Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
16/1979.G1
Relator: ANTÓNIO BEÇA PEREIRA
Descritores: PARTILHA
DOAÇÃO
QUOTA DISPONÍVEL
INOFICIOSIDADE
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 06/12/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO CÍVEL
Sumário: Considerando os precisos termos em que a Meritíssima Juiz ordenou a realização da partilha, que não foram postos em crise, tem que se entender que nas "liberalidades feitas em vida", a que se reporta o n.º 1 do artigo 2173.º CC, cabem tanto as que estão sujeitas a colação, como as que não estão.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães
I
No presente processo de inventário, que corre termos na comarca de Viana do Castelo, foi proferida a seguinte sentença:
"J…, casado, residente em França e, quando em Portugal, no lugar de…, Viana do Castelo, veio requerer inventário para partilha dos bens por óbito de A…[1], sua mãe, falecida no dia 10 de Abril de 2008.
Foi nomeada cabeça de casal R…, tendo prestado compromisso de honra e as declarações a que alude o artigo 1340.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.
Foi junta ao processo a relação de bens respectiva.
Realizou-se a conferência de interessados.
Foi dada forma à partilha e elaborou-se o respectivo mapa. A cabeça de casal veio reclamar, tendo o tribunal deferido parcialmente a reclamação e ordenado a elaboração de novo mapa.
O interessado M… reclamou, não tendo a dita reclamação sido atendida pelo Tribunal.
**
Ao abrigo do disposto no artigo 1382.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, homologo, por sentença, a partilha constante do mapa de fls. 394 a 398 e, consequentemente, adjudico aos interessados as verbas que integram os respectivos quinhões.
Custas nos termos do artigo 1383.º do Código de Processo Civil.
Registe e notifique."
Inconformados com esta decisão, os interessados R… e M… dela interpuseram recurso, que foi recebido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo, findando a respectiva motivação, com as seguintes conclusões:
1. A herança da inventariada atingiu o montante de 344.846,26 €, após avaliações dos bens doados e licitações dos bens livres.
2. A legítima dos herdeiros legitimários é de 229.909,51 € e a quota disponível de 114.954,75 €.
3. A inventariada fez doações - a filhos e uma neta -, por conta da quota disponível do montante de 180.377,00 €.
4. Os filhos donatários estavam sujeitos à colação; a neta não estava.
5. O excesso de bens doados por conta da quota disponível é de 65.422,25 €.
6. Perante tal facto, impunha-se a redução das doações a fim de não ser atingida a legítima dos herdeiros legitimários.
7. Tal redução, no caso dos autos, faz-se tendo em conta os arts. 2.168, 2.169, 2.171, 2.173, nº 2, parte final, do 2.174 do Cód. Civil.
8. Ou seja, reduzem-se, primeiro, as doações de 2005, depois, as de 2004.
9. Imputa-se na quota disponível, primeiro, as doações de 1991, e, depois, a diferença rateadamente das doações de 2004 que ainda couberem na quota disponível.
10. Na forma à partilha – fls 327 a fls 330 -, alegou-se que a redução das doações inoficiosas se fazia nos termos dos arts. 2.168, 2.169, 2.171, 2.173 do Cód. Civil.
11. A Mma. Juíza, fls 336, concordou com tal forma à partilha.
12. No mapa à partilha não se cumpriu a forma à partilha uma vez que na redução das doações não se cumpriu o disposto nos arts. 2.168, 2.169, 2.171, 2.173, nº 2, parte final, do 2.174 do Cód. Civil.
13. Foi, em disso, aplicado o art. 2.105 do Cód. Civil, que, salvo o devido respeito, nada tem a ver com a redução das doações.
14. A R… reclamou do mapa da partilha, fls 387 e ss, tendo invocado a violação da forma à partilha quanto à forma com se procedeu à redução das doações.
15. Tal reclamação foi indeferida no essencial, fls 392, pois a Mma. Juíza não aplicou as normas invocadas na forma à partilha, e por ela aceites, mas, sim, entendeu que:
“Uma vez achado o valor da quota disponível (2/3) e o valor da quota disponível (1/3), nesta, imputa-se, em primeiro lugar os bens doados à neta I…”.
16. Também o interessado M… reclamou do mapa de partilha, folhas 407 e ss, invocando a violação da forma à partilha, por não aplicação das normas dos artigos 2.168, 2.169, 2.171, 2.173, nº 2, parte final, do 2.174 do Cód. Civil.
17. Também a Mma. Juíza, fls 415, indeferiu tal reclamação remetendo para os seus despachos anteriores.
18. A Mma. Juíza, para além da violação da forma à partilha, fez errada interpretação e aplicação do art. 2.105 do Cód. Civil, pois que ao considerar as doações à neta da inventariada eram as últimas a ser reduzidas e as primeiras a ser imputadas na quota disponível, por esta não estar sujeita à colação, confundiu, salvo o devido respeito, colação com redução das doações inoficiosas.
19. As normas jurídicas que a Mma. Juíza devia ter aplicado, e mandar aplicar, tal como, aliás, aceitou na forma à partilha, seriam as dos artigos 2.168, 2.169, 2.171, 2.173, nº 2, parte final, do 2.174 do Cód. Civil.
20. Ao não fazê-lo, estas normas foram violados.
21. E tal violação afecta os Recorrentes em montante igual ao valor das doações que caberiam, em primeiro lugar, imputar na quota disponível (as de 1991 e parte das de 2004).
22. A impugnação dos despachos de indeferimento das duas reclamações do mapa da partilha e da douta sentença que homologou o mapa, faz-se, pois, com o presente recurso e nos termos do art. 644, nº 1, al. a) e 3 do CPC.
Não foram apresentadas contra-alegações.
As conclusões das alegações de recurso, conforme o disposto nos artigos 635.º n.º 3 e 639.º n.os 1 e 3 do Código de Processo Civil, delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e, considerando a natureza jurídica da matéria versada, as questão a decidir consiste em saber se "no mapa à partilha não se cumpriu a forma à partilha" [2] quando nesta se considerou que "as doações à neta da inventariada eram as últimas a ser reduzidas e as primeiras a ser imputadas na quota disponível".[3]
II
1.º
Para a decisão do presente recurso há que ter presente os seguintes factos:
a) A… faleceu a 10 de Abril de 2008 no estado de viúva.
b) A inventariada deixou nove filhos, todos vivos à data da sua morte.
c) A inventariada fez em vida as seguintes doações [4]:
1. à filha R…:
- a 6 de Agosto de 1991 o prédio descrito na verba 20.º, no valor de € 55 362,00;
- a 31 de Agosto de 2004 o prédio descrito na verba 23.º, no valor de € 11 310,00;
- a 23 de Março de 2005 o prédio descrito na verba 26.º, no valor de € 4 300,00;
- a 23 de Março de 2005 o prédio descrito na verba 28.º, no valor de € 4 300,00.
2. ao filho M…:
- a 6 de Agosto de 1991 o prédio descrito na verba 22.º, no valor de € 29 494,00;
3. à filha Ma…:
- a 23 de Março de 2005 o prédio descrito na verba 27.º, no valor de € 4 300,00;
- a 23 de Março de 2005 o prédio descrito na verba 29.º, no valor de € 4 300,00.
4. à neta Mar…:
- a 31 de Agosto de 2004 o prédio descrito na verba 24.º, no valor de € 46 292,00;
- a 31 de Agosto de 2004 o prédio descrito na verba 25.º, no valor de € 20 719,00.
d) A cabeça-de-casal R… apresentou a 20-1-2012 um requerimento "nos termos do art. 1.373 do C.P.C.", onde dizia que:
"Dos factos relevantes
1. A…, autora da sucessão, faleceu no estado de viúva, em 10.04.2008.
2. Os seus herdeiros legitimários são os seus nove filhos, todos vivos.
3. A inventariada fez diversas doações de imóveis de sua propriedade ao longo da sua vida.
4. A primeira, e em simultâneo, em 6 de agosto de 1991 – cf. doc. de fls…-, aos seus filhos R… e M…, respectivamente, as verbas 20 e 22.
5. A segunda, no mesmo dia, em 31 de agosto de 2004, a favor da filha R…, e à neta I…, respectivamente, verbas 23 e 24 e 25 – cf. doc. fls…
6. Ainda uma terceira, em 23 de março de 2005, em simultâneo, às filhas R…e Ma…, respectivamente, verbas 26 e 28 e 27 e 29 – cf. doc. fls…
7. Todos os bens doados foram avaliados, nomeadamente as benfeitorias que alguns dos donatários neles fizeram, devendo ter-se em conta o seu valor com referência à data da abertura da herança.
8. Os bens imóveis não doados, verbas 30, 31 e 32, foram avaliados e deve ter-se em conta o seu valor à data da avaliação, sendo, respectivamente o seu valor de 64.649,00€, 53.224,00€ e 40.105,00€ [5].
9. As verbas 30 e 31 não foram licitadas, nem as verbas 17 a 19 por serem depósitos em dinheiro.
10. As doações feitas pela inventariada referidas nas verbas 20 e 22 e 24, 25, 26, 27, 28, e 29 foram feitas por conta da quota disponível.
11. A doação verba 23 foi feita pela inventariada por conta da conta disponível e o excesso por conta da legítima.
Sobre o valor dos bens com benfeitorias
12. Como se referiu no anterior art. 7º, os bens doados foram avaliados e naqueles que os donatários fizeram benfeitorias, estas foram avaliadas também.
13. Em relação a tais verbas, nomeadamente foram fixados os seguintes valores:
a) Verba 20: 79.512,00€; benfeitorias: 24.150,00€;
b) Verba 24: 52.442,00€; benfeitorias: 6.150,00€.
14. Ora, só agora a cabeça-de-casal verificou que há necessidade que o perito avaliador esclareça se nos valores de 79.512,00€ e 52.442,00€ referentes a tais verbas estão incluídos os valores das benfeitorias, uma vez que no relatório de peritagem tal não se descortina com a clareza necessária e de modo a que ninguém fique prejudicado e a bem da verdade e da justa composição do litígio.
15. Por isso, e ao abrigo do disposto n art. 265, nº 3, previamente ao cumprimento do disposto no art. 1375, 1, do C.P.C., convém que tal questão seja esclarecida.
Do direito, em princípio, aplicável
16. Os descendentes e simultaneamente herdeiros legitimários estão obrigados à colação – arts. 2.104, 2.105 e 2.106 do C.C..
17. As donatárias e herdeiras legitimárias R…e P… estão obrigadas à colação dos bens recebidos por doação, ou seja, estão obrigadas a conferir os valores dos bens das verbas supra referidas que lhes foram doados pela sua mãe.
18. Porém, a neta da inventariada, filha da herdeira legitimária P…, não está obrigada à colação (a contrario, art. 2.105 do C.C.) mas o valor dos bens que lhe foram doados terão de ser considerados para verificação da eventual inoficiosidade de algumas das doações – arts. 2.168 do C.C.
19. Assim, para se achar a legítima e a quota disponível, o valor da herança obtêm-se com o ajuste das avaliações e licitações dos bens e depósitos bancários existentes – art. 2.162, nº 1, do C.C..
20. A inventariada podia dispor de um terço da sua herança (quota disponível) a favor de quem entendesse – a contrario, arts. 2.156 e 2159, nº2, do C.C. –o que fez, embora, em princípio, tivesse excedido o valor dessa quota.
21. Assim, o valor da herança divide-se por três, sendo um terço a quota disponível e dois terços a legítima (art. 2.159, 2, do C.C.), dividindo-se este por nove – arts. 2.139, nº 2 – cujo resultado é o quinhão legitimário de cada herdeiro.
22. O valor das doações imputa-se na quota disponível.
23. Sendo alguma das doações inoficiosas devem ser reduzidas nos termos dos arts. 2.168, 2.169, 2.171 e 2.173 do C.C..
24. Esta é, s.m.o., a forma a dar à partilha.
Face ao exposto,
E nos termos expostos nos arts. 12 a 15, requer que seja notificado o Senhor Perito para que esclareça se no valor dos bens doados com benfeitorias, à data do óbito da inventariada, estas estão ou não incluídas em tais valores."
e) A Meritíssima Juiz proferiu a 26-3-2012 despacho onde consta:
"Elabore mapa da partilha de acordo com a forma dada pelo cabeça de casal que se nos afigurar correcta e de harmonia com as normas legais aplicáveis."
f) Depois de elaborado o Mapa de Partilha a cabeça-de-casal R… apresentou o requerimento de 17-2-2013 onde afirma que:
"2. Expliquemo-nos:
No mapa de partilha de fls...- "Operações da Partilha"- refere-se que o total do valor a partilhar se dividiu em três partes iguais com vista ao cálculo da quota disponível - que é 1/3 -, e até aqui tudo certo.
3. Porém, depois, refere-se que "Na quota disponível imputa-se em primeiro lugar (art. 2105 do C. Civil), os bens doados à neta I…, Verbas N°s 24 e 25".
(…)
9. Haverá, pois, que reduzir os bens doados por conta da quota disponível por inoficiosidade das doações1, nos termos do art. 2173 do C.Civil.
10. E assim só as doações feitas à cabeça-de-casal, R…, e ao irmão M…, em 1991, no valor de 84.856,00€ cabem integralmente na quota disponível.
11. As doações feitas em 2004 à filha R… e à neta I… entram na quota disponível apenas pelo valor de 7.576,85 €.
12. Terão, pois, de ser reduzidas por inoficiosidade, parte das doações feitas em 2004 e a totalidade das doações feitas em 2005."
g) Relativamente a este requerimento a 27-6-2013 a Meritíssima Juiz proferiu despacho onde consta:
"O valor total da herança a partilhar constante do mapa de partilha (€ 344.864,26) está correcto, pois corresponde à soma dos valores de todas as verbas relacionadas, considerando o resultado das avaliações e o aumento proveniente das licitações.
Não obstante o disposto no artigo 2105º, do Código Civil (aplicável no caso em apreço no que respeita à neta da inventariada, uma vez que, à data da doação esta não era presuntiva herdeira da doadora – cfr. cópia da escritura pública de doação outorgada no dia, constante de fls. 120 a 125 dos autos) o valor dos bens que foram doados à neta da inventariada são tidos em conta para se achar o valor total da herança a partilhar.
Com efeito, no âmbito de qualquer processo de inventário, devem ser relacionados todos os bens e direitos de conteúdo patrimonial pertencentes à herança, onde se incluem os bens directamente administrados pelo cabeça de casal, como os bens que se encontrem em poder de co-herdeiros ou de terceiros e, ainda, todos os bens doados.
Por seu turno, para se achar o valor total da herança deverá somar-se o valor de todos os bens relacionados e, sendo caso disso, ter em conta eventuais avaliações e, bem assim, os eventuais aumentos provenientes das licitações.
Assim, nesta parte, inexiste qualquer erro ou irregularidade no mapa de partilha elaborado – sendo certo que o mesmo, quanto a este ponto, foi elaborado com observância do despacho que determinou a partilha.
*
Uma vez achado o valor da quota indisponível (2/3) e o valor da quota disponível (1/3), nesta, imputa-se, em primeiro lugar, os bens doados à neta I….
Quanto ao remanescente da quota disponível (€ 47.943,75), tendo em conta os valores das doações efectuadas aos herdeiros R…, Ma.. e M.., e constantes do mapa de partilha, conclui-se que as aludidas doações excedem o valor da quota disponível (remanescente) pelo que são inoficiosas, devendo ser reduzidas (artigo 2168º, do C.C.) – e de acordo com os critérios plasmados nos artigos 2169º, 2171º, 2172º, 2173º e 2174º do Código Civil.
Assim, verifica-se que assiste razão – nesta parte – à interessada reclamante, não tendo sido observado (nesta parte, apenas), o despacho que determinou a partilha.
Pelo exposto, defere-se parcialmente a reclamação deduzida, devendo ser elaborado novo mapa, em conformidade com o decidido."
h) Elaborado novo Mapa de Partilha o interessado M… apresentou o requerimento de 2-10-2013 onde diz que "a redução das doações se devia ter feita em obediência ao disposto no art. 2168, 2169, 2171 e, sobretudo, 2173 do Código Civil e, não o tendo sido, há violação da forma à partilha e desta norma."
i) Relativamente a este requerimento a 7-11-2013 a Meritíssima Juiz proferiu despacho onde consta:
"O mapa de partilha elaborado observou a forma constante do requerimento de fls. 327 a 330, os despachos proferidos a fls. 336, 354 e a fls. 392 e 393, tendo-se concretamente observado o preceituado nos artigos 2169º, 2171º, 2172º, 2173º e 2174º, do C.C., considerando o número de doações efectuadas e as suas datas.
Assim sendo, entende-se não assistir razão ao interessado reclamante, indefere-se a sua reclamação."
i) A 4-12-2013 foi proferida a sentença já transcrita no relatório.
j) O valor da herança é de € 344 864,26.
2.º
Os recorrentes entendem que "no mapa à partilha não se cumpriu a forma à partilha" que tinha sido determinada, na medida em que, segundo eles, na forma à partilha apresentada pela cabeça-de-casal, com a qual a Meritíssima Juiz veio a concordar, "alegou-se que a redução das doações inoficiosas se fazia nos termos dos arts. 2.168, 2.169, 2.171, 2.173 do Cód. Civil", sendo certo que depois, "na redução das doações", considerou-se que "as doações à neta da inventariada eram as últimas a ser reduzidas e as primeiras a ser imputadas na quota disponível", quando "a redução das doações tinha de ser feita nos termos do disposto no artigo 2.173, nº 1, do C.C.".[6]
Na perspectiva dos recorrentes a questão resolve-se nos seguintes termos:
"Sendo o valor das doações o acima referido [€ 180 377,00], a redução das mesmas, por inoficiosidade, inicia-se pelas doações de 23 de março de 2005, ou seja, as feitas à filha R… e Ma… - verbas 26, 27, 28 e 29 da relação de bens de fls 255/256 -, no valor de 17.200,00€
Isto é: 180.377,00€ - 17.200,00€ = 163.177,00€.
Todas aquelas doações são reduzidas por inoficiosidade.
De seguida, continua-se a redução pelas doações feitas em 31 de agosto de 2004, ou seja, as feitas à filha R… e à neta I…, verbas 23 e 24, no valor de 84.471,00€
Isto é: 163.177,00€ - 84.471,00€ = 78.706,00€.
Uma vez que a quota disponível é de 114.954,75€ a redução nestas doações já não se faz pela totalidade, mas, apenas, em relação ao valor de 48.222,25€, ou seja, 163.177,00€ - 114.954,75€.
Assim, a redução por inoficiosidade das doações de 31 de agosto de 2004, é de 48.222,25€.
Os restantes 36.248,75€ imputam-se na quota disponível, após a imputação das doações de 1991."
Na situação em apreço é muito importante começar por salientar que não foi posto em crise o despacho de 26-3-2012, em que a Meritíssima Juiz mandou elaborar o "mapa da partilha de acordo com a forma dada pelo cabeça-de-casal", por esta se lhe "afigurar correcta e de harmonia com as normas legais aplicáveis."
Isso significa que a partilha tem que ser feita nos precisos termos do decidido nesse despacho de 26-3-2012 [7]. Portanto, não cabe aqui formular qualquer juízo quanto à decisão relativa à forma à partilha, nomeadamente se, no preenchimento dos quinhões dos herdeiros legitimários, se teve em devida conta a circunstância de nas doações sujeitas a colação haver uma "vontade presuntiva" [8] do de cuius de querer fazer um "adiantamento por conta da quota hereditária" [9]; só tem que se averiguar da conformidade ou desconformidade do modo como a partilha se concretizou relativamente ao à forma como se determinou a sua realização.
É pacífico que o valor de todas as doações feitas pela inventariada excede o valor da quota disponível [10] em € 65 422,25.
No mapa de partilha (de 5-9-2013 [11]) afirmou-se que "na quota disponível imputa-se em primeiro lugar (artº 2105 do C.Civil), os bens doados à neta I…, Verbas Nºs 24 e 25 € 67.011,00".
E perante a reclamação então apresentada pela cabeça-de-casal, no despacho de 27-6-2013 fundamentou-se esta solução dizendo-se que:
"Uma vez achado o valor da quota indisponível (2/3) e o valor da quota disponível (1/3), nesta, imputa-se, em primeiro lugar, os bens doados à neta I…. Quanto ao remanescente da quota disponível (€ 47.943,75), tendo em conta os valores das doações efectuadas aos herdeiros R…, Ma… e M…, e constantes do mapa de partilha, conclui-se que as aludidas doações excedem o valor da quota disponível (remanescente) pelo que são inoficiosas, devendo ser reduzidas (artigo 2168º, do C.C.) – e de acordo com os critérios plasmados nos artigos 2169º, 2171º, 2172º, 2173º e 2174º do Código Civil."
Contudo, na forma à partilha, apresentada pela cabeça-de-casal e que a Meritíssima Juiz fez sua, dizia-se que:
"19. Assim, para se achar a legítima e a quota disponível, o valor da herança obtêm-se com o ajuste das avaliações e licitações dos bens e depósitos bancários existentes – art. 2.162, nº 1, do C.C..
20. A inventariada podia dispor de um terço da sua herança (quota disponível) a favor de quem entendesse – a contrario, arts. 2.156 e 2159, nº2, do C.C. –o que fez, embora, em princípio, tivesse excedido o valor dessa quota.
21. Assim, o valor da herança divide-se por três, sendo um terço a quota disponível e dois terços a legítima (art. 2.159, 2, do C.C.), dividindo-se este por nove – arts. 2.139, nº 2 – cujo resultado é o quinhão legitimário de cada herdeiro.
22. O valor das doações imputa-se na quota disponível.
23. Sendo alguma das doações inoficiosas devem ser reduzidas nos termos dos arts. 2.168, 2.169, 2.171 e 2.173 do C.C.."
Não há dúvidas de que, bem ou mal, se determinou que "o valor das doações imputa-se na quota disponível" e que "sendo alguma das doações inoficiosas devem ser reduzidas nos termos dos arts. 2.168, 2.169, 2.171 e 2.173 do C.C.." Neste contexto nada há que permita suportar o entendimento [12] de que "uma vez achado o valor da quota indisponível (2/3) e o valor da quota disponível (1/3), nesta, imputa-se, em primeiro lugar[13] , os bens doados à neta I…." [14]
As doações foram todas elas imputadas "na quota disponível" e o critério adoptado para a redução das inoficiosidades foi o do artigo 2173.º do Código Civil [15], que estabelece no seu n.º 1 que "se for necessário recorrer às liberalidades feitas em vida, começar-se-á pela última, no todo ou em parte; se isso não bastar, passar-se-á à imediata; e assim sucessivamente."
Com estes pressupostos, o único caminho a seguir para se reduzir as liberalidades é, como dizem os recorrentes, aquele que é definido por esse artigo 2173.º, o mesmo é dizer que terá que se começar por reduzir as liberalidades mais recentes, recuando-se no tempo até que as reduções operadas sejam suficientes para que se respeite o valor da quota indisponível, ou, dito por outras palavras, não se ultrapasse o valor da quota disponível.
Face a estas premissas tem que se concluir que o valor a reduzir nas liberalidades é de € 65 422,25.
Então, as primeiras doações a ser atingidas são as de 23 de Março de 2005, feitas às interessadas R… (dos prédios descritos nas verbas 26.º e 28.º, tendo ambas o valor de € 4 300,00) e Ma… (dos prédios descritos nas verbas 27.º e 29.º, que têm cada uma igualmente o valor de € 4 300,00), obtendo-se, assim, um total de € 17 200,00. Ficam a faltar € 48 222,25.
Seguem-se as doações de 31 de Agosto de 2004, feitas à interessada R…(do prédio descrito na verba 23.º, no valor de € 11 310,00) e à neta Mar… (dos prédios descritos nas verbas 24.º e 25.º, que têm, respectivamente, os valores de € 46 292,00 e € 20 719,00).
Como estas doações atingem um valor global de € 78 321,00, a sua redução deve ser rateada [16] até ao montante de € 48 222,25, o que significa que elas não são afectadas em € 30 098,75.
Respeitada que fica, desta forma, a quota indisponível, as restantes doações (de 6 de Agosto de 1991) e aquela parte de € 30 098,75 (das de 31 de Agosto de 2004) são imputadas na quota disponível.
III
Com fundamento no atrás exposto, julga-se procedente o recurso, pelo que se revoga a sentença proferida e se determina:
a) que na elaboração do mapa de partilha se considerem reduzidas por inoficiosidade:
- as doações de 23 de Março de 2005, feitas às interessadas R… e Ma…, dos prédios descritos nas verbas 26.º, 28.º, 27.º e 29.º;
- rateadamente, até ao montante de € 48 222,25, as doações de 31 de Agosto de 2004, feitas à interessada R… e à neta Mar…, dos prédios descritos nas verbas 23.º, 24.º e 25.º;
b) que na elaboração do mapa de partilha as doações de 6 de Agosto de 1991 e a parte de € 30 098,75 das de 31 de Agosto de 2004 sejam imputadas na quota disponível;
c) a anulação de todos os actos processuais inconciliáveis com o agora decidido;
d) a prática dos actos processuais necessários para se dar cumprimento ao agora decidido e que conduzam ao fim do inventário.
Custas pelos interessados na proporção dos decaimentos.
12 de Junho de 2014
António Beça Pereira
Manuela Fialho
Edgar Gouveia Valente
-----------------------------------------------------------------------------------------------------------
[1] Escreveu-se, por manifesto lapso, "A…o" em vez de "A…a".
[2] Cfr. conclusão 12.ª
[3] Cfr. conclusão 18.ª.
[4] Que atingem o valor total de € 180 377,00. E a propósito de bens doados é oportuno sublinhar que, contrariamente ao que consta nos mapas de partilha de 14-2-2013 e de 5-9-2013, o imóvel descrito na verba 32.º não foi doado à interessada Mar…; esta licitou esse bem na conferência de interessados de 17-1-2012.
[5] Por licitação o valor da verba 32 passou a ser de 43.000,00€.
[6] Cfr. conclusões 10.ª a 13.ª e 18.ª.
[7] Esse despacho, não tendo sido atacado, não integra o objecto do presente recurso.
[8] Ana Prata, Dicionário Jurídico, Vol. I, 5.ª Edição, pág. 302. No mesmo sentido veja-se Antunes Varela e Pires de Lima, Código Civil Anotado, Vol. VI, 1998, pág. 173.
[9] Antunes Varela e Pires de Lima, na obra citada, pág. 173.
[10] Que é de € 114 954,75.
[11] O mesmo já acontecia no mapa de partilha de 14-2-2013.
[12] Lamentavelmente não explicado pela Meritíssima Juiz.
[13] Sublinhado nosso.
[14] Cfr. despacho de 27-6-2013.
[15] É certo que também se faz alusão aos "arts. 2.168, 2.169, 2.171", mas aquele que, de facto, resolverá o problema é o artigo 2173.º
[16] Cfr. n.º 2 do artigo 2173.º.