão, descrito na Conservatória do Registo Predial deste concelho sob o número …/20130305 – freguesia de ..., inscrito na matriz sob o art.º …º da união de freguesias de …, ... e … (… da extinta freguesia de ...).
B) Os AA. adquiriram a propriedade sobre o prédio em questão por o terem comprado a I. V. e mulher M. S., através de escritura pública outorgada em 14/07/1982.
C) A propriedade do prédio atrás identificado encontra-se registada na Conservatória do Registo Predial a favor dos AA. pela AP n.º 4 de 1982/07/14.
D) Os AA. por si, anteproprietários e antepossuidores estão na posse pública, pacífica, contínua, titulada e de boa-fé do descrito prédio, nele fazendo obras e melhoramentos, colhendo os seus frutos e rendimentos, pagando as contribuições devidas, há mais de 10, 15, 20 e 30 anos, agindo como proprietários e na convicção de terem essa qualidade e não lesarem direito alheio, ininterruptamente, à vista de toda a gente e sem oposição de quem quer que seja.
E) Os AA. são emigrantes em França e familiares do R. E. M. (a A.-mulher é irmã do 2º R.).
F) Os AA. são emigrantes em França e foram aplicando as suas economias no país e, para tal, careciam da ajuda de alguém para lhes tratar dos negócios (documentos e escrituras) e nesses casos era o R. E. M. quem os representava.
G) Em 11 de Novembro de 2003, foi outorgada uma escritura de mútuo com hipoteca, através da qual os 1ºs RR. emprestavam à X – Imobiliária, L.da, 350.000,00 €, a pagar no prazo de cinco anos, sem juros, enquanto os AA. garantiram tal pagamento pela hipoteca do prédio.
H) Como os AA. estavam em França, fizeram-se representar pela filha A. G..
I) Os RR. fizeram constar nessa escritura que a referida sociedade tinha recebido, no acto e naquela data, a totalidade do empréstimo.
J) Àquela data, os sócios da sociedade em causa eram os identificados 2ºs RR.
K) A X – Imobiliária, L.da, foi declarada insolvente por sentença decretada em 11/03/2013, no âmbito do processo n.º 4223/12.1TJVNF, então 3º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Vila Nova de Famalicão, tendo, nessa sequência, sido registado o encerramento da liquidação e a sua extinção.
L) Os RR. A. F. e E. M. estavam conluiados para convencer os AA. a outorgar a hipoteca do prédio em questão, para garantir, por um lado, o pagamento de empréstimos que já existiam e nada tinham a ver com aquele cujo pagamento os AA. foram convencidos a garantir através da hipoteca, e por outro, a quantia de 175.000,00 € emprestada na data da escritura.
M) O 2º R., em 19 de Agosto de 2003, outorgou uma escritura de compra e venda, intervindo nessa escritura como gestora de negócios dos AA. uma solicitadora, através da qual a X comprava o prédio dos AA. por 200.000,00 €, ficando o pagamento do preço dependente da entrega do instrumento de ratificação da venda pelos AA.
N) Os AA., no convencimento de que a X estava com graves dificuldades económicas, prontificaram-se a dar a garantia, acreditando que estavam a hipotecar o seu prédio para garantir o pagamento do empréstimo feito à X no valor de 350.000,00 €.
O) Em 20 de Janeiro de 2006, o 1º R. A. F. e o 2º R. E. M. (em nome pessoal) celebraram um “Protocolo”, pelo qual este se declara devedor daquele de uma dívida “orçada em cerca de 500.000,00” €, comprometendo-se a outorgar escrituras de Dação em Cumprimento dos seguintes prédios, que eram propriedade da “X - Imobiliária, Limitada”: a) - duas parcelas de terreno para construção urbana, designadas pelos lotes nº .. e lote nº …, situados na freguesia de ..., Vila Nova de Famalicão, inscritos na Matriz sob os arts. … e … urbano; b) - onze parcelas de terreno, designadas pelos lotes 1 a 11, situados na freguesia de ..., Vila Nova de Famalicão, inscritos na Matriz sob os arts. (…) respetivamente; c) - uma fração autónoma, designada pela letra …, do prédio constituído em regime de propriedade horizontal - Bloco .. – sito na freguesia de ..., Vila Nova de Famalicão, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº … - G; d) - uma fração autónoma designada pela letra .., do prédio constituído em regime de propriedade horizontal – Bloco .. – sito na freguesia de ..., Vila Nova de Famalicão, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº … – N.
P) Consta ainda desse Protocolo (cláusula terceira), que o aqui 1º R. A. F. ficou com a incumbência de negociar contratos de locação financeira junto da Banca, solicitando a reavaliação dos bens hipotecados, de modo a que consiga um financiamento, por montante superior ao valor dos actuais ónus que impendem sobre os prédios situados nas freguesias de ... e ....
Q) Através da cláusula quarta desse Protocolo, acordaram ainda os dois RR. em outorgar um contrato de sociedade civil, “destinado a colocarem em comum os esforços de ambos – devendo o primeiro entregar os bens e contribuir para o enriquecimento das parcelas, nomeadamente através de implantação de obra nas mesmas e o segundo, contribuir com a sua capacidade de crédito junto da Banca – de modo a que ambos possam distribuir os proveitos daí advenientes na proporção de um terço para o primeiro e de dois terços para o segundo, até que este consiga receber toda a quantia do crédito concedido”.
R) Na cláusula quinta desse Protocolo ficou ainda estabelecido que “No que respeita às fracções autónomas, sitas na freguesia de ..., supra referenciadas, a propriedade das mesmas é transferida para a titularidade do segundo outorgante, apenas para garantia da dívida, na medida em que é da incumbência do primeiro (E. M.) proceder à venda das mesmas ou negociar contrato de leasing junto da banca, de modo a que o produto do preço conseguido ou os proveitos do leasing contratado, seja usufruído por este”.
S) Em 27 de Janeiro de 2006, o 1º R. A. F. e o 2º R. E. M. outorgam uma escritura de “Confissão de Dívida e Dação em Cumprimento” pela qual o 2º R., por si e na qualidade de sócio e gerente da X, declara que ele e a sociedade que representa devem ao 1º R. a quantia de 330.000,00 €, e para pagamento parcial do crédito, a X dá (dação pro solvendo) os quatro prédios aí descritos, que correspondem aos bens que constam das alíneas a), c) e d) da cláusula segunda do Protocolo.
T) No dia 27/01/2006, o 2º R. E. M., por si e em representação da X, assina uma “Declaração” pela qual esclarece que os prédios dados em pagamento na escritura pública de confissão de dívida e dação em cumprimento lavrada nessa mesma data, abrange as construções levadas a efeito no solo de cada um dos prédios, nomeadamente os pavilhões que se encontram construídos nos lotes sitos na freguesia de ..., Vila Nova de Famalicão.
U) Nesse mesmo dia de 27/01/2006, o 1º R. A. F. e o 2º R. E. M., por si e em representação da X, assinam uma outra “Declaração”, onde reconhecem o seguinte: - Primeira: o 1º R. A. F. é credor hipotecário, através da escritura pública de 10/11/2003, a qual onera um prédio rústico situado na freguesia de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número … e inscrito na matriz sob o art. …, pelo montante de 350.000 €; - Segunda: não obstante o valor declarado, o R. A. F. reconhece que apenas entregou ao R. E. M. a quantia de 175.000,00 €, correspondente a metade do valor que hipoteca garante; - Terceira: ambos os RR. declarantes reconhecem que a razão pela qual o valor da hipoteca constituída é superior ao montante que o segundo declarante entregou, ficou a dever-se ao facto de o primeiro declarante ter outras responsabilidades decorrentes de várias dívidas para com o segundo; - Quarta: na presente data, o primeiro declarante, nas indicadas qualidades, ainda reconhece que as responsabilidades decorrentes dos créditos concedidos pelo segundo, são superiores ao montante garantido pela hipoteca; - Quinta: na presente data, o segundo declarante reconhece que, se porventura o primeiro declarante, adquirir a propriedade do prédio dado de hipoteca, pela referenciada escritura, apenas terá direito a reclamar metade do valor aí constante ou seja 175.000,00 €”.
V) Nesse mesmo dia 27/01/2006, o 1º R. A. F. e o 2º R. E. M. celebram um contrato a que chamaram de “Confissão de Dívida e Contrato Promessa de Compra e Venda” pelo qual este, por si e em representação da X, promete vender àquele ou a pessoa que vier a indicar onze lotes de terreno propriedade da X, pelo preço de 250.000,00 €; o primeiro outorgante, por si e em representação da X reconhece “pessoalmente e em representação da sociedade, que devem ao segundo outorgante a quantia de 250.000,00 €, que este lhes entregou, até à presente data, por diversas vezes e em quantias variadas”; ambos acordaram em atribuir carácter de sinal à confessada dívida
W) Em 14 de Julho de 2006, aqueles réus fazem um aditamento à cláusula quinta da Confissão de Dívida e Contrato Promessa de Compra e Venda referidos, pela qual prorrogam o prazo para a realização da escritura de compra e venda dos lotes em questão por mais seis meses.
X) Apenas com base no incumprimento deste contrato promessa, não referindo qualquer outra dívida dessa empresa, o 1º R. A. F. requereu a insolvência da X, cuja sentença foi proferida em 12 de Março de 2012.
Y) No processo de insolvência da X foi reconhecido ao R. A. F. um crédito no montante de 500.000,00€.
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Factos não provados

1- Os RR. A. F. e E. M. estavam conluiados, simulando dificuldades económicas que na altura não existiam, para convencer os AA. a outorgar a hipoteca do prédio, para garantir a quota parte que o 1º R. A. F. pretendia pagar para entrar na sociedade civil que formou com o 2º R. E. M..
2- O 2º R. E. M. tinha uma procuração dos AA. com poderes especiais e requereu, em nome deles, junto da Câmara Municipal …, o loteamento do prédio.
3- A escritura de compra e venda referida na alínea M) (que os AA. nunca ratificaram), não só visava o projectado loteamento do prédio dos AA. como também visava influenciar os “Bancos” e assim melhor negociar os empréstimos bancários que pretendiam, sendo essa a razão porque a escritura não só refere que o prédio iria ser objeto de revenda, como também é anexada uma planta com loteamento do prédio e dos lotes a vender.
4- Como o 2º R. E. M. não tinha dinheiro, o 1º R. A. F. prontificou-se a disponibilizar-lhe (em nome pessoal) 175.000,00€ para iniciar a atividade da citada sociedade civil e realizar os investimentos que pretendiam fazer, nomeadamente pagar as despesas com o loteamento e demais encargos resultantes da venda dos lotes do prédio dos autores, montante esse que acresceria à dívida da X (175.000,00 €).
5- Como o R. A. F. só disponibilizava a referida quantia com garantias de pagamento (incluindo da dívida da X), acordaram entre eles convencer os AA. de que esta firma estava com graves dificuldades económicas e por isso precisava de um empréstimo de 350.000,00 €, que o R. A. F. se dispunha a fazer, desde que o pagamento fosse garantido pela hipoteca do prédio.
6- A X não recebeu qualquer montante desse pretenso empréstimo, pois o que os RR. pretenderam foi garantir o pagamento da dívida dessa firma (já existente) a favor do R. A. F., no valor de 175.000,00 €, assim como garantir o pagamento da quota parte que este R. pretendia pagar ao R. E. M. para participar na referida sociedade, que eles acordaram constituir para investir e vender os lotes do prédio dos AA., como tinham combinado fazer.
7- Entre 20 de Novembro de 2003 e 27 de Julho de 2005, o 2º R. E. M. entregou aos 1ºs RR. cerca de 650.958,00 € para pagamento dos empréstimos.
8- As duas parcelas de terreno para construção urbana, designadas pelos lotes nº .. e lote nº .., situados na freguesia de ..., inscritos na matriz sob os arts. .. e .. urbanos, têm o valor de 250.000,00 €, o primeiro, e 200.000,00 €, o segundo, ambos com um pavilhão já construído pelo 2º R. E. M.; a fracção autónoma, designada pela letra .., do prédio constituído em regime de propriedade horizontal - Bloco .. – sito na freguesia de ..., Vila Nova de Famalicão, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº … - G, tem o valor de 80.000,00 €; a fração autónoma designada pela letra N, do prédio constituído em regime de propriedade horizontal – Bloco … – sito na freguesia de ..., Vila Nova de Famalicão, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº … – N, tem o valor de 80.000,00 €.
9- Os prédios descritos na alínea S) têm o valor de 450.000,00 € (valor dos Lotes 15 e 16) + 160.000,00 € (valor das duas lojas de ...)
10- Sobre os lotes 15 e 16 incidia uma hipoteca para garantia do montante de 270.000,00.
11- Por causa do negócio referido na alínea S), o 1º R. A. F. recebeu do 2º R. E. M. bens e valores que correspondem a 340.000,00 €.
12- As obras referidas na alínea T) justificam que os lotes 15 e 16 hoje tenham um valor de 200.000,00 e 250.000,000, respectivamente, e as lojas de ... um valor de 80.000,00 e 80.000,00, respectivamente.
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· Fundamentação de facto

Reponderação da prova
Da análise das conclusões das alegações de recurso conclui-se que os recorrentes começam por considerar que o tribunal a quo não podia ter considerado ter sido pago o empréstimo e ter ocorrido simulação, baseando-se para o efeito na existência de um erro de valoração dos documentos juntos aos autos, ao ter sobrevalorizado a ‘declaração’ junta aos autos em detrimento da ‘confissão de dívida e dação em pagamento’ quando a sua força probatória só podia ser ilidida com a demonstração de falsidade dessa escritura, o que limitava a liberdade de apreciação do juiz sobre os factos documentados, face à presunção legal de veracidade.
Vejamos.
É certo que a aludida escritura de ‘confissão de dívida e dação em cumprimento’, a que se reporta o ponto S), dos factos dados como provados, constitui um documento autêntico (art. 369º nºs 1 e 2 do CC) e faz, por isso, prova plena dos factos que sejam atestados pela entidade documentadora (art. 371º, nº 1 do CC).
Daqui decorre que tudo o que o documento referir como tendo sido praticado pela entidade documentadora, tudo o que, segundo o documento, seja obra do seu autor, tem de ser aceite como exacto, provando a verdade dos factos que se passaram na presença do documentador, quer dizer, os factos que nele são atestados com base nas suas próprias percepções.
Isto é, o documentador garante, pela fé pública de que está revestido, que os factos que documenta se passaram; mas não garante, nem pode garantir, que tais factos correspondem à verdade. Dito doutro modo: o documento autêntico não fia, por exemplo, a veracidade das declarações que os outorgantes fazem ao documentador; só garante que eles as fizeram (cfr. Vaz Serra, RLJ, Ano 111, pág. 302; Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, 4ª ed., págs. 327/328; Almeida e Costa, RLJ, ano 129º, págs. 350 a 352 e 360 a 362; Lebre de Freitas, A Falsidade no Direito Probatório, pág. 34 a 39). Pode, assim, demonstrar-se que a declaração inserta no documento não é sincera nem eficaz, sem necessidade de arguição da falsidade dele, como tem sido entendimento de há muito sustentado no direito português.
Acresce que, se o facto a provar está já tornado verosímil por um começo de prova por escrito, a prova testemunhal é de admitir, pois não oferece os perigos que teria se desacompanhada de tal começo de prova: em tal caso, a convicção do tribunal acha-se já formada parcialmente com base num documento, não sendo a prova testemunhal o único meio de prova do facto.
A prova testemunhal admissível, nessas circunstâncias, não é, porém, propriamente, a que se destina a contrariar directamente a declaração confessória, mas sim a que tem por escopo demonstrar o erro, falta ou vício da vontade do confitente nessa declaração (Cfr. Neste sentido Acórdão da Relação de Coimbra, de 20/04/2016, apelação nº 343/14.6TBCBR-A.C1, de 06/12/2011, bem como o Acórdão do STJ, de 17/03/2016, Revista nº 294/12.9TBPTB.G1.S1, in dgsi).
Por outro lado, tal como nos documentos autênticos, fixada a força probatória formal dos documentos particulares, segue-se a determinação da sua força probatória material, que se encontra fixada no art. 376.°, n.° 1, do CC, ao estabelecer que, reconhecido que o documento procede da pessoa a quem é atribuído, que é genuíno, fica determinado que as declarações dele constantes se consideram provadas na medida em que forem contrárias aos interesses do declarante, sendo indivisível a declaração, nos termos que regulam a prova por confissão.
Tem-se, assim, considerado que a materialidade das declarações vertidas no documento ou dos factos nele referidos têm-se como plenamente provados, vinculando o seu autor na medida em que forem contrárias ao seu interesse. Acolhem-se aqui, de pleno, os princípios da confissão como declaração de reconhecimento da realidade de factos desfavoráveis ao declarante e favoráveis à parte contrária, mas indivisível, ou seja, aceitar na íntegra, salvo prova da inexactidão dos factos ou circunstâncias que afastem ou limitem o reconhecimento dos factos favoráveis à contraparte.
Há, ainda, que ter em conta que as declarações são apreciadas livremente quanto aos factos que sejam favoráveis aos declarantes e se prestadas de forma coerente, segura, denotando sinceridade, podem, mais a mais, se confortadas por outros elementos de prova, ser levadas em conta para formação da convicção do tribunal quanto à factualidade em causa.
Ora, in casu, tal como se referiu na fundamentação sobre a matéria de facto, o R. E. M., em depoimento de parte, e conforme resulta da assentada da acta da audiência final de 23 de Setembro de 2021, afirmou, entre o mais, para o caso específico que agora nos interessa, que todas as escrituras referidas na petição inicial são simuladas e que o único documento válido e que revela a vontade dele e do 1.º Réu é o denominado “Protocolo”, confessando, assim, factos que lhe eram desfavoráveis.
Tal depoimento foi conjugado com o depoimento de parte do R. A. F. que, por sua vez, não confessou qualquer facto.
Por se tratar de uma situação de litisconsórcio necessário passivo, ao não se ter verificado confissão de todos os litisconsortes, a confissão isolada de cada um foi objecto de livre apreciação pelo Tribunal, o que, diga-se, corresponde ao que se dispõe no art. 353.º, n.º 2, in fine, do Cód. Civil, pelo que se considera, contrariamente ao pretendido pelos recorrentes, não ser admissível a valoração de apenas um desses depoimentos de parte em detrimento da do outro, de acordo com o que é mais favorável à sua versão. Pelo contrário, tais depoimentos devem ser conjugados com a demais prova produzida.
Como tal, estando em causa saber se as partes celebraram o contrato de mútuo com hipoteca nos termos que constam da escritura pública junta como documento n.º 4 com a petição inicial (e, numa versão integral e completa, junto igualmente na sessão de julgamento de 14 de Outubro de 2021), o tribunal a quo atentou no teor do documento elaborado em 27 de Janeiro de 2006, assinado por ambos os RR. E. M. e A. F., e junto como documento n.º 21 pelos AA., por forma a concluir que o negócio não ocorreu tal como foi exarado na escritura.
E, assim, o fez porque ‘não obstante o valor declarado na escritura, o R. A. F. reconhece que apenas entregou a quantia de 175 mil euros, e ambos os RR. reconhecem que o valor da hipoteca é superior a esse valor por haver outras responsabilidades do R. E. M. decorrentes de várias dívidas para com o R. A. F. (de lembrar que nesse documento o R. E. M. intervém por si e na qualidade de legal representante da X)’ e ‘n[N]enhum dos RR. apresentou razões válidas para afastar a credibilidade deste documento’.
Assim, perante o exposto, não se tendo observado sequer o ónus de impugnação no sentido de invocar o respectivo erro de julgamento para além da força probatória dos documentos, bem como dos depoimentos prestados, no sentido analisado, e considerando que, de acordo com o princípio da livre apreciação da prova, como resulta da motivação, o tribunal a quo especificou a razão de ter decidido da forma como o fez, através de um processo mental racional, de avaliação global, de um normal acontecer perante as concretas circunstâncias, sem se encontrar qualquer erro de percepção na decisão em causa que justifique a inversão do decidido, mantêm-se, pois, inalterada a decisão sobre a matéria de facto.
Aduzem, ainda, quanto aos factos, que o tribunal a quo deu como provado e não provado exactamente o mesmo facto, considerando existir contradição entre o facto provado no ponto N) e o facto não provado no ponto 5, pugnando para que a matéria vertida quer naquela alínea, quer na da al. L), seja considerada como não provada, com base nos mesmos argumentos apresentados para tentar abalar a convicção do tribunal formada nos termos supra já descritos.
Ora, quanto a tal impugnação, dispensámo-nos aqui de voltar a repetir o que já se deixou dito e que aqui se dá por reproduzido, quer quanto ao relevo a dar ao depoimento de parte de um dos RR., quer quanto ao valor probatório dos documentos, quer quanto às ilações retiradas, por forma a concluir-se não existir qualquer erro de julgamento.
Quanto ao mais, relativamente à alegada contradição, importa ter em conta que existe contradição quando dois ou mais segmentos da resposta ou duas ou mais respostas conjugadas entre si são incompatíveis, no sentido de que a verificação de uma determinada realidade de facto exclui a outra. A prova de um determinado facto torna impossível ter-se verificado outro facto igualmente dado como provado, ou pelo, contrário, um facto dado provado pode ser contraditório com um facto dado como não provado, pois a existência de tal facto pressuporia o facto dado como não provado. A contradição tanto pode ocorrer entre respostas positivas, respostas negativas, ou respostas positivas e negativas. Quanto a esta última situação é controversa, no entanto, não se pode afirmar em abstracto que tal contradição não possa suceder. Deverá analisar-se casuisticamente, porque o encadeamento de tais factos poderão determinar que as duas realidades, mesmo que uma positiva e outra negativa não possam coexistir. Pode suceder que essa contradição advenha por exemplo de uma resposta explicativa.
No ac. da RG, de 7.07.2011, processo n.º 621/07.0TBPVL.G1, consultado em www.dgsi.pt, a este propósito decidiu-se: “I - As respostas aos quesitos são contraditórias quando têm um conteúdo logicamente incompatível, isto é, quando não podem subsistir ambas utilmente (…)”
São contraditórias: “quando ambas façam afirmações inconciliáveis entre si, de modo a que a veracidade de uma exclua a veracidade da outra” (Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, Vol. III, 3ª ed., pág. 173); “quando têm um conteúdo logicamente incompatível, isto é, quando não podem subsistir ambas utilmente” (Ac. do STJ, de 04.02.97, proferido no Proc. nº 458/96, da 1ª Secção – Conselheiro Ribeiro Coelho –, in “Sumários do STJ”, nº 8, de Fevereiro de 1997, pág. 17)
Contudo, “s[S]e foi dada como não provada uma determinada matéria de facto, e simultaneamente dada como provada matéria equivalente, deve dar-se prevalência ao que resulta da matéria provada, proveniente de acordo das partes, por assentar num elemento dotado de força probatória especial (conferida pelo acordo), considerando-se não escrita a resposta à matéria de facto baseada em depoimentos testemunhais(…)” (ac. da RP, de 4.10.2011, processo n.º 1212/10.4TBPVZ.P1, consultado em www.dgsi.pt).
In casu, na decisão proferida sobre a matéria de facto, deu-se como provado nas alíneas L) e N), que os RR. A. F. e E. M. estavam conluiados para convencer os AA. a outorgar a hipoteca do prédio em questão, para garantir, por um lado, o pagamento de empréstimos que já existiam e nada tinham a ver com aquele cujo pagamento os AA. foram convencidos a garantir através da hipoteca, e, por outro, a quantia de 175.000,00 €, emprestada na data da escritura, e que os AA., no convencimento de que a X estava com graves dificuldades económicas, se prontificaram a dar de garantia, acreditando que estavam a hipotecar o seu prédio para garantir o pagamento do empréstimo feito à X no valor de 350.000,00 €.
Por sua vez, nos factos não provados fez-se constar, no seu ponto 5, que como o R. A. F. só disponibilizava a referida quantia com garantias de pagamento (incluindo da dívida da X), acordaram entre eles convencer os AA. de que esta firma estava com graves dificuldades económicas e por isso precisava de um empréstimo de 350.000,00 €, que o R. A. F. se dispunha a fazer, desde que o pagamento fosse garantido pela hipoteca do prédio.
Daqui não resulta que a matéria dada como provda e não provada seja a mesma, na medida em que naqueles consta qual foi o conluio firmado para convencer os AA. a prestar a garantia e o convencimento destes para o fazerem, perante o que os RR. lhe disseram, e, neste, a condição do R. A. F. só disponibilizar a quantia com garantias de pagamento de um empréstimo de 350.000,00€, para os fins, nos termos e pressupostos igualmente dados como não provados no ponto 4 antecedente.
Integrando-se, assim, a matéria do ponto 5 dos factos dados como não provados num enquadramento de sucessão de factos não logrados demonstrar e diferentes da versão colhida da prova que se encontra espelhada na matéria vertida nos factos provados, temos de concluir não se verificar a arguida contradição entre os aludidos factos provados e não provado.
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Reapreciação do direito aplicado

Já relativamente à alegada falta de um dos requisitos da simulação para se ter decidido como se decidiu, concretamente a intenção de enganar terceiros, os Recorrentes entendem que os factos são manifestamente insuficientes para concluir pela existência do intuito de enganar os AA.
Vejamos.
O art. 240.º, n.º1, do C.Civil, define negócio simulado como aquele em que, por acordo entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros, há divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante.
Refere, ainda, o art. 241.º, n.º 1, do mesmo diploma, que "quando sob o negócio simulado exista um outro que as partes quiseram realizar, é aplicável a este o regime que lhe corresponderia se fosse concluído sem dissimulação, não sendo a sua validade prejudicada pela nulidade do negócio simulado".

Assim, são três os requisitos da simulação:
- um acordo ou conluio entre o declarante e o declaratário;
- no sentido de uma divergência entre a declaração e a vontade das partes;
- com o intuito de enganar terceiros.
Quanto a este último requisito o legislador basta-se com o mero intento de enganar: as partes pretendem, criando uma aparência jurídica, ludibriar todos os terceiros externos à mancomunação, levando-os a acreditar que a vontade manifestada é realmente querida. Tanto basta para se verificar o dito requisito legal (vide M. Cordeiro, Tratado de D. Civil II, Parte Geral, 4ª Ed., 2014, pág. 886, e Acds. do STJ de 30.5.1995, CJ., T II, pág. 119, de 4.3.1997, CJ, T. I, pág. 124, de 9.10.2003, CJ, T. 3, pág. 93, e de 29.5.2007, Proc.07A1334, em www.dgsi.pt).
A simulação, que pode ser fraudulenta ou inocente, absoluta ou relativa, implica sempre a intenção de enganar terceiros.
Com esta intenção pode ou não cumular-se a de prejudicar outrem (animus nocendi).
Quando, além da intenção de enganar, haja a de prejudicar, a simulação diz-se fraudulenta.
Se apenas existe animus decipiendi, a simulação é inocente.
Focando-nos no terceiro requisito, por ser aquele que é posto em causa, importa distingui-lo do intuito de prejudicar, isto é, causar um dano ilícito (aminus nocendi), já que o enganar significa iludir (animus decipiendi).
Por outro lado, o terceiro a que se refere o citado art. 240.º não é, necessariamente, alguém que seja alheio ao negócio, mas antes alguém que seja alheio ao conluio.
O terceiro, no tocante ao negócio simulado e para efeitos de arguição da respectiva nulidade, é aquele que não interveio no acordo simulatório, nem representa por sucessão quem aí participou, embora possa figurar como parte representada no negócio simulado (cfr. Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, vol. II, 2ª ed., pag. 245 e Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3ª ed., pag. 481).
Em conformidade com o exposto e como se escreveu no acórdão do Supremo de 22.3.2018, proc.
2810/13.0TBVFX.L1.S2, em www.dgsi.pt, para efeitos de simulação, terceiro afectado pelo conluio “não é, necessariamente, alguém que seja alheio ao negócio; apenas tem que ser alheio ao conluio” (tese também assumida nos Acs. do STJ de 14-2-08, 08B180, de 9-10-03, 03B2201 e de 23-10-14, 5567/06, em www.dgsi.pt). No mesmo sentido Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, Parte I, t. I, p. 844, para quem terceiro é aquele que é alheio ao acordo simulatório e não necessariamente ao contrato simulado”.
No caso dos autos, e em face da factualidade apurada, concretamente da referida alínea L), constata-se que os AA. são alheios ao conluio, nenhuma intervenção tendo tido no acordo simulatório, pelo que têm de ser considerados terceiros.
Estão, pois, demonstrados todos os requisitos para que se dê como verificada a simulação declarada nula, levando a que se julgue improcedente o recurso, por forma a manter-se a decisão proferida.
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IV. DECISÃO

Em conformidade com o exposto, acordam os Juízes que integram esta 2.ª Secção Cível em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
Custas a cargo dos apelantes.
Notifique.
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Guimarães, 9 de Junho de 2022
(O presente acórdão foi elaborado em processador de texto pela primeira signatária sem observância do acordo ortográfico, à excepção das transcrição efectuadas)