Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
3545/18.2T8BCL.G1
Relator: ALDA MARTINS
Descritores: PROFESSOR
IRREDUTIBILIDADE DA RETRIBUIÇÃO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
ALTERAÇÃO DO PEDIDO E DA CAUSA DE PEDIR
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/07/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Indicações Eventuais: SECÇÃO SOCIAL
Sumário:
1. Não constitui violação do princípio da irredutibilidade da retribuição a cessação do pagamento da diferença entre a retribuição acordada para o exercício de funções de docência e a retribuição acordada para remunerar o exercício singular e precário de funções de direcção pedagógica, quando estas cessam licitamente.
2. A prática de assédio confere à vítima o direito de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, nos termos gerais de direito, pelo que a pretensão de indemnização deve proceder se apenas não se provar a qualificação do comportamento, desde que, ainda assim, o mesmo seja relevante como fundamento de responsabilidade civil, nos termos gerais de direito, não havendo alteração do pedido nem da causa de pedir que a tanto obste.
3. Provando-se que o empregador, na elaboração do horário de trabalho duma docente, não atendeu, sem justificação, pretensão séria daquela fundada em razões que eram do seu inteiro conhecimento, em violação do disposto nos arts. 127.º, n.º 3 e 212.º, n.ºs 1 e 2, al. b) do Código do Trabalho, deve indemnizá-la pelas dificuldades acrescidas que lhe causou na conciliação da actividade profissional com a vida familiar.

Alda Martins
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães:

1. Relatório

J. R. intentou acção declarativa de condenação, com processo comum, contra Centro de Artes e Ofícios X, pedindo a condenação do réu:

a) no pagamento dos créditos laborais elencados na petição inicial, no valor total de 92.062,51€ (noventa e dois mil e sessenta e dois euros e cinquenta e um cêntimos);
b) no pagamento de uma indemnização por danos no montante que corresponda aos impostos que venha a ter que pagar em face do valor a receber na presente acção;
c) no pagamento do montante indemnizatório de 20.000,00€ (vinte mil euros) em virtude do assédio moral e violação do princípio da igualdade;
d) no pagamento do montante a liquidar em sede de execução de sentença, correspondente aos valores que se vençam desde o mês da entrada da acção (Dezembro de 2018) até efectiva e integral reconstituição da situação profissional anterior da autora, bem assim como os valores relativos aos danos patrimoniais apontados;
e) na reposição das demais condições de trabalho e remuneratórias de que beneficiava a autora até Julho de 2017;
f) na reposição, conforme contratualmente acordado, da declaração de tempo de serviço da autora ou, subsidiariamente, no pagamento de uma indemnização de um valor a liquidar em sede de execução de sentença;
g) no pagamento, sobre todas as quantias, de juros de mora, calculados à taxa legal, que se venceram desde o respectivo vencimento até efectivo pagamento das mesmas ou, caso assim não se entenda, desde a citação até ao efectivo pagamento das mesmas.

Alega, em síntese, que é trabalhadora do réu desde 01/09/2003, ali exercendo inicialmente as funções de professora de música. No final do ano lectivo de 2009/2010, o réu convidou-a para exercer as funções de directora pedagógica, o que aceitou, passando a acumular as mesmas com as de professora e tendo passado a auferir uma retribuição mensal de 2.415,93€, posteriormente revista. A partir do ano de 2013, o réu começou a não cumprir o acordado quanto à retribuição, alegando que esta seria composta por prémios e bónus pelo exercício da direcção pedagógica, e começou a praticar actos tendentes a denegrir a competência e reputação da autora, não respeitando sequer o período de licença parental que gozou aquando do nascimento do seu filho, marcado por constantes interpelações e importunações, tendo inclusivamente havido uma tentativa de realizar uma reunião secreta entre alguns trabalhadores do réu, com vista a discutir assuntos relacionados com a direcção pedagógica. A conduta do réu pautou-se sempre pela tentativa de a rebaixar e humilhar, discriminando-a relativamente aos demais trabalhadores, o que continuou mesmo após o regresso da licença de maternidade, com vários episódios que descreve, tudo a tendo levado a manifestar a sua indisponibilidade para continuar como directora pedagógica a partir do ano lectivo de 2017/2018, situação que o réu aproveitou para mais uma vez a humilhar, numa carta que enviou a todos os trabalhadores. Alega ainda ter prestado trabalho suplementar que o réu não remunerou, ter o réu desde Agosto de 2017 unilateralmente reduzido a sua retribuição mensal, deixando de lhe pagar os 2.600,00€ devidos, ter apenas recebido formação profissional numa ocasião (em 2014) e ter o réu deixado de lhe pagar o subsídio devido pelas deslocações efectuadas, créditos cujo pagamento reclama, a par de indemnizações por danos patrimoniais e não patrimoniais pelo assédio moral sofrido.
O réu contestou, admitindo a existência do contrato de trabalho alegado pela autora (negando embora a data de admissão) e o exercício posterior por esta das funções de directora pedagógica, dizendo que, por força da não profissionalização dos membros da direcção do réu, é a direcção pedagógica quem na prática faz a gestão diária do conservatório de música. Nega os factos alegados pela autora quanto à sua retribuição mensal, dizendo que era constituída inicialmente por retribuição base de 1.143,67€ e um acréscimo pelas restantes horas lectivas, sendo depois o acréscimo justificado pelo exercício das funções de directora pedagógica. Nega que alguma vez tenha importunado a autora no período de licença parental, tanto assim que quem a substituiu nesse período (por sua sugestão) foi a sua irmã, o que fez na perspectiva de continuar ela própria a controlar a forma como essas funções eram exercidas. Quanto à reunião alegada pela autora, afirma ser alheia à mesma, por ter sido organizada por docentes, e não ter sido de forma alguma secreta, de tal modo que a autora nela compareceu. Nega que tenha havido qualquer tratamento vexatório ou discriminatório e diz que os factos alegados pela autora a esse respeito são falsos ou distorcidos. Recusa o pagamento de qualquer quantia a título de trabalho suplementar, pois a autora geria o seu tempo conforme entendia e os registos que efectuou não são fidedignos, tal como as verbas de deslocação apenas seriam devidas quando as mesmas fossem efectuadas em contexto de formação. Não aceita ter ocorrido qualquer redução ilícita de retribuição e recusa a existência de assédio moral, pelo qual a autora tenha de ser compensada. Termina pedindo a improcedência da acção e a sua absolvição dos pedidos.
Tendo os autos prosseguido, veio a ser proferido despacho a indeferir a prestação de depoimento de parte da legal representante do réu e de declarações de parte da autora, despacho do qual a autora interpôs recurso, que veio a ser julgado improcedente por Acórdão desta Relação de 17 de Dezembro de 2019, transitado em julgado.

No início do julgamento, a autora veio apresentar requerimento de liquidação do pedido genérico (posteriormente rectificado), alegando ter o contrato de trabalho cessado em 31/08/2019 e pedindo a condenação do réu no pagamento das quantias de:

- 9.690,89€ (nove mil, seiscentos e noventa euros e oitenta e nove cêntimos), a título de diferenças retributivas devidas até ao final do contrato de trabalho;
- 625,25€ (seiscentos e vinte e cinco euros e vinte e cinco cêntimos), a título de despesas de deslocação devidas até ao final do contrato de trabalho.

O réu veio contestar a liquidação apresentada, admitindo apenas a cessação do contrato de trabalho em 31/08/2019.

Concluído o julgamento, foi proferida sentença, que terminou com o seguinte dispositivo (após rectificação):

«Assim e nos termos expostos, julgo a ação parcialmente procedente por provada e, consequentemente, condeno o réu Centro de Artes e Ofícios X:

a) a pagar à autora J. R. as seguintes quantias:
a. 1.118,18€ (mil, cento e dezoito euros e dezoito cêntimos) a título de parte em falta da retribuição do mês de agosto de 2017;
b. 1.813,00€ (mil, oitocentos e treze euros) a título de compensação por formação profissional não prestada;
c. 1.074,53€ (mil e setenta e quatro euros e cinquenta e três cêntimos) a título de reembolso de despesas de deslocação;
sendo todas as quantias acrescidas de juros de mora vencidos e vincendos até integral pagamento, contados à taxa legal de 4% desde 31/08/2017 (em relação à quantia referida em a.), 31/08/2019 (em relação à quantia referida em b.) e desde o respetivo mês a que se reportem as deslocações (em relação à quantia referida em c.);
b) a retificar a declaração de tempo de serviço da autora relativa aos anos letivos de 2017/2018 e 2018/2019, das mesmas devendo a passar a constar a prestação de um horário completo.
Custas da ação por autora e réu, na proporção do respetivo decaimento, que se fixa em 96,78% para a primeira e 3,27% para o segundo – art.º 527.º, n.os 1 e 2 do Código de Processo Civil.»

A autora interpôs recurso da sentença, formulando conclusões, designadamente as seguintes:
«(…)
3ª Não obstante a Autora discorde da sentença na parte da improcedência dos demais pedidos, porque há mesmo que escolher quais as batalhas que pode (financeiramente) travar, reduz o seu recurso à impugnação de facto e de direito da decisão proferida quanto aos pedidos sob as alíneas al. a) d) e e) da inicial, na parte referente à redução unilateral da retribuição da Autora num total de 22.785,78 €; do pedido sob a alínea c) da inicial, quantificado em 20.000€ e que aqui se reduz a 1.214,22 €, cifrando-se no pedido de condenação da Ré ao pagamento de uma indemnização em virtude da prática dos factos descritos nos arts. 313º a 358º da inicial, cujo enquadramento jurídico, como se verá, sempre poderia ter sido diferente, sendo o valor total do presente recurso de 24.000,00 euros.
4ª A recorrente argui expressamente nulidade da decisão recorrida nos termos do art. 615.º, n.º 1, als. b) e c) do CPC: falta de fundamentação de facto e de direito que justifiquem a decisão e ambiguidade que torna decisão ininteligível, já que a sentença recorrida diz que “fez o réu prova de que foi acordada com a autora a remuneração prevista para a sua categoria e para as 22 horas letivas (horário a tempo completo a que correspondia 1.143,67€) à qual acresceu provisoriamente, devido às funções de direção pedagógica, mais 11 horas de presença no Conservatório e uma remuneração adicional, tudo alcançando os 2.600,00€ alegados”, mas tal prova não resulta motivada em qualquer lado da sentença, sendo certo ademais que nem sequer podia tal meio de prova ser produzido, atendendo a que se tratava de matéria que só por confissão poderia ter sido demonstrada, confissão que não ocorreu, na medida em que nem a autora nem qualquer legal representante da Ré foram ouvidos.
5ª A nulidade ocorre ainda quando o tribunal reconhece que “as partes não discordam quanto à veracidade dos recibos de vencimento juntos a fls. 55 e ss”, que são de 2009, um ano em que a Autora não exercia funções de direção pedagógica, e dos mesmos já constava a distinção entre “vencimento” e “acumulação”, mas adiante, na pág. 72, afirma que à Autora teria sido paga uma “remuneração adicional” que teria em vista “compensar a autora pelas funções específicas que passou a exercer a partir de determinado momento – as funções de direção pedagógica”, para além de quanto às deslocações o tribunal atribuir relevo ao disposto no contrato escrito de trabalho, e quanto à remuneração e tempos letivos já não o fazer.
6ª Ocorreu a nulidade prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. d) do Código de Processo Civil: omissão de pronúncia, quando o tribunal não atribuiu qualquer efeito aos vários factos ilícitos praticados pela Ré e condutas que revelaram, pelo menos, um tratamento menos correto da Autora: Y), AA), CC), DD), EE), FF), GG), LL), MM), NN), PP), QQ), RR), SS), UU), VV), WW), XX, AAA), CCC), EEE), GGG), HHH), III), JJJ), LLL), XXXX), entre outros, reconhecendo ademais os danos causados na trabalhadora, não lhes dando a seriedade de os considerar como assédio, mas não atribuindo qualquer outra alternativa jurídica, como impunha o art. 5º n.º 3 do CPC, quando a configuração jurídica é possível e se trata de direitos indisponíveis, como é o caso dos direitos de personalidade e outros em causa nos autos (arts. 72º e 74º CPT), devidamente suscitados pelas partes nos articulados.
7ª Há omissão de pronúncia quando julgou simplesmente como não provados os pontos 5) e 6) da matéria de facto, quando a matéria resultava de um documento não impugnado pela Ré (e havendo contradição com a motivação do tribunal, sendo certo que o tribunal tinha de ter revelado por que motivo foi afastada a força probatória legalmente conferida aos documentos juntos aos autos (art. 376º CPC).
8ª Há nulidade prevista no artigo 195.º do Código de Processo Civil: omissão cometida e a sua influência na decisão da causa, quando o Tribunal não aplicou, quando deveria, o poder-dever que resulta do princípio do inquisitório, indagando oficiosamente da matéria de direito, ampliando os temas em discussão nos autos e condenando além do pedido, onde tal devia ter sucedido. Esta nulidade terá como consequência a necessidade de reabertura da audiência para prática dos atos omitidos.
9ª No tocante ao objeto do presente recurso, o Exmo. Julgador formulou na sentença alguns pontos da matéria de facto provada, incorrendo, salvo o devido respeito, em erro na apreciação das provas gravadas e das demais provas produzidas nos autos e, nessa medida, havendo erro na fixação da matéria de facto provada, mas também na não provada.
(…)
20ª Portanto nunca o tribunal poderia dar como provados os factos acima descritos, devendo os mesmos ser eliminados da matéria de facto assente, ou redigidos de forma distinta. Os factos deverão passar a ter a seguinte redação: (Q) A partir de setembro de 2009, o período normal de trabalho da autora fixou-se nas 33 horas letivas semanais, sendo que, a partir de setembro de 2013, passaram a corresponder, unicamente, a horas relacionadas com as funções de Diretora Pedagógica, atenta a grande complexidade e disponibilidade exigida por estas funções; WWW) Em 2009 foi acordada com a autora a remuneração prevista para a sua categoria e para as 22 horas letivas (a que correspondia 1.143,67€) à qual acresceram mais 11 horas letivas (a que correspondiam 572 €); YYY) O Y, em 01/09/2010 celebrou com o referido M. P. um contrato de trabalho sem termo com um valor de “acumulação” de 1.201,09€, valor que este professor deixou de receber a partir de 01/09/2012, data em que cessou as funções de direção pedagógica; ZZZ) O valor de “acumulação” pago ao professor M. P. em 2010 era de 1.027,18€ e em 2011 e até agosto de 2012 era de 1.201,09€; AAAA) A autora recebeu um valor inscrito no recibo como “acumulação” mesmo antes de iniciar as funções de diretora pedagógica, pelo menos desde o ano letivo de 2009/2010. O facto BBBB) deverá ser eliminado.
21ª De entre os factos alegadamente não provados terão de ser dados como provados: 4), 5), 6) (com a redação 6) Que apesar de a remuneração ter sido sempre dividida entre “vencimento” e “acumulação”, a verdade é que essa divisão não fosse condizente com a realidade, pois sempre foi estabelecido entre autora e réu que o valor global resultante da soma daquelas parcelas corresponderia à retribuição-base da autora, tendo por referência os 33 tempos letivos com ela acordados desde o ano letivo de 2009/2010), 7), 8) e 9).
22ª O tribunal entendeu não existir nexo de causalidade entre os factos praticados pela Ré e os danos da Autora, mas note-se que da prova produzida cremos resultar tal nexo. Quanto ao estado emocional, atestou-o o médico da autora e o marido (cfr. depoimento transcrito), sendo certo que o tribunal poderia ter ordenado a produção de outra prova.
23ª Mas outros factos deveriam ter sido dados como provados, atentos os documentos juntos aos autos subscritos pela Ré e por esta aceites, bem como a aspetos confirmados por outras testemunhas como os professores V. B., D. M. e H. R. e S. A., entre os quais o impacto da carta aquando da saída das funções de DP, a desconsideração das preferências de horários da Autora e violação da obrigação de conciliação com a sua vida familiar, o agendamento de uma reunião aparentemente secreta para alguns e em que se visava discutir o trabalho da DP.
24ª Em suma, quanto ao tratamento violador de direitos de personalidade da Autora, os factos dados como provados e cuja alteração de redação se requer, por decorrer das normas jurídicas aplicáveis e da prova produzida nos autos, devem sê-lo nos seguintes termos: 16), 19), 22), 29), 32), 33), 39), 46), 47), 48), devendo ser integralmente dados como provados e devendo ainda aditar-se um facto, como se verá: DDDDD) A Ré não permitiu à Autora, nos anos letivos de 2017/2018 e 2018/2019, e contrariamente ao que permite aos demais docentes, conciliar o seu horário de trabalho com a sua vida familiar e pessoal, desconsiderando as preferências que a Autora manifestou.
25ª Há ainda recurso de direito, por errada aplicação de normas jurídicas ou interpretação dos factos provados. Em primeiro lugar, se a entidade empregadora Ré pagou sempre os valores globais, quer o “vencimento” quer a “acumulação”, quer no mês de férias, quer nos subsídios de férias e de Natal, isso significa que a própria Ré agiu como se de retribuição-base se tratasse, sendo devida como tal e não sendo parcela complementar ou acessória. Assim, o valor em causa era pago de forma regular, periódica, como contrapartida ou contraprestação do trabalho, e sendo obrigatórias por via legal, convencional, contratual ou atentos os usos laborais, pelo que o nomen dado pelas partes não descaracteriza a sua realidade: a acumulação era também vencimento.
26ª Assim, é evidente que a sentença recorrida decidiu mal, quer quanto à matéria de facto, quer quanto à aplicação das regras de direito aos factos provados, devendo, como nos termos supra transcritos, condenar-se a Ré a pagar o diferencial entre o valor pago e o valor devido, entre setembro de 2017 e agosto de 2019.
27ª A sentença também aplicou erradamente o Direito, quando desconsiderou as normas de direito probatório material e o valor probatório dos documentos juntos (contratos de trabalho escritos, sob os documentos n.os 1, 5, 8 e 11), bem como recibos juntos pela autora, Ré e ACT. Quanto aos contratos, tratando-se de documentos firmados por ambas as partes e cuja genuinidade, teor ou conteúdo nenhuma delas colocou em causa, e sendo contratos de trabalho, estes documentos não são, quando celebrados sem termo, documentos exigíveis legalmente, servindo apenas para prova da declaração, podem eventualmente ser substituídos por outros meios de prova como a confissão expressa, seja ela judicial ou extrajudicial (art. 364º n.º 2 CC), desde que a confissão resulte de documento de igual ou superior valor probatório. Não foi nos autos produzida confissão que os contrariasse.
28ª Inexistindo qualquer adenda ao contrato de trabalho por escrito, e reconhecendo ambas as partes que foram sendo feitas alterações ao contrato de modo verbal, havia que apurar, nos autos, qual o acordo celebrado entre as partes. E tal só poderia resultar de prova documental da qual resulte confissão (como é o caso dos recibos), ou de confissão prestada pelas próprias partes, não podendo a prova testemunhal prevalecer sobre o que nele se diz. E sucede que o documento particular faz prova plena das declarações atribuídas ao seu autor (art. 376º n.º 1 CC), que só pode ser contrariada por meio de prova que mostre não ser verdadeiro o facto que dela for objeto – art. 347º CC. Ou seja, não basta aqui que se revele no julgador a dúvida sobre a interpretação a dar ao contrato celebrado entre autora e Ré, sendo imprescindível que a Ré tivesse demonstrado não ser verdadeiro o que ali se disse, ou seja, que a Ré tivesse demonstrado que o valor pago como “acumulação” era não o pagamento das 11 horas letivas que se somavam às 22 horas letivas, mas na verdade um prémio pelo exercício de funções de Direçao pedagógica. Finalmente, o próprio legislador impede que a prova testemunhal possa ter valor probatório na interpretação de declarações negociais, nos termos do art. 393º n.º 1, e em particular quando o facto esteja já demonstrado por documento com força probatória plena, como é o caso. Veja-se Ac. do TRC de 31-05-2016 relatado por Maria Domingas Simoes e Relação de Guimarães, de 19-12-2007, relatado por Raquel Rêgo. Neste sentido, afastar as cláusulas do contrato junto aos autos só poderia ser feito mediante confissão ou prova do contrário, que o tribunal não obteve da Ré, pelo que tal não sucedeu.
29ª Os recibos juntos aos autos, seja pela Autora, pela Ré, ou pela ACT, deverão ter o valor de documentos particulares, valendo, nos termos do art. 376º, os factos compreendidos na declaração, ainda que contrários aos interesses do declarante (entidade empregadora que os emite), nos termos do n.º 2 da mesma norma, fazendo estes prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor. Isto significa, como vimos, que o valor probatório dos mesmos é reforçado, não cedendo mediante a mera dúvida, mas apenas perante prova do seu exato contrário, ou seja, da sua falsidade, o que não foi demonstrado.
(…)
30ª Resultam da matéria de facto provada diversos factos que consubstanciaram atos ilícitos da Ré ou condutas que revelaram, pelo menos, um tratamento menos correto da Autora: als. Y), AA), CC), DD), EE), FF), GG), LL), MM), NN), PP), QQ), RR), SS), UU), VV), WW), XX, AAA), CCC), EEE), GGG), HHH), III), JJJ), LLL), XXXX). Da matéria impugnada resultarão, na sua procedência, outros tantos incumprimentos da Ré, e condutas menos corretas, ainda que não ilícitas. Mas ainda que não se tivessem demonstrado os pressupostos do assédio e da discriminação, será evidente a violação de direitos laborais com prejuízos para a Autora, não apenas patrimoniais, que se repararam em parte com a condenação já determinada nos Autos, mas prejuízos com caráter muito mais grave, já que a Autora não apenas não recebeu o que lhe era devido, quando era devido, como teve que lugar (se teve!) extra e judicialmente, longas batalhas, para o reclamar, com custos enormes não apenas patrimoniais (custos judiciais) mas também não patrimoniais (pelo cansaço, desgaste e frustração que é ter que recorrer a um tribunal para poder ver ser feita justiça e ser-lhe pago o que simplesmente lhe é devido!).
(…)
34ª Assim, e independentemente da modificação da matéria de facto supra reclamada, sempre deverão ser considerados violados os direitos da Autora e obrigações da Ré decorrentes dos arts. 25º, 28º, 29, 126º, 127º, 129º, 212º CT e 15º Lei 102/2009, devendo a Ré ser condenada ao pagamento de uma indemnização à Autora, no valor de pelo menos 1.214,22 €, condenando o Tribunal além do pedido, nos termos do 74º do CPT, se entender ser devido valor superior, em face dos provados danos da Autora e grave violação dos seus direitos de personalidade, que são irrenunciáveis.
35ª Caso não se entenda serem os pedidos da Autora procedentes nos termos referidos acima, há que apelar aos princípios de direito processual violados e que impõem reabertura da audiência para produção de prova. Urge conferir destaque ao princípio da cooperação, que impunha que o juiz devia mandar concretizar os meios de prova que conduzissem à descoberta da verdade, atendendo a que o Mmmo. Juiz indeferiu diversos pedidos de prova da Autora (despacho de 28/05/2019 (com referência CITIUS n.º 163731247), decisão proferida em 10/02/2019 em 1.ª Instância por despacho com referência Citius n.º 164303755 e despacho proferido em 30-09-2020 com a ref. 169754390) e ao longo da motivação da sentença (páginas 58 e ss), acabou por concluir por diversas vezes que a Autora não fez prova de determinados factos que alegou. Sem prejuízo do ónus da prova imposto à Autora, o legislador foi criando mecanismos que permitiriam um aligeiramento de tal encargo, através da criação de presunções legais, inversões do ónus da prova e outras normas com pendor idêntico (constantes do CT), como o art. 25º n.os 5 e 6 do CT a respeito da discriminação, reforçados por mecanismos como os que foram criados pela Lei n.º 73/2017, de 16-08, que veio reforçar o quadro legislativo para a prevenção da prática de assédio.
(…)
43ª O presente recurso funda-se nos artigos 25º, 28º, 29º, 124º 127º n.º 1 als. a), b), com), e), g) e h), 129º n.º 1 als. a), b), d), 212º n.º 2 al. b) do CT, 15º da Lei n.º 102/2009, arts. 5º do CPC, 72º e 74º do CPT, arts. 334º, 342º, 344º, 347º, 362º a 364º, 373º, 374º, 376º, 393º do Código Civil, 5º, 411º, 662º do CPC, pretendendo-se com ele a reapreciação da matéria gravada e demais prova produzida, e consequente modificação da decisão proferida sobre a matéria de facto e, ainda que assim não se entenda e não se modifique a matéria de facto provada, julgando-se ser esta suficiente para permitir a procedência dos direitos invocados pela Autora.»
O réu apresentou resposta ao recurso, pugnando pela sua improcedência.
O recurso foi admitido como apelação, com efeito meramente devolutivo.
Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, pelo Ministério Público foi emitido parecer no sentido da improcedência do recurso.
Vistos os autos pelas Exmas. Adjuntas, cumpre decidir.

2. Objecto do recurso

Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente, as questões que se colocam a este tribunal são as seguintes:
- nulidades da sentença e nulidades processuais;
- alteração da decisão sobre a matéria de facto;
- redução unilateral da retribuição da autora, no valor de 22.785,78 €;
- indemnização por violação de direitos de personalidade da autora, no valor de 1.214,22 €.

3. Fundamentação de facto

Os factos provados são os seguintes:
Factos assentes por acordo das partes nos articulados:
A) O réu é uma instituição privada de utilidade pública que tem por objectivo ser “Museu de obras do aguarelista X, sala de exposições temporárias, sala polivalente, núcleo de espeleologia, escola de tecelagem tradicional, escola de música e dança, escola de desenho e pintura, oficina de cantaria”;
B) Este é presidido pelo órgão Conselho Director (doravante designado CD);
C) E é composto por uma estrutura que compreende vários estabelecimentos, dentro da qual se insere o Conservatório de Música J. C. (de ora em adiante apontado apenas como Conservatório);
D) Este último, em específico, trata-se de um “estabelecimento do ensino especializado de Música com autorização definitiva de leccionação n.º 2025, de 30 de Agosto de 1995”;
E) No dia 01 de Setembro de 2006, autora e réu celebraram o contrato junto a fls. 53 v. e ss. (que aqui se dá por integralmente reproduzido), denominado “contrato de trabalho a termo certo”, pelo período de 12 meses, renovável por igual período na falta de declaração dos contraentes em contrário, e no qual a autora se obrigou a prestar as funções equivalentes e inerentes à categoria profissional de “Professor de Música de Coro”;
F) A desempenhar nos estabelecimentos do réu;
G) Mediante a retribuição mensal de 268,13€;
H) Sendo o seu período normal de trabalho correspondente a 5,5 horas lectivas semanais;
I) E o respectivo horário a elaborar em função, quer da variação do número de alunos e dos seus horários escolares, quer das conveniências do réu;
J) Nesses termos contratuais, até ao ano lectivo de 2009/2010, foi o mesmo sucessivamente renovado;
K) Todavia, em virtude das necessidades do Conservatório, nomeadamente com o aumento do número de alunos, esse contrato foi sofrendo, anualmente, actualizações e rectificações, estabelecidas por acordo verbal entre o réu e a autora;
L) No dia 01 de Setembro de 2010, autora e réu celebraram o contrato junto a fls. 58 e ss. (que aqui se dá por integralmente reproduzido), denominado “contrato de trabalho sem termo”, no qual o réu declarou admitir a autora ao seu serviço “com a categoria profissional de A8 para o desemprenho das funções de professor, bem como as demais funções conexas, podendo ainda desempenhar outras funções compatíveis com essa mesma categoria e com as suas habilitações e que a empregadora lhe venha a solicitar, segundo as instruções da mesma”, mais se tendo declarado que a autora “paralelamente (…) desempenhará as funções de Direcção Pedagógica do Conservatório de Música J. C. em regime de colegialidade e demais funções conexas, até que a entidade empregadora o considere conveniente”;

M) Nesse mesmo documento se acordou ainda, além do mais, que:
a. “o período normal de trabalho do trabalhador será de 22 (vinte e duas) horas lectivas semanais, ficando a definição do horário de trabalho do trabalhador a cargo da empregadora”, sendo que “o período normal de trabalho é de 22 (vinte e duas) horas, no qual se incluem as horas adstritas à função de director(a) pedagógico(a)” e que “o trabalhador poderá ainda acumular no seu horário num total de mais 11 (onze) horas semanais lectivas”, mais se tendo estipulado de “o trabalhador obriga-se a prestar, para além das horas lectivas semanais, a correspondente componente não lectiva, podendo a carga lectiva e não lectiva ser reajustada de um ano lectivo para outro, em conformidade com as alterações legislativas em vigor e sobrevindo a necessidade da carga horária lectiva e não lectiva será celebrada uma adenda ao presente contrato”;
b. “a empregadora pagará ao trabalhador a retribuição mensal ilíquida de 1.214,84€ correspondente à função de professor e definida pela tabela do Ministério da Educação no que se refere às habilitações do trabalhador, na qual se inclui a compensação por todo e qualquer eventual resultado da actividade inventiva ou criativa do trabalhador” e “em regime de acumulação de funções, a empregadora pagará ao trabalhador, no presente ano lectivo de 2010/2011, um acréscimo de 1.201,09€ pelas horas lectivas em regime de acumulação”;
N) No dia 01 de Setembro de 2012, autora e réu celebraram o contrato junto a fls. 62 e ss. (que aqui se dá por integralmente reproduzido), denominado “contrato de trabalho sem termo”, no qual declararam pretender alterar o contrato referido em L), além do mais, nos seguintes termos:
a. a cláusula primeira passaria a ter a seguinte redacção: “a entidade empregadora admite o trabalhador ao seu serviço com a categoria profissional de A7 para o desemprenho das funções de professor, bem como as demais funções conexas, podendo ainda desempenhar outras funções compatíveis com essa mesma categoria e com as suas habilitações e que a empregadora lhe venha a solicitar, segundo as instruções da mesma”, mais se tendo declarado que a autora “paralelamente (…) desempenhará as funções de Direcção Pedagógica do Conservatório de Música J. C. e demais funções conexas, até que a entidade empregadora o considere conveniente”;
b. a cláusula terceira passaria a ter a seguinte redacção: “o período normal de trabalho do trabalhador será de 22 (vinte e duas) horas semanais, adstritas à função de directora pedagógica, ficando a definição do horário de trabalho do trabalhador a cargo da empregadora”, sendo que “o trabalhador acumula no seu horário num total de mais 11 (onze) horas semanais lectivas e 2 horas não lectivas”, mais se tendo estipulado que “o trabalhador obriga-se a prestar, para além das horas lectivas semanais, a correspondente componente não lectiva, podendo a carga lectiva e não lectiva ser reajustada de um ano lectivo para outro, em conformidade com as alterações legislativas em vigor e sobrevindo a necessidade da carga horária lectiva e não lectiva será celebrada uma adenda ao presente contrato”;
c. a cláusula quarta passaria a ter a seguinte redacção, além do mais: “a entidade empregadora pagará ao trabalhador a retribuição mensal ilíquida de 1.540,27€ (mil quinhentos e quarenta euros e vinte e sete cêntimos), na qual se inclui a compensação por todo e qualquer eventual resultado da actividade inventiva ou criativa do trabalhador”, “em regime de acumulação de funções, a empregadora pagará ao trabalhador, no presente ano lectivo de 2012/2013, um acréscimo de 875€ (oitocentos e cinquenta euros) pelas horas lectivas e não lectivas em regime de acumulação” e “o trabalhador terá direito a receber da entidade empregadora, a título de subsídio de transporte, o montante máximo de 0.36€/Quilómetro, quando a deslocação seja efectuada em contexto de formação”;

Factos controvertidos
O) No ano lectivo de 2009/2010, o réu pagava à autora as quantias de 1.143,67€ a título de “vencimento” e 572,00€ a título de “acumulação”;
P) No final do ano lectivo 2009/2010, a autora foi convidada pelo CD para exercer, cumulativamente com as funções que já exercia no réu, as funções de Directora Pedagógica, com início no ano lectivo de 2010/2011;
Q) A partir de Setembro de 2013, o período normal de trabalho da autora fixou-se nas 33 horas lectivas semanais, sendo que, desta feita, passaram a corresponder, unicamente, a horas relacionadas com as funções de Directora Pedagógica, atenta a grande complexidade e disponibilidade exigida por estas funções;
R) Este acordo foi obtido mediante proposta da autora em reunião com o CD;
S) E aceite, volvidos alguns dias, pelo CD, que transmitiu essa aceitação pessoalmente à autora através dos membros do CD C. B. e G. R.;
T) A autora foi confrontada em Outubro de 2015 pelos serviços de secretaria do réu, por alegadamente alguma coisa relativamente ao seu salário “não estar bem”;
U) A autora enviou à direcção do réu o email junto a fls. 68v., datado de 02 de Novembro de 2015 (que aqui se dá por integralmente reproduzido), solicitando uma reunião;
V) A autora foi mãe no dia 8 de Setembro 2016;
W) O réu enviou à autora o email cuja impressão está junta a fls. 69v. (que aqui se dá por integralmente reproduzido), datado de 22 de Setembro de 2016;
X) Deste email resultou uma troca de comunicações, pela mesma via, nos dias 26, 27 e 29 de Setembro de 2016, conforme resulta das impressões juntas a fls. 70v., 76 e 77 (que aqui se dão por integralmente reproduzidas);
Y) Corria por entre vários trabalhadores do réu uma mensagem do seguinte teor: “Meus amigos, Terça-Feira dia 11 pelas 21horas, reunião no Y. Não falem com ninguém sobre isto pois todos estão a ser devidamente informados. Um bom fim-de-semana e até para a semana.”;
Z) A autora endereçou um e-mail no dia 9 de Outubro de 2016 para os membros do CD (impressão junta a fls. 78v., que aqui se dá por integralmente reproduzida);
AA) No dia 18 de Outubro de 2016 realizou-se uma reunião promovida pelo réu;
BB) O professor V. B. enviou ao CD do réu o e-mail cuja impressão se mostra junta a fls. 81 e que aqui se dá por integralmente reproduzida;
CC) A direcção do réu enviou aos docentes, incluindo a autora, o e-mail cuja impressão se mostra junta a fls. 82v. e que aqui se dá por integralmente reproduzida;
DD) A dita reunião consistiu na procura, por parte do CD, de auscultar os trabalhadores sobre a opinião que tinham sobre o funcionamento geral do Conservatório, dando azo a que fossem expostas e debatidas questões exclusivas do foro pedagógico;
EE) Numa reunião ocorrida entre a autora e os membros do CD, a 09/01/2017, estes informaram aquela que, daí em diante, qualquer declaração emitida por ela teria que ter uma segunda declaração, de confirmação, por parte do CD;
FF) Em 24/02/2017, a autora e o réu trocaram os e-mails cuja impressão está junta a fls. 83 (e que aqui se dá por integralmente reproduzida);
GG) O CD do réu pediu à autora esclarecimentos acerca do seu horário de trabalho;
HH) A autora endereçou um email, no dia 7 de Fevereiro de 2017, aos membros do CD, enviando o seu horário de trabalho e dizendo, além do mais, que “qualquer dúvida que tenham sobre ele por favor digam-me para poder esclarecer devidamente” (documento junto a fls. 84v., que aqui se dá por integralmente reproduzido);
II) Por email datado de 09 de Março de 2017, o réu pediu à autora que entregasse nos serviços administrativos o seu horário de trabalho “no intuito de poderem informar quem te procura” (documento junto a fls. 85, que aqui se dá por integralmente reproduzido);
JJ) Para a autora, o Conservatório de Música J. C., representa uma parcela importante na sua vida e pelo qual sempre nutriu um sentimento especial, por vários motivos:
a. localiza-se na terra onde cresceu, estudou durante a adolescência e onde, após um período de estudos universitários em Lisboa, decidiu residir e trabalhar – freguesia de …;
b. os estudos que a levaram a decidir pela carreira e profissão que hoje desempenha, iniciaram-se, precisamente, no réu, pelo que são muitos os anos que conta dentro daquela instituição, quer como aluna, quer como docente;
KK) No dia 27 de Junho de 2017, após uma reunião com o CD ocorrida no início desse mês, a autora enviou aos membros do CD do réu o e-mail junto a fls. 89 (que aqui se dá por integralmente reproduzido), através do qual informou a sua “indisponibilidade para continuar a assumir funções de Directora Pedagógica, a partir do próximo ano lectivo” e que “findo o ano lectivo de 2016/2017, regresso à função exclusiva de professora”;
LL) A 5 de Julho de 2017, o réu enviou aos membros do seu corpo docente a carta junta a fls. 89v. e 90, com o seguinte teor:
“Caros professores,
Como sabem, o Conservatório de Música é tutelado e dirigido pelo Conselho Director da associação de que faz parte, o Y.
É nesse sentido que nos dirigimos a todos e vos comunicamos a nossa decisão de proceder a algumas alterações no funcionamento do Conservatório.
No princípio do ano lectivo que está a findar tentámos juntar-vos informalmente, sem qualquer ordem de trabalho, à volta de um café e de uma fatia de bolo, para convivermos e nos conhecermos mutuamente. Tal, não foi entendido por todos, o seu sentido foi deturpado, mas, ao mesmo tempo, serviu para, in locu, detetarmos algumas situações no seio do corpo docente, que nos deixaram de sobreaviso. Se houve alguma falha na comunicação da nossa parte, ou daqueles que de perto trabalham com o CD, pedimos desculpa.
Entretanto, comunicámos à D. Pedagógica que iriamos analisar, ao longo do ano, outros projectos pedagógicos, ideias e métodos com os quais nos identificássemos, os professores gostassem de ver implementados no Conservatório, e que estivessem de acordo com o nosso modelo de gestão, Entendemos que os nossos professores desejam e esperam mudanças significativas, para a escola onde trabalham.
As mudanças estão em curso: a D. Pedagógica vai mudar, mas continuamos a contar convosco para o próximo ano lectivo.
Sabemos que normalmente, em Maio, a DP ausculta o corpo docente sobre a possibilidade ou não de continuarem no Conservatório. Este ano, esse trabalho não foi feito, mas independentemente disso, gostaríamos e estamos a fazer conta que continuem connosco.
Sentimos em todos algumas perturbações, mas também constatamos que o vosso empenho e a vossa dedicação não estão em causa; podem contar connosco, pois todos queremos o bom funcionamento do Conservatório e lutamos para que todos os que aqui trabalham, se sintam felizes.
Detetámos um número muito significativo de desistências nas matrículas para o próximo ano (37% dos alunos do 7º ano) e poucas inscrições novas (em especial de alunos de …). Auscultámos os pais e outros elementos da comunidade e já procedemos à análise dos resultados.
Lamentamos que a DP nunca nos tenha informado dos muitos sinais que recebeu, da parte dos pais, ao longo do ano. Não nos imiscuímos nos assuntos de ordem pedagógica, mas quando eles interferem na aprendizagem, criam situações de desagrado e de mal-estar entre professores, entre professores e alunos, é nossa obrigação intervir – aqui estamos. Há hierarquias a respeitar, há programas a cumprir, mas também deve haver bom senso, tato e respeito para os saber fazer cumprir. O ensino é uma arte e as crianças e os jovens são peças dessa arte e deverão ser manejadas com todo o cuidado. Ser professor há muito tempo, dominar as matérias, impô-las aos alunos está muito longe de esgotar a missão de ensinar.”;
MM) No dia 16 de Julho de 2017, o réu enviou à autora, que a recebeu, a carta junta a fls. 90v. e 91 (que aqui se dá por integralmente reproduzida), na qual lhe comunica, além do mais, que aceita “o seu pedido de demissão com efeitos a partir do final do corrente mês. Contamos, no entanto, consigo como membro do corpo docente do Conservatório (…)”;
NN) No mês de agosto de 2017, o réu pagou à autora a retribuição mensal ilíquida de 1.481,82€;
OO) Pagamento que manteve nos meses subsequentes e até ao final do contrato, em 31/08/2019;
PP) A autora interpelou o CD no sentido de tentar perceber os motivos da redução do seu vencimento, sendo que este remeteu-a para os serviços administrativos, indicando-lhe que era aí que devia procurar obter essas informações;
QQ) A autora assim o fez e disso resultou a troca de emails cuja impressão se mostra junta a fls. 97 e 98 (e que aqui se dá por integralmente reproduzida);
RR) O horário de trabalho atribuído à autora para o ano lectivo de 2017/2018 contém uma redução unilateral do período normal de trabalho para 17 horas lectivas;
SS) Redução que se manteve no ano lectivo de 2018/2019;
TT) A autora dirigiu ao réu as comunicações juntas a fls. 98v. a 105, que aqui se dão por integralmente reproduzidas, nas quais solicitou não apenas esclarecimentos quanto à sua situação laboral, mas também pediu acesso a documentos como o código de conduta, inclusivamente através da sua mandatária;
UU) O réu respondeu a tais comunicações através das cartas remetidas à autora, juntas a fls. 105v. a 106v. (que aqui se dão por integralmente reproduzidas);
VV) No início do mês de Setembro de 2018, em reunião inicial do ano lectivo, foi entregue à autora uma declaração do tempo de serviço referente ao ano de 2017/2018, da qual consta que a autora, naquele ano, apenas realizou 16 horas lectivas semanais (documento junto a fls. 110, que aqui se dá por integralmente reproduzido);
WW) A informação constante da declaração de tempo de serviço prejudica a autora, na medida em que, sendo uma declaração oficial do réu, tem como consequência que aquela não fique com um ano de serviço completo, facto que se repercutirá na evolução da sua carreira docente, isto é, o tempo de serviço da autora, para efeitos de concurso ao ensino público, por exemplo, deixa de contar e isso reflectir-se-á, mais cedo ou mais tarde, quer na carreira, quer no vencimento da autora;
XX) A autora endereçou ao réu a carta junta a fls. 110v. e 111 (que aqui se dá por integralmente reproduzida), precisamente sobre este assunto, à qual o réu não respondeu;
YY) A autora tentou inscrever-se, no decurso do mês de Setembro de 2018, num curso de profissionalização em serviço, leccionado na Universidade Aberta, para o qual esta exigia que os candidatos apresentassem duas declarações emitidas pelos respectivos “estabelecimentos de ensino a que o docente pertence”, de onde constassem as seguintes informações: 1) uma com o tempo de serviço total da candidata e 2) outra com a menção de que esta tinha a habilitação própria para o grupo 250 (grupo no qual a autora se pretende profissionalizar);
ZZ) Tendo isto em consideração, a autora necessitou que o réu lhe emitisse essas duas declarações e, para tanto, interpelou-o nesse sentido, via e-mail e pessoalmente;
AAA) O réu recusou emitir a segunda das declarações apontadas, alegando que não era da sua competência “emitir e certificar tal declaração” (troca de emails cuja impressão está junta a fls. 114v. a 116 e que aqui se dá por integralmente reproduzida);
BBB) O réu sempre pagou à autora as deslocações que esta tinha de fazer para cumprir com a sua função de docência, nomeadamente sob a forma de subsídio de transporte;
CCC) O réu deixou de pagar tais deslocações no ano lectivo 2018/2019, sem qualquer tipo de justificação;
DDD) No horário da autora de 2018/2019 constavam duas turmas cujas escolas onde são leccionadas essas aulas (… e …) distam bastante do Conservatório, tendo a autora de percorrer 104 km por semana para dar formação a estas duas turmas (56km+48km);
EEE) No ano lectivo de 2018/2019, a autora, após interrogação do réu sobre qual a sua disponibilidade “em termos de horário”, informou que naquele que lhe fosse atribuído, gostaria que o mesmo não estivesse preenchido com aulas à sexta à tarde;
FFF) Este desejo expresso pela autora deveu-se, como é do conhecimento do réu, a situação de separação familiar, isto é, por trabalhar em concelho diferente de onde reside – a aproximadamente cerca de 270 km – não tem a possibilidade de ter uma plena comunhão de vida com o seu marido durante a semana, ou, por outras palavras, só aos fins-de-semana é que tem a possibilidade de regressar a casa;
GGG) Não obstante isso e de o horário provisório atribuído indicar que seria satisfeita esta pretensão da autora, a verdade é que, posteriormente, foi-lhe atribuída, entre outras, uma aula, precisamente ao final da tarde de sexta-feira;
HHH) As aulas que viriam a ser acrescentadas no horário foram-no completamente deslocadas da marcha horária já definida, obrigando, por exemplo, a períodos de espera pela aula seguinte, situação que se tinha repetido no ano lectivo anterior (2017/2018);
III) No recibo de vencimento do mês de Novembro, o réu incluiu o valor pago, já constante em recibo anterior, referente à parte do subsídio de férias de 2017 que a mesma não tinha liquidado atempadamente;
JJJ) A inclusão duplicada deste pagamento nos diferentes recibos de vencimento, implica a subida da percentagem de desconto do IRS e, consequentemente, a redução do vencimento líquido da autora;
KKK) A autora enviou ao réu um email a solicitar a correcção da situação, tendo o réu informado a autora que os descontos aplicados estariam correctos (documento junto a fls. 136, que aqui se dá por integralmente reproduzido);
LLL) O réu regularizou o pagamento do subsídio de férias de 2016 e 2017 após envio pela autora do parecer da Segurança Social (documentos juntos a fls. 136v. a 138, que aqui se dão por integralmente reproduzidos);
MMM) A autora garantia a preparação e posterior realização do Plano de Actividades;
NNN) O CD do réu pedia à autora que esta elaborasse um plano de trabalho provisório, sendo que se com ele concordasse, levaria à secretaria para recolher todos os restantes planos dos outros polos do Y, que, por sua vez, os levava a votação de Assembleia-Geral;
OOO) Nos casos dos planos apresentados pela autora, estes foram sempre admitidos pelo CD, que os acabou por levar a Assembleia-Geral e onde todos foram aprovados;
PPP) Muitas vezes o cumprimento de tal plano concretizava-se em actividades nocturnas e ao fim de semana;
QQQ) Apenas foi proporcionado à autora formação no ano de 2014, nomeadamente na interrupção lectiva da Páscoa desse ano, com o título “Formação de UFCD 0349 Ambiente, Segurança, Higiene e Saúde no Trabalho – conceitos básicos. Área de formação 341 – comércio”;
RRR) A autora fez 208 Km no mês de Setembro de 2019 e 416 km no mês de Outubro de 2019, bem como 312 km no mês de Novembro de 2019 e 312 km no de Dezembro de 2019 para ir dar as aulas que lhe foram atribuídas pelo réu;
SSS) Os membros do Conselho Director do Y não são remunerados, exercendo, por isso, tais funções, a título gratuito;
TTT) Em face do referido, o Conselho Director não está nem na sede do Y nem nos seus polos, nos quais se inclui o Conservatório tutelado pelo Y, e do qual a autora é trabalhadora;
UUU) Sendo que as suas reuniões são habitualmente à noite, pois é quando as profissões de cada um dos membros do Conselho Director permitem;
VVV) A gestão diária do Conservatório é assumida pela direcção pedagógica (para os docentes) e pelo responsável dos serviços administrativos (para os demais trabalhadores), sendo que em situações de urgência é contactado o tesoureiro do Conselho Director, ou outro membro em caso de indisponibilidade deste;
WWW) Foi acordado com a autora a remuneração prevista para a sua categoria e para as 22 horas lectivas (horário a tempo completo a que correspondia 1.143,67€) à qual acresceu provisoriamente, devido às funções de direcção pedagógica, mais 11 horas de presença no Conservatório e uma remuneração adicional.
XXX) No ano de 2010, a autora foi convidada pelo Y para o exercício colegial das funções de directora pedagógica, funções que exerceu com M. P. até 2012;
YYY) O Y, em 01/09/2010 celebrou com o referido M. P. um contrato de trabalho sem termo igual ao celebrado com a autora, com a uma remuneração base distinta, pois M. P. tinha outro escalão, mas com a mesma remuneração adicional de 1.201,09€ pelo regime de acumulação de funções (igual à da autora), valor adicional que este professor deixou de receber a partir de 01/09/2012, data em que cessou as funções de direcção pedagógica;
ZZZ) A remuneração adicional paga à autora e ao professor M. P. sempre foi igual (em 2010 era de 1.027,18€ e em 2011 e até Agosto de 2012 era de 1.201,09€) e dizia respeito ao exercício das funções inerentes à direcção pedagógica;
AAAA) Valor adicional que a autora não recebia antes de iniciar as funções de directora pedagógica;
BBBB) Sempre foi esta a prática do Y em relação aos directores pedagógicos anteriores e posteriores à autora;
CCCC) A autora propôs ao Y que na sua ausência durante o período de licença a direcção pedagógica fosse atribuída a duas pessoas, a saber: M. R. (irmã da autora) e S. A.;
DDDD) O Y aceitou a sugestão e a própria autora falou com as referidas professoras e convidou-as a assumir tais funções;
EEEE) A autora esteve presente na reunião ocorrida em 18/10/2016;
FFFF) O Conselho Director teve notícia que alguns pais se queixavam de não conseguir falar com a directora pedagógica, com a autora, mais tendo sido referido que não sabiam indicar o seu horário, ao contrário do que acontecia noutras escolas e anteriormente no Conservatório, pois a direcção pedagógica que substituiu a autora no período de licença de maternidade no início do ano lectivo 2016/2017 tinha afixado o seu horário, para que os pais tivessem conhecimento do mesmo;
GGGG) Perante tal situação, o Y decidiu pedir à autora que indicasse o seu horário;
HHHH) Era prática corrente no Y que o eventual e pontual trabalho prestado fora do horário fosse compensado com o regime do banco de horas e de flexibilidade que vigora ou nos períodos não lectivos;
IIII) A autora sempre geriu o seu horário como entendeu;
JJJJ) Ausentava-se do Conservatório para tratar de assuntos pessoais sempre que entendia e fosse a que horas fosse e sem solicitar qualquer autorização do Conselho Director do Y;
KKKK) Após o termo das funções de directora pedagógica, a autora passou a ser remunerada pelas 22 horas lectivas, com 1.481,82€, corresponde à categoria e índice A7;
LLLL) A autora só tem habilitações para ser docente da classe de conjunto vocal, tendo-lhe sido atribuídas todas as aulas desta disciplina nos anos lectivos de 2017/2018 e 2018/2019;
MMMM) O número de alunos do Y tem diminuído ao longo dos anos, o que implicou a diminuição do número de aulas a atribuir à autora para esta leccionar;
NNNN) O plano de actividades do Conservatório era e é definido pela direcção pedagógica;
OOOO) O Conselho Director do Y apenas aprova os montantes atribuídos a cada actividade, mas é o Conselho Pedagógico que define as actividades, em função do que os docentes sugerem;
PPPP) O Conselho Director do Y nunca impôs nenhum plano de actividades;
QQQQ) O plano de actividades serve para, entre outros, divulgar a instituição (ensino, docentes, alunos), promover intercâmbios, concursos, captação de novos alunos, desenvolvimento de práticas pedagógicas, articulação com diversas entidades, entre outros;
RRRR) A autora sempre se recusou a preencher o livro de ponto, apesar de tal ser obrigatório, apenas o tendo feito num curto período do ano de 2014;
SSSS) Mesmo a partir de 2016, quando o Y implementou o registo biométrico, a autora sempre se recusou a registar a sua entrada e saída, só o tendo feito já no decurso do ano de 2017;
TTTT) A autora tinha especial acesso ao sistema MUSa (com password única) e onde registou o que entendeu conveniente;
UUUU) A autora, como directora pedagógica, tinha password de administrador do sistema MUSa, podendo registar no mesmo o que entendesse sem que se conseguisse identificar quando fora feito ou alterado tal registo (funcionalidade que apenas em Setembro de 2018 passou a existir);
VVVV) O Conselho Director do Y não tem qualquer password do sistema;
WWWW) O sistema MUSa não serve para registar o tempo de trabalho dos professores, mas apenas e tão só o que estes leccionam;
XXXX) As férias da autora sempre foram marcadas e geridas da forma que entendeu, sendo que em 2017, quando é aceite o seu pedido de demissão da função de directora pedagógica, a autora pediu o gozo de férias no mês de Agosto, mas face a declarações de doença que apresentou, as mesmas tiveram que ser ajustadas quando regressou ao serviço;
YYYY) A redução do número de aulas afectas a “conjunto vocal” decorreu de decisão interna, no início do ano lectivo de 2017/2018, que determinou que a disciplina de “Classe de conjunto” passasse a ter 90 minutos semanais, ao invés dos anteriores 135 minutos;
ZZZZ) Além de que, por decisão interna do réu da mesma altura (início do ano lectivo de 2017/2018), foi determinado haver apenas uma aula de Classe de Conjunto no Curso de Iniciação em Música, onde, na mesma classe, se incluíssem a totalidade dos alunos (cerca de 35) a frequentar este curso de iniciação em música, ao invés das 3 classes em que anteriormente se dividia;
AAAAA) A situação de separação familiar da autora era do conhecimento do réu e esta sabia-o muito antes da comunicação formal por aquela;
BBBBB) Eram impostas iniciativas concretas no Plano de Actividades por parte do CD (por exemplo, as “Galas de Novos Talentos, Talentos Novos” ou a participação no evento “Jogos Florais”), que eram iniciativas realizadas pela Câmara Municipal com a participação do réu;
CCCCC) A autora efectuou as deslocações constantes da tabela junta a fls. 2374v. a 2375v. (que aqui se dá por integralmente reproduzida), percorrendo os quilómetros ali mencionados, para ir dar as aulas que lhe foram atribuídas pelo réu.

4. Apreciação do recurso

4.1. A Apelante sustenta que a sentença é nula por falta de fundamentação de facto e de direito que justifiquem a decisão e por ambiguidade que torna a decisão ininteligível, uma vez que naquela se considera que o réu provou um acordo entre as partes relativo a retribuição adicional por funções de direcção pedagógica, quando em lado algum se motivou essa prova, e, por outro lado, não questionou a veracidade dos recibos de 2009 mas não os teve em conta ao dar como provado o citado acordo, para além de ter atribuído relevo ao disposto no contrato de trabalho quanto às deslocações mas não quanto à retribuição e tempos lectivos.
A Recorrente também invoca a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, na medida em que o tribunal não retirou efeitos de várias condutas do réu que se provaram, não as considerando como assédio, ou, em alternativa, como violação de direitos de personalidade da autora, bem como, ao julgar não provados os pontos 5) e 6) da matéria de facto, quando a matéria resultava de um documento não impugnado pelo réu.

Vejamos.

Estabelece o n.º 1 do art. 615.º do Código de Processo Civil que é nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.

Assim, no que respeita à al. b), a mera insuficiência de fundamentos da sentença, seja de facto, seja de direito, não constitui causa de nulidade da mesma, isto é, como diz Fernando Amâncio Ferreira (1), “[a] falta de motivação susceptível de integrar a nulidade de sentença é apenas a que se reporta à falta absoluta de fundamentos, quer estes respeitem aos factos, quer ao direito (…)”.
No mesmo sentido, pronunciou-se Artur Anselmo de Castro (2), afirmando que “[t]ambém a falta de fundamentação constitui causa de nulidade da sentença, quer a omissão respeite aos fundamentos de facto, quer aos de direito. Da falta absoluta de motivação jurídica ou factual – única que a lei considera como causa de nulidade – há que distinguir a fundamentação errada, pois esta, contendendo apenas com o valor lógico da sentença, sujeita-a a alteração ou revogação em recurso, mas não produz nulidade (…)”.
E, ainda, Antunes Varela (3), referindo que, “[p]ara que a sentença careça de fundamentação, não basta que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito. (...).”
Por outro lado, de acordo com a citada al. c), a sentença é nula quando ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
Segundo ensina José Alberto dos Reis, “[a] sentença é obscura quando contém algum passo cujo sentido seja ininteligível; é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes. Num caso não se sabe o que o juiz quis dizer; no outro hesita-se entre dois sentidos diferentes e porventura opostos. É evidente que, em última análise, a ambiguidade é uma forma especial de obscuridade. Se determinado passo da sentença é susceptível de duas interpretações diversas, não se sabe, ao certo, qual o pensamento do juiz.” (4)
Não obstante, como resulta expressamente da norma em análise, só releva como causa de nulidade da sentença a ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível, e não também a que afecte apenas a fundamentação, sendo certo que ocorre a ininteligibilidade da decisão quando um declaratário normal não consegue alcançar um sentido inequívoco para a mesma, ainda que por recurso à fundamentação (5).

No caso em apreço, é líquido em que prestações o réu foi condenado e de quais foi absolvido, estando a decisão antecedida dos fundamentos de facto e de direito em que o tribunal a alicerçou, pelo que, independentemente de serem insuficientes ou errados, tanto basta para que não se verifiquem as causas de nulidade da sentença a que aludem as als. b) e c).
Quanto à nulidade da sentença por omissão de pronúncia, prevista na al. d), está relacionada com o estabelecido no art. 608.º, n.º 2 do mesmo diploma, nos termos do qual o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Assim, só é relevante como causa de nulidade da sentença a omissão de pronúncia sobre «questões», como tal se entendendo os pedidos formulados e respectivas causas de pedir e as excepções que lhes sejam opostas, o mesmo não sucedendo com a falta de consideração de alguns factos ou linhas de fundamentação jurídica que as partes hajam invocado (6).
Ora, compulsada a sentença, constata-se que a mesma apreciou todos os pedidos formulados pela autora, em função das respectivas causas de pedir, sendo certo que o réu se defendeu essencialmente por impugnação (refutando os factos ou a sua qualificação jurídica), pelo que a apreciação de facto e de direito daquelas questões esgota a pronúncia sobre tudo o que se impunha conhecer, nos termos acima explicitados.

Como refere o Ministério Público no seu Parecer, as nulidades da sentença são «(…) vícios intrínsecos da decisão que não podem ser confundidos com hipotéticos erros de julgamento, de facto ou de direito, como parece ocorrer neste caso com a recorrente em que o que pretende é discutir o mérito da decisão proferida.»
Concluindo, o invocado pela Recorrente não constitui causa de nulidade da sentença, respeitando, isso sim, à impugnação da decisão sobre a matéria de facto ou à sua subsunção a diferente enquadramento jurídico.
A Apelante vem ainda invocar nulidade nos termos do art. 195.º do Código de Processo Civil, decorrente de omissão pelo tribunal do exercício de poderes-deveres em conformidade com o princípio do inquisitório, designadamente, entre outros, a determinação oficiosa de provas e a ampliação dos temas em discussão, com a consequente necessidade de reabertura da audiência para prática dos actos omitidos.
Estabelece o citado preceito que a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa (n.º 1), e que, quando um acto tenha de ser anulado, anulam-se também os termos subsequentes que dele dependam absolutamente (n.º 2).
A arguição da nulidade processual faz-se na própria instância em que é cometida, salvo o disposto no n.º 3 do art. 199.º do Código de Processo Civil, de imediato ou no prazo geral de 10 dias, nos termos melhor explicitados neste mesmo preceito.
As nulidades processuais a que o art. 195.º do Código de Processo Civil se reporta distinguem-se das nulidades, erros materiais ou erros de julgamento de que podem enfermar os despachos ou sentenças, na medida em que estes são vícios de conteúdo de decisões judiciais, enquanto as nulidades processuais respeitam à existência ou às formalidades dum acto processual.
Em conformidade, no quadro dos vícios específicos da sentença, a que se referem os arts. 614.º a 617.º do Código de Processo Civil, não está contemplado o decorrente de ter sido omitido ou estar ferido de invalidade um acto da sequência processual anterior à sentença, pois o que ocorre neste caso é a aludida anulabilidade nos termos do n.º 1 do citado art. 195.º, com a consequente anulação do processado subsequente que daquele dependa, incluindo a sentença, se for o caso, nos termos do n.º 2 da mesma disposição legal. (7)

No caso em apreço, estando em causa, segundo a autora, a omissão de actos que deviam ter sido praticados antes do encerramento da audiência de julgamento, devia aquela ter arguido, tempestivamente e perante o tribunal de primeira instância, a pretendida nulidade nos termos acabados de referir. O despacho que eventualmente a não atendesse é que podia ser impugnado mediante recurso. Daí o aforismo “das nulidades reclama-se; dos despachos recorre-se”. (8)
Acresce que, relativamente a meios de prova que foram indeferidos por despacho transitado em julgado, designadamente na sequência de recurso oportunamente interposto pela autora (cfr. Acórdão desta Relação proferido no Apenso A), o presente Acórdão tem de necessariamente respeitar o caso julgado formal que se formou, sendo certo que seria ineficaz se o contrariasse (arts. 620.º, n.º 1, 625.º, n.ºs 1 e 2 e 628.º do Código de Processo Civil).
Em face do exposto, improcede integralmente a pretensão da Apelante no que concerne a nulidades da sentença ou nulidades processuais.

4.2. Importa, seguidamente, apreciar a impugnação que a Recorrente faz da decisão sobre a matéria de facto.
Estabelece o art. 662.º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe «Modificabilidade da decisão de facto», no seu n.º 1, que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.

Por sua vez, o art. 640.º, que rege sobre os ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, dispõe do seguinte modo:

1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
(…)
Compulsada a alegação de recurso, constata-se que a Apelante impugna a decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto aos pontos Q), WWW), YYY), ZZZ), AAAA) e BBBB) da factualidade considerada provada, 4), 5), 6), 7), 8), 9), 16), 19), 22), 24), 29), 32), 33), 39), 46), 47) e 48) da factualidade considerada não provada e ainda quanto à não consideração dum facto a aditar sob a alínea DDDDD), fundamentando a sua pretensão com referência a dois grandes blocos temáticos:
- retribuição e tempos lectivos da autora; e
- violação de direitos de personalidade.

Assim, no que concerne ao tema da retribuição e tempos lectivos da autora, a Apelante invoca documentos constantes dos autos, designadamente contratos da autora e de outros trabalhadores do réu, recibos de vencimento da autora e de outros trabalhadores do réu, folhas de vencimento e e-mails, bem como depoimentos prestados pelas testemunhas A. M., M. P., S. A., D. B. e J. C., concluindo que dos mesmos resulta que a factualidade impugnada atinente a esta questão deve ser alterada, de modo a constar como provada a seguinte:
WWW) Em 2009 foi acordada com a autora a remuneração prevista para a sua categoria e para as 22 horas lectivas (a que correspondia 1.143,67 €), à qual acresceram mais 11 horas lectivas (a que correspondiam 572 €);
YYY) O Y, em 01/09/2010 celebrou com o referido M. P. um contrato de trabalho sem termo com um valor de “acumulação” de 1.201,09 €, valor que este professor deixou de receber a partir de 01/09/2012, data em que cessou as funções de direcção pedagógica;
ZZZ) O valor de “acumulação” pago ao professor M. P. em 2010 era de 1.027,18 € e em 2011 e até Agosto de 2012 era de 1.201,09 €;
AAAA) A autora recebeu um valor inscrito no recibo como “acumulação” mesmo antes de iniciar as funções de directora pedagógica, pelo menos desde o ano lectivo de 2009/2010;
BBBB) (a eliminar)
4) O horário de trabalho da autora no ano lectivo de 2009/2010 fixou-se de segunda-feira a sábado, nos termos que constam no documento junto a fls. 57v.;
5) No ano lectivo de 2009/2010, foram atribuídas à autora mais do que 33 horas lectivas semanais, uma vez que lhe foi pedido para leccionar algumas aulas “extra”, em resultado do contínuo aumento do número de alunos e da falta de professores necessários para corresponder a tanto, mas sempre com a promessa de que seria uma situação transitória, isto é, seria uma situação que só se iria manter até o réu conseguir arranjar os professores necessários;
6) Apesar de a remuneração ter sido sempre dividida entre “vencimento” e “acumulação”, a verdade é que essa divisão não era condizente com a realidade, pois sempre foi estabelecido entre autora e réu que o valor global resultante da soma daquelas parcelas corresponderia à retribuição-base da autora, tendo por referência os 33 tempos lectivos com ela acordados desde o ano lectivo de 2009/2010;
7) No contrato celebrado em 01/09/2010 foi acordada entre autora e réu uma retribuição mensal no valor bruto de 2.415,93€, dividida, simuladamente, entre “vencimento” mais “acumulação”;
8) Foi atribuído à autora, para o ano lectivo de 2010/2011, um horário de trabalho que, apesar de se distribuir entre horas lectivas para a função de “Professor” e horas lectivas vinculadas à função de “Direção Pedagógica”, por força do contínuo aumento do número de alunos e da falta de professores necessários para corresponder a esse crescente número, conduziu a um incremento das horas lectivas atribuídas à autora e que esta acabou por desempenhar, o que já não se verificou no ano lectivo seguinte – 2011/2012 –, uma vez que o horário de trabalho desse ano já seria preenchido com as 33 horas lectivas;
9) Em Setembro de 2013, mediante acordo verbal celebrado entre a autora e o réu, aquela passou a auferir a retribuição mensal ilíquida de 2.600,00€ - com a mesma simulação da divisão entre “vencimento” e “acumulação”.
Por outro lado, no que toca ao tema da violação de direitos de personalidade, a Apelante também invoca documentos constantes dos autos, designadamente “baixas médicas”, atestados e carta do réu, bem como depoimentos prestados pelas testemunhas C. C., D. M., S. A., V. B. e H. R., concluindo que dos mesmos resulta que a factualidade considerada não provada atinente a esta questão deve ser dada como provada da seguinte forma:
16) A autora entrou num estado de nervosismo e negativismo, com influência directa na sua vida, por força da colocação frequente de questões laborais de especial importância, com necessidade de a autora ter de lhes socorrer e com mais outra que pessoalmente lhe dizia respeito – a retribuição que auferia;
19) Houve tentativa de marcação de uma reunião “secreta” entre alguns colaboradores do réu, tendo em vista a procura de sensibilizar o CD para uma mudança na Direcção Pedagógica no ano lectivo seguinte;
22) No seio do réu havia o sentimento generalizado de denegrir a imagem da autora e colocar em causa o seu trabalho;
24) A vontade por parte do réu de rebaixar e humilhar a autora, para com isso denegrir a sua imagem, reforçou-se quando a autora regressou ao exercício das suas funções, após o gozo da licença de maternidade;
29) Os períodos de baixa médica deveram-se única e exclusivamente aos problemas laborais da autora, que se encontrava com um quadro clínico degradado, tendo deixado de ter as mínimas condições para poder desenvolver o seu trabalho;
32) A actuação do réu originou a necessidade de a autora se submeter a, pelo menos, dois períodos de baixa médica, uma vez que perante um “quadro depressivo de alguma gravidade”, esta não se encontrava com capacidade para retomar a sua actividade laboral;
33) Esse quadro clínico compõe-se por períodos de angústia, revolta, desespero, que em muito tem afectado a vida pessoal da autora e a tem tornado numa pessoa facilmente irritável e dependente de fármacos para tentar obter alguma estabilidade emocional;
39) Todas estas situações deixaram a autora profundamente desconfortável e angustiada, tendo sido por esse motivo que lhe foi diagnosticado um quadro clínico grave, que a obrigou a ficar de baixa médica durante dois períodos, nomeadamente entre 24 de Julho de 2017 e 31 de Julho de 2017 e entre 15 de Setembro de 2017 e 25 de Março de 2018;
46) Todos estes factos transformaram a existência da autora num verdadeiro “inferno”, razão pela qual anda triste, acabrunhada e desgostosa, frustrada e revoltada, situação essa que se agravou com os evitáveis desenvolvimentos posteriores à cessação das funções de “Directora Pedagógica”;
47) Por esses motivos a autora sentiu necessidade de ter acompanhamento médico, tendo sido medicada para os seus sintomas, entre eles a constante inquietação;
48) A saúde mental da autora ficou deteriorada, estando frequentemente ansiosa, triste, deprimida e desiludida com o rumo que a sua vida profissional estava a tomar, sentindo-se ademais flagrantemente acossada e violentada na sua dignidade e honra pessoal e profissional;
DDDDD) O réu não permitiu à autora, nos anos lectivos de 2017/2018 e 2018/2019, e contrariamente ao que permite aos demais docentes, conciliar o seu horário de trabalho com a sua vida familiar e pessoal, desconsiderando as preferências que a autora manifestou. (a aditar)
Ora, do regime constante do Código de Processo Civil, acima delineado, resulta que, sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões, nos termos dos arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, e acrescendo que há específicos ónus a cumprir no que tange à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, por força do art. 640.º, o recorrente deve:
- especificar inequivocamente no corpo das alegações os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, os concretos meios probatórios que, no seu entender, impunham uma decisão diversa, e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, bem como, tratando-se de depoimentos, as passagens da gravação respectivas;
- e indicar sinteticamente nas conclusões, pelo menos, os pontos da matéria de facto que pretende ver alterados e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

Retornando ao caso dos autos, verifica-se que, quer no corpo das alegações, quer nas conclusões, a Recorrente indica quais os pontos de facto indevidamente considerados como provados ou não provados pelo tribunal recorrido, bem como a decisão que sobre os mesmos deveria ter sido proferida.
Contudo, a Recorrente não especificou os concretos documentos ou trechos dos mesmos e as exactas passagens da gravação dos depoimentos em que se funda para sustentar a sua pretensão relativamente a cada um dos pontos da matéria de facto em apreço, ou, pelo menos, a cada uma das situações de facto em causa, de modo a facultar ao tribunal de recurso a imediação possível na avaliação dos meios de prova especificados, nos segmentos considerados determinantes para imporem decisão diversa sobre cada um dos concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados.
Por outras palavras, a Recorrente não indica nem analisa concretos meios probatórios por reporte a concretos pontos ou situações de facto, antes, no âmbito de cada uma das duas questões que constituem o objecto do recurso, efectua uma impugnação em termos globais de todos os factos que considera indevidamente provados e não provados, com fundamento no conjunto dos documentos e depoimentos alegadamente pertinentes, o que não satisfaz o adequado cumprimento dos ónus legais.
Com efeito, como se sintetiza no sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de Fevereiro de 2019 (9), “[o] artigo 640.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil estabelece que se especifique os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, e determina que essa concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respetivos meios de prova, e quando gravados com a indicação exata das passagens da gravação em que se funda o recurso”; deste modo, “[n]ão cumpre aquele ónus o apelante que nas alegações não especificou os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, relativamente a cada um dos factos concretos cuja decisão impugna, antes se limitando a proceder a uma indicação genérica e em bloco, para aquele conjunto de factos.”
No mesmo sentido, esclarece o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Julho de 2021 (10) que “[a] exigência de que a indicação dos pontos de facto que o Recorrente considera incorretamente julgados seja feita um a um, isto é individualizadamente e não em bloco, com a indicação precisa em relação a cada um deles dos meios de prova que impunham decisão diversa visa, não apenas facilitar a atividade do Tribunal da Relação, mas também facilitar o contraditório, evitando que perante meios de prova invocados em conjunto para um bloco de factos a outra parte tenha que tentar escalpelizar ou destrinçar em que é que cada meio de prova se reporta a cada um dos factos, com o risco de não o fazer adequadamente, risco que lhe seria imposto pela técnica adotada pelo Recorrente.”
Ressalva-se a possibilidade, obviamente, de impugnação dos pontos que integrem uma mesma situação de facto, devidamente delimitada pela identidade das circunstâncias de tempo, lugar, intervenientes, etc., e em que a pretendida alteração assente nos mesmos segmentos dos mesmos meios probatórios, na medida em que nesse caso não se belisca o princípio do contraditório nem o princípio da imediação. (11)
Ora, sublinha-se, resulta da forma observada pela Apelante na impugnação da factualidade provada e não provada, e da diversidade desta, nos termos acima consignados, que aquela não procedeu em conformidade com o ónus que sobre ela recaía, incorrendo na infracção definida sinteticamente no sumário do citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Julho de 2021, a saber, que “[v]iola o disposto no artigo 640.º n.º 1 do CPC o recorrente que impugna em bloco pontos da matéria de facto que não se acham interligados entre si.”
A excepção é unicamente a que se refere à alínea Q) da factualidade dada como provada, cuja alteração de redacção a Apelante efectivamente fundamentou de modo individualizado, especificando e analisando as provas alegadamente pertinentes.
Sucede que, ao dar como provada a matéria constante daquela alínea, o tribunal recorrido acolheu integralmente o alegado pela autora no art. 51.º da petição inicial, relativo exclusivamente ao ano lectivo iniciado em Setembro de 2013 (cfr. o art. 50.º daquele articulado), isto é, a pretendida alteração extravasa do ponto da matéria de facto em apreço, tendo a ver com factualidade relativa a anos lectivos anteriores, alegada em precedentes artigos da petição inicial (cfr. os arts. 21.º e ss.) e considerada pelo tribunal recorrido nos correspondentes pontos da matéria de facto consignados na sentença.
Tendo a autora logrado provar tudo quanto alegou, no que toca ao ponto da matéria de facto em causa, a sua pretensão carece desde logo de objecto.
Por todo o exposto, impõe-se a imediata rejeição do recurso no que toca à impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
4.3. Intocada a factualidade a ter em conta, vejamos então se, como pretende a Apelante, ocorreu redução unilateral da sua retribuição, num total de 22.785,78 €, correspondente à diferença entre o que o réu pagou à autora a título de retribuição mensal (1.481,82€) e o que a mesma tinha direito a receber (2.600,00€), desde Setembro de 2017 até à cessação do contrato de trabalho em 31/08/2019.
A Recorrente sustenta a sua pretensão no facto de a retribuição de 2.600,00€ ser a que estava acordada desde Setembro de 2013 em função do período normal de trabalho acordado com a autora e que era, desde 2009, de pelo menos de 33 horas lectivas.

Vejamos.

Resulta da factualidade provada que, em 1 de Setembro de 2006, autora e réu celebraram um denominado “contrato de trabalho a termo certo”, sendo o período normal de trabalho correspondente a 5,5 horas lectivas semanais, sucessivamente renovado até ao ano lectivo de 2009/2010, embora, em virtude das necessidades do Conservatório, nomeadamente com o aumento do número de alunos, fosse sofrendo, anualmente, actualizações e rectificações, estabelecidas por acordo verbal entre o réu e a autora, de modo que, no mencionado ano lectivo de 2009/2010, o réu pagava à autora as quantias de 1.143,67 € a título de “vencimento” e de 572,00 € a título de “acumulação”;
No final do ano lectivo 2009/2010, a autora foi convidada pelo CD para exercer, cumulativamente com as funções que já exercia no réu, as funções de Directora Pedagógica, colegialmente com M. P., o que veio a suceder desde o ano lectivo de 2010/2011 até 2012;
No dia 01 de Setembro de 2010, autora e réu celebraram o contrato junto a fls. 58 e ss., denominado “contrato de trabalho sem termo”, no qual o réu declarou admitir a autora ao seu serviço “com a categoria profissional de A8 para o desemprenho das funções de professor, bem como as demais funções conexas, podendo ainda desempenhar outras funções compatíveis com essa mesma categoria e com as suas habilitações e que a empregadora lhe venha a solicitar, segundo as instruções da mesma”, mais se tendo declarado que a autora “paralelamente (…) desempenhará as funções de Direcção Pedagógica do Conservatório de Música J. C. em regime de colegialidade e demais funções conexas, até que a entidade empregadora o considere conveniente”;

Nesse mesmo documento se acordou ainda, além do mais, que:
a. “o período normal de trabalho do trabalhador será de 22 (vinte e duas) horas lectivas semanais, ficando a definição do horário de trabalho do trabalhador a cargo da empregadora”, sendo que “o período normal de trabalho é de 22 (vinte e duas) horas, no qual se incluem as horas adstritas à função de director(a) pedagógico(a)” e que “o trabalhador poderá ainda acumular no seu horário num total de mais 11 (onze) horas semanais lectivas”, mais se tendo estipulado que “o trabalhador obriga-se a prestar, para além das horas lectivas semanais, a correspondente componente não lectiva, podendo a carga lectiva e não lectiva ser reajustada de um ano lectivo para outro, em conformidade com as alterações legislativas em vigor e sobrevindo a necessidade da carga horária lectiva e não lectiva será celebrada uma adenda ao presente contrato”;
b. “a empregadora pagará ao trabalhador a retribuição mensal ilíquida de 1.214,84€ correspondente à função de professor e definida pela tabela do Ministério da Educação no que se refere às habilitações do trabalhador, na qual se inclui a compensação por todo e qualquer eventual resultado da actividade inventiva ou criativa do trabalhador” e “em regime de acumulação de funções, a empregadora pagará ao trabalhador, no presente ano lectivo de 2010/2011, um acréscimo de 1.201,09€ pelas horas lectivas em regime de acumulação”;
Foi acordado com a autora a remuneração prevista para a sua categoria e para as 22 horas lectivas (horário a tempo completo), à qual acresceu provisoriamente, devido às funções de direcção pedagógica, mais 11 horas de presença no Conservatório e uma remuneração adicional, que a autora não recebia antes de iniciar as funções de directora pedagógica;
O Y, em 01/09/2010, celebrou com o referido M. P. um contrato de trabalho sem termo igual ao celebrado com a autora, com uma remuneração base distinta, pois M. P. tinha outro escalão, mas com a mesma remuneração adicional de 1.201,09€ pelo regime de acumulação de funções (igual à da autora), valor adicional que este professor deixou de receber a partir de 01/09/2012, data em que cessou as funções de direcção pedagógica;
Sempre foi esta a prática do Y em relação aos directores pedagógicos anteriores e posteriores à autora;

No dia 1 de Setembro de 2012, autora e réu celebraram o contrato junto a fls. 62 e ss., denominado “contrato de trabalho sem termo”, no qual declararam pretender alterar o contrato celebrado em 1 de Setembro de 2010, além do mais, nos seguintes termos:
a. a cláusula primeira passaria a ter a seguinte redacção: “a entidade empregadora admite o trabalhador ao seu serviço com a categoria profissional de A7 para o desemprenho das funções de professor, bem como as demais funções conexas, podendo ainda desempenhar outras funções compatíveis com essa mesma categoria e com as suas habilitações e que a empregadora lhe venha a solicitar, segundo as instruções da mesma”, mais se tendo declarado que a autora “paralelamente (…) desempenhará as funções de Direcção Pedagógica do Conservatório de Música J. C. e demais funções conexas, até que a entidade empregadora o considere conveniente”;
b. a cláusula terceira passaria a ter a seguinte redacção: “o período normal de trabalho do trabalhador será de 22 (vinte e duas) horas semanais, adstritas à função de directora pedagógica, ficando a definição do horário de trabalho do trabalhador a cargo da empregadora”, sendo que “o trabalhador acumula no seu horário num total de mais 11 (onze) horas semanais lectivas e 2 horas não lectivas”, mais se tendo estipulado que “o trabalhador obriga-se a prestar, para além das horas lectivas semanais, a correspondente componente não lectiva, podendo a carga lectiva e não lectiva ser reajustada de um ano lectivo para outro, em conformidade com as alterações legislativas em vigor e sobrevindo a necessidade da carga horária lectiva e não lectiva será celebrada uma adenda ao presente contrato”;
c. a cláusula quarta passaria a ter a seguinte redacção, além do mais: “a entidade empregadora pagará ao trabalhador a retribuição mensal ilíquida de 1.540,27€ (mil quinhentos e quarenta euros e vinte e sete cêntimos), na qual se inclui a compensação por todo e qualquer eventual resultado da actividade inventiva ou criativa do trabalhador”, “em regime de acumulação de funções, a empregadora pagará ao trabalhador, no presente ano lectivo de 2012/2013, um acréscimo de 875€ (oitocentos e cinquenta euros) pelas horas lectivas e não lectivas em regime de acumulação” e “o trabalhador terá direito a receber da entidade empregadora, a título de subsídio de transporte, o montante máximo de 0.36€/Quilómetro, quando a deslocação seja efectuada em contexto de formação”;
A partir de Setembro de 2013, o período normal de trabalho da autora fixou-se nas 33 horas lectivas semanais, sendo que, desta feita, passaram a corresponder, unicamente, a horas relacionadas com as funções de Directora Pedagógica, atenta a grande complexidade e disponibilidade exigida por estas funções;
Mais se provou que a partir de então e até à cessação das funções de Directora Pedagógica, o réu pagou à autora a retribuição mensal de 2.600,00 €, dividida sob as verbas “vencimento” e “acumulação”;
Após o termo das funções de directora pedagógica, a autora passou a ser remunerada pelas 22 horas lectivas, com 1.481,82€, correspondente à categoria e índice A7.

Estabelece o Código Civil, na parte que interessa:

Artigo 236.º
(Sentido normal da declaração)
1. A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.
2. Sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida.

Artigo 237.º
(Casos duvidosos)
Em caso de dúvida sobre o sentido da declaração, prevalece, nos negócios gratuitos, o menos gravoso para o disponente e, nos onerosos, o que conduzir ao maior equilíbrio das prestações.

Artigo 238.º
(Negócios formais)
1. Nos negócios formais não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso.
2. Esse sentido pode, todavia, valer, se corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem a essa validade.
Mostra-se, assim, consagrada a chamada teoria objectivista da impressão do destinatário (12), nos termos da qual a declaração vale com o sentido definido nos termos do art. 236.º, n.º 1 (devendo, nos negócios formais, ter um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso), sem prejuízo de valer de acordo com a vontade real do declarante, se o declaratário a conhecer.

Ora, retornando ao caso dos autos, constata-se que, relativamente ao clausulado do contrato de trabalho introduzido em 1 de Setembro de 2010, apurou-se que os declarantes acordaram, em suma, na fixação da remuneração prevista para a categoria da autora em função de 22 horas lectivas, à qual acresceu provisoriamente, pelo exercício das funções inerentes à direcção pedagógica durante 11 horas lectivas, uma remuneração adicional no valor de 1.201,09 €, idêntica à atribuída ao professor que colegialmente com ela exercia aquelas funções.
Relativamente às alterações introduzidas no contrato de trabalho em 1 de Setembro de 2012, não se apurou a vontade real dos declarantes, pelo que o seu sentido tem de buscar-se nos termos dos citados arts. 236.º, n.º 1 e 238.º, n.º 1, isto é, as declarações dos outorgantes hão-de valer com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele, e devendo ter um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso, atendendo-se, em caso de dúvida, ao disposto no art. 237.º.
Ora, o clausulado em causa, como os anteriores, reporta-se a um contrato de trabalho celebrado entre um titular dum estabelecimento de ensino particular e cooperativo não superior e uma professora do mesmo, sendo evidente que aí estão pressupostos o regime e os conceitos constantes da respectiva regulamentação colectiva, concretamente, como resulta de variados documentos emanados de ambas as partes e dos próprios articulados, o CCT entre a AEEP — Associação de Estabelecimentos de Ensino Particular e Cooperativo e a FENPROF — Federação Nacional dos Professores e outros, cujo texto consolidado consta do BTE n.º 30, de 15 de Agosto de 2011 (13).
Nos termos conjugados dos arts. 11.º, 11.º-A e 11.º-B de tal normativo, no que interessa para a situação dos autos, o período normal de trabalho dos docentes é de 35 horas semanais, integrando uma componente lectiva e uma componente não lectiva. A componente lectiva é de 22 horas e a componente não lectiva de 13 horas, mas, por acordo das partes, o período normal de trabalho lectivo semanal pode ser elevado até 33 horas de trabalho lectivo, sendo a retribuição calculada multiplicando o número de horas lectivas pelo valor hora semanal. Aos docentes será assegurado, em cada ano lectivo, um período de trabalho lectivo semanal igual àquele que hajam praticado no ano lectivo imediatamente anterior, mas esta garantia pode ser reduzida quanto aos professores com número de horas de trabalho lectivo semanal superior a 22, desde que respeite este limite.
Por outro lado, resulta da tabela do Anexo V que a retribuição dos docentes com o Nível A7 é de 1 481,82 € por mês e 67,36 € por hora semanal, esclarecendo o art. 32.º, n.º 8 que a retribuição mínima mensal dos trabalhadores com funções docentes é calculada multiplicando o número de horas lectivas semanais atribuídas pelo valor hora semanal da respectiva tabela. O art. 38.º, n.ºs 1 e 2 acrescenta que os trabalhadores têm direito a uma retribuição pelo período de férias não inferior à que receberiam se estivessem ao serviço efectivo e a um subsídio de férias de montante igual a tal valor. E o art. 39.º, que têm direito a um subsídio de Natal equivalente à retribuição a que tiverem direito no mês de Dezembro.
Posto isto, julga-se que as declarações das partes constantes do clausulado vigente a partir de 1 de Setembro de 2012 devem ser interpretadas em conformidade, ou seja, no sentido de que a autora prestaria ao réu as funções de professora com o Nível retributivo A7, isto é, mediante a retribuição mensal de 1 481,82 € e de 67,36 € por hora semanal, exercendo paralelamente e enquanto fosse da conveniência do réu as funções de Directora Pedagógica. O período normal de trabalho foi fixado em 22 horas lectivas semanais, adstritas às funções de direcção pedagógica, a que acresciam 11 horas lectivas e 2 horas não lectivas semanais, bem como a (restante) componente não lectiva, podendo a carga lectiva e não lectiva ser reajustada de um ano lectivo para outro, em conformidade com as regras em vigor, e sendo celebrada uma adenda se sobreviesse necessidade, o que se entende remeter para o regime acima referido. Acordou-se uma retribuição mensal dividida em duas parcelas, uma correspondente às aludidas 22 horas lectivas semanais adstritas às funções de direcção pedagógica, superior à acordada para as funções de docência (Nível A7), e outra correspondente às 11 horas lectivas e 2 horas não lectivas semanais “em regime de acumulação” e adstritas a funções de docência, calculada em função do respectivo valor horário acordado (67,36 € x 13 = 875,68 €).
Em conformidade com o acordado, com o sentido acabado de explicitar, a partir de Setembro de 2013 as 33 horas lectivas semanais passaram a estar adstritas ao exercício das funções de Directora Pedagógica e o réu passou a pagar à autora a retribuição mensal de 2.600,00 €, dividida sob as verbas “vencimento” e “acumulação”.
Julgamos que esta interpretação das alterações contratuais é a que decorre de se ter feito a diferenciação entre as funções de docência contratadas e as funções especiais de direcção pedagógica atribuídas com carácter precário, bem como de se ter indicado quanto àquelas o nível retributivo com correspondência no CCT, utilizando o valor horário deste para cálculo da parcela da retribuição correspondente ao tempo ocupado em funções de docência, a par da fixação duma retribuição mais elevada do tempo ocupado em funções de direcção pedagógica. Na mesma linha, as referências, como no citado CCT, a um período normal de trabalho composto por horas lectivas e não lectivas semanais, com distinção das que correspondem ao trabalho a tempo completo e das que correspondem a “acumulação”, reajustável de ano lectivo para ano lectivo, e mediante outorga de adenda se necessário.
Ademais, é também esta a interpretação que, em conformidade com o citado art. 237.º do Código Civil, conduz ao maior equilíbrio das prestações, uma vez que não seria razoável que alterações determinadas pela atribuição à autora do exercício singular de funções de Directora Pedagógica, a título necessariamente precário – no primeiro ano ocupando 2/3 e nos restantes quatro anos a totalidade do seu período normal de trabalho –, se mantivessem após a sua cessação, contrariamente ao que era prática do réu, do que resultaria o privilegiamento da autora.
Assim, após o termo das funções de Directora Pedagógica, nada impedia que a autora passasse a ser remunerada por 22 horas lectivas, com 1.481,82 €. Foi-lhe garantido o trabalho docente a tempo completo, correspondente a 35 horas semanais, das quais 22 horas eram lectivas e as restantes não lectivas, e foi-lhe garantida a retribuição acordada para o exercício das funções de docência, correspondente ao Nível A7.
Nos sobreditos termos, não resultava do acordo que a autora tivesse direito a manter no novo ano lectivo a acumulação de horas lectivas semanais que excedessem a componente lectiva do trabalho a tempo completo, o que se mostra conforme ao disposto nos arts. 203.º e 226.º e ss. do Código do Trabalho, nos termos dos quais é claro que o trabalhador não tem direito a prestar trabalho para além do limite máximo de duração do trabalho; nem resultava que a autora tivesse direito a manter o recebimento da quantia de 1118,18 €, correspondente à diferença entre a retribuição acordada para a sua categoria e Nível (A7) e a acordada para remunerar o exercício singular e precário de funções de direcção pedagógica, uma vez que a proibição de diminuição da retribuição garantida pelo art. 129.º, n.º 1, al. d) do Código do Trabalho não abrange situações como essa.
Neste sentido, veja-se, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Fevereiro de 2014, proferido no processo n.º 4272/08.4TTLLSB.L1.S1 (14), no qual se refere:
“Porém, a irredutibilidade da retribuição não significa que não possam diminuir-se ou extinguir-se certas prestações retributivas complementares. Com efeito, tal como vem sendo entendimento unânime da nossa Jurisprudência e da nossa Doutrina, o citado princípio, previsto no normativo antes enunciado, não incide sobre a globalidade da retribuição, mas apenas sobre a retribuição estrita, ficando afastadas as parcelas correspondentes ao maior esforço ou penosidade do trabalho, a situações de desempenho específicas (v.g. isenção de horário de trabalho), ou a maior trabalho (trabalho prestado além do período normal de trabalho).
Embora de natureza retributiva, tais remunerações não se encontram submetidas ao princípio da irredutibilidade da retribuição, pelo que só serão devidas enquanto perdurar a situação em que assenta o seu fundamento, podendo a entidade empregadora suprimi-las quando cesse a situação específica que esteve na base da sua atribuição.”
Neste mesmo sentido se tem pronunciado a doutrina, designadamente Romano Martinez (15), que ensina que “(…) os complementos salariais que são devidos enquanto contrapartida do modo específico do trabalho – como um subsídio de “penosidade”, de “isolamento”, de “toxicidade”, de “trabalho nocturno”, de “turnos”, de “risco” ou de “isenção de horário de trabalho” – podem ser reduzidos, ou até suprimidos, na exacta medida em que se verifique modificações ou a supressão dos mencionados condicionalismos externos do serviço prestado. O princípio da irredutibilidade da retribuição não obsta a que sejam afectadas as parcelas correspondentes ao maior esforço ou penosidade do trabalho sempre que ocorram, factualmente, modificações ao nível do modo específico de execução da prestação laboral. Tais subsídios apenas são devidos enquanto persistir a situação de base que lhes serve de fundamento.”
Do exposto decorre que o empregador pode retirar ao trabalhador determinados complementos salariais, como é o caso do que vise compensar o exercício temporário de funções de direcção pedagógica, desde que cesse, licitamente, a situação que fundamentou a sua atribuição, como é o caso dos autos. Não ocorre a violação do princípio da irredutibilidade da retribuição, já que este está limitado ao sentido estrito do conceito de retribuição, ou seja, à retribuição em sentido próprio, e aqueles outros correspondem a especificidades de prestação do trabalho, que apenas se justificam enquanto se mantiver a situação que lhes serve de fundamento.
Por todo o exposto, improcede o recurso nesta parte.

4.4. Finalmente, cumpre apreciar a pretensão da Apelante de condenação do réu no pagamento da quantia de 1.214,22 €, a título de indemnização por danos não patrimoniais, com fundamento, segundo se entende, nas condutas daquele que violaram os seus direitos de personalidade tutelados pela lei laboral.
Em 1.º lugar, recordemos que a autora, na petição inicial, formulou o pedido de indemnização por danos não patrimoniais com fundamento em assédio moral, o que o tribunal recorrido considerou não se verificar.
O art. 29.º do Código do Trabalho dispõe que é proibida a prática de assédio e que se entende como tal o comportamento indesejado, nomeadamente o baseado em factor de discriminação, praticado aquando do acesso ao emprego ou no próprio emprego, trabalho ou formação profissional, com o objectivo ou o efeito de perturbar ou constranger a pessoa, afectar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador.
E acrescenta que a prática de assédio confere à vítima o direito de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, nos termos gerais de direito.
Assim, na situação de assédio, o comportamento indesejado há-se ter objectivamente a potencialidade descrita, pela gravidade que, em razão da duração e intensidade, apresenta, não bastando que a tenha na perspectiva unilateral do trabalhador. Posto isto, compulsada a factualidade descrita, não pode deixar de concluir-se que a mesma não se reconduz minimamente à previsão legal, pelo que, sem necessidade de mais considerações, se consigna que se concorda inteiramente com a decisão recorrida quanto a tal conclusão.
Não obstante, como se disse, a prática de assédio confere à vítima o direito de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, nos termos gerais de direito, isto é, a pretensão deduzível tem como fundamento a responsabilidade civil, sem quaisquer especialidades, para além da caracterização própria do comportamento ilícito em função da gravidade, duração e efeitos. Assim sendo, é de entender que a pretensão de indemnização deve proceder se apenas não se provar esta qualificação do comportamento, desde que, ainda assim, o mesmo seja relevante como fundamento de responsabilidade civil, nos termos gerais de direito, não havendo alteração do pedido nem da causa de pedir que a tanto obste.
Ora, nos termos do Código Civil, aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação, só existindo obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei (art. 483.º); é ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão, salvo havendo presunção legal de culpa, sendo a culpa apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso (art. 487.º); no âmbito da responsabilidade contratual, o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor (art. 798.º), incumbindo ao devedor provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua, sendo a culpa apreciada nos termos aplicáveis à responsabilidade civil (art. 799.º); na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, sendo o montante da indemnização fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso (art. 496.º).
Vejamos, então.
Resulta da factualidade provada que, após cessação das funções de direcção pedagógica pela autora, nos anos lectivos de 2017/2018 e 2018/2019, lhe foi atribuído um horário de trabalho de apenas 17 horas lectivas semanais, por redução unilateral do réu, sem prejuízo do pagamento da retribuição correspondente a trabalho a tempo completo (22 horas lectivas).
Essa redução afigura-se devidamente justificada pelas circunstâncias descritas nas alíneas LLLL), MMMM), YYYY) e ZZZZ).

Não obstante, por outro lado, provou-se também:
A autora foi mãe no dia - de Setembro de 2016;
No ano lectivo de 2018/2019, a autora, após interrogação do réu sobre qual a sua disponibilidade “em termos de horário”, informou que, naquele que lhe fosse atribuído, gostaria que o mesmo não estivesse preenchido com aulas à sexta à tarde;
Este desejo expresso pela autora deveu-se, como é do conhecimento do réu, a situação de separação familiar, isto é, por trabalhar em concelho diferente de onde reside – a aproximadamente cerca de 270 km – não tem a possibilidade de ter uma plena comunhão de vida com o seu marido durante a semana, ou, por outras palavras, só aos fins-de-semana é que tem a possibilidade de regressar a casa;
Não obstante isso e de o horário provisório atribuído indicar que seria satisfeita esta pretensão da autora, a verdade é que, posteriormente, foi-lhe atribuída, entre outras, uma aula, precisamente ao final da tarde de sexta-feira;
As aulas que viriam a ser acrescentadas no horário foram-no completamente deslocadas da marcha horária já definida, obrigando, por exemplo, a períodos de espera pela aula seguinte, situação que se tinha repetido no ano lectivo anterior (2017/2018);
A situação de separação familiar da autora era do conhecimento do réu e este sabia-o muito antes da comunicação formal por aquela.
Ora, nos termos do art. 127.º, n.º 3 do Código do Trabalho, o empregador deve proporcionar ao trabalhador condições de trabalho que favoreçam a conciliação da actividade profissional com a vida familiar e pessoal.
O art. 212.º, n.ºs 1 e 2, al. b) do mesmo diploma esclarece que compete ao empregador determinar o horário de trabalho do trabalhador, devendo, na sua elaboração, além do mais, facilitar ao trabalhador a conciliação da actividade profissional com a vida familiar.
Neste enquadramento, considera-se que a autora manifestou uma preferência objectivamente séria e ponderosa, cujas razões eram do inteiro conhecimento do réu, sendo certo que, tendo este reduzido o período de trabalho lectivo da autora para 17 horas semanais, infere-se que o seu encaixe no horário escolar resultava facilitado.
Deste modo, atendendo à tutela legal do interesse da autora, a sua pretensão deveria ter sido atendida, salvo justificação adequada por parte do réu, que o mesmo não logrou demonstrar.
Em face do exposto, tendo o réu violado os citados deveres contratuais a que estava adstrito, de forma que se presume culposa, lesando os correspondentes direitos e interesses da autora, que, pela relevância pessoal e social, merecem que a tutela do direito se estenda aos danos não patrimoniais, cumpre fixar equitativamente o montante da respectiva indemnização, nos termos do citado art. 496.º do Código Civil.
Ora, tendo em conta que a autora tinha a residência familiar a uma distância do local de trabalho muito superior ao que é comum, apenas podendo conviver com o marido aos fins de semana, e tinha um filho de apenas 2 anos, estando o réu bem ciente destas circunstâncias e das dificuldades acrescidas que a sua conduta importava para a autora na conciliação da vida profissional com a vida familiar, situação que durou pelo menos 11 meses, atendendo ainda ao provado sob a alínea JJ), julga-se adequada a quantia peticionada pela Apelante, no valor de 1.214,22 €.
Procede, pois, o recurso da autora nesta parte.

5. Decisão

Nestes termos, acorda-se em julgar a apelação parcialmente procedente, e, em consequência, condenar o réu a pagar à autora a quantia de 1.214,22 €, acrescida de juros de mora à taxa legal, a título de indemnização por danos não patrimoniais, confirmando-se a sentença recorrida na restante parte.
Custas pelas partes na proporção do decaimento.
7 de Outubro de 2021

Alda Martins
Vera Sottomayor
Maria Leonor Barroso


1. Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 6.ª edição, p. 52.
2. Direito Processual Civil Declaratório, vol. III, pp. 141-142.
3. Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra Editora, 1985, p. 667.
4. Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, Coimbra Editora, 1984 (reimpressão), p. 151.
5. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. 2.º, Almedina, 2017, pp. 734-735.
6. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, op. cit., p. 737.
7. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, op. cit., p. 730.
8. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, op. cit., Vol. 1.º, p. 384.
9. Proferido no processo n.º 1338/15.8T8.PNF.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
10. Proferido no processo n.º 1006/11.0TTLRA.C1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
11. V. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Janeiro de 2021, proferido no processo n.º 1121/13.5TVLSB.L2.S1, igualmente disponível em www.dgsi.pt.
12. Cfr., v.g., Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, 4.ª Edição, em anotação ao art. 236.º.
13. O texto original encontra-se publicado no BTE n.º 11, de 22/03/2007 e sofreu a alteração quanto à tabela salarial publicada no BTE n.º 13, de 08/04/2009. A sua caducidade ocorreu nos termos do aviso publicado no BTE n.º 40, de 29/10/2015, retroagindo a 13/5/2015.
14. Consultável em www.dgsi.pt.
15. Direito do Trabalho, 3.ª edição, Almedina, p. 595.