Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães | |||
Processo: |
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Relator: | ANA TEIXEIRA | ||
Descritores: | ALTERAÇÃO DA QUALIFICAÇÃO JURÍDICA COMPETÊNCIA TERRITORIAL | ||
Nº do Documento: | RG | ||
Data do Acordão: | 12/01/2014 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | CONCEDIDO PROVIMENTO | ||
Sumário: | A jurisprudência fixada no acórdão do STJ 11/2013 do STJ – «A alteração, em audiência de discussão e julgamento, da qualificação jurídica dos factos constantes da acusação, ou da pronúncia, não pode ocorrer sem que haja produção de prova, de harmonia com o disposto no artº 358º nºs 1 e 3 do CPP» – é aplicável aos casos em que a alteração da qualificação jurídica dos factos tem como consequência a incompetência territorial do tribunal. | ||
Decisão Texto Integral: | O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES – SECÇÃO CRIMINAL -------------------------------- Acórdão I - RELATÓRIO 1. No processo Comum (tribunal coletivo n.º2390/06.2 PBBRG, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, foi proferido o seguinte despacho: Com efeito, resulta expressamente do texto do libelo acusatório que os mencionados arguidos coordenavam o grupo fundado para a prática dos crimes de furto, recetação, falsificação e burla que, concomitantemente, lhes são imputados. Ora, como se decidiu no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 27.11.2013, disponível na internet no endereço WWW.dgsi.pt. o crime de associação criminosa consuma-se com a ''fundação da associação com a finalidade de praticar crimes (. . .), sendo o agente punido independentemente dos crimes cometidos pelos associados e em concurso real com estes". Sendo assim, é forçoso concluir que o mencionado ilícito se manifestou aquando do cometimento do primeiro ilícito autónomo ou concreto (independentemente da moldura penal correspondente) dos vários que constituíam o escopo da organização, pelo que o tribunal onde dele primeiro houve notícia foi o tribunal da comarca da Maia (factos descritos no item 17 da acusação). Donde decorre que o tribunal competente para o conhecimento dos crimes em concurso é o tribunal da comarca da Maia, nos termos do artigo 28° do Código de Processo Penal. Mercê de diversas vicissitudes processuais (sucessivas renúncias ao mandato), a audiência de julgamento ainda não se iniciou, pelo que, salvo o devido respeito por opinião contrária, penso que nada obsta à alteração da qualificação jurídica dos factos descritos na acusação e ao conhecimento da exceção de incompetência territorial nesta fase do processo (artigo 32°, n." 2, alínea b), do CPP), salientando-se que a minha intervenção nos presentes autos, em regime de substituição legal, ocorreu em momento posterior à prolação do despacho de recebimento da acusação. Pelo exposto, considerando que os factos imputados aos arguidos Fernando e Miguel A... integram, além do mais, um crime de associação criminosa, previsto e punível pelo artigo 299°, n." 3 do Código Penal, declara-se este tribunal incompetente em razão do território para conhecer dos crimes em concurso e ordena-se a remessa dos autos ao Tribunal Judicial da Comarca da Maia, por ser o competente. Notifique e, após trânsito, remeta os autos ao tribunal considerado competente. * Mercê do ora decidido, dou sem efeito a audiência de julgamento para hoje designada. (…)» 2. Inconformados, os arguidos Maria A...; Fernando A... e João S... recorrem, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões [fls. 10307]: 3. Na resposta, o Ministério Público refuta todos os argumentos do recurso, pugnando pela manutenção do decidido [fls.10381 ]. II – FUNDAMENTAÇÃO 6. Como sabemos, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente (art. 412º, nº 1, in fine, do C.P.P., Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, 2ª Ed., III, 335 e jurisprudência uniforme do S.T.J. - cfr. acórdão do S.T.J. de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, pág. 196 e jurisprudência ali citada e Simas Santos / Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 5ª Ed., pág. 74 e decisões ali referenciadas), sem prejuízo do conhecimento oficioso dos vícios enumerados no art. 410º, nº 2, do mesmo Código. Quanto a alteração da qualificação jurídica dos factos que originou a exceção de incompetência territorial e remessa a outro tribunal, importa ter presente o seguinte: Questão central é saber se a mesma pode ocorrer no início da audiência que teve a sua abertura mas antes da produção de prova. De facto resulta dos autos que a audiência teve o seu início e nele foi ordenado o cumprimento do artigo 47º,1 do NCPC, face a revogação de mandato; só posteriormente com a situação regularizada é que veio a ter lugar o proferimento do despacho recorrido. A este propósito há que ter presente o teor do Acórdão do STJ n.º 11/2013, para fixação de jurisprudência e a respeito de questão suscitada nesta Relação de Guimarães que decidiu nos termos que passamos a citar: Em conclusão, recebida a acusação e designado dia para julgamento, a qualificação jurídica feita pelo Ministério Público, merecedora ou não da concordância do juiz, traduz -se na posição que o Ministério Público assume no processo, como órgão de justiça, que goza de estatuto próprio e de autonomia movendo -se exclusivamente por critérios de legalidade e de objetividade. Questão bem diferente é a da acusação conter um manifesto lapso ou erro, passível de correção, o que não se confunde com a divergência do juiz sobre a subsunção jurídica dos factos. Daí que, sob pena de subversão do processo, de se criar a desordem, a incerteza, cada autoridade judiciária terá que atuar no momento processual que lhe compete. E sendo indiscutível que o Tribunal é totalmente livre de qualificar os factos pelos quais condena o arguido, certo é que o momento próprio para o fazer ocorre após haver produção de prova, isto é, quando está a julgar o mérito do caso concreto.” Termos em que IX — Decidindo: Acordam em fixar a seguinte jurisprudência: «A alteração, em audiência de discussão e julgamento, da qualificação jurídica dos factos constantes da acusação, ou da pronúncia, não pode ocorrer sem que haja produção de prova, de harmonia com o disposto no artigo 358.º n.os 1 e 3 do CPP» Em termos de justificação desta decisão e de molde a podermos compreendê-la de forma adequada, passamos a transcrever extrato do que ali se deixou consignado: “Ora, considerando que a acusação, definidora do objeto do processo, integra, para além dos factos, as disposições legais aplicáveis, ou seja, a qualificação jurídica (um dos requisitos obrigatórios da acusação cuja omissão acarreta rejeição — artigo 283.º, n.º 3, alínea c), do CPP), a alteração da qualificação efetuada pelo juiz de julgamento mais não é do que um proibido controlo substantivo da acusação. De resto, se a indicação das disposições legais não integrasse a parte substantiva da acusação, certamente que o legislador não teria atribuído à sua omissão uma consequência tão grave como a rejeição. É verdade que o despacho judicial que procedeu à alteração da qualificação, não se fundamentou em diferente apreciação da prova, antes decidindo perante o próprio texto da acusação. (como é o nosso caso) No entanto, ao enquadrar os factos da acusação numa determinada qualificação jurídica, está a formular um juízo acerca do conteúdo substantivo da referida acusação. Em conclusão, recebida a acusação e designado dia para julgamento, a qualificação jurídica feita pelo Ministério Público, merecedora ou não da concordância do juiz, traduz -se na posição que o Ministério Público assume no processo, como órgão de justiça, que goza de estatuto próprio e de autonomia movendo -se exclusivamente por critérios de legalidade e de objetividade. Questão bem diferente é a da acusação conter um manifesto lapso ou erro, passível de correção, o que não se confunde com a divergência do juiz sobre a subsunção jurídica dos factos. Sob pena de subversão do processo, de se criar a desordem, a incerteza, cada autoridade judiciária terá que atuar no momento processual que lhe compete. E sendo indiscutível que o Tribunal é totalmente livre de qualificar os factos pelos quais condena o arguido, certo é que o momento próprio para o fazer ocorre após haver produção de prova, isto é, quando está a julgar o mérito do caso concreto.” Em conformidade com o exposto e em obediência ao referido Acórdão para fixação de jurisprudência impõe-se a revogação do despacho recorrido devendo os autos prosseguir os seus termos em audiência de julgamento. Efetivamente o despacho em causa foi proferido em momento anterior a produção de prova e tal possibilidade encontra-se vedada face ao referido acórdão de fixação de jurisprudência. Por tal razão fica ainda prejudicada a análise da invocada incompetência territorial do tribunal. ■ III – DISPOSITIVO Pelo exposto, os juízes acordam em: · Conceder provimento ao recurso interposto pelos recorrentes e em consequência decide-se, em obediência ao Acórdão do STJ n.º 11/2013 para fixação de jurisprudência, revogar o despacho recorrido e determinar o prosseguimento dos autos em audiência de julgamento tal como havia anteriormente sido agendada. |