Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
1224/12.3TBBGC.G3
Relator: RAQUEL REGO
Descritores: NULIDADE DA SENTENÇA
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
AQUISIÇÃO ORIGINÁRIA
RECONVENÇÃO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/02/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário:
SUMÁRIO (da exclusiva responsabilidade da relatora):

I - Todos sabemos, pela experiência de vida, como se processam os trâmites burocráticos junto das repartições de finanças e como os cidadãos se vêm confrontados com procedimentos administrativos, formatados rigidamente, que os compelem, frequentemente, a modular as suas pretensões a caminhos procedimentais, por vezes, ínvios, com vista à obtenção dos seus intentos.
II – Por isso, centrar, de modo determinante, a formação da convicção do tribunal na análise dos documentos tributários, por quem foram requeridos e assinados, é muito pouco para aquilatar da real vontade dos contraentes no negócio celebrado.
III - Os documentos tributários são isso mesmo, documentos para efeitos fiscais, não criando nem extinguindo prédios na lei civil, como também não atribuem, nem retiram, a titularidade civil dos mesmos.
IV - Resulta do disposto no artº 12º, nº5, do CIMI, que as inscrições matriciais só constituem presunção de propriedade para efeitos tributários, sem que façam qualquer prova plena sobre a formação ou composição do prédio nelas inscrito.
Decisão Texto Integral:
Acordão no Tribunal da Relação de Guimarães

I – RELATÓRIO

L. A., residente na Avenida …, lote ..., ... intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo sumário, contra Herança Ilíquida e Indivisa de M. C., representada pelos herdeiros, F. C., R. F., H. M. e F. J., pedindo a condenação da ré a:
- reconhecer que a autora é dona e legitima possuidora do prédio urbano descrito no artigo 1.º da petição e a abster-se de praticar qualquer acto susceptível de perturbar ou por em causa os seus direitos de posse e propriedade;
- ver declarado nulo e de nenhum efeito o averbamento ao registo predial correspondente à AP.2732, de 30.11.2011;
- ver cancelado o respectivo registo predial;
- ver declarado nulo e de nenhum efeito o processo de actualização de prédio urbano na matriz instaurado no Serviço de Finanças de ... e
- pagar à autora uma indemnização a título de danos morais sofridos no montante de 1.500,00€.

Para tanto, alega que é dona e legítima possuidora do prédio urbano descrito, fazendo dele a sua casa de habitação, aí pernoitando, fazendo as respectivas refeições, recebendo visitas, fazendo as respectivas obras de conservação e reparação necessárias, o que fizeram como coisa sua, a vista de toda a gente, sem oposição e ninguém e sem interrupção durante tal período temporal, convencidos convictos de que tal prédio lhe pertencia e que não lesavam direitos de outrem.
Mais alega que vendeu a F. C. em 11.03.1999 o prédio urbano composto por uma garagem de rés-do-chão sito no lugar de ..., freguesia de ..., com a área de 64,50m2, inscrito na matriz respectiva sob o art. … e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º … e que o referido réu em 30.11.2011, no âmbito do processo de imposto sucessório e na qualidade de cabeça de casal da herança aberta por óbito de sua esposa M. C., requereu junto da CRP de ... um averbamento de alteração ao registo daquele prédio inscrito na matriz da freguesia de ... sob o art. …, tendo descrito complementarmente o referido em 10º da p.i.
Em consequência directa daquele requerimento e declarações prestadas pelo réu, a respectiva descrição do prédio na CRP sob o artigo … passou a constar como tendo a área total de 195 m2, sendo 130 m2 de área coberta e 65 m2 de logradouro, tendo a composição passado de garagem de rés-do-chão para Edifício de dois andares e logradouro.
Alega ainda que aquela actuação lhe causou receio de ser perturbada na sua propriedade e posse do prédio inscrito na matriz sob o artigo 483.º, sendo o requerimento e declarações prestadas na CRP e Serviço de Finanças falsos e desprovidos de fundamento, uma vez que o prédio urbano inscrito na matriz predial da freguesia de ... sob o artigo … e descrito na CRP sob o artigo … sempre teve, nunca foi objecto de qualquer ampliação e tem a área vendida pela autora de 64,5m2.
Tal provocou na autora revolta, aborrecimentos e preocupações, temendo que o mesmo fosse abusivamente alienado e onerado, danos morais que computa em 1.500,00€ devendo a ré ser condenada no seu pagamento.

Citada, a ré contestou impugnando os factos alegados pela autora e deduziu reconvenção alegando que, por escritura pública lavrada em 19 de Novembro de 1997, a autora comprou ao ex-marido e ex-sogra um prédio urbano composto de garagem de rés-do-chão, com a área de 64,50m2, inscrito na matriz sob o artigo … e em 11 de Março de 1999 vendeu o mesmo prédio ao réu, F. C..
Todavia, reconhecendo a autora que tal prédio não tinha a descrição correspondente à realidade, procedeu à actualização dessa descrição na repartição de finanças, aí apresentando a respectiva declaração de actualização e alteração, passando a constar da actualização da caderneta predial urbana que o artigo ...º provem do artigo ...º, tendo a autora entregue ao réu, F. C. o original dessa declaração.
O prédio inscrito na matriz sob o artigo ...º é propriedade da herança e a conduta da autora perturbou o sossego e tranquilidade dos réus, provocando-lhe sérios aborrecimentos angústias e preocupações, danos morais que computa em 2.000,00€, devendo a ré ser condenada no seu pagamento e bem assim como litigante de má-fé em multa e indemnização não inferior a 2.000,00€.

Conclui pedindo que seja julgada improcedente a acção e procedente a reconvenção e, por via disso seja a Autora/Reconvinda a condenada a:
- reconhecer que o prédio urbano inscrito na matriz predial respectiva da freguesia de ... sob o artigo … proveio do artigo … e que tinha vendido ao réu F. C.;
- que este prédio, em consequência do contrato de compra e venda outorgado a favor do réu F. C. passou a pertencer-lhe;
- que o prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ... sob o artigo ...º proveio do artigo ….º em consequência da alteração e actualização apresentada pela autora/reconvinda;
- reconhecer que tal prédio, em consequência do óbito de M. C. é pertença da herança aberta por óbito desta e, em consequência abster-se de praticar qualquer acto que diminua o gozo do prédio;
- ser cancelada, por nula toda e qualquer inscrição na repartição de Finanças e Conservatória do Registo Predial existentes a favor da autora/reconvinda sob o artigo ...º,
- a pagar aos réus, a título de danos não patrimoniais a importância de 2.000,00€ e por último como litigante de má-fé em multa e indemnização não inferior a 2.000,00€;

Os autos seguiram os seus termos, com realização da audiência de discussão e julgamento e, a final, foi ser proferida a primeira sentença que, tendo sido impugnada, mereceu acórdão desta Relação que decidiu “(…) anular a decisão recorrida, determinando a ampliação dos temas de prova; a realização das diligências probatórias e a oportuna repetição do julgamento para suprimento das omissões e insuficiências supra notadas. Repetição que não abrangerá a parte não viciada, sem prejuízo das alterações que se venham a revelar necessárias para evitar contradições na decisão a proferir. (…)”.
Cumprido o ordenado e proferida nova sentença, veio a ser interposto novo recurso e novamente anulado, agora por outro colectivo, face à ausência da anterior relatora, do seguinte teor:
«Pelo exposto acordam os juízes da Relação em julgar procedente a apelação e, consequentemente, declaram nula a sentença recorrida e ordenam que o processo baixe à 1ª instância para suprir as respetivas nulidades e decidir em conformidade».
Voltaram os autos à 1ª instância, onde se proferiu sentença pela terceira vez, sendo desta última que, uma vez mais, se recorre, também com outro colectivo, por jubilação do anterior relator.

Nela se decide:
Julgar improcedente a acção intentada pela autora, absolvendo a ré do pedido.
Julgar parcialmente procedente a reconvenção e, em consequência, condenar a autora/reconvinda a:
f) Reconhecer que o prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...º proveio do artigo …, que por contrato de compra e venda celebrado por escritura pública outorgada em 11 de Março de 1999 vendeu a F. C., o qual a partir dessa data passou a pertencer-lhe e actualmente, em consequência do óbito de M. C., pertence à Herança Ré.
g) Reconhecer que o prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ... sob o artigo ….º teve origem no artigo ….º, em consequência da alteração e actualização apresentada pela autora/reconvinda em 07 de Fevereiro de 1998.
h) A abster-se de praticar qualquer acto que diminua o gozo do prédio.
Determinar a eliminação da inscrição matricial n.º ...º, da freguesia de ..., cuja titular inscrita é a autora.

É, pois, sobre esta última decisão que incide a presente apelação, em cujas conclusões a autora conclui nos seguintes termos:

1ª. A Autora não se conforma com a douta sentença proferida em 6 de janeiro de 2021, que, da mesma forma que as anteriormente proferidas em 19-02-2016 e em 11- 02-2019, julgou a ação totalmente improcedente e a reconvenção parcialmente procedente. São fundamentos:
2ª. Na sequência do douto acórdão proferido em 23 de março de 2017 pelo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães e conforme consta a fls 6, parte final, e 7 da douta sentença, foram aditados dois temas de prova com a seguinte redação:
“- Saber se, ao outorgarem na escritura pública junta como Doc. nº 2 da Petição Inicial, Autora e Réu, F. C., quiseram, respectivamente, vender e comprar uma garagem com 64,50 m2 de área ou, pelo contrário, e para além da referida garagem, vender e comprar igualmente o prédio que, em 2002, a Demandante fez inscrever na matriz sob o artigo …;”
“- O prédio identificado em 1) dos factos provados foi incluído no levantamento topográfico que instruiu o pedido de alteração à descrição do registo predial do prédio referido em 4) dos factos provados que a autora vendeu a F. C. (cfr. acta da sessão julgamento)”.
3ª. Da Ata de audiência de julgamento de 23-02-2018 consta a seguinte assentada relativamente ao depoimento do Réu F. C. (sublinhado nosso):
“Relativamente aos temas de prova aditados o réu confessou ter adquirido a garagem e que lhe foi entregue o modelo 129 o qual já se encontrava preenchido e assinado pela autora, para efeitos de posteriormente ser actualizado a respectiva matriz.
Ponto 2 dos temas de prova aditado na presente audiência de julgamento:
confessado mesmo.”
4ª. Daqui resulta (i) QUE o Réu confessou ter adquirido apenas “a garagem”, correspondente ao prédio identificado no ponto 4) dos factos provados, com a área de 64,50 m2, inscrito na matriz da freguesia de ... sob o artº … e descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº 169 (cfr. docs. 2, 3 e 4 juntos com a PI); e (ii) QUE “- O prédio identificado em 1) dos factos provados foi incluído no levantamento topográfico que instruiu o pedido de alteração à descrição do registo predial do prédio referido em 4) dos factos provados que a autora vendeu a F. C.”.
5ª. TODAVIA, de forma totalmente contraditória com o teor daquela assentada e confissão do Réu F. C., na fundamentação quanto á decisão da matéria de facto, a douta sentença fez constar que a fls 16 que (sublinhado nosso) “O réu F. C. admitiu ter comprado o artigo ….º, acrescentando que a autora lhe entregou em mão o modelo 129, tendo acordado que o objecto da venda era a casa e não só a garagem. Com o modelo 129 as Finanças colocariam o prédio em seu nome.
Segundo informação das Finanças, quando procedessem à avaliação seria atribuído um novo artigo em nome do proprietário da garagem, esclarecendo que a casa não tinha artigo matricial.”
6ª. Em consonância com esta fundamentação, a douta sentença deu como provado o facto 17) da factualidade provada (cfr. fls 12), com o que, a final, julgou a acção improcedente por não provada e julgou parcialmente procedente a reconvenção.
7ª. Como dali resulta, a fundamentação de fls 16 da douta sentença encontra-se em plena contradição relativamente àqueles factos confessados pelo Réu na audiência de julgamento de 23-02-2018, ocorrendo ambiguidade que torna a decisão ininteligível, o que faz padecer a sentença de nulidade, nos termos do artº 615º, nº 1, c), do CPC, que se invoca.
8ª. ACRESCE que, como se referiu, da assentada constante da Ata de audiência de julgamento de 23-02-2018 resulta que o Réu F. C. confessou ter adquirido apenas “a garagem”, correspondente ao prédio identificado no ponto 4) dos factos provados (cfr. conclusão 3ª).
9ª. Concomitantemente, no que diz respeito ao depoimento da Autora prestado nos autos, a douta sentença expressa a fls 15 que (sublinhado nosso) “A autora referiu ter vendido apenas a garagem ao co-réu F. C. e não a casa de habitação que pertenceu aos seus falecidos sogros e que por estes lhe havia sido doada como reconhecimento pelo facto de haver cuidado deles, tanto mais que nunca o réu F. C. teve a chave da casa sendo sempre a autora que a manteve para si.”
10ª. Desta forma, verifica-se, existiu plena consonância entre os depoimentos do Réu e da Autora no que diz respeito ao facto de a compra e venda celebrada em 11 de Março de 1999 ter tido por objeto, apenas, “a garagem” correspondente ao prédio identificado no ponto 4) dos factos provados.
11ª. TODAVIA, no ponto 17) da matéria de facto dada como provada, a douta sentença considerou como assente que (sublinhado nosso) “17) Ao outorgarem a escritura pública referida em 4) autora e réu, F. C. quiseram, respectivamente, vender e comprar para além da garagem mencionada em 4), o prédio que no ano de 2002 foi inscrito na matriz sob o artigo ...º; “
12ª. O que é traduz flagrante oposição entre a confissão do Réu, os fundamentos e a decisão da matéria de facto, o que, de igual forma, faz padecer a douta sentença de nulidade, nos termos do artº 615º, nº 1, al. c), do CPC.

SEM PRESCINDIR:
13ª. A Autora considera ocorrer erro de julgamento na resposta dada aos factos dados como provados sob os nºs 17) e 14) na douta sentença, que deveriam ter sido dados como não provados, e ainda quanto a factos que foram indevidamente dados como não provados e que a seguir se descriminam. ASSIM:
14ª. Tendo em conta o teor (i) da confissão prestada pelo Réu F. C., que consta da respetiva assentada reproduzida na Ata de audiência de julgamento de 23-02-2018, de que se salienta que aquele confessou ter adquirido apenas “a garagem”, correspondente ao prédio identificado no ponto 4) dos factos provados; e (ii) que a fls 16, a douta sentença expressa que “A autora referiu ter vendido apenas a garagem ao co-réu F. C. e não a casa de habitação que pertenceu aos seus falecidos sogros…”, resulta evidente que a compra e venda celebrada em 11 de Março de 1999, teve por objeto, apenas, “a garagem” correspondente ao prédio identificado no ponto 4) dos factos provados.
15ª. De tal circunstância decorre a existência de erro de julgamento quanto á resposta dada no ponto 17) dos factos provados, devendo ser dado como NÃO PROVADO que “17) Ao outorgarem a escritura pública referida em 4) autora e réu, F. C. quiseram, respectivamente, vender e comprar para além da garagem mencionada em 4), o prédio que no ano de 2002 foi inscrito na matriz sob o artigo ...º; “
16ª. Em consequência, deverá ser dado necessariamente COMO PROVADO:
. QUE “Ao outorgarem na escritura pública junta como Doc. nº 2 da Petição Inicial, Autora e Réu, F. C., quiseram, respectivamente, vender e comprar, apenas, uma garagem com 64,50 m2 de área”, e ainda,
. QUE (ao invés do que consta como não provado na alínea b) dos factos não provados) “As declarações prestadas pelo Réu, F. C. constantes no âmbito do imposto sucessório e na Conservatória do Registo Predial não correspondem à verdade. “
17ª. ACRESCE AINDA QUE, dando como reproduzidos os factos dados como provados sob os nºs 1), 2), 3), 4), 5), 12), 13) e 15), a douta sentença deu como provado que (sublinhado nosso) “14) A autora, reconhecendo que tal prédio não tinha a descrição matricial correspondente à realidade, procedeu à actualização dessa descrição na Repartição de Finanças, aí apresentando a respectiva declaração para inscrição ou alteração de inscrição de prédios urbanos na matriz, cujo original entregou ao réu, F. C. – cfr. declaração para inscrição ou alteração de inscrição de prédios urbanos na matriz que constitui fls. 106 a 107 dos autos.”
18ª. Conforme fls 15 da douta sentença, para prova dos factos dados como provados sob aquele nº 14) foram relevadas, de forma exclusiva, “As declarações confessórias da autora”.
19ª. Conforme Ata de Discussão e Julgamento de 24-03-2015, do depoimento de parte da Autora (registado entre as 10:52:41 e as 11:48:25) ficou consignado que “a autora admitiu os factos constantes dos artºs. 39 - CONFESSADO APENAS QUE ASSINOU A DECLARAÇÃO e 40 admitiu na totalidade”, referindo-se desta forma aos artºs 39 e 40 da contestação, com a referência de que este artº 40 da contestação expressa que “Daí que a Autora tenha entregue ao ora Réu F. C. o original dessa declaração – cfr. documento ora junto sob o nº 2”
20ª. Em consonância com esta factualidade, na alínea c) dos factos não provados deu-se como NÃO PROVADO que “c) A autora preencheu a declaração para inscrição ou alteração de inscrição de prédios urbanos na matriz referida em 14) e 15)“
21ª. Por outro lado, relativamente aos procedimentos adotados pelo Réu F. C., constantes dos factos provados sob os nºs 6), 7), 8), 9), 10), a douta sentença deu como provado que “11) Em consequência do referido em 9) e 10) a autora sentiuse aborrecida“, o que comprova inequivocamente a total discordância da Autora relativamente a tais procedimentos daquele Réu.
22ª. Concomitantemente, verifica-se ainda que, ao contrário do indevidamente presumido no ponto 14) dos factos provados, a Declaração para inscrição ou alteração de inscrição de prédios urbanos na matriz, apresentada no Serviço de Finanças de ... em 7-2-1998 NÃO TEVE por objeto o prédio correspondente ao artº ..., comprado pela Autora em 19 de Novembro de 1997 a M. J. (cfr. Facto provado nº 13), MAS ANTES o prédio que lhe havia sido doado verbalmente na década de 90 por F. L. e M. L., descrito nos pontos 1), 2) e 3) dos factos provados.
23ª. Do conjunto de tais elementos probatórios e dos referidos factos dados como provados e não provados, resulta que NÃO SE PROVOU nos autos que a Autora reconheceu que tal prédio (o referido no ponto 13 dos factos provados, inscrito na matriz da freguesia de ... sob o artº ...) não tinha a descrição matricial correspondente à realidade, NEM SE PROVOU que preencheu e/ou apresentou tal declaração para inscrição ou alteração de inscrição de prédios urbanos na matriz, datada de 07-02-1998, para proceder à atualização do prédio inscrito sob o artº ... na matriz.
24ª. Pelo que a resposta dada ao ponto 14) dos factos provados carece de qualquer fundamentação válida que a suporte, traduzindo mera presunção não suportada em qualquer prova produzida.
25ª. Considera-se por isso que os factos dados como provados sob o nº 14) foram indevidamente julgados, quer na vertente em que foi dado como provado que a Autora reconheceu que o prédio descrito no ponto 13) / artº ... da freguesia de ... não tinha a descrição matricial correspondente á realidade, quer na vertente em que deu como provado que a Autora procedeu á atualização da descrição do prédio inscrito na matriz da freguesia de ... sob o artº ... e que a apresentou na Repartição de Finanças.
26ª. De onde decorre que o facto dado como provado sob o PONTO 14) DEVERÁ SER DADO COMO NÃO PROVADO.
27ª. Nestes pressupostos, impõe-se a douta modificação da resposta dada á matéria de facto, por violação do artº 607º, nºs 3, 4 e 5, CPC, com o que resultará desde logo, salvo melhor douto entendimento, a total procedência de todos os pedidos formulados na ação e a improcedência da reconvenção deduzida pelos Réus.

TAMBÉM SEM PRESCINDIR:
28ª. Mesmo na hipótese de vir a considerar-se que os referidos elementos probatórios não são suscetíveis de determinar a alteração da matéria de facto dada como provada, nos termos supra requeridos, considera-se ainda assim que, tendo em conta os factos já dados como provados e não provados, a douta decisão proferida terá sempre de ser revogada. É QUE:
29ª. Invocando de forma cronológica a redação dada aos pontos 12), 13) e 4) dos factos dados como provados, resulta que o prédio efetivamente vendido ao Réu F. C. na escritura pública celebrada em 11 de março de 1999 tem o âmbito, é composto, apenas, pelo prédio urbano COMPOSTO POR UMA GARAGEM DE RÉS-DO-CHÃO, sito no lugar de ... – Estrada Nacional, freguesia de ..., concelho de ..., COM A ÁREA DE 64,50 M2 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ….
30ª. Dos factos provados resulta que a atual descrição do prédio no registo predial sob o nº … e inscrito na matriz sob o artº ..., identificada em 9) e 10) dos factos provados, decorre exclusivamente dos procedimentos e declarações que o Réu F. C. levou a cabo a partir de 30-11-2011, identificados nos pontos 6), 7) e 8) dos factos provados.
31ª. Como resulta dos autos, os Réus não provaram, nem sequer invocaram, qualquer aquisição originária ou derivada para a área e composição que levaram a registo predial, que foi efetuada através de meras declarações prestadas pelo Reu F. C., com os procedimentos elencados em 6) a 10) dos factos provados.
32ª. Por ser assim, tendo em conta que o artº 12º, nº 5, do Código do Imposto Municipal sobre Imoveis (CIMI), estabelece que “as inscrições matriciais só para efeitos tributários constituem presunção de propriedade”, e que a presunção do art.º 7º do Código do Registo Predial não abrange os elementos de identificação ou a composição, limites, estremas, áreas e confrontações dos prédios, a presunção de propriedade de que os RR beneficiam relativamente ao prédio urbano inscrito na matriz sob o artº ... e descrito no registo predial sob o nº 169 subsume-se, apenas, ao que efetivamente compraram e consta da respetiva escritura publica de compra e venda celebrada em 11-03-1999, ou seja, uma garagem de rés-do-chão, com a área de 64,50 m2.
33ª. Conclusão que é inevitável por força do disposto nos artºs 371º (força probatória da escritura pública) e 372º, 364º, 393º e 394º do Código Civil, não beneficiando de tal presunção de propriedade para além do âmbito que adquiriram na respetiva compra e venda.
34ª. ACRESCE ainda que, para além de tal ausência de presunção legal de propriedade por parte dos Réus, verifica-se ainda que, ao contrário do expresso na douta sentença a cfr. fls 21, penúltimo parágrafo, a AUTORA PROVOU:
. Pelo teor da escritura pública celebrada em 11 de março de 1999 (cfr. Facto provado nº 4), que vendeu ao Réu F. C., apenas, o prédio urbano composto por uma garagem de rés-do-chão, sito no lugar de ... – Estrada Nacional, freguesia de ..., concelho de ..., com a área de 64,50 m2 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº …, e,
. Que a atual descrição de tal prédio / artº ... no registo predial, identificada em 9) e 10) dos factos provados, decorre exclusivamente dos procedimentos que o Réu F. C. levou a cabo a partir de 30-11-2011, identificados nos pontos 6), 7) e 8) dos factos provados.
35ª. O que deverá determinar a superior revogação da douta sentença recorrida, sendo julgada procedente a ação e improcedente a reconvenção.
36ª. ACRESCE ainda que, tendo em conta o teor da confissão do Réu F. C. constante da Ata de audiência de julgamento de 23-02-2018, em que resulta que o mesmo adquiriu apenas “a garagem” correspondente ao prédio identificado no ponto 4) dos factos provados, conjugado com o depoimento da Autora, na parte que consta reproduzido e/ou aludido a fls 15 e 16 da douta sentença, a partir de “A autora referiu ter vendido apenas a garagem ao co-réu F. C. e não a casa de habitação que pertenceu aos seus falecidos sogros …”, não se concorda com a douta sentença quando considerou a fls 16 e 17 que “As declarações da autora não mereceram total credibilidade por parte do Tribunal. …”
37ª. Salvo o devido respeito, considera-se que daquela reprodução do depoimento da Autora constante de fls 15 e 16 da douta sentença, corroborado com o depoimento da testemunha M. J., ouvida na audiência de julgamento de 23-2-2018, aludido na douta sentença a fls 15, terceiro parágrafo, resulta que a Autora esclareceu de forma coerente e logica, as razões pelas quais vendeu apenas a garagem ao co-Reu F. C..
38ª. Pelo que tal desconsideração do depoimento da Autora não tem qualquer fundamento, excede a livre apreciação da prova a que alude o artº 607º, nº 5, do CPC e traduz presunção indevida, por não admitida no artº 349º, nºs 1 e 3, do Código Civil.
39ª. Nesta totalidade de pressupostos, ao julgar procedente a reconvenção, a douta sentença consagrou a aquisição de propriedade por parte dos RR com recurso a meras declarações prestadas pelo Réu F. C. junto da CR Predial, violando o disposto no artº 1316º, Código Civil (que consagra como únicos de aquisição de propriedade o contrato, a sucessão por morte, a usucapião e a acessão), e ainda o disposto nos artºs 371º, 372º, 364º, 393º e 394º do Código Civil e artº 7º do Código do Registo Predial.
40ª. Concomitantemente, realça-se, a doação efetuada verbalmente por F. L. e M. L. a favor da Autora na década de 90 e a inscrição na matriz do aludido prédio urbano a seu favor, sob o artº 483º (factos provados nºs 1), 2) e 3)), são factos que traduzem e lhe conferem, pelo menos, o exercício do poder de facto sobre o aludido prédio doado, que lhe presume a posse de boa-fé, que se mantém enquanto durar a atuação correspondente ao exercício do direito ou a possibilidade de a continuar, e que se presume continuar em seu nome – cfr. artºs 1252º, nº 2, 1257º, nºs 1 e 2, e 1260º, Código Civil.
41ª. Por outro lado, na sequência dos procedimentos desencadeados pelo R F. C. e descritos em 6) a 10) dos factos provados, no ponto 11) dos factos dados como provados resulta que “11) Em consequência do referido em 9) e 10) a autora sentiu-se aborrecida”.
42ª. Tais procedimentos levados a cabo pelo Reu F. C. traduziram um total aviltamento e violação flagrante do direito de propriedade da Autora sobre o prédio da sua propriedade, inscrito sob o artº …, pelo que, considera-se, tais aborrecimentos dados como provados constituem dano que merece a tutela do direito, nos termos do artº 496º, CC.
43ª. Pelo que, salvo melhor opinião, os autos impõem a procedência dos pedidos formulados na ação e a total improcedência da reconvenção.

Foram apresentadas contra-alegações pugnando pela manutenção do decidido.
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II – FUNDAMENTAÇÃO

Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos:

1) O prédio urbano destinado a habitação, composto de rés-do-chão com uma divisão para garagem; 1.º andar com 5 divisões assoalhadas, uma cozinha, uma casa de banho, corredor, despensa e uma varanda e águas furtadas com uma divisão assoalhada, afectada a habitação, não descrito na Conservatória do Registo Predial encontra-se inscrito na matriz sob o artigo ….º, desde o ano de 2002, reactivado por Reclamação Administrativa com a entrada n.º … de 2011/10/28, da freguesia de ..., com a área coberta de 126,00m2 e logradouro de 40,00m2, a confrontar do Norte com F. L., do Sul com F. L., do Nascente com Estrada Nacional e do Poente com A. F., aí constando como titular inscrito, L. A. – cfr. caderneta predial urbana que constitui fls. 13 dos autos.
2) O prédio referido em 1) foi construído pelos ex-sogros da autora, F. L. e M. L., construção que finalizaram em 1975, os quais a partir dessa data, a ocuparam, fazendo dela a sua casa de habitação, viveram, pernoitaram, efectuaram as respectivas refeições, receberam visitas, mantiveram e procederam às respectivas obras de conservação e reparação necessárias, o que fizeram como coisa sua, à vista de todos, de forma pacífica, sem oposição de ninguém e sem interrupção durante aquele período de tempo, convencidos dos seus direitos e de não lesarem ninguém.
3) Em data não concretamente determinada da década de 90, F. L. e M. L. por acordo meramente verbal doaram à autora a casa referida em 2).
4) Por escritura pública de compra e venda celebrada em 11 de Março de 1999 a autora vendeu ao réu, F. C., “ (…) pelo preço de sessenta mil escudos o prédio urbano composto por uma garagem de rés do chão, sito no lugar de ... – Estrada Nacional, freguesia de ..., concelho de ..., com a área de sessenta e quatro vírgula cinquenta metros quadrados, a confrontar do Norte e do Sul com F. L., do Nascente com a Estrada Nacional e do Poente com A. F., inscrito na matriz respectiva, sob o artigo ..., com o valor patrimonial de 6.233$00, descrito na Conservatória do Registo Predial, deste concelho sob o número ... pela mencionada freguesia de ..., inscrito a favor da vendedora (…)” – cfr. escritura pública de compra e venda que constitui o documento de fls. 14 e 15 dos autos.
5) O prédio referido em 4) encontra-se inscrito na Conservatória do Registo Predial de ..., através da AP. 9 de 15.09.2004, a favor de F. C., mediante compra efectuada a L. A. – cfr. caderneta predial urbana de fls. 17 e certidão da Conservatória do Registo Predial que constitui fls.26 dos autos.
6) Em 30 de Novembro de 2011, F. C., no âmbito do processo de imposto sucessório e na qualidade de cabeça de casal da herança aberta por óbito de sua esposa, M. C., entretanto falecida, requereu junto da Conservatória do Registo Predial de ... um “Averbamento de Alteração”, ao registo do prédio mencionado em 4), inscrito na matriz da freguesia de ... sob o artigo ...º e aí descrito sob o n.º … – cfr. documentos que constituem fls. 18 a 20 (requisição de registo – averbamento de alteração), 21 e 22 (comprovativo da Declaração para Inscrição ou Actualização de Prédios Urbanos na Matriz (Modelo I) e 23 a 25 (Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) e Declaração para Inscrição ou Actualização de Prédios Urbanos na Matriz (Modelo I);
7) No requerimento de registo para “Averbamento de Alteração”, F. C. declarou “Declara complementarmente o apresentante que o prédio retro-identificado tem a seguinte composição: Edifício de 2 andares – sc.130m2 e logradouro – 65m2 – Lugar de ... – Estrada Nacional – ..., .... Que o prédio não sofreu qualquer alteração na sua composição, sempre teve a área total de 195m2, apenas não constava por razões económicas, o que declarou sob a sua inteira responsabilidade.(…)” - cfr. documento que constitui fls. 18 a 20 (requisição de registo – averbamento de alteração).
8) O réu, F. C. instruiu aquele requerimento com três documentos aí anexos, sendo os dois primeiros de actualização de prédio urbano na matriz, em que figurou como cabeça de casal da herança aberta por óbito de sua esposa, M. C. e o terceiro, intitulado levantamento topográfico, “efectuado de acordo com elementos fornecidos pelo proprietário” - cfr. documentos que constituem fls. 21 e 22 (comprovativo da Declaração para Inscrição ou Actualização de Prédios Urbanos na Matriz (Modelo I) e 23 a 25 (Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) e Declaração para Inscrição ou Actualização de Prédios Urbanos na Matriz (Modelo I);
9) Na sequência do referido em 5) e 6) e mediante a AP. 2732 de 30.11.2011 – averbamento de alteração - a descrição do prédio inscrito na matriz sob o artigo ...º e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º …/19961122 passou a ser a seguinte: “ (…)Área total: 195m2; Área Coberta: 130m2; Área Descoberta: 65 m2; Matriz n.º ... Natureza: Urbana; Composição e Confrontações: Edifício de 2 pisos e logradouro. Norte e Sul, F. L.; Nascente, Estrada Nacional; Poente, A. F..” – cfr. certidão da Conservatória do Registo Predial que constitui fls.26 a 27 dos autos.
10) Na sequência do referido em 5) e 6) a descrição do prédio inscrito na matriz sob o artigo ....º passou a ser a seguinte: “Prédio em propriedade total sem andares nem divisões susceptíveis de utilização independente, Afectação: Habitação N.º de Pisos: 2 Tipologia/Divisões: 4”, constando como titular inscrito, M. C. – cabeça de casal da Herança de” - cfr. caderneta predial urbana que constitui fls. 28 dos autos.
11) Em consequência do referido em 9) e 10) a autora sentiu-se aborrecida.
12) Em 17 de Outubro de 1997, na Repartição de Finanças de ... a autora “declarou que pretende pagar a sisa que for devida com referência a compra que vai fazer por 50.000$00 (cinquenta mil escudos) a M. J., divorciado (…) residente em ..., e M. L., viúva, residente em ..., de: uma casa que se destina a habitação, digo garagem, sita à Estrada Nacional, inscrita na matriz predial urbana da freguesia de ..., sob o n.º ..., com o valor tributável de 6.233$00 (…)” – cfr. cópia do termo de declaração para liquidação de SISA que constitui o documento de fls. 51 dos autos.
13) Por escritura pública de compra e venda celebrada em 19 de Novembro de 1997, no Cartório Notarial de ..., L. A. comprou a M. J. e M. L., seu ex-marido e sogra, respectivamente “(…) pelo preço de cinquenta mil escudos (…) um prédio urbano composto por uma garagem de rés do chão, sito no lugar de ... – Estrada Nacional, no limite da indicada freguesia de ..., com a área de sessenta e quatro vírgula cinquenta metros quadrados, a confrontar do Norte e do Sul com F. L., do Nascente com a Estrada Nacional e do Poente com A. F., inscrito na matriz respectiva, sob o artigo ..., com o valor patrimonial de 6.233$00, descrito na Conservatória do Registo Predial, deste concelho sob o número ... pela indicada freguesia de ..., inscrito a favor dos vendedores, pela inscrição G-um a favor dos vendedores (…)” – cfr. escritura pública de compra e venda que constitui o documento de fls. 70 a 72 dos autos.
14) A autora, reconhecendo que tal prédio não tinha a descrição matricial correspondente à realidade, procedeu à actualização dessa descrição na Repartição de Finanças, aí apresentando a respectiva declaração para inscrição ou alteração de inscrição de prédios urbanos na matriz, cujo original entregou ao réu, F. C. – cfr. declaração para inscrição ou alteração de inscrição de prédios urbanos na matriz que constitui fls. 106 a 107 dos autos.
15) Na declaração referida em 14), datada de 07.02.1998, assinada pela autora, é aí referido, no ponto 08 que “Número do artigo em que o prédio ou parte do prédio se encontrava inscrito na matriz – ... urbano da freguesia de ...; (…) e no ponto 15 “Construído no prédio urbano inscrito na matriz da freguesia de ...” (…) - cfr. declaração para inscrição ou alteração de inscrição de prédios urbanos na matriz que constitui fls. 106 a 107.
16) Da actualização da caderneta predial urbana passou a constar, na sequência do referido em 13) e 14) que o artigo matricial ...º teve origem no artigo ....º - cfr. caderneta predial urbana de fls. 68.
17) Ao outorgarem a escritura pública referida em 4) autora e réu, F. C. quiseram, respectivamente, vender e comprar para além da garagem mencionada em 4), o prédio que no ano de 2002 foi inscrito na matriz sob o artigo ….º;
18) O qual proveio do prédio urbano anteriormente inscrito na matriz sob o artigo ....º.
19) O prédio referido em 1) foi incluído no levantamento topográfico mencionado em 8) que instruiu o pedido de alteração à descrição na Conservatória do Registo Predial do prédio referido em 4).

E fez constar como “Não Provado” o seguinte:
a) A partir de pelo menos Agosto de 1990 e até à presente data, a Autora ocupou o prédio mencionado em 1), fazendo dela, também a sua casa de habitação, nela viveu, pernoitou, efectuou refeições, recebeu visitas, manteve e procedeu às respectivas obras de conservação e reparação necessárias, o que fez como coisa sua, à vista de todos, de forma pacífica, sem oposição de ninguém e sem interrupção durante aquele período de tempo, convencida dos seus direitos próprios de posse e de não lesar ninguém.
b) As declarações prestadas pelo Réu, F. C. constantes no âmbito do imposto sucessório e na Conservatória do Registo Predial não correspondem à verdade.
c) A autora preencheu a declaração para inscrição ou alteração de inscrição de prédios urbanos na matriz referida em 14) e 15).
d) A conduta da autora perturbou o sossego e a tranquilidade dos co-herdeiros, representantes da herança ré.
e) Os co-herdeiros, representantes da herança ré, sentiram-se aborrecidos, angustiados e preocupados.
***
Cumpridos os vistos legais, cumpre decidir.
Há que ter presente que o objecto dos recursos é balizado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do C. P. Civil).
Nos recursos apreciam-se questões e não razões.

Primeira questão: Nulidade da sentença fundamentada no disposto no artº 615º, nº1, c), do CPC e a «flagrante oposição ente a composição do réu, os fundamentos e a decisão da matéria de facto».
As causas de nulidade das sentenças e dos despachos, (ex vi artº 613º, nº3, do CPC) estão previstas no artº 615º do CPC, onde se comina como tal aquela em que os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível – nº1, c).

Como pode ler-se no Acórdão do Tribunal desta Relação de Guimarães, de 17/12/2018, Procº 1867/14.0TBBCL-F.G1, disponível em www.dgsi.pt:
“Os vícios determinativos de nulidade da sentença encontram-se taxativamente enunciados no referido art. 615º, do CPC, e reportam-se à estrutura ou aos limites da sentença, tratando-se de defeitos de atividade ou de construção da própria sentença, ou seja, a vícios formais da sentença ou relativos à extensão do poder jurisdicional por referência ao caso submetido ao tribunal.
Respeitam a vícios da estrutura da sentença os fundamentos enunciados nas alíneas b) - falta de fundamentação - e c) - oposição entre os fundamentos e a decisão -, e respeitam a vícios atinentes aos limites da sentença, os enunciados nas alíneas d) - omissão ou excesso de pronúncia - e e) - pronuncia ultra petitum.
Trata-se de vícios que “afetam formalmente a sentença e provocam a dúvida sobre a sua autenticidade, como é o caso da falta de assinatura do juiz, ou a ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que se decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduzir logicamente a resultado oposto do adotado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender resolver questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões que deveria conhecer (omissão de pronúncia)” (Abílio Neto, in “Novo Código de Processo Civil Anotado”, 2ª ed., janeiro/2014, pág. 734.).
Coisa diversa, porém, são os chamados erros de julgamento (error in iudicando), que se traduzem em erros ocorridos ao nível do julgamento da matéria de facto ou ao nível da decisão de mérito proferida na sentença/decisão recorrida, decorrentes de uma distorção da realidade factual (error facti) e/ou na aplicação do direito (error iuris), de forma que o decidido não corresponde à realidade ontológica ou normativa.
Neles, colhe-se uma deficiente análise crítica das provas produzidas ou a uma deficiente enunciação e/ou interpretação dos institutos jurídicos aplicados ao caso concreto, sendo que esses erros, por não respeitarem já a defeitos que afetam a própria estrutura da sentença (vícios formais), sequer do poder à sombra do qual a sentença é proferida, mas ao mérito da relação material controvertida nela apreciada, não a inquinam de invalidade, mas de error in iudicando, atacáveis em via de recurso - Ac. STJ. 08/03/2001, Proc. 00A3277.
Daqui decorre, assim, que os vícios da decisão da matéria de facto constituem erros de julgamento na vertente de “error facti” e como tal nunca constituem causa de nulidade da sentença com fundamento no art. 615º do CPC.
Improcede, por tudo, a nulidade invocada.

Quanto ao demais:
Em alegações que pecam por alguma falta de clareza (dado que mescla temas de prova, declarações de parte, fundamentação e factos que pretende impugnar, sem qualquer rigor de sistematização), circunscrevendo-nos às respectivas conclusões (normas citadas) e fazendo esforço para ir de encontro ao que julgamos ser a arguição da recorrente, cremos que se pretende e reapreciação da matéria vertida sob os nºs 14 e 17 dos factos provados e alínea b) dos não provados.

Têm o seguinte teor:
14) A autora, reconhecendo que tal prédio não tinha a descrição matricial correspondente à realidade, procedeu à actualização dessa descrição na Repartição de Finanças, aí apresentando a respectiva declaração para inscrição ou alteração de inscrição de prédios urbanos na matriz, cujo original entregou ao réu, F. C. – cfr. declaração para inscrição ou alteração de inscrição de prédios urbanos na matriz que constitui fls. 106 a 107 dos autos.
17) Ao outorgarem a escritura pública referida em 4) autora e réu, F. C. quiseram, respectivamente, vender e comprar para além da garagem mencionada em 4), o prédio que no ano de 2002 foi inscrito na matriz sob o artigo ...º;
b) As declarações prestadas pelo Réu, F. C. constantes no âmbito do imposto sucessório e na Conservatória do Registo Predial não correspondem à verdade.

Começando já por esta última – a alínea b) – «A selecção da matéria de facto só pode integrar acontecimentos ou factos concretos, que não conceitos, proposições normativas ou juízos jurídico-conclusivos. Caso contrário, as asserções que revistam tal natureza devem ser excluídas do acervo factual relevante» - acordão do Supremo Tribunal de Justiça de 29.04.2015, Procº 306/12.6TTCVL.C1.S1, também aí se citando Miguel Teixeira de Sousa, ‘Estudos sobre o Novo Processo Civil’, Lex, 1997, pg. 312, quando refere que a matéria de facto não pode conter qualquer apreciação de direito, seja, qualquer valoração segundo a interpretação ou a aplicação da lei, ou qualquer juízo, indução ou conclusão jurídica.
Sendo assim, depara-se como inquestionável que não pode ser dada como provada a conclusão de que não correspondem à verdade as declarações de F. C., atento o seu carácter conclusivo; impunha-se, até, que, por tal motivo, não constasse sequer do elenco dos factos, provados ou não.

Agora, reportando-nos ao facto 14, quer-se a sua remoção da factualidade provada.
Para dar como provado que «A autora, reconhecendo que tal prédio não tinha a descrição matricial correspondente à realidade, procedeu à actualização dessa descrição na Repartição de Finanças, aí apresentando a respectiva declaração para inscrição ou alteração de inscrição de prédios urbanos na matriz, cujo original entregou ao réu, F. C. – cfr. declaração para inscrição ou alteração de inscrição de prédios urbanos na matriz que constitui fls. 106 a 107 dos autos» (assim está na sentença, numa técnica processual própria de mandatário), o tribunal a quo fez constar o seguinte:
« valorou o acervo documental junto aos autos, designadamente a caderneta predial urbana relativa ao prédio inscrito na matriz sob o artigo 483.º (fls. 13), a certidão da escritura pública de compra e venda de fls. 14 a 15, caderneta predial urbana do prédio inscrito na matriz sob o artigo ....º de fls. 17, certidão do registo predial relativa ao prédio descrito sob o n.º 169, de fls. 16, requisição de registo – averbamento de alteração, modelo do IRN de fls. 18 a 20, comprovativo da declaração para inscrição ou actualização de prédios urbanos na matriz de fls. 21 a 22, Modelo I do IMI de fls. 23 a 25, certidão do registo predial relativa ao prédio descrito sob o n.º 169 com o averbamento de alteração de fls. 26 a 27, caderneta predial urbana relativa ao prédio inscrito na matriz sob o artigo ....º, cujo titular é a herança ré, de fls. 28, cópia do termo de declaração para pagamento de SISA de fls. 51, escritura de compra e venda de fls. 70 a 72, certidão emitida pelo Serviço de Finanças de ... de fls.52 a 72, declaração para inscrição ou alteração de prédios urbanos na matriz (antigo Modelo 129) de fls.106 a 107».
E mais à frente, acrescentou, ainda, que as declarações confessórias da autora foram consideradas para prova dos factos vertidos em 14).
Assim se vê que, contrariamente ao que alega no seu recurso (18ª conclusão), a prova de tal facto não se sustentou exclusivamente nas declarações confessórias da autora, mas nelas e nos documentos supra enunciados.
Daí que, embora se reconhecendo que a autora não tenha confessado que foi quem preencheu e depois entregou ao F. C. a declaração, mas tão só que a assinou, o tribunal a quo não estava impedido de, com recurso às suas declarações em conjugação com os outros elementos que referiu, ter dado como provado o teor do nº14, de que agora a apelante discorda.
Trata-se de matéria sujeita a livre apreciação que não é contrariada pelo teor da assentada feita.
Todavia, nas palavras da autora, o móbil da declaração que consta do “modelo” de requerimento tributário por si subscrito, não foi o reconhecimento da desconformidade da descrição matricial, mas a legalização da situação, uma vez que a restante construção não tinha artigo matricial, sendo que os documentos a que alude a resposta não têm a virtualidade de, por si só, afastar tal declaração.
Acresce que, como resulta do documento, não foi a autora que o preencheu, mas apenas que o assinou.

Modifica-se, pois, a resposta, nos seguintes termos:
«Provado que a autora assinou o documento de fls. 106 e 107, de declaração para inscrição ou alteração de inscrição de prédios urbanos na matriz».
Relativamente ao ponto 17) onde se dá como provado que «Ao outorgarem a escritura pública referida em 4) autora e réu, F. C. quiseram, respectivamente, vender e comprar para além da garagem mencionada em 4), o prédio que no ano de 2002 foi inscrito na matriz sob o artigo ...º», diz a recorrente que deve ser considerado “Não Provado”.

A Srª Juiz a quo exarou a seguinte fundamentação:
«A convicção do Tribunal para prova dos factos vertidos em 17) a 19) baseou-se no teor dos documentos juntos pela Autoridade Tributária, conjugados com os depoimentos de parte da autora e réu, F. C. e declarações de parte que os mesmos prestaram em audiência de julgamento, na parte em que não constituíram confissão.
A autora referiu ter vendido apenas a garagem ao co-réu F. C. e não a casa de habitação que pertenceu aos seus falecidos sogros e que por estes lhe havia sido doada como reconhecimento pelo facto de haver cuidado deles, tanto mais que nunca o réu F. C. teve a chave da casa sendo sempre a autora que a manteve para si.
Instada a esclarecer a razão pela qual no ano anterior à venda procedeu à entrega no Serviço de Finanças da declaração modelo 129 referiu que foi para poder legalizar o prédio, uma vez que a casa não estava na matriz e entregou tal Modelo 129 ao réu F. C. aquando da venda da garagem, uma vez que o mesmo teria de pagar os respectivos impostos. Instada igualmente a esclarecer o porquê de ter declarado que se tratava de uma ampliação/prédio melhorado construído no prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ....º, referiu que foi aconselhada a fazê-lo por parte do Serviço de Finanças e assim ficava com a casa legalizada e o réu com a situação resolvida.
Mais referiu que o seu ex-marido, M. J. lhe pediu se lhe facilitava a venda da garagem ao réu F. C., uma vez que aquele teria uma dívida para com o réu, ao que acedeu e vendeu por sessenta contos.
O réu F. C. admitiu ter comprado o artigo ....º, acrescentando que a autora lhe entregou em mão o modelo 129, tendo acordado que o objecto da venda era a casa e não só a garagem. Com o modelo 129 as Finanças colocariam o prédio em seu nome. Segundo informação das Finanças, quando procedessem à avaliação seria atribuído um novo artigo em nome do proprietário da garagem, esclarecendo que a casa não tinha artigo matricial.
Após o óbito da esposa e não sendo possível a alteração da titularidade do (ainda em vigor, mas actualmente extinto) artigo ...º foi-lhe transmitido no Serviço de Finanças que teria de proceder a uma alteração no registo predial, o que fez.
As declarações da autora não mereceram total credibilidade por parte do Tribunal. Com efeito, se o objecto da venda não fosse a casa de habitação, não se compreenderia a razão pela qual apresentou no ano anterior à venda a declaração Modelo 129 para participação de prédio omisso declarando que se tratava de uma ampliação a qual tinha origem no artigo ....º entregando tal declaração ao réu F. C.. É que se o objecto do negócio fosse apenas a garagem, a qual possuía artigo matricial e estava “legalizada”, em termos fiscais, não tinha a autora necessidade de entregar o modelo 129 para a legalizar, quando a mesma estava, em termos fiscais legalizada.
Pese embora fosse apenas aflorado as razões subjacentes a este negócio, não teve dúvidas o Tribunal de que o mesmo se destinou a garantir o pagamento de uma dívida que o ex-marido da autora tem para com o réu F. C., como aliás aquele confirmou. Tal venda seria revertida quando a referida dívida fosse liquidada, tanto quanto foi possível perceber. E não é crível que tenham apenas e tão só vendido a garagem pelo preço de sessenta contos como meio de garantia de uma dívida de cerca de 35.000,00€.
Também é, no mínimo estranho que a autora apenas no ano de 2011 se tenha apercebido do lapso em que incorreu em 1998 aquando da apresentação do modelo 129 e posterior pedido de eliminação do artigo matricial 483, tendo-se quedado inerte mais de 10 anos».
Ficou, assim o Tribunal convicto que a vontade das partes foi efectivamente a compra e venda da garagem e da casa de habitação e não apenas a garagem como alega a autora».
Ora, revisitados os depoimentos destas partes, não acompanhamos a linha de raciocínio feito.
O F. C. afirma que comprou a garagem, mas acrescenta que comprou tudo, sustentando-se, para assim afirmar, essencialmente na entrega que a L. A. lhe fez do documento das Finanças, apelidado de modelo 129. Tirando os documentos tributários, nada de relevante acrescenta quanto à vontade das partes no negócio. Enreda-se em documentos tributários, mas nada revela da vontade negocial.
De resto, mesmo quanto a eles, porque razão afirma o réu no seu depoimento que lhe disseram que os “vendedores” teriam de dar um novo artigo se, na sua opinião, tudo estava a ser vendido e já havia um artigo matricial. Se a coisa era única, único deveria ser o artigo matricial, ainda que sujeito a correcção quanto ao respectivo teor.
Instado para o efeito, quanto à configuração do imóvel, afirmou que todo o espaço na parte de baixo da construção é um único espaço, amplo e sem divisão.
Por sua vez, a L. A. reiterou que só vendeu a garagem e que, para além dela, existe a casa e outra garagem e uma adega.
Os “baixos” estão divididos em duas partes, não sendo verdade que, como diz o F. C., a parte debaixo é toda uma.
A casa não estava declarada, como era muito comum na altura, continua.
Só vendeu o artº ..., diz. A garagem vendida já tinha sido desanexada de outro prédio dos seus sogros.
Apenas assinou o modelo 129 porque disseram nas Finanças que, para legalizar a casa, era mais fácil a partir de um artigo já existente e por isso foi seguido esse caminho.
Declarou que é ela quem paga o IMI da casa e que sempre usou a casa, sendo ela quem tem a chave.
Sobre o negócio declarou que, antes dele, nunca falou com o F. C., tendo sido tratado através do ex-marido.
Aqui chegados, todos sabemos, pela experiência de vida, como se processam os trâmites burocráticos junto das repartições de finanças e como os cidadãos se vêm confrontados com procedimentos administrativos, formatados rigidamente, que os compelem, frequentemente, a modular as suas pretensões a caminhos procedimentais, por vezes, ínvios, com vista à obtenção dos seus intentos.
Serve isto para dizer que centrar, de modo determinante, a formação da convicção do tribunal na análise dos documentos tributários, por quem foram requeridos e assinados, é muito pouco para aquilatar da real vontade dos contraentes no negócio que ora nos ocupa.
Os documentos tributários são isso mesmo, documentos para efeitos fiscais, não criando nem extinguindo prédios na lei civil, como também não atribuem, nem retiram, a titularidade civil dos mesmos.
Impõe-se, por isso e de modo inquestionável, a procura de outros sinais que nos elucidem e que não estão sujeitos a regras burocráticas que o cidadão tem de seguir.
Ora, nesta senda e reportando-nos à vontade das partes, há sinais objectivos que nos afastam da valoração feita pelo tribunal a quo. Assim, não há consenso quanto à configuração da parte de baixo do prédio: enquanto o F. C. diz que a garagem é um compartimento único que ocupa toda a parte de baixo da construção, já a L. A. declara que existem duas garagens e uma adega.
A L. A. declara que sempre teve a chave da casa de habitação e nunca a deixou de ter, que pagou IMI da casa a partir da criação fiscal dela (artº 483º) e que o F. C. nunca na mesma entrou, argumentos que, reportados a si, o F. C. nunca invocou como seria, de todo, natural.
Sabemos que, por anterior acórdão em que não interveio este colectivo, a Relação mandou indagar da vontade real vontade das partes quanto ao âmbito do negócio.
Ora, a prova a exigir para afastar a que consta de uma declaração formal num documento autêntico, tem forçosamente de obedecer a um elevado grau de exigência e a aqui produzida não se reveste dessa qualidade, enredando-se em infindáveis análises de requerimentos tributários e levantamentos topográficos que não nos dilucidam o diferendo, pelos fundamentos que supra se enunciaram.
Modifica-se, por isso, a resposta à matéria de facto ficando a constar do ponto 17 o seguinte: «Provado apenas o que consta o que consta da resposta ao ponto 4».

Cumpre, agora, operar a subsunção jurídica dos factos.
E, aqui, a primeira referência que se impõe é que parece ocorrer alguma vontade de resolver o diferendo civil pela via tributária.
Para aquilatar da acção ou da reconvenção, teremos de nos sediar na lei civil, no modo de aquisição e de transmissão dos bens imóveis e não na valoração de documentos da repartição de finanças, preenchidos em obediência às normas fiscais, sem qualquer relevância jurídica fora do seu âmbito.

E para assim se decidir, importa ter presente o que de relevante se provou em termos de lei civil. Está provado que:
1) O prédio urbano destinado a habitação, composto de rés-do-chão com uma divisão para garagem; 1.º andar com 5 divisões assoalhadas, uma cozinha, uma casa de banho, corredor, despensa e uma varanda e águas furtadas com uma divisão assoalhada, afectada a habitação, não descrito na Conservatória do Registo Predial encontra-se inscrito na matriz sob o artigo ...º, desde o ano de 2002, reactivado por Reclamação Administrativa com a entrada n.º 8030 de 2011/10/28, da freguesia de ..., com a área coberta de 126,00m2 e logradouro de 40,00m2, a confrontar do Norte com F. L., do Sul com F. L., do Nascente com Estrada Nacional e do Poente com A. F., aí constando como titular inscrito, L. A. – cfr. caderneta predial urbana que constitui fls. 13 dos autos.
2) O prédio referido em 1) foi construído pelos ex-sogros da autora, F. L. e M. L., construção que finalizaram em 1975, os quais a partir dessa data, a ocuparam, fazendo dela a sua casa de habitação, viveram, pernoitaram, efectuaram as respectivas refeições, receberam visitas, mantiveram e procederam às respectivas obras de conservação e reparação necessárias, o que fizeram como coisa sua, à vista de todos, de forma pacífica, sem oposição de ninguém e sem interrupção durante aquele período de tempo, convencidos dos seus direitos e de não lesarem ninguém.
3) Em data não concretamente determinada da década de 90, F. L. e M. L. por acordo meramente verbal doaram à autora a casa referida em 2).
4) e 17) Por escritura pública de compra e venda celebrada em 11 de Março de 1999 a autora vendeu ao réu, F. C., “ (…) pelo preço de sessenta mil escudos o prédio urbano composto por uma garagem de rés do chão, sito no lugar de ... – Estrada Nacional, freguesia de ..., concelho de ..., com a área de sessenta e quatro vírgula cinquenta metros quadrados, a confrontar do Norte e do Sul com F. L., do Nascente com a Estrada Nacional e do Poente com A. F., inscrito na matriz respectiva, sob o artigo ..., com o valor patrimonial de 6.233$00, descrito na Conservatória do Registo Predial, deste concelho sob o número ... pela mencionada freguesia de ..., inscrito a favor da vendedora (…)” – cfr. escritura pública de compra e venda que constitui o documento de fls. 14 e 15 dos autos.
5) O prédio referido em 4) encontra-se inscrito na Conservatória do Registo Predial de ..., através da AP. 9 de 15.09.2004, a favor de F. C., mediante compra efectuada a L. A. – cfr. caderneta predial urbana de fls. 17 e certidão da Conservatória do Registo Predial que constitui fls.26 dos autos.
6) Em 30 de Novembro de 2011, F. C., no âmbito do processo de imposto sucessório e na qualidade de cabeça de casal da herança aberta por óbito de sua esposa, M. C., entretanto falecida, requereu junto da Conservatória do Registo Predial de ... um “Averbamento de Alteração”, ao registo do prédio mencionado em 4), inscrito na matriz da freguesia de ... sob o artigo ....º e aí descrito sob o n.º .. – cfr. documentos que constituem fls. 18 a 20 (requisição de registo – averbamento de alteração), 21 e 22 (comprovativo da Declaração para Inscrição ou Actualização de Prédios Urbanos na Matriz (Modelo I) e 23 a 25 (Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) e Declaração para Inscrição ou Actualização de Prédios Urbanos na Matriz (Modelo I);
7) No requerimento de registo para “Averbamento de Alteração”, F. C. declarou “Declara complementarmente o apresentante que o prédio retro-identificado tem a seguinte composição: Edifício de 2 andares – sc.130m2 e logradouro – 65m2 – Lugar de ... – Estrada Nacional – ..., .... Que o prédio não sofreu qualquer alteração na sua composição, sempre teve a área total de 195m2, apenas não constava por razões económicas, o que declarou sob a sua inteira responsabilidade.(…)” - cfr. documento que constitui fls. 18 a 20 (requisição de registo – averbamento de alteração).
8) O réu, F. C. instruiu aquele requerimento com três documentos aí anexos, sendo os dois primeiros de actualização de prédio urbano na matriz, em que figurou como cabeça de casal da herança aberta por óbito de sua esposa, M. C. e o terceiro, intitulado levantamento topográfico, “efectuado de acordo com elementos fornecidos pelo proprietário” - cfr. documentos que constituem fls. 21 e 22 (comprovativo da Declaração para Inscrição ou Actualização de Prédios Urbanos na Matriz (Modelo I) e 23 a 25 (Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) e Declaração para Inscrição ou Actualização de Prédios Urbanos na Matriz (Modelo I);
9) Na sequência do referido em 5) e 6) e mediante a AP. 2732 de 30.11.2011 – averbamento de alteração - a descrição do prédio inscrito na matriz sob o artigo ....º e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º …/19961122 passou a ser a seguinte: “ (…)Área total: 195m2; Área Coberta: 130m2; Área Descoberta: 65 m2; Matriz n.º ... Natureza: Urbana; Composição e Confrontações: Edifício de 2 pisos e logradouro. Norte e Sul, F. L.; Nascente, Estrada Nacional; Poente, A. F..” – cfr. certidão da Conservatória do Registo Predial que constitui fls.26 a 27 dos autos.
10) Na sequência do referido em 5) e 6) a descrição do prédio inscrito na matriz sob o artigo ....º passou a ser a seguinte: “Prédio em propriedade total sem andares nem divisões susceptíveis de utilização independente, Afectação: Habitação N.º de Pisos: 2 Tipologia/Divisões: 4”, constando como titular inscrito, M. C. – cabeça de casal da Herança de” - cfr. caderneta predial urbana que constitui fls. 28 dos autos.
11) Em consequência do referido em 9) e 10) a autora sentiu-se aborrecida.
12) Em 17 de Outubro de 1997, na Repartição de Finanças de ... a autora “declarou que pretende pagar a sisa que for devida com referência a compra que vai fazer por 50.000$00 (cinquenta mil escudos) a M. J., divorciado (…) residente em ..., e M. L., viúva, residente em ..., de: uma casa que se destina a habitação, digo garagem, sita à Estrada Nacional, inscrita na matriz predial urbana da freguesia de ..., sob o n.º ..., com o valor tributável de 6.233$00 (…)” – cfr. cópia do termo de declaração para liquidação de SISA que constitui o documento de fls. 51 dos autos.
13) Por escritura pública de compra e venda celebrada em 19 de Novembro de 1997, no Cartório Notarial de ..., L. A. comprou a M. J. e M. L., seu ex-marido e sogra, respectivamente “(…) pelo preço de cinquenta mil escudos (…) um prédio urbano composto por uma garagem de rés do chão, sito no lugar de ... – Estrada Nacional, no limite da indicada freguesia de ..., com a área de sessenta e quatro vírgula cinquenta metros quadrados, a confrontar do Norte e do Sul com F. L., do Nascente com a Estrada Nacional e do Poente com A. F., inscrito na matriz respectiva, sob o artigo ..., com o valor patrimonial de 6.233$00, descrito na Conservatória do Registo Predial, deste concelho sob o número ... pela indicada freguesia de ..., inscrito a favor do vendedores, pela inscrição G-um a favor dos vendedores (…)” – cfr. escritura pública de compra e venda que constitui o documento de fls. 70 a 72 dos autos.
14) A autora assinou o documento de fls. 106 e 107, de declaração para inscrição ou alteração de inscrição de prédios urbanos na matriz».
15) Na declaração referida em 14), datada de 07.02.1998, assinada pela autora, é aí referido, no ponto 08 que “Número do artigo em que o prédio ou parte do prédio se encontrava inscrito na matriz – ... urbano da freguesia de ...; (…) e no ponto 15 “Construído no prédio urbano inscrito na matriz da freguesia de ...” (…) - cfr. declaração para inscrição ou alteração de inscrição de prédios urbanos na matriz que constitui fls. 106 a 107.
16) Da actualização da caderneta predial urbana passou a constar, na sequência do referido em 13) e 14) que o artigo matricial ...º teve origem no artigo ....º - cfr. caderneta predial urbana de fls. 68.
18) O qual proveio do prédio urbano anteriormente inscrito na matriz sob o artigo ....º.
19) O prédio referido em 1) foi incluído no levantamento topográfico mencionado em 8) que instruiu o pedido de alteração à descrição na Conservatória do Registo Predial do prédio referido em 4).

Conforme ficou já dito e resulta também do disposto no artº 12º, nº5, do CIMI, as inscrições matriciais só constituem presunção de propriedade para efeitos tributários.
Constituem as certidões matriciais um mero elemento de identificação, sem que façam qualquer prova plena sobre a formação ou composição do prédio nelas inscrito (Ac. do STJ de 30/1/90, BMJ 393, pág. 597)
O pedido da autora é o de que a ré seja condenada a reconhecer que é aquela dona e legitima possuidora do prédio urbano descrito no artigo 1.º da petição.
Este prédio é descrito pela recorrente como urbano destinado a habitação, composto de rés-do-chão com uma divisão para garagem; 1.º andar com 5 divisões assoalhadas, uma cozinha, uma casa de banho, corredor, despensa e uma varanda e águas furtadas com uma divisão assoalhada, afectada a habitação, não descrito na Conservatória do Registo Predial, com as confrontações que dos autos constam.
Linearmente, pode desde já adiantar-se que a autora não beneficia da presunção resultante do artº 7º do CRP, nos termos do qual o “registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define”.
O direito de propriedade adquire-se por contrato, sucessão por morte, usucapião, ocupação, acessão e demais modos previstos na lei artº 1316º do Código Civil.
No caso dos autos, provou-se que os sogros da autora construíram a casa em 1975, sempre a ocuparam, comportando-se como proprietários e sem oposição conhecida (ponto 2 da matéria de facto), o que decorreu até 1990, pelo que sempre a teriam adquirido por usucapião, nos termos das disposições conjugadas dos artºs 1287º e 1296º do citado diploma.
A propriedade da autora, na sua própria alegação, decorria de ter sucedido aos seus sogros, em face da doação verbal que estes lhe fizeram em 1990, data a partir da qual também ela passou a usar a propriedade como sua.
Ora, sendo o contrato de doação nulo por falta de observância da forma legal (artº 220º e 947º do CC), pode dizer-se que à autora não foi transmitido o direito de propriedade, como decorre do artº 940º.
Por outro lado, se é certo que a autora poderia demonstrar uma aquisição originária do imóvel, na sua esfera jurídica, essa possibilidade encontra-se comprometida no caso em apreço, porquanto, tendo merecido resposta negativa a factualidade da alínea a) dos factos não provados e não tendo sido impugnada essa resposta em sede de recurso, a autora não logrou provar os requisitos exigidos no preceito atinente do artº 1287º, segundo o qual «A posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua actuação: é o que se chama usucapião».
Terá, por tudo, de improceder por falta de prova, o pedido formulado pela autora sob os números 1 e 2.
E, julgados improcedentes, ficam prejudicados os demais pedidos, que eram consequência dos anteriores e os pressupunham.

Conheçamos, agora, da reconvenção:
Como vem resultando de tudo quanto ficou dito, o litígio entre as partes sedia-se em saber se, no âmbito do contrato de compra em que a autora figura como vendedora, pretendia-se vender e comprar tão somente a garagem ou também a casa de habitação.
Provou-se que, por escritura pública de compra e venda celebrada em 11 de Março de 1999 a autora vendeu ao réu, F. C., “ (…) pelo preço de sessenta mil escudos o prédio urbano composto por uma garagem de rés do chão, sito no lugar de ... – Estrada Nacional, freguesia de ..., concelho de ..., com a área de sessenta e quatro vírgula cinquenta metros quadrados, a confrontar do Norte e do Sul com F. L., do Nascente com a Estrada Nacional e do Poente com A. F., inscrito na matriz respectiva, sob o artigo ..., com o valor patrimonial de 6.233$00, descrito na Conservatória do Registo Predial, deste concelho sob o número ... pela mencionada freguesia de ..., inscrito a favor da vendedora (…)” – cfr. escritura pública de compra e venda que constitui o documento de fls. 14 e 15 dos autos.
Pela compra e venda transmite-se o direito de propriedade inerente à coisa vendida, nos termos dos artºs 874º e 879º do Código Civil.
Reportando-se a bem imóvel, o contrato de compra e venda de bens imóveis só é válido se for celebrado por escritura pública ou por documento particular autenticado – artº 875º - forma que foi observada no negócio ora em apreço.
Pode, assim, afirmar-se que, na ausência de qualquer facto provado que inquine esta venda, foi transferida a propriedade referente à garagem, nos exactos termos que da escritura pública constam.
Além disso, a ré reconvinte tem registada a seu favor o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial do concelho de ..., freguesia de ..., sob o número ....
Goza da presunção de propriedade resultante do artº 7º do Código de Registo Predial, onde se dispõe que o registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define.
Não obstante, é já bem antigo o entendimento pacífico que a presunção iuris tantum consagrada no artº 7º do CRP não abrange os elementos de identificação do prédio constantes da descrição, sempre que exista uma desconformidade entre esta (no que respeita a algum daqueles elementos) e a realidade material do imóvel, designadamente quanto aos limites, estremas, áreas e confrontações (cfr. Acs. deste Tribunal de 16/1/95, CJ, Tomo I, pág. 197, da RC de 2/2/93, CJ, Tomo I, pág. 28 e do STJ de 27/1/93 e de 11/3/99, respectivamente, na CJ/STJ, Tomo I, pág. 100, e Tomo I, pág. 150).
Presume-se, portanto a sua propriedade, mas, como vimos, já não os elementos constantes da descrição.
A ré contestou dizendo que, através do aludido contrato, foi transmitida não apenas a garagem, mas todo o prédio identificado em 1 dos factos provados.
Além disso, formulou pedido reconvencional para reconhecimento dessa propriedade total, a seu favor.
Ora, na sequência do determinado no primeiro acórdão desta Relação, por nós não subscrito, foi objecto de prova saber se queriam as partes vender todo o prédio e não apenas a garagem, tendo merecido resposta negativa, agora em sede de reapreciação da matéria de facto.
Significa isto que se encontra somente provado que a autora vendeu a garagem devidamente identificada naquela escritura pública, nada mais que isso se tendo provado.
Àquele que invocar um direito cabe a prova dos factos constitutivos desse direito, por imposição do artº 342º do Código Civil. Não tendo sido provada a factualidade que constituía a causa de pedir do pedido reconvencional, também este terá de improceder.
Nos autos ficou apenas provada a transmissão da garagem, sendo irrelevantes, perante a lei civil, os vários documentos de cariz tributário que com isso contendam.
Improcedendo o pedido reconvencional de reconhecimento de propriedade sobre todo o prédio, também por consequência, uma vez que a reconvinte não provou ser proprietária do prédio urbano destinado a habitação e devidamente identificado no nº1 dos factos provados, todos os demais pedidos que eram sua consequência têm prejudicada a sua procedência.

III – DECISÃO

Nestes termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes desta secção cível em julgar a apelação da autora parcialmente procedente, em consequência:
Manter a sentença na parte em que julgou improcedente a acção intentada pela autora;
Revogar a sentença no demais, julgando improcedente o pedido reconvencional da ré.

Custas por ambas as partes, fixando-se o decaimento do recurso da autora em 50%.
*
Guimarães, 02 de Junho de 2022

O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos

Relatora – Raquel Rego;
1.º Adjunto - Jorge Teixeira;
2.º Adjunto - José Manuel Flores.