Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1318/12.5TBVCT-E.G1
Relator: MARIA LUÍSA RAMOS
Descritores: QUITAÇÃO
PROVA PLENA
CONFISSÃO EXTRAJUDICIAL
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/19/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: I - Como vem sendo entendido pelo STJ “relativamente á declaração de quitação em documento particular a prova plena reporta-se à materialidade das declarações e não à exactidão do conteúdo destas, podendo, quanta a esta, o autor do documento produzir livremente prova, mantendo-se a regra de que o cumprimento, porque extintivo das obrigações, há-de ser demonstrado pelo devedor nos termos do nº 2 do artº 342º do Código Civil“, não decorrendo do documento de quitação, ainda, qualquer presunção legal de cumprimento, inversão do ónus da prova nos termos do artº 344º, ou constituição de contraprova nos termos do artº 346º, do citado código. – cfr. Ac. do STJ, de 16/10/2008, Processo: 08B2668, in www.dgsi., pt.
II - È ineficaz a confissão feita por litisconsorte, tratando-se de litisconsórcio necessário ( artº 353 - nº 1 e 2 do Código Civil ).
III - Não opera a confissão extrajudicial em documento particular quando ocorra impugnação dos factos a que se refere, validamente realizada pelos demais contestantes nos termos do artº 374º do Código Civil.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

“F…, Lda.”, Requerente nos autos de Verificação Ulterior de Créditos, n.º 1318/12.5TBVCT-E, do 3º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Viana do Castelo, em que é Insolvente “C…, Lda.”, tendo interposto acção de Verificação Ulterior de Créditos, nos termos dos artigos 146º e seguintes do C.I.R.E. contra a massa insolvente, os seus credores e a devedora, pedindo seja reconhecido, verificado e graduado, com natureza privilegiada, o crédito que invoca, no montante de €250.000,00, e, reconhecido direito de retenção até ao efectivo e integral pagamento do crédito em causa, invocando ter ocorrido incumprimento definitivo de contrato promessa de prédio urbano, com traditio e prestação de sinal no montante de € 120.000,00, e que o incumprimento definitivo do contrato promessa concede á reclamante o direito de retenção, veio interpor recurso de apelação da sentença proferida nos autos que julgou a acção improcedente e não provada, não reconhecendo o crédito reclamado.

O recurso foi admitido como recurso de apelação, com subida imediata, em separado e efeito meramente devolutivo.

Nas alegações de recurso que apresenta, o apelante formula as seguintes conclusões:
(…)
Foram oferecidas contra-alegações.

O recurso foi admitido neste tribunal da Relação na espécie e com os efeitos e regime de subida fixados no despacho de admissão do recurso na 1ª instância.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Delimitação do objecto do recurso: Questões a decidir.
Atentas as conclusões do recursos de apelação deduzidas, e supra descritas, são as seguintes as questões a apreciar:

- alegada nulidade de sentença nos termos da na al. c) do nº 1 do artº 615º do NCPC
- reapreciação da matéria de facto – quitação e confissão
- tem a credora/apelante direito de retenção sobre o imóvel prometido comprar nos termos do artº 755º-nº1 –alínea. f) do Código Civil ? – : da existência do crédito reclamado e sua natureza, comum ou privilegiada, e valor


II) FUNDAMENTAÇÃO
1. OS FACTOS ( factos declarados provados na sentença recorrida):
-1. A reclamante exerce, com escopo lucrativo, a actividade de marcearia, carpintaria, construção civil e obras públicas, montagem e fabrico de trabalhos de carpintaria e caixilharia para construção, comercialização de móveis, sua importação e exportação.
-2. À reclamante foi entregue a fracção autónoma designada pela letra “G”, correspondente a um apartamento tipo T 3, 2º andar, com garagem e arrumos no sótão, que faz parte integrante do prédio denominado empreendimento Monte Branco, sito na freguesia de Forjães, em Esposende.
-3. Por contrato escrito datado de 14 de Dezembro de 2007, denominado pelas partes de “contrato promessa de compra e venda e permuta”, assinado por G…, na qualidade de legal representante de “C…, Lda.” (primeiro outorgante) e por A…, na qualidade de legal representante de “F…, Lda.” (segundo outorgante), a primeira prometeu vender ao segundo outorgante, ou a quem este indicar, pelo valor de € 130.000,00 (cento e trinta mil euros) a fracção “G”, correspondente a um apartamento tipo T3, 2º andar, com garagem e arrumos no sótão, que faz parte do prédio denominado Empreendimento Monte Branco, sito na freguesia de Forjães, concelho de Esposende (cláusula I do documento junto aos autos a fls. 23-25 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido);
-4. Nos termos da cláusula II do contrato referido, a título de sinal e princípio de pagamento o segundo outorgante entrega nesta data à primeira outorgante o montante de € 120.000,00 – cento e vinte mil euros, declarando ter recebido e dá a respectiva quitação.
-5. Nos termos da cláusula III do contrato referido, as partes declaram que a restante parte do preço em débito, no montante de € 10.000,00 – dez mil euros, seria pago mediante o fornecimento do segundo outorgante à primeira de materiais e serviços relativos a trabalhos de carpintaria, a realizar no referido apartamento.
-6. Nos termos da cláusula IV do contrato referido, as partes declararam que nessa data a primeira outorgante entregava ao segundo outorgante a fracção em causa.
-7. Nos termos da cláusula V do contrato referido, a escritura pública definitiva seria realizada logo que o reclamante o pretendesse, devendo, para o efeito, avisar a insolvente com a antecedência de oito dias, do dia, hora e Cartório Notarial onde tal acto seria lavrado.
-8. Nos termos da cláusula VIII “(..) atribuem ao presente contrato a faculdade de execução específica prevista no artigo 830º do Código Civil, ficando, por isso, qualquer das partes com direito de obter do tribunal sentença que proteja os efeitos da declaração negocial faltosa.”.
-9. Nos termos da cláusula X “(..) ambas as partes prescindem (…) do reconhecimento presencial das assinaturas, sem prejuízo da plena eficácia e validade deste contrato”.
-10. Por contrato escrito datado de 1 de Janeiro de 2011, denominado pelas partes de “contrato de arrendamento urbano para fim habitacional com prazo certo”, assinado por A… e M… (na qualidade de legais representantes da reclamante - primeiro outorgante) e por A… e C… (segundos outorgantes), a primeira deu de arrendamento aos segundos, que aceitaram, nos termos constantes do documento junto a fls. 26-29 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, a fracção aqui em causa, pela renda mensal de € 250,00 mensais.
-11. Desde a data referida em 8. que os segundos outorgantes habitam a fracção com o seu agregado familiar.
-12. A reclamante enviou uma missiva à sociedade agora insolvente, em 10-07-2010, nos termos constantes do documento junto a fl. 30 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
-13. A carta veio devolvida com a menção “não reclamado”.
-14. Em 29 de Agosto de 2012 enviou a mesma missiva, por carta registada com aviso de recepção, a qual veio novamente devolvida.
-15. A fracção aqui em causa é a fracção “G”, correspondente ao 2º andar esquerdo, entrada C, T 3, destinado a habitação, com garagem, arrumos na cave e sótão, que faz parte do prédio em propriedade horizontal, sita na Avenida Marcelino Queiroz, nºs 130/140, freguesia de Forjães, Esposende, inscrita na matriz predial sob o artigo 1679 – G, descrita no registo predial sob o nº 1772 (G).
-16. A Caixa… dispunha de hipoteca sobre esta fracção, desde 22 de Julho de 2008.
-17. A fracção em causa foi vendida no âmbito da liquidação do activo do processo de insolvência, encontrando-se a aquisição registada a favor da ré desde o dia 19 de Novembro de 2012.



II. O DIREITO APLICÁVEL
1. alegada nulidade de sentença nos termos da al. c) do nº 1 do artº 615º do NCPC
(…)
Improcedem, assim, nesta parte, os fundamentos da apelação.
2. reapreciação da matéria de facto
Alega a credora/apelante deve ser alterada a matéria de facto dada como provada e não provada, e nesse sentido, ser alterada a decisão recorrida, a qual deve considerar como factos provados os seguintes factos não provados:
1) A reclamante pagou à sociedade agora insolvente o montante de 120 000, 00 – CENTO E VINTE MIL EUROS
2) A restante parte do preço - € 10. 000,00 – dez mil euros, foi pago pela reclamante à insolvente pela prestação de serviços.
Invocando a apelante ocorrer erro de julgamento notório e grave, que conduz à alteração da matéria de facto e impõe uma decisão diversa, nos termos do artigo 640º do C.P.C..
Relativamente ao ponto nº1) supra, constando do facto provado nº 4 a declaração, em contrato subscrito pelas partes, de entrega do quantitativo do sinal e existência de quitação, nos seguintes termos: - “4. Nos termos da cláusula II do contrato referido, a título de sinal e princípio de pagamento o segundo outorgante entrega nesta data à primeira outorgante o montante de € 120.000,00 – cento e vinte mil euros, declarando ter recebido e dá a respectiva quitação”, defende a recorrente que o contrato promessa, no qual se declara ter recebido e dar-se quitação do pagamento, é suficiente e credível para demonstrar quer o pagamento, quer as obras realizadas.
Sem razão, porém.
Nos termos do disposto no artº 787º -nº1 do Código Civil “ Quem cumpre a obrigação tem o direito de exigir quitação daquela a quem a prestação é feita, devendo a quitação constar de documento autêntico ou autenticado ou ser provida de reconhecimento notarial, se aquele que cumpriu tiver nisso interesse legitimo”.
Como vem sendo entendido pelo STJ “relativamente á declaração de quitação em documento particular a prova plena reporta-se à materialidade das declarações e não à exactidão do conteúdo destas, podendo, quanta a esta, o autor do documento produzir livremente prova (vejam-se, exemplificativamente, em www.dgsi.pt, os Ac.s de 30.9.2004, 18.11.2004, 17.4.2005, 24.10.2006, 19.12.2006, 22.3.2007, 12.7.2007, 12.9.2007 e 17.4.2008)” - Como se refere no Ac. do STJ, de 16/10/2008, Processo: 08B2668, in www.dgsi., pt., mantendo-se a regra de que o cumprimento, porque extintivo das obrigações, há-de ser demonstrado pelo devedor nos termos do nº 2 do artº 342º do Código Civil, não decorrendo do documento de quitação, ainda, qualquer presunção legal de cumprimento, inversão do ónus da prova nos termos do artº 344º, ou constituição de contraprova nos termos do artº 346º, do citado código, como se refere no citado Ac. do STJ, de 16/10/2008: “ Para facilitar essa demonstração, o artigo 787.º, determina que, quem cumpre a obrigação, tem direito a exigir quitação daquele a quem a prestação é feita, podendo recusar o pagamento enquanto a quitação lhe não for dada ou exigir esta mesmo depois de pagar. Este facilitar situa-se na vantagem para o devedor relativamente à obtenção de documento probatório. Tanto mais que o artigo 395.º é muito limitante quanto à prova do cumprimento. Mas, à parte a presunção do artigo 786.º, aqui manifestamente sem interesse, em parte alguma, o legislador conferiu à quitação força probatória que fosse para além da generalidade dos documentos em que se integra. E tanto assim é, que consignou no mesmo artigo que, no seu exercício do seu direito, aquele que cumpre a obrigação, se nisso tiver interesse legítimo, pode exigir que aquela conste de documento autêntico ou autenticado. Verteu, pois, no regime geral, relativo aos documentos, a força probatória da quitação, despindo-a de força relativamente a inversão do ónus de prova. Nem sequer tem a força, por si só, de, sendo contestado o pagamento, levar o juiz à dúvida a que alude o artigo 346.º.”, concluindo” 1. Fora das presunções previstas no artigo 786.º do Código Civil, o valor probatório da quitação é o do documento onde está consubstanciada. 2. Estando consubstanciada em documento particular, a exactidão do respectivo conteúdo escapa sempre à prova plena”.
Nestes termos, por via da quitação prestada ao devedor, exarada no documento particular de contrato promessa em referência nos autos, nenhuma prova resulta, por si só, da verificação do alegado pagamento; nenhuma outra prova tendo sido oferecida ou invocada de que tal resulte.
Acresce, que não obstante a declaração das partes constante da cláusula II do contrato referido, de que a título de sinal e princípio de pagamento o segundo outorgante entrega naquela data à primeira outorgante o montante de € 120.000,00, que declara ter recebido e dá a respectiva quitação (cfr. facto provado nº 4), tal declaração, não obstante se traduza no reconhecimento de facto desfavorável para a requerida - promitente-vendedora, favorecendo a reclamante- promitente compradora, não constitui, no caso concreto, confissão extrajudicial feita á parte contrária, nos termos dos artº 352º e 358º-nº2, do Código Civil, com força probatória plena, nos termos do citado artº 358º-nº2, parte final, pois, desde logo, careciam os sócios subscritores do contrato promessa em referência de legitimação para tal acto (v. doc. nº1 junto com a pi e doc. fls. 72), só se obrigando as sociedades contraentes em referência, ora requerente e co-requerida, cada uma, com a assinatura de dois sócios gerentes, sendo ineficaz a confissão feita por litisconsorte, tratando-se, como na situação dos autos, de litisconsórcio necessário (artº 353-nº 1 e 2 do Código Civil ).
Sendo, ainda, ineficaz e inoperante a revelia da requerida insolvente, “C…, Lda”, verificada nos autos, nos termos dos artº 567º e 568º-al. a) do CPC, tendo os demais Réus impugnado os factos em referência, e que, assim, resultam e se mantêm controvertidos.
Por outro lado, também a “confissão extrajudicial” não opera, no caso sub judice, em virtude da impugnação dos factos a que se refere, validamente realizada pelos demais contestantes nos termos do artº 374º do Código Civil, tendo o documento que incorpora o contrato promessa dos autos sido impugnado também quanto á sua autoria (v. contestação da massa insolvente da requerida a fls. 95 dos autos), nestes termos, consequentemente, não resultando provados os factos contidos na declaração desfavoráveis ao declarante, nos termos do nº2 do artº 374º, nem, ainda, ocorrendo “confissão extrajudicial, em documento particular” por não verificação dos requisitos cumulativos previstos no artº 358º-nº2 do Código Civil, o qual dispõe: «a confissão extrajudicial, em documento autêntico ou particular, considera-se provada nos termos aplicáveis a estes documentos e, se for feita à parte contrária ou a quem a represente, tem força probatória plena». –
“ Esta última frase pode ser interpretada de duas maneiras:
Uma no sentido de que, onde, face aos documentos, à prova plena não se chegar, chegar-se-á, pela via da confissão, se esta for feita à parte contrária ou a quem a represente;
Outra no sentido de que a confissão extrajudicial só conduz à prova plena se esta resultar dos documentos e for feita à parte contrária ou a quem a represente.
(…) “O artigo 358.º n.º2 do Código Civil deve ser interpretado no sentido de que a confissão extrajudicial só conduz à prova plena se esta resultar do documento em que se insere e (ainda) for feita à parte contrária ou a quem a represente “ – cfr. Ac. STJ de 2/3/2011, P. 888/07.4TBPTL.G1.
Relativamente ao ponto nº 2- pretendendo a apelante se dê como provado o facto declarado não provado – “2) A restante parte do preço - € 10. 000,00 – dez mil euros, foi pago pela reclamante à insolvente pela prestação de serviços”, por contradição como o facto já declarado provado sob o nº 5, com o seguinte teor: - “-5. Nos termos da cláusula III do contrato referido, as partes declaram que a restante parte do preço em débito, no montante de € 10.000,00 – dez mil euros, seria pago mediante o fornecimento do segundo outorgante à primeira de materiais e serviços relativos a trabalhos de carpintaria, a realizar no referido apartamento”, no tocante a esta matéria inexiste igualmente contradição, sendo distintos os alcances das declarações factuais em causa, e, dos autos não resulta provado que a realização dos trabalhos de carpintaria pela requerente/apelante na obra em Forjães tivesse como finalidade pagar o preço da promessa, sendo a tal absolutamente irrelevantes quer o documento que corporiza o contrato promessa, quer ainda quaisquer declarações prestadas reconhecendo tal realização;
reiterando-se, por correctos, os fundamentos expressos na decisão de julgamento da matéria de facto, improcedendo ainda o recurso relativamente á impugnação da matéria de facto.
Nestes termos, conclui-se pela total improcedência da apelação, confirmando-se a sentença recorrida, resultando prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas.

DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação, em julgar improcedente o recurso de apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pela apelante.
Guimarães, 19 de junho de 2014
Maria Luisa Ramos
Raquel Rego
António Sobrinho