Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães
Processo:
614/09.3IDBRG.G1
Relator: FÁTIMA FURTADO
Descritores: FRAUDE QUALIFICADA
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
SUBORDINAÇÃO A CONDIÇÃO DE PAGAMENTO
Nº do Documento: RG
Data do Acordão: 10/10/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I) A interpretação do artigo 14.º do RGIT tem de ser conjugada com o disposto no artigo 51.º, n.º 2 do Código Penal, no sentido de que nos crimes tributários, assim como sucede relativamente a todos os outros, a subordinação da suspensão da execução da pena ao dever de pagamento só poderá acontecer quando do juízo de prognose realizado resulte existirem condições para o cumprimento dessa condição.
II) Sendo o arguido um homem que perfez este ano 49 anos de idade e como tal em plena vida ativa, com competências profissionais na área da construção civil, que adquiriu na sua já longa atividade profissional, há pelo menos expetativas objetivas de que venha a ter meios financeiros que lhe permitam pagar, ao longo de três anos, o montante correspondente à vantagem patrimonial obtida.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães.

I. RELATÓRIO
No processo comum singular nº 614/09.3IDBRG, da instância local de Esposende, secção de competência genérica, juiz 1, da comarca de Braga, foram submetidos a julgamento os arguidos José C., José S., António O. e Z..., Lda, com os demais sinais dos autos.
A sentença, proferida a 8 de agosto de 2014 e depositado no mesmo dia, tem o seguinte dispositivo:
«a) Absolver o arguido José C. pela prática, em co-autoria material, de um crime de fraude qualificada, previsto e punível pelos arts. 103.º, n.º 1, alínea a), e 104.º, n.º 2, do RGIT, por que vinha pronunciado;
b) Condenar o arguido José S. como co-autor material de um crime de fraude qualificada, previsto e punível pelos arts. 103.º, n.º 1, alínea a), e 104.º, n.º 2, do RGIT, em pena de prisão, fixada em três anos, com execução suspensa por igual período;
c) Condenar o arguido António O. como co-autor material de um crime de fraude qualificada, previsto e punível pelos arts. 103.º, n.º 1, alínea a), e 104.º, n.º 2, do RGIT, em pena de prisão, fixada em dois anos e oito meses, com execução suspensa por igual período;
d) Subordinar a suspensão da execução das penas aplicadas aos arguidos José S. e António O. ao pagamento, no período de suspensão, da prestação tributária mencionada nos factos provados, no montante global de vinte e dois mil quinhentos e nove euros e cinquenta e cinco cêntimos (€22.509,55), e respectivos acréscimos legais;
e) Condenar a arguida Z..., Lda, imputando-lhe a prática de um crime de fraude qualificada, previsto e punível pelos arts. 103.º, n.º 1, alínea a), e 104.º, n.º 2, do RGIT, em pena de multa, fixada em 600 dias, à taxa diária de €15,00, o que perfaz nove mil euros (€9.000,00);
f) Condenar os arguidos a pagar as custas do processo, fixando em 2 UC’s taxa de justiça para cada um.
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Boletins ao registo criminal.
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Deposite.»
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Inconformados, os arguidos José S. e Z… Lda. interpuseram recurso, conjunto, apresentando a competente motivação, que rematam com as seguintes conclusões:
1. «A fundamentação, não permite que os sujeitos processuais em particular e os cidadãos em geral compreendam a razão por que certa prova convenceu o Julgador da veracidade de certo facto.
2. Essa análise, no que respeita a esse tipo de prova, não passa sem que se explicitem as razões por que o tribunal considerou credível um certo depoimento e sem que se dê nota de a testemunha ter deposto sobre cada um dos factos que o tribunal julgou provados e, portanto, a medida do seu contributo para formar a convicção do Julgador.
3. É precisamente isto o que não acontece no caso vertente. É indiscutível que o Tribunal desenvolveu um trabalho de identificação das provas em que fundou a sua convicção e de descrição do conteúdo de cada uma das provas relevantes. Simplesmente, não explicou como deduziu dessas provas e desse conteúdo as suas conclusões.
4. Não explicou, isto é, o processo racional que lhe permitiu (e permite a qualquer de nós) extrair de uns e outros a certeza (a convicção) de serem verdadeiros certos factos.
5. Sem estes factos o Recorrente jamais poderá ser condenado pelo crime que lhe é imputado: ““Em data não concretamente apurada do ano de 2005, o arguido José S., agindo no nome e interesse da sociedade “Z..., Lda”, engendrou um plano tendente a obter largo proveito económico, em sede de IRC, em prejuízo do Estado”; Ao apresentar as declarações de IRC durante o ano de 2005, a sociedade “Z..., Lda” e o arguido José T. seu representante, que actuou no seu nome e interesse, contabilizou indevidamente como custos os valores constantes de todas as facturas supra descritas, num total de 90.038,22 €, valores que se relacionam com operações inexistentes e que não poderiam ter sido considerados para efeitos de apuramento de lucro tributável, conseguindo obter uma vantagem patrimonial ilegítima em sede de IRC no valor de 22.509,55 €.” (sublinhado nosso); e “Os arguidos José S. e António M. agiram em comunhão de esforços, com a intenção de obter para a sociedade Z... Lda quantias que sabiam não lhes serem devidas à custa da defraudação do Estado.
6. Retira-se da fundamentação da sentença em mérito regista, em síntese, que para formar a sua convicção quanto aos factos provados o tribunal se baseou:
1. Na conjugação de contradições e “gatos escondidos com o rabo de fora” que levaram o tribunal a não aceitar a fiabilidade da explicação de José T. para os refluxos financeiros, e a assumir a convicção pela falsidade das facturas.
2. No depoimento de José C., conjugado com a informação de fls. 579, relativamente à vantagem patrimonial a nível de IRC que seria obtida com a consideração das facturas.
3. No relatório de inspecção de fls.115 no apenso B.
4. No relatório de fls.375 do apenso B.
5. Depoimento de José L..
6. Declarações do arguido José C..
7. O Tribunal identificou, por conseguinte, cada uma das provas por si consideradas decisivas. E é também indiscutível que, a propósito de cada uma delas, fez a súmula do respectivo conteúdo.
8. Ficamos, portanto, a saber que naquelas provas, com aquele conteúdo descrito na sentença, firmou e formou o Tribunal a sua convicção.
9. O que o Tribunal não explicou foi a razão por que aquelas provas e aquele conteúdo lhe permitiram concluir que aqueles factos são verdadeiros. Não respondeu, isto é, à pergunta que se impunha e impõe: perante aquelas provas e aquele conteúdo, aqueles factos são verdadeiros, porquê? Qual é a ligação lógica, racional, que, face, designadamente às regras da experiência comum, existe entre cada uma das provas consideradas e aqueles factos concretos?
10. Qual foi o raciocínio, o processo lógico que permitiu ao Tribunal retirar daquelas premissas aquelas conclusões? Não há na sentença a mínima explicação a tal respeito, o que impossibilita o Recorrente e os Tribunais superiores de conferirem a bondade e rigor do processo de formação da convicção do Julgador, por falta de elementos que lhes permitam subscrever e sufragar ou, pelo contrário, impugnar e refutar os vetores racionais da decisão.
11. Do texto da decisão impugnada decorre que: nenhuma das testemunhas depôs sobre a intenção do Recorrente de causar um prejuízo ao estado e obter dessa forma obter benefícios patrimoniais. Essa intenção ou consciência não resulta, mesmo indiretamente, de nenhuma das outras provas indicadas (nem, insiste-se, o Tribunal menciona por que modo ele se poderia deduzir ou extrair dessas provas).
12. Jamais o Tribunal poderia, assim, fundamentar racionalmente o processo lógico que lhe permitiu extrair aqueles factos daquelas provas. De onde resulta que existe um claro desfasamento entre as provas (tal como estão descritas e foram consideradas na sentença) e as conclusões que o Tribunal delas deduziu.
13. As premissas do silogismo judiciário não admitem as conclusões que o Julgador delas extraiu, o que consubstancia o vício de erro notório na apreciação da prova (al. c) do nº 2 do artº 410º).
14. Daí que a fundamentação se revele manifestamente insuficiente. Incorreu, por isso, a decisão condenatória na nulidade prevista na al. a) do nº 1 do art. 379º.
15. Há um punhado de factos sem os quais o Recorrente jamais poderá ser condenado pelos crimes que lhe são imputados.
16. “Em data não concretamente apurada do ano de 2005, o arguido José S., agindo no nome e interesse da sociedade “Z..., Lda”, engendrou um plano tendente a obter largo proveito económico, em sede de IRC, em prejuízo do Estado."
17. “Assim, contactou com o arguido António O., legal representante da sociedade declarada insolvente, ligada ao mundo da construção civil, e propôs-lhe a emissão de facturas por intermédio da respectiva sociedade, que não titulavam quaisquer transacções reais, o que este de imediato aceitou.”
18. “No seguimento desse plano, o arguido António O., actuando em nome da sociedade que representava, emitiu a favor da sociedade arguida “Z..., Lda”, nelas fazendo constar transacções inexistentes, que todos sabiam não corresponder à verdade, e entregou ao seu legal representante as seguintes facturas:


FACTURA
DATA DO
(SUJEITO
PASSIVO)
VALOR DO
ORIGINAL
(SUJEITO
PASSIVO)
FLS DATA
(EMITENTE)
VALOR DO
DUPLICADO
(EMITENTE)
FLSDIFERENÇA
32922005.07.313.780,00€142005.07.313.780,00€410,00€
3302005.07.318.100,00€152005.07.318.100,00€1550,00€
3322005.07.3118.972,00€1542005.07.3118.972,00€1540,00€
3342005.09.205.348,00€1532005.08.205.348,00€1530,00€
3352005.09.206.384,00€1522005.08.206.384,00€1520,00€
3362005.09.2019.452,22€1512005.08.206.400,00€15113.052,22€
3842005.11.306.528,00€1502005.11.302.000,00€124.528,00€
3852005.11.308.064,00€1492005.11.301.061,00€137.000,00€
3862005.11.308.580,001482005.11.301.500,00€197.080,00€
3872005.11.304.830,001472005.11.302.000,00€212.830,00€
Total do ano de 200590.038,2255.548,00€34.490,22€
19. “Mediante a utilização de tais facturas na sua contabilidade durante o ano de 2005, a sociedade arguida Z..., Lda” contabilizou indevidamente, em sede de IRC, o valor de 90.038,22 €, obtendo uma vantagem patrimonial indevida no valor de 22.509,55 €.”
20. “Assim, a sociedade “Z..., Lda” utilizou na sua contabilidade facturas que não titulavam verdadeiras operações comerciais, supostamente referentes a obras realizadas pela sociedade da qual o arguido António O. era representante legal.”
21. “ Ao apresentar as declarações de IRC durante o ano de 2005, a sociedade “Z..., Lda” e o arguido José T. seu representante, que actuou no seu nome e interesse, contabilizou indevidamente como custos os valores constantes de todas as facturas supra descritas, num total de 90.038,22 €, valores que se relacionam com operações inexistentes e que não poderiam ter sido considerados para efeitos de apuramento de lucro tributável, conseguindo obter uma vantagem patrimonial ilegítima em sede de IRC no valor de 22.509,55 €.” (sublinhado nosso)
22. “Os arguidos José S. e António M. agiram em comunhão de esforços, com a intenção de obter para a sociedade Z... Lda quantias que sabiam não lhes serem devidas à custa da defraudação do Estado.
23. “Sabiam ainda que a sua actuação não lhes era permitida, por as referidas facturas titularem transacções inexistentes, já que não correspondiam a quaisquer serviços prestados, apenas sendo emitidas no intuito de justificar custos com vista à diminuição dos resultados fiscais.”
24. “Sabia o arguido António O., representante da já dissolvida sociedade “…Unipessoal, Lda.” que as facturas que emitiu seriam, como foram, integradas na escrita da sociedade “Z..., Lda” com o intuito de defraudar a Fazenda Nacional em sede de IRC”.
25. “Fazendo crer à Autoridade Tributária e Aduaneira que tais declarações se baseavam em facturas que titulavam verdadeiras transacções, induzindo-a em erro acerca da sua autenticidade, conseguiu o arguido José S., que actuou em nome e no interesse da sociedade “Z..., Lda” que as aludidas quantias não entrassem nos cofres do Estado, locupletando-se com as mesmas nos termos descritos.”
26. “Conseguindo, com a prática de tais actos, que o Estado – Autoridade Tributária e Aduaneira, convencido da autenticidade das declarações prestadas e documentação subjacente, visse o seu património prejudicado a título de IRC nos referidos valores. (sublinhado nosso)
27. “Agiram os arguidos José S. e António M., de comum acordo, de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
28. Analisando a sentença condenatória em questão, entende o recorrente, neste âmbito e no seu modesto parecer, que os meios/elementos de prova constantes do processo, corretamente apreciados, também segundo as regras da experiência, impunham decisão diferente quanto à matéria de facto. Esta conjugação dos elementos de prova impõe, em suma que se eliminem estes factos do elenco da matéria provada.
29. Impõe-no sobretudo porque se trata de factos cruciais na argumentação da sentença e no desenvolvimento do raciocínio que conduziu à condenação do recorrente.
30. Na verdade, nenhuma das testemunhas depôs sobre o conhecimento que o Recorrente tinha ou não tinha da existência dum plano criminoso, dum projecto de defraudação do Estado, nem da sua intenção de colaborar conscientemente nos objectivos que outros traçaram;
31. Esse conhecimento, intenção ou consciência não resulta, mesmo indiretamente, de nenhuma das outras provas indicadas (nem, insiste-se, o Tribunal menciona por que modo ele se poderia deduzir ou extrair dessas provas).
32. Jamais o Tribunal poderia, assim, fundamentar racionalmente o processo lógico que lhe permitiu extrair aqueles factos daquelas provas. De onde resulta que existe um claro desfasamento entre as provas (tal como estão descritas e foram consideradas na sentença) e as conclusões que o Tribunal delas deduziu, o que consubstancia o vício de erro notório na apreciação da prova (al. c) do nº 2 do artº 410º).
33. Claramente, a douta sentença recorrida refere elementos que apontam no sentido da falsidade das faturas, concluindo que “Esta conjugação de contradições e “gatos escondidos com o rabo de fora” levaram o tribunal a não aceitar a fiabilidade da explicação de José T. para os refluxos financeiros, e a assumir a convicção pela falsidade das facturas.”, baseando-se em convicções das testemunhas.
34. O raciocínio emergente dos depoimentos dos inspectores tributários, desacompanhado de outros elementos probatórios, não confere certeza aos factos considerados provados.
35. Os Tribunais não se podem bastar com as convicções pessoais das testemunhas, sob pena de se subverter a natureza do processo penal.
36. Pelo que o alegado consubstancia erro notório na apreciação da prova - artº 410º, nº. 2, al. c), impondo-se que os identificados factos sejam dados como não provados.
37. Por último, entende o Recorrente que não há qualquer prestação tributária em falta perante o Estado, designadamente a título de IRC. Isto porque,
38. Após as correções levadas a cabo pela A.T.A, constantes de fls. 6, onde foi alterada a matéria colectável, que passou de € 30.890,14 para € 142.089,36, a sociedade arguida Z... Lda procedeu ao pagamento, em 20.07.2007, da liquidação adicional entretanto emitida. Dessa liquidação pode verificar-se que o IRC em falta ascendia a € 14.012,34.
39. Na mesma altura em que procedeu ao pagamento da liquidação corrigida, a sociedade arguida Z... Lda impugnou-a judicialmente, no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, a qual foi julgada parcialmente procedente e ao que a A.T.A. procedeu em conformidade, corrigindo novamente a matéria colectável, agora para o montante de € 120.928,36 e da qual resultou o montante de IRC a pagar de € 8.722,09.
Ora,

40. Se bem se compreende, se a sociedade arguida Z... Lda pagou o IRC da liquidação elaborada ainda sem a alteração ordenada pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, e confirmada pelo Tribunal Central Administrativo Norte, e que ascendeu a € 14.012,34, ao proceder às correções diminuindo o IRC a pagar, neste caso para € 8.722,09, parece evidente que a A.T.A. deveria antes proceder a reembolso. O que, de facto, sucedeu.
41. O montante de € 22.509,55 relativo à condenação não tem fundamento legal porque não foi peticionado pela Autoridade Tributária e Aduaneira, pelo que ocorreu excesso de pronúncia – artigo 379º n.º 1 alínea c) do CPP.
42. A douta sentença recorrida ofendeu o princípio da suficiência do processo penal, que não permite ao tribunal fixar o pagamento de uma quantia superior à peticionada, bem como não permite que se fixe um valor superior ao que ficou provado ser devido em audiência de julgamento, isto é € 8.722,09, valor confirmado pela testemunha José C., quando afirmou:
Início em 13:41 e terminou em 14:00

J: Eu pergunto mais concretamente é se as faturas, se estas faturas fossem falsas, partindo desse princípio, era este valor de oito mil que está aqui referenciado ou é a globalidade?
T: Os oito mil.
J: É só os oito mil?
T: Não tenho dúvida nenhuma.
Mais,
43. Sempre se dirá que a Autoridade Tributária jamais emitirá guia para pagamento do valor a que o Recorrente foi condenado a pagar, porquanto o valor real em falta é zero.
44. Pelo que se impõe dar como não provado que “Ao apresentar as declarações de IRC durante o ano de 2005, a sociedade “Z..., Lda” e o arguido José T. seu representante, que actuou no seu nome e interesse, contabilizou indevidamente como custos os valores constantes de todas as facturas supra descritas, num total de 90.038,22 €, valores que se relacionam com operações inexistentes e que não poderiam ter sido considerados para efeitos de apuramento de lucro tributável, conseguindo obter uma vantagem patrimonial ilegítima em sede de IRC no valor de 22.509,55 €.” - Incorre deste modo, uma vez mais a decisão condenatória no vício do art. 410 nº1 al.c), erro notório na apreciação da prova.
45. Ainda que se considerasse o montante de € 8.722,09, seria de aplicar o disposto no artigo 103º n.º 2 do RGIT que estabelece como limite mínimo a considerar na fraude fiscal, a vantagem patrimonial ilegítima superior a € 15.000,00, o que, claramente não sucede nos presentes autos.
46. Tal circunstância foi alegada pelos ora Recorrentes, sem no entanto merecer qualquer atenção na decisão final. Ocorreu pois nulidade de sentença por omissão de pronúncia – artigo 379 n.º 1 alínea c) CPP.
47. O Recorrente foi condenado ““em pena de prisão, fixada em três anos, com execução suspensa por igual período”, aí se decidindo ainda “Subordinar a suspensão da execução (…) ao pagamento, no período de suspensão, da prestação tributária mencionada nos factos provados, no montante global de vinte e dois mil quinhentos e nove euros e cinquenta e cinco cêntimos (€22.509,55), e respectivos acréscimos legais”, e a arguida Z... Lda numa pena de multa de nove mil euros (9.000€).
48. Se a matéria de facto vier a ser modificada, como se espera, no sentido propugnado, dúvidas não haverá de que não estão preenchidos dos requisitos do crime de fraude fiscal, o que implica a absolvição dos Recorrentes.
49. Sem prescindir e por excesso de cautela, sempre se dirá que: não existe qualquer prestação tributária em dívida perante a Autoridade Tributária e Aduaneira, o arguido não tem antecedentes criminais, mostra-se bem integrado e referenciado na comunidade, é casado, trabalha actualmente por conta de outrem, a data dos factos e o tempo já decorrido e a prevenção geral da norma;
50. Atenta a elevada medida concreta da pena única aplicada, tais circunstâncias, mormente, as condições pessoais do agente e a conduta anterior e posterior aos factos, parece não ter relevado.
51. E nem o facto da arguida Z... Lda ter pago a totalidade do IRC, que a Administração Tributária lhe liquidou e exigiu.
52. Pelo que, este quadro justifica, por força do disposto no artº 71º, nº 2 al.d )do artº 72º nº1 e 2 al.d) e no artº 50º CP , que a pena aplicada se situe no mínimo legalmente admissível.
53. Ao decidir como decidiu violou a decisão recorrida os artigos nºs 103º e 104º do RGIT, 358º,374º,379,410º 410º do CPP ,20º e 32º da CRP e 50º e 70º e 71º do CP.»

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O recurso foi admitido para este Tribunal da Relação do Porto, por despacho datado de 21 de outubro de 2014.
A Magistrada do Ministério Público junto o Tribunal a quo respondeu, pugnando pela manutenção da sentença recorrida.
Nesta Relação, a Ex.ma Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer, igualmente no sentido do não provimento do recurso.
Foi observado o disposto no artigo 417º nº 2 do Código Processo Penal, na sequência do que os recorrentes responderam, reafirmando tudo o que anteriormente já haviam alegado.
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Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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II. FUNDAMENTAÇÃO
Conforme é jurisprudência assente, o âmbito do recurso delimita-se pelas conclusões extraídas pelo recorrente a partir da respetiva motivação, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer. cf. artigo 412.º, n.º 1 do Código de Processo Penal e Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição revista e atualizada, Editorial Verbo, 2000, pág. 335, v.

1. Questões a decidir
Face às conclusões extraídas pelos recorrentes da motivação apresentada, são as seguintes as questões a apreciar:
A. Nulidade da sentença, por fundamentação insuficiente da matéria de facto;
B. Impugnação da matéria de facto e erro notório na apreciação da prova;
C. Nulidade da sentença por excesso de pronúncia e por omissão de pronúncia;
D. Quantum da pena aplicada ao arguido José T..
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2. Segue-se a enumeração dos factos provados, não provados e respetiva motivação, constantes da sentença recorrida:
«MATÉRIA DE FACTO PROVADA, COM RELEVÂNCIA PARA A DECISÃO DA CAUSA
A sociedade arguida “Z..., Lda”, com sede no local supra referido, dedica-se à actividade de “construção e reparação de edifícios”.
Na qualidade de sujeito passivo de obrigações fiscais encontrava-se colectada como contribuinte nº 505039095 na Repartição de Finanças de Esposende, registada em IRC com o CAE 042990, estando enquadrada, para efeitos do IVA, no regime normal de periodicidade mensal.
Aquela sociedade era, então, gerida e representada pelo arguido José S., que decidia quais os negócios a encetar e seus termos, sendo responsável pelas relações comerciais que a mesma mantinha com terceiros.
No ano de 2005 a referida sociedade exerceu tal actividade, para execução de diversas obras em vários locais.
A sociedade “…Unipessoal, Lda.” dedicava-se, à data da prática dos factos e antes da sua dissolução, à actividade de “construção civil, compra e venda de bens imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim, demolições e terraplanagens e obras públicas”, e tinha como sócio e legal representante o arguido António O..
Em data não concretamente apurada do ano de 2005, o arguido José S., agindo no nome e interesse da sociedade “Z..., Lda”, engendrou um plano tendente a obter largo proveito económico, em sede de IRC, em prejuízo do Estado.
Assim, contactou com o arguido António O., legal representante da sociedade declarada insolvente, ligada ao mundo da construção civil, e propôs-lhe a emissão de facturas por intermédio da respectiva sociedade, que não titulavam quaisquer transacções reais, o que este de imediato aceitou.
No seguimento desse plano, o arguido António O., actuando em nome da sociedade que representava, emitiu a favor da sociedade arguida “Z..., Lda”, nelas fazendo constar transacções inexistentes, que todos sabiam não corresponder à verdade, e entregou ao seu legal representante as seguintes facturas:
N.º FACTURA DATA DO (SUJEITO PASSIVO) VALOR DO ORIGINAL (SUJEIITO PASSIVO) FLS DATA (EMITENTE) VALOR DO DUPLICAD (EMITENTEFLS DIFERENÇ
3292 2005.07.31 3.780,00 € 14 2005.07.31 3.780,00 € 41 0,00 €
330 2005.07.31 8.100,00 € 15 2005.07.31 8.100,00 € 155 0,00 €
332 2005.07.31 18.972,00 € 154 2005.07.31 18.972,00 € 154 0,00 €
334 2005.09.20 5.348,00 € 153 2005.08.20 5.348,00 € 153 0,00 €
335 2005.09.20 6.384,00 € 152 2005.08.20 6.384,00 € 152 0,00 €
336 2005.09.20 19.452,22 € 151 2005.08.20 6.400,00 € 151 13.052,22 €
384 2005.11.30 6.528,00 € 150 2005.11.30 2.000,00 € 12 4.528,00 €
385 2005.11.30 8.064,00 € 149 2005.11.30 1.061,00 € 13 7.000,00 €
386 2005.11.30 8.580,00 € 148 2005.11.30 1.500,00 € 19 7.080,00 €
387 2005.11.30 4.830,00 € 147 2005.11.30 2.000,00 € 21 2.830,00 €
Total ano de 2005 90.038,22 € 55.548,00 € 34.490,22 €
Para pagamento das referidas facturas à “E... Lda – Construções Unipessoal, Lda.” foram emitidos cheques pela “Z..., Lda”, os quais posteriormente foram por aquela endossados em branco e depositados na conta nº 0288028554130 da Caixa Geral de Depósitos, cujo titular é o arguido José S., gerente de facto da segunda sociedade.
Na posse de tais facturas, o arguido José S. utilizou-as na contabilidade da sociedade “Z..., Lda”.
Mediante a utilização de tais facturas na sua contabilidade durante o ano de 2005, a sociedade arguida “Z..., Lda” contabilizou indevidamente, em sede de IRC, o valor de 90.038,22 €, obtendo uma vantagem patrimonial indevida no valor de 22.509,55 €. Inicialmente, na sequência da acção inspectiva a que foi sujeita, e detectadas irregularidades, foi efectuada à sociedade “Z..., Lda” uma liquidação de imposto a pagar no montante de 27.799,22 €.
No entanto, no dia 07 de Janeiro de 2008, e por não concordar com a referida liquidação, a mesma sociedade impugnou-a judicialmente para o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, que veio a proferir douto aresto, datado de 07 de Dezembro de 2009, que decidiu considerar “a impugnação parcialmente procedente e, em consequência, anular a liquidação impugnada na parte em que a mesma se mostra influenciada pela desconsideração de custos no montante 21.161,00 €”.
Não se conformado com aquela decisão, na parte em que julgou parcialmente procedente a impugnação apresentada pela sociedade arguida e que alterou a liquidação, o Ministério Público interpôs recurso para o Tribunal Central Administrativo Norte que, por douto acórdão proferido no dia 23 de Novembro de 2012, devidamente transitado em julgado no dia 15 de Janeiro de 2013, veio a negar-lhe provimento.
Assim, a sociedade “Z..., Lda” utilizou na sua contabilidade facturas que não titulavam verdadeiras operações comerciais, supostamente referentes a obras realizadas pela sociedade da qual o arguido António O. era representante legal.
Ao apresentar as declarações de IRC durante o ano de 2005, a sociedade “Z..., Lda”, e o arguido José T. seu representante, que actuou no seu nome e interesse, contabilizou indevidamente como custos os valores constantes de todas as facturas supra descritas, num total de 90.038,22 €, valores que se relacionam com operações inexistentes e que não poderiam ter sido considerados para efeitos de apuramento de lucro tributável, conseguindo obter uma vantagem patrimonial ilegítima em sede de IRC no valor de 22.509,55 €.
Os arguidos José S. e António M. agiram em comunhão de esforços, com a intenção de obter para a sociedade Z... Lda quantias que sabiam não lhes serem devidas à custa da defraudação do Estado.
Sabiam ainda que a sua actuação não lhes era permitida, por as referidas facturas titularem transacções inexistentes, já que não correspondiam a quaisquer serviços prestados, apenas sendo emitidas no intuito de justificar custos com vista à diminuição dos resultados fiscais.
Sabia o arguido António O., representante da já dissolvida sociedade “…Unipessoal, Lda.” que as facturas que emitiu seriam, como foram, integradas na escrita da sociedade “Z..., Lda” com o intuito de defraudar a Fazenda Nacional em sede de IRC.
Fazendo crer à Autoridade Tributária e Aduaneira que tais declarações se baseavam em facturas que titulavam verdadeiras transacções, induzindo-a em erro acerca da sua autenticidade, conseguiu o arguido José S., que actuou em nome e no interesse da sociedade “Z..., Lda”, que as aludidas quantias não entrassem nos cofres do Estado, locupletando-se com as mesmas nos termos descritos.
Ao forjarem as referidas facturas, nelas fazendo constar prestações de serviços que, na realidade, não aconteceram, assim as utilizando nos termos e com os objectivos descritos, os arguidos José S. e António M. violaram a segurança e o tráfico jurídico, em especial o tráfico probatório que tais facturas deveriam documentar.
Ao deduzir verbas que sabia não poder fazer, o arguido José S., que actuou em nome e no interesse da sociedade “Z..., Lda” da qual era legal representante, colocou em causa o património do Estado – Autoridade Tributária e Aduaneira, bem como a verdade da respectiva situação tributária, violando os deveres de colaboração e lealdade que deveria assumir.
Conseguindo, com a prática de tais actos, que o Estado - Autoridade Tributária e Aduaneira, convencido da autenticidade das declarações prestadas e documentação subjacente, visse o seu património prejudicado a título de IRC nos referidos valores.
Agiram os arguidos José S. e António M., de comum acordo, de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
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O arguido José C. encontra-se emigrado desde há 8 anos, primeiro em Espanha e presentemente em França. Aufere cerca €1.500,00, dos quais remete para Portugal €600,00 por mês para pagamento de uma prestação de empréstimo para obras na habitação. A sua mulher aufere cerca de €600,00 por mês e reside em Portugal com um filho de ambos, com 9 anos de idade, e uma irmã, que também aufere rendimentos de trabalho.
Em França suporta renda de casa no valor de €250,00 a €300,00 por mês.
Desloca-se a Portugal nas férias de Verão e na quadra natalícia.
Completou o 6.º ano de escolaridade.
Nunca respondeu em tribunal.
Tem uma imagem social favorecida no meio em que vive, sendo-lhe reconhecidos hábito de trabalho.
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O arguido José S. nasceu em Angola, onde viveu com os pais e duas irmãs mais velhas até aos 7/8 anos. Regressou a Portugal com os pais após o 25 de Abril, na sequência do que a família vivenciou a perda de bens e recursos económicos, passando a viver do apoio de familiares. Na sequência, os pais do arguido separaram-se.
Iniciou actividade profissional na construção civil com 13 anos, e manteve-se na mesma entidade patronal até 30/10/2003, com um percurso profissional sólido. Após passou a laborar na sociedade arguida, e posteriormente, já em 2011, numa outra empresa. Permaneceu depois desempregado, auferindo o respectivo subsídio entre 21/11/2011 e 2/11/2012, após o que passou a trabalhar numa empresa de trabalho temporário pertencente ao filho mais novo.
Aufere €435,31 por mês e a sua mulher €405,44. Vivem em casa de um filho e contribuem para as despesas da casa. O outro filho do casal encontra-se emigrado. Ambos os filhos são licenciados.
O arguido completou o 9.º ano de escolaridade.
Nunca respondeu em tribunal.
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O arguido António O. sofreu já as seguintes condenações:
1) Por acórdão proferida em 12/01/2007, transitada em julgado em 29 de Janeiro de 2007, no âmbito dos autos de processo comum colectivo que correram termos no 2.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Marco de Canavezes sob o n.º 165/03.0IDPRT, reportada a factos ocorridos em Janeiro de 2001, foi o arguido condenado pela prática, em concurso real, de um crime de fraude fiscal, previsto e punível pelo art. 103.º, n.º 1, alínea a), do RGIT, e um outro de abuso de confiança fiscal, previsto e punível pelo art. 105.º, n.ºs 1 e 5, do RGIT, em pena prisão, fixada em 1 ano e 6 meses, com execução suspensa por 5 anos, e pena de multa em 200 dias, à taxa diária de €5,00, num total de €1.000,00.
Tais penas foram já declaradas extintas, por cumprimento.
2) Por sentença proferida em 17/04/2013, transitada em julgado em 17 de Maio de 2013, no âmbito dos autos de processo comum singular que correram termos na 4.ª Secção, do 1.º Juízo Criminal de Vila Nova de Gaia sob o n.º 151/08.3IDPRT, reportada a factos ocorridos em 25 de Maio de 2005, foi o arguido condenado pela prática de um crime de fraude fiscal, previsto e punível pelos arts. 103.º, n.º 1, alínea c), e 104.º, n.º 2, do RGIT, em pena prisão, fixada em 20 meses, substituída por 480 horas de trabalho.
3) Por acórdão proferido em 22/07/2009, transitado em julgado em 21 de Setembro de 2009, no âmbito dos autos de processo comum colectivo que correram termos no Tribunal Judicial da Comarca de Baião sob o n.º 100/05.0TABAO, reportada a factos ocorridos em 1 de Janeiro de 2004, foi o arguido condenado pela prática, em concurso real, de um crime de fraude fiscal, previsto e punível pelo art. 103.º, n.ºs 1, alíneas a) e b), 2 e 3, do RGIT, um outro de abuso de confiança contra a segurança social, previsto e punível pelo art. 107.º, n.ºs 1 e 2, do RGIT, e um outro de fraude fiscal qualificada, previsto e punível pelos arts. 103.º, n.ºs 1, 2, e 3, e 104.º, n.ºs 1 e 2, do RGIT, em pena prisão, fixada em cúmulo em 4 anos, com execução suspensa por 4 anos.
4) Por sentença proferida em 29/09/2009, transitada em julgado em 19 de Outubro de 2009, no âmbito dos autos de processo comum singular que correram termos no Tribunal Judicial da Comarca de Cinfães sob o n.º 156/07.1TACNF, reportada a factos ocorridos em 3 de Janeiro de 2007, foi o arguido condenado pela prática, em concurso real, de dois crimes de falsificação de documento, previstos e puníveis pelo art. 256.º, do CP, em pena multa, fixada em 250 dias, à taxa diária de €4,00, o que perfaz, €1.000,00.
Tal pena foi já substituída por trabalho e, após, extinta por cumprimento.
5) Por acórdão proferido em 18/03/2013, transitado em julgado em 2 de Maio de 2013, no âmbito dos autos de processo comum colectivo que correram termos no Tribunal Judicial da Comarca de Baião sob o n.º 298/08.7IDPRT, reportado a factos ocorridos em 1 de Dezembro de 2008, foi o arguido condenado pela prática de um crime de fraude fiscal qualificada, previsto e punível pelos arts. 103.º, n.º 1, e 104.º, do RGIT, em pena prisão, fixada em cúmulo em 1 ano e 8 meses, com execução suspensa por igual período.
O arguido integrou uma fratria de 3 irmãos e cresceu num agregado familiar de modesta condição económica, que foi agravada pelo falecimento prematuro do seu pai.
Dadas as limitações económicas, completou a 4.ª classe e abandonou o sistema de ensino.
Passou a trabalhar numa pedreira, onde se manteve até interromper para cumprir o serviço militar.
Após, trabalhou dois anos como trolha por conta de outrem, na sequência do que criou uma empresa de construção civil, registando um percurso profissional regular e investido, que lhe proporcionou uma situação económica confortável.
Casou em 1975 e teve quatro filhos, que educou com base nos rendimentos do seu trabalho, uma vez que a sua cônjuge não exercia actividade profissional remunerada.
Em 2001 a empresa passou a ter problemas financeiros, e as dificuldades económicas subsequentes levaram à ruptura da relação conjugal.
Insistiu na manutenção da empresa, que entretanto faliu. A casa de habitação do arguido foi penhorada e vendida, embora tenha sido comprada por um filho, que lhe permitiu continuar a habitá-la.
Desde aí não voltou a ter actividade profissional, nomeadamente devido a problemas de obesidade e à idade, que dificultam uma integração profissional, que o arguido procurou em Angola e na Alemanha.
Reatou entretanto o casamento, e vive com a sua mulher. O casal beneficiou do rendimento social de inserção, e a mulher do arguido auferiu o salário mínimo nacional entre Maio de 2012 e Maio de 2013, integrando um programa ocupacional na Câmara Municipal de ….
De momento o arguido pratica agricultura de subsistência e aufere uma reforma por invalidez no valor de €370,00 mensais.
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FACTOS NÃO PROVADOS
Que o arguido José C. exercesse efectivamente a gerência e representação da arguida Z... Lda, decidindo sobre os negócios a encetar e sobre as relações comerciais por esta mantidas, e que por isso tivesse qualquer participação na planificação ou execução dos factos supra imputados a tal sociedade.
Que como contrapartida da emissão das facturas por E…Lda, o arguido António M. recebesse 6% sobre o valor das facturas, correspondente a €5.402,29, nos termos acordados com José S., ou qualquer outra vantagem patrimonial.
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FUNDAMENTAÇÃO PROBATÓRIA
O registo e forma de colecta da Z... Lda e da E... Lda, actividade a que se dedicavam, a emissão e consideração contabilística das facturas em questão, e decisões dos tribunais tributários, são factos que resultaram não questionados por nenhum dos arguidos em sede de audiência, e estão solidamente sustentados nas certidões e documentação contabilística junta.
A primeira grande questão probatória residiu em saber se os arguidos José C. e José T. geriam de facto a Z... Lda, e estariam por isso em posição de participar nos factos acusados. José C. declarou desde logo que era apenas gerente nominal e trabalhava na sociedade orientando os trabalhadores no terreno e trabalhando ele próprio, não tendo qualquer participação nas decisões financeiras da sociedade. José T. depôs no mesmo sentido, assumindo a responsabilidade por todas as decisões financeiras e comerciais da sociedade.
A estes dois depoimentos acresce a procuração de fls. 329, com uma extensão de poderes a José T. muito compatível com estas declarações, e que já remonta a 2002.
José T. justificou credivelmente a não assunção nominal da gerência com o facto de, não obstante ser o grande impulsionador da empresa, trabalhar ainda por conta de empresa concorrente à data da constituição da sociedade.
Daqui resultou a convicção pela exclusão de José C. da gerência efectiva, e portanto da imputação dos factos em discussão.
A questão probatória central foi a falsidade das facturas em questão, de que decorria por meras regras de experiência o acordo entre José T. e António M., uma vez que a emissão de facturas em questão, se falsa, teria de passar por esta conjugação deliberada de actuações.
O primeiro grande elemento que apontava no sentido da falsidade das facturas, por não titularem qualquer negócio, era o reendosso dos cheques emitidos em pagamento a favor de José T., anulando o aparente fluxo financeiro causado por tais facturas.
José T. confirmou efectivamente este reendosso repetido dos cheques para pagamento, que já resultava da análise contabilística inerente ao parecer final de fls. 410 e ss. do apenso B. Justificou este muitos suspeito refluxo financeiro com a vontade de António M. em não receber em cheque. Como o declarante pretendia documentar o pagamento, emitia o cheque, que lhe era reendossado, e pagava o montante titulado pelo cheque em dinheiro. Não soube explicar a razão desta recusa de recebimento em cheque, mas aventou a possibilidade de algum receio de penhora de saldos bancários por parte de António M..
Esta explicação, que era difícil de confirmar ou infirmar em audiência, poderia colocar o tribunal no campo da dúvida razoável, não fossem as restantes circunstâncias que apontaram insistentemente no sentido da falsidade das facturas.
Desde logo, no relatório de inspecção de fls. 115 no apenso B, é referido que não foi possível identificar qualquer trabalhador por conta da E... Lda em obras da Z... Lda. Não havia mapas nem registo de pessoal em obra. A Z... Lda apresentou um recibo de prémio de seguro de acidentes de trabalho em que é mencionada a E... Lda, como resulta de fls. 85 do apenso B, e, contra o que é normal nestes casos, não há qualquer documento inerente ao seguro que identifique os trabalhadores a que se refere.
O relatório da inspecção à E... Lda, junto a fls. 375 do apenso B, descreve uma análise da contabilidade segundo a qual a quase totalidade dos custos referem-se a subcontratação, sendo o custo directo com pessoal de muito pouca expressão. A maior parte destes custos de subcontratação são facturados por sociedades dominadas pelo mesmo gerente da E... Lda. Apesar de um considerável volume de negócios a conta de depósitos à ordem na contabilidade não é praticamente movimentada, passando esses valores elevados quase todos pela conta de caixa.
Este relatório foi ainda complementado pelo depoimento do seu autor, José L., que declarou que não havia quaisquer registos contabilísticos que apontassem para a presença de trabalhadores em Espanha à data, localização da totalidade das obras referidas nas facturas. Não havia registos de pagamentos de vencimentos, nem de despesas com deslocações, nem de despesas com alimentação, que seriam naturais se a empresa mantivesse pessoal em Espanha. Não detectou também quaisquer registos de subcontratos de obras em Espanha.
Acrescentou ainda que, na análise das subcontratações entre as várias empresas dominadas por António M., detectou vários circuitos fechados, em que as sociedades subcontratavam sucessivamente entre si até aparecer um subcontrato à primeira da cadeia.
Por último, o arguido José C. declarou que andou a trabalhar nas Astúrias em Outubro e Novembro de 2005 por conta da Z... Lda, em que orientava trabalhadores, e nunca aí ouviu falar da E... Lda, nem trabalhadores por sua conta, nem do arguido António M.. No entanto, a fls. 64 dos autos está um auto de medição que se refere a uma das facturas em causa nos autos, dirigido à E... Lda, referente a uma obra nas A… no mês de Novembro de 2005.
Esta conjugação de contradições e “gatos escondidos com o rabo de fora” levaram o tribunal a não aceitar a fiabilidade da explicação de José T. para os refluxos financeiros, e a assumir a convicção pela falsidade das facturas.
Quanto à vantagem patrimonial a nível de IRC que seria obtida com a consideração destas facturas, o tribunal chegou a manifestar algumas dúvidas, nomeadamente face ao depoimento de José C., mas tais dúvidas ficaram dissipadas com a informação de fls. 579.
A compensação paga a António M. resulta do que este arguido terá transmitido aos inspectores de finanças. Uma vez que o arguido não prestou declarações, é inviável a utilização desta via indirecta de depoimento, nos termos do art. 129.º, do CPP.
A factualidade pessoal resultou das declarações dos arguidos, dos relatórios da DGRS e dos CRC’s juntos.»

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3. APRECIAÇÃO DO RECURSO

A. Nulidade da sentença, por fundamentação insuficiente da decisão sobre a matéria de facto.
Os recorrentes sustentam, logo à partida, a nulidade da sentença por falta de exame crítico da prova, em conformidade com o disposto nos artigos 379.º, n.º 1, al. a) e 374.º, n.º 2, ambos do Código de Processo Penal. Argumentando que a fundamentação da matéria de facto se limita à mera identificação das provas consideradas relevantes e descrição do conteúdo de cada uma delas, sem qualquer análise crítica que permita conhecer o percurso lógico do julgador.
Apreciemos.
Nos termos das disposições legais invocadas, um dos requisitos da sentença, cuja falta é cominada com nulidade, é a exposição tanto quanto possível completa, ainda que sucinta, dos motivos que fundamentam a decisão de facto, com indicação e exame crítico das provas que serviram para fundar a convicção do tribunal.
Da leitura da sentença recorrida, designadamente da parte da motivação da matéria de facto, logo se alcança que, contrariamente ao alegado, o Tribunal a quo não só elencou todas as provas em que se baseou, como indicou os motivos de credibilidade das mesmas e, sempre que se impunha, explicou também porque não atendeu a provas de sentido contrário.
Na fundamentação – que se encontra vertida a fls. 606 e 607 – e como não podia deixar de ser, atenta a especificidade da matéria em causa nos autos, que depende essencialmente de prova documental, são mencionados os documentos relevantes, por referência ao local dos autos em que se encontram e ao seu próprio conteúdo. Sendo que no caso do relatório de inspeção à sociedade E... Lda, o seu teor foi desenvolvido e completado com a apreciação do depoimento prestado em audiência pelo técnico subscritor do mesmo, José L.. São também referenciadas as declarações do próprio arguido/recorrente José T., as quais são resumidas na sua essência, com menção das partes delas que mereceram e não mereceram credibilidade e dos respetivos motivos para tal. Bem como as declarações do co-arguido José C., em que o Tribunal também se fundamentou, que são sintetizadas, com menção da respetiva razão de ciência. Merecendo especial referência a informação prestada pela Direção de Finanças de Braga, junta a fls. 579, da qual consta explicação técnica detalhada relativa à vantagem patrimonial a nível de IRC obtida com a consideração das faturas em causa nos autos, referindo-se expressamente que o respetivo teor dissipou as dúvidas sobre o assunto suscitadas pelo depoimento da testemunha Fernando L.
Confrontando-se todas essas provas entre si sempre que tal se mostra necessário e demonstrando-se – com base nos dados resultantes dos relatórios de inspeção, depoimento da testemunha José L. e declarações do co-arguido José C. – a manifesta inverosimilhança de muitas das afirmações feitas pelo recorrente José T., dessa forma se explicando o motivo e o modo como se chegou à decisão sobre a matéria de facto e porque algumas «teses» da defesa não foram acolhidas.
Tudo isto constando da motivação, já supra transcrita e para onde agora se remete, da qual resulta perfeitamente percetível o raciocínio lógico que levou o tribunal a considerar provados os factos.
Assim, e sem necessidade de mais considerações, conclui-se não padecer o acórdão recorrido da invocada nulidade.
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B. Impugnação da matéria de facto e erro notório na apreciação da prova.
Os recorrentes insurgem-se também com a decisão da matéria de facto, por entenderem que a prova produzida não permitia a conclusão de que as faturas eram falsas; que a vantagem patrimonial com elas obtidas fosse do valor de € 22.509,55; que o José T. tivesse conhecimento da existência de um plano criminoso, de um projeto de defraudação do Estado, e tivesse intenção de nele colaborar conscientemente.
Vejamos.
A matéria de facto pode ser impugnada de duas formas distintas, através da invocação dos vícios previstos no artigo 410.º, n.º2 do Código de Processo Penal ou através da impugnação ampla da matéria de facto, a que respeita o artigo 412.º, n.ºs 3, 4 e 6, do mesmo diploma.
No primeiro caso estamos perante a arguição dos vícios da sentença, previstos nas alíneas a), b) e c), do n.º 2, do artigo 410.º do Código de Processo Penal, os quais têm necessariamente de resultar «do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum», isto é, sem recurso a quaisquer elementos que lhe sejam externos.
No segundo caso, ou seja, na impugnação ampla da matéria de facto, a apreciação já não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e se pode extrair da prova produzida em audiência, devidamente documentada, embora sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente, no cumprimento do ónus de especificação que lhe é imposto pelos n.º 3 e 4 do artigo 412.º do Código de Processo Penal.
Revertendo ao caso sub judice, da leitura do recurso constatamos que se pretende impugnar a matéria de facto por aquelas duas vias.
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Comecemos pois pela impugnação ampla da matéria de facto, já que os recorrentes indicam também as provas que em seu entender impõem decisão diversa, a propósito do que transcrevem partes dos depoimentos das testemunhas Fernando L. e José L..
Cumprindo, de forma suficiente, os requisitos de forma estabelecidos para a impugnação da matéria de facto pelo artigo 412.º n.º 3, als. a), b) e c) e n.º 4 do Código de Processo Penal. Requisitos esses que se fundam na necessidade da delimitação objetiva do recurso da matéria de facto, na medida em que o recurso deste tipo não se destina a um novo julgamento com reapreciação de toda a prova, como se o julgamento efetuado na primeira instância não tivesse existido, sendo antes o recurso da matéria de facto concebido pela lei como remédio jurídico Cfr. Simas Santos e Leal Henriques, “Recursos em Processo Penal”, 7.ª edição, atualizada e aumentada, 2008, pág. 105).
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Nestes casos, o Tribunal da Relação não faz um segundo julgamento, não vai à procura de uma nova convicção, antes se limitando a fazer o reexame dos erros de procedimento ou de julgamento que tenham sido referidos no recurso e das provas que imponham, e não só que permitam, decisão diferente. Pois a decisão do recurso sobre a matéria de facto não pode ignorar, antes tendo de respeitar, o princípio da livre apreciação da prova do julgador, expresso no artigo 127.º do Código de Processo Penal.
Posto isto, e dentro dos limites que a lei estabelece para a apreciação do recurso da matéria de facto, vejamos se o Tribunal a quo errou na apreciação e valoração da prova produzida na audiência e se se impunha que o resultado do processo probatório fosse outro.
A divergência dos recorrentes relativamente à matéria de facto dada como apurada prende-se essencialmente com a consideração de que as faturas em causa nos autos, por si utilizadas, não correspondem a negócios reais, sendo por isso falsas; que o valor da vantagem patrimonial com elas obtidas fosse de € 22.509,55; e ainda que o José T. tivesse conhecimento da existência de um plano criminoso, de um projeto de defraudação do Estado, e tivesse intenção de nele colaborar conscientemente, o que no seu entender não se provou.
Contudo, analisada a prova produzida logo se depreende que o raciocínio dos recorrentes fere as mais elementares regras da lógica e experiência comum. Senão vejamos.
Dos elementos documentais juntos aos autos constata-se (não sendo sequer impugnado) que o co-arguido António M., atuando em nome da sociedade que representava – a E... Lda Construções Unipessoal, Lda. – emitiu a favor da sociedade recorrente Z..., Lda – cuja gerência e representação de facto pertencia ao recorrente José T. – as seguintes faturas:


FACTURA
DATA DO
(SUJEITO
PASSIVO)
VALOR DO
ORIGINAL
(SUJEITO
PASSIVO)
FLS DATA
(EMITENTE)
VALOR DO
DUPLICADO
(EMITENTE)
FLSDIFERENÇA
32922005.07.313.780,00€142005.07.313.780,00€410,00€
3302005.07.318.100,00€152005.07.318.100,00€1550,00€
3322005.07.3118.972,00€1542005.07.3118.972,00€1540,00€
3342005.09.205.348,00€1532005.08.205.348,00€1530,00€
3352005.09.206.384,00€1522005.08.206.384,00€1520,00€
3362005.09.2019.452,22€1512005.08.206.400,00€15113.052,22€
3842005.11.306.528,00€1502005.11.302.000,00€124.528,00€
3852005.11.308.064,00€1492005.11.301.061,00€137.000,00€
3862005.11.308.580,001482005.11.301.500,00€197.080,00€
3872005.11.304.830,001472005.11.302.000,00€212.830,00€
Total do ano de 200590.038,2255.548,00€34.490,22€

Da análise contabilística constante de fls.. 410 e segs. do apenso B constata-se que os cheques emitidos para pagamento de tais faturas eram todos reendossados a favor de José T., operação que – como se observa na motivação – anulava o aparente fluxo financeiro por elas causado.
O inspetor José L., que elaborou o relatório técnico da sociedade emitente das faturas (a E... Lda – Construções Unipessoal, Lda.), para o que analisou todos os elementos de prova constantes dos autos relativamente a essa sociedade, por via do que demonstrou ter um conhecimento direto e privilegiado sobre aquela sociedade, prestou depoimento em audiência, no decurso do qual explicou pormenorizadamente como, a partir dos documentos que analisou, verificou que não havia quaisquer registos contabilísticos que indicassem a presença de trabalhadores em Espanha, à data e localização da totalidade das obras referidas nas faturas, assim como não havia registos de pagamentos de vencimentos, nem de despesas com deslocações e com alimentação, como seria natural se a empresa mantivesse pessoal em Espanha; não tendo igualmente detetado quaisquer registos de subcontratos de obras naquele país.
Por sua vez, o co-arguido José C. afirmou que em outubro e novembro de 2005 andou a trabalhar nas A…, em Espanha, por conta da sociedade recorrente Z..., Lda, com funções de orientar os trabalhadores, e nunca aí ouviu falar da sociedade E... Lda Construções Unipessoal, Lda., nem de trabalhadores por sua conta, nem do arguido António M. (representante daquela E... Lda).
Estas declarações do co-arguido José C., assim como o já aludido depoimento da testemunha José L. foram consideradas absolutamente credíveis pelo tribunal a quo, no âmbito do processo de imediação em que foram prestadas Credibilidade que não pode ser posta em causa por este tribunal de recurso, que com elas não contactou diretamente.
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E foi perante toda esta prova que o tribunal a quo concluiu que as referidas faturas, emitidas a favor da sociedade recorrente Z..., Lda, não correspondiam a negócios reais. É claro que, para tal, houve igualmente que lançar mão da chamada prova indireta ou por presunção, que também assume um papel fundamental e virtualidade incriminatória para afastar a presunção de inocência, uma vez que em processo penal são admissíveis todas as provas que não forem proibidas por lei, nos termos do disposto no artigo 125.º do Código de Processo Penal. Sendo que a prova por presunção, em que se parte de um facto conhecido (o facto base ou facto indiciante, que funciona como indício) para se afirmar um facto desconhecido (o factum probandum) através de recurso a um juízo de normalidade e probabilidade, em conformidade com regras da experiência comum, é uma prova válida.
E, in casu, da prova produzida e já supra sintetizada resulta que no concernente ás faturas em causa a inspeção tributária verificou que não existiam comprovativos da sua efetiva existência, desde logo prova real dos respetivos meios de pagamento Relembra-se que, a tal propósito, o constado foi o reendosso dos cheques emitidos em pagamento a favor de José T., anulando o aparente fluxo finaceiro causado pelas faturas., o que é ainda mais estranho face ás quantias envolvidas, que afastam o pagamento do preço em numerário. Para além de também não haver vestígios da presença de trabalhadores da E... Lda nos locais e datas das faturas ou de subcontratos nesse país.
Acresce que o relatório da inspeção à E... Lda, junto a fls. 375 do apenso B, descreve uma análise da contabilidade segundo a qual a quase totalidade dos custos referem-se a subcontratação, sendo o custo direto com pessoal de muito pouca expressão. A maior parte destes custos de subcontratação são faturados por sociedades dominadas pelo mesmo gerente da E... Lda. Apesar de um considerável volume de negócios a conta de depósitos à ordem na contabilidade não é praticamente movimentada, passando esses valores elevados quase todos pela conta de caixa.
Todo este circunstancialismo fático, aliado às mais elementares regras da experiência comum, da normalidade e da lógica, permite a quem quer que seja concluir, como o tribunal a quo, que as faturas em causa não correspondiam a negócios reais.
Por outro lado, sendo o arguido/recorrente um homem adulto e até experiente no mundo dos negócios, que exercia funções de gerente de facto de uma sociedade comercial dedicada à construção e reparação de edifícios, sendo ele quem decidia quais os negócios a encetar e seus termos e o responsável pelas relações comerciais que a mesma mantinha com terceiros, quando contabilizou aquelas faturas na escrita da sociedade que geria tinha necessariamente de saber que elas não correspondiam a serviços efetivamente prestados. Daqui decorrendo, também, a conjugação deliberada de atuações com o respetivo emitente das faturas, bem como a intenção de defraudar a Fazenda Nacional em sede de IRC, induzindo-a em erro sobre a veracidade das transações por elas tituladas.
Por sua vez, o valor correspondente à vantagem patrimonial obtida com a contabilização das faturas falsas, resultou algo confuso em face do teor do depoimento da testemunha José C., inspetor tributário, que inicialmente o indicou como sendo de € 22.509,55 e, depois, a instâncias do mandatário dos recorrentes e em face do documento de fls. 284 (que lhe foi exibido) leu o valor de € 8.722,00 aí constante com a referência de IRC apurado, distinguindo tributação autónoma de IRC.
A questão, pela sua inerente natureza técnica, causou justificadas dúvidas ao tribunal a quo, que em despacho fundamentado proferido a 25.06.2014 Cfr. fls. 565 e 566., remeteu os autos a título devolutivo ao Núcleo de Investigação Criminal da Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças de Braga, para que prestasse os seguintes esclarecimentos:
1) Qual o montante de IRC a pagar pela arguida Z..., Lda, para o ano fiscal de 2005 considerando o montante de € 90.038,22 reputado na pronúncia como referente a faturas falsas, e qual o montante de IRC a pagar para o mesmo ano desconsiderando essa faturação?
2) Considerando a nota de liquidação de fls. 284, qual o impacto desta diferença de faturação dos valores de “coleta” e “tributação autónomas”?
Na sequência do que a Direção de Finanças de Braga, através do seu diretor adjunto, e em face da análise de todos elementos documentais juntos aos autos, prestou detalhada informação escrita sobre o assunto, junta a fls. 579, que pela natureza da entidade que a presta nos merece natural credibilidade, como aliás também já mereceu ao tribunal a quo. Dela decorrendo justificadamente e de forma inequívoca que:
- o valor de € 22.509,55, relativo à vantagem patrimonial obtida com a contabilização das faturas falsas, resulta do teor da declaração de IRC apresentada pela sociedade Z..., Lda com referência ao ano de 2005, através da qual foi apurado e pago em 31.05.2006, o montante de imposto devido de € 2.908,54, que correspondia ao valor de imposto devido considerando o montante global de € 90.038,22 respeitante à soma dos valores das faturas falsas;
- sendo que, sem contar com o pagamento efetuado, se for desconsiderado esse montante de € 90.038,22 referente às faturas falsas, resultaria um valor a pagar de € 25.418,09;
- pelo que a diferença entre este valor a pagar, sem consideração das faturas falsas (no montante de e € 25.418,09) e o valor a pagar com consideração das faturas falsas (no montante de € 2.908,54) constitui a vantagem patrimonial obtida. Diferença essa que corresponde precisamente a € 22.509,55, que foi assim corretamente indicada na factualidade apurada.
Mais esclarecendo, relativamente à nota de liquidação de fls. 284 (que havia sido a exibida à testemunhas José C.) que:
- A coleta resultante desta diferença é daqueles 22.509,55, correspondentes à aplicação da taxa de 25% à respetiva matéria coletável, antes e depois da desconsideração das respetivas faturas:
antes: 30.890,14 x 25% = € 7.722,54
depois: 120.928,36 x 25% = 30.232,09;
Ora, perante tal explicação, as dúvidas suscitadas pelo depoimento da testemunha José C. estão naturalmente dissipadas, não havendo dúvidas de que é de € 22.509,55 a vantagem patrimonial relevante nestes autos para quem, como o recorrente José T., sabia que os elementos incorporados nas faturas que utilizou nas contabilidades da sociedade que geria e nas respetivas declarações de IRC a entregar ao fisco não correspondiam a nenhuma real e efetiva transação comercial.
De tudo assim decorrendo que as objeções feitas pelos recorrentes não são de modo algum suficientes para contradizerem a conclusão lógica contrária que se retira de toda a prova produzida. Tendo o tribunal a quo explicitado na motivação as provas e a sua regras de normalidade e experiência comum em que se baseou. Valorando as provas conjugadamente, estabelecendo correlações entre elas, confrontando-as e tendo sempre presentes as regras da lógica e as máximas da experiência, de forma a conseguir uma decisão responsável, demonstradora de inteligência e conhecimento das realidades da vida, como impõe a lei. Aliás, nesta sede, o que não é legalmente permitido é o que pretendem os recorrentes, ou seja, que se apreciem as provas isoladamente, sem contextualização e sem recurso a critérios de lógica, pois tal é próprio de um julgador desprovido de cultura jurídica e sem conhecimento da realidade, ou seja, de um julgador que não cumpre o seu papel e profere decisões ao arrepio da sensibilidade e da sagacidade de qualquer cidadão médio, contribuindo para o descrédito da justiça.
A argumentação e provas indicadas pelos recorrentes não impõem assim decisão diversa da proferida.
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Resta a impugnação da matéria de facto por via da arguição dos vícios decisórios do n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal, já que os recorrentes também argumentam que do próprio texto da sentença decorre que as premissas do silogismo judiciário não admitem as conclusões que o julgador delas extraiu, no que respeita à falsidade das faturas e à intenção e do recorrente José T..
O vício que os recorrentes apontam à sentença, como todos os que integram o n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal, têm de resultar «do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum», isto é, sem recurso a quaisquer elementos que lhe sejam externos. São «vícios ao nível da lógica jurídica da matéria de facto, da confeção técnica do decidido, apreensíveis a partir do seu texto, a denunciar incoerência interna com os termos da decisão» In acórdão do STJ de 07.12.2005, CJ-STJ, tomo III/2005, p. 224..
O erro notório na apreciação da prova é precisamente o que se traduz numa «falha grosseira e ostensiva na análise da prova» que leva a que «um homem médio, perante o que consta do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta que o tribunal violou as regras da experiência ou que se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios ou se desrespeitaram regras sobre o valor da prova vinculada ou das legis artis» Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, Editora Rei dos Livros, 8ª ed. Lisboa, 2012 p. 80..
Revertendo novamente ao caso sub judice, da leitura da sentença recorrida, designadamente da parte da motivação factual, verifica-se que o tribunal a quo começa por enunciar vários factos diretamente resultantes da prova documental, pericial e testemunhal produzida, que elenca, como sejam: o reendosso dos cheques emitidos para pagamento a favor de José T., anulando o aparente fluxo financeiro causado pelas faturas em causa; a inexistência de mapas e registo de pessoal em obra ou outros vestígios da presença de trabalhadores da E... Lda nos locais e datas das faturas ou de subcontratos a respeito de tais obras; a análise da contabilidade da E... Lda, segundo a qual a quase totalidade dos custos referem-se a subcontratação, sendo o custo direto com pessoal de muito pouca expressão, sendo a maior parte destes custos de subcontratação faturados por sociedades dominadas pelo mesmo gerente da E... Lda e, apesar de um considerável volume de negócios, a conta de depósitos à ordem na contabilidade não é praticamente movimentada, passando esses valores elevados quase todos pela conta de caixa.
Em seguida, e com base em tais factos, que funcionam como indícios, através de recurso a juízos de normalidade e probabilidade, em conformidade com regras da experiência comum, o Tribunal a quo afirma um facto desconhecido (o factum probandum), no caso a circunstância de as faturas não corresponderem a negócios reais, como se alcança do seguinte excerto, retirado da motivação: «Esta conjugação de contradições e “gatos escondidos com o rabo de fora” levaram o tribunal a não aceitar a fiabilidade da explicação de José T. para os refluxos financeiros, e a assumir a convicção da falsidade das faturas».
A que acresce que sendo o arguido/recorrente um homem adulto e até experiente no mundo dos negócios, que exercia as funções de gerente de facto de uma sociedade comercial de construção e reparação de edifícios, que decidia quais os negócios a encetar e seus termos e era responsável pelas relações comerciais que a mesma mantinha com terceiros, quando contabilizou as faturas em causa nos autos na escrita da sociedade que geria, tinha necessariamente de saber que elas não correspondiam a serviços efetivamente prestados. De onde decorre, por sua vez, a conjugação deliberada de atuações com o respetivo emitente, bem como a intenção de defraudar a Fazenda Nacional em sede de IRC, induzindo-a em erro sobre a veracidade das transações tituladas por aquelas faturas.
Efetivamente, não podemos olvidar que quanto aos factos relativos ao elemento subjetivo, por serem da vida interior do recorrente, são naturalmente insuscetíveis de direta apreensão, pelo que se mostra absolutamente lógico que o Tribunal mostre que os captou através do preenchimento dos elementos objetivos da infração aliados a presunções de normalidade e regras da experiência.
Sendo precisamente de tal que o tribunal a quo dá conta na motivação quando escreve: «(...)a questão probatória central foi a falsidade das faturas em questão, de que decorria por meras regras de experiência o acordo entre José T.s e António M., uma vez que a emissão de faturas em questão, se falsa, teria de passar por esta conjugação deliberada de atuações(...)».
O que resulta da motivação e é contra isso que, no fundo, os recorrentes tanto se insurgem – mas sem razão – é que o tribunal se socorreu da chamada prova indireta ou por presunção. Como já supra se referiu, esta prova também assume indubitavelmente um papel fundamental e virtualidade incriminatória para afastar a presunção de inocência, uma vez que em processo penal são admissíveis todas as provas que não forem proibidas por lei, nos termos do disposto no artigo 125.º do Código de Processo Penal.
Para qualquer pessoa medianamente instruída, mesmo sendo ela um jurista médio, o raciocínio constante do texto da motivação, supra explicitado, por si e ainda que conjugado com as regras da experiência comum, não contém qualquer contradição com a lógica ou regras da experiência da vida.
Assim improcedendo também a arguição do vício decisório do erro notório.
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C. Nulidade da sentença por excesso de pronúncia e por omissão de pronúncia.
Os recorrentes sustentam, também, ter ocorrido excesso de pronúncia na subordinação da suspensão da execução da pena aplicada ao arguido José T. ao pagamento do valor de € 22.509,55, que em seu entender não tem fundamento legal, por não ter sido peticionado pela Autoridade Tributária e Aduaneira. Bem como omissão de pronúncia, por falta de ponderação sobre a verificação do condicionalismo do nº 2 do artigo 103.º do RGIT, não obstante tal ter sido expressamente invocado pelos recorrentes.
A este propósito, há antes de mais que relembrar que tendo–se já supra decidido (em B.) pela improcedência da impugnação da matéria de facto relativamente ao valor consignado na sentença como correspondente à vantagem patrimonial obtida com a contabilização das faturas falsas, o montante a considerar para esse efeito tem naturalmente que ser o constante da factualidade considerada apurada, que é de € 22.509,55.
Esse valor é assim o da vantagem patrimonial relevante nestes autos para quem, como o recorrente José T., sabia que os elementos incorporados nas faturas que utilizou na contabilidade da sociedade que geria e na respetiva declaração de IRC a entregar ao fisco não correspondiam a nenhuma real e efetiva transação comercial.
Recorda-se que para a punição do agente pelo crime de fraude fiscal (no caso qualificada), p. e p. pelos artigos 103.º, n.º 1 als. a) e c) e 104.º, n.º 1 e n.º2, do RGIT, basta comprovar que este quis aquelas suas ações – que estão descritas no respetivo tipo – e que elas eram adequadas à obtenção da pretendida vantagem patrimonial e à consequente diminuição das receitas tributárias. Já que a consumação do crime se dá mesmo que não chegue a ocorrer efetivamente qualquer dano ou vantagem patrimonial indevida, como se alcança da expressão «suscetíveis de causarem diminuição das receitas tributárias», constante do n.º 1 do artigo 103.º do RGIT.
Sendo o valor do benefício apenas uma condição de punibilidade, como resulta expressamente do n.º 2 do artigo 103.º do RGIT que, como tal, não tem de ser abrangida pelo dolo do agente («Os factos previstos nos números anteriores não são puníveis se a vantagem patrimonial ilegítima for inferior a ...»)
De todo o modo, in casu, também resulta do elenco dos Factos Provados que o benefício ocorreu efetivamente no momento da consumação do crime, cifrando-se então no montante de € 22.509,55, por força da contabilização dos valores relativos ás faturas falsas.
Situação que se mantém independentemente de entretanto ter ocorrido alteração da liquidação efetuada, na sequência da sua impugnação judicial, por falta de consideração de certos custos, posto que tal decisão não afasta a existência de vantagem patrimonial ilegítima em sede de IRC e respetivo benefício, naquele valor de € 22.509,55, que é determinado em face dos montantes das faturas falsas. Sendo igualmente irrelevante a circunstância de entretanto haver valores pagos à Administração Tributária.
Por conseguinte, não se impunha também que o Tribunal a quo se pronunciasse sobre o nº 2 do artigo 103.º do RGIT, já que se provou que o benefício obtido pelos arguidos no momento da consumação do crime foi superior aos € 15.000,00 correspondentes ao montante até ao qual não se verifica a condição objetiva de punibilidade do crime. Não havendo dúvidas de que os arguidos apenas invocaram aquela disposição legal no pressuposto de que o benefício não atingia os € 15.000,00.
Não há pois excesso nem omissão de pronúncia, naufragando também este ponto do recurso.
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D. Quantum da pena do arguido José T.
O recorrente José T. defende que a pena que lhe foi aplicada é excessiva, devendo ser atenuada, face à ausência de antecedentes criminais, integração social, familiar e profissional e ao tempo entretanto decorrido.
Vejamos.
O recorrente foi condenado pela prática, em co-autoria e na forma consumada, de um crime de fraude fiscal qualificada, p. e p. pelos artigos 103.º, n.º 1, al. a) e 104.º, n.º 2 do RGIT, na pena de três anos de prisão, suspensa por igual período, mediante a condição de pagar a prestação tributária mencionada nos factos provados, no montante de € 22.509,55.
A concretização da pena dentro desta moldura legal aplicável obedece aos critérios definidos nos artigos 40.º, n.º 1 e n.º 2 e 71.º do Código Penal.
Em conformidade com o estatuído no artigo 40.º, n.º 1 do Código Penal, a aplicação das penas «…visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade», ou seja, visa fundamentalmente atingir fins de prevenção geral (proteção dos bens jurídicos) e fins de prevenção especial (reintegração do agente). Não podendo em caso algum a pena ultrapassar a medida da culpa Cfr. n.º 2 do artigo 40.º do Código Penal..
A quantificação da culpa e o grau de exigência das razões de prevenção, em função das quais se vão dimensionar as correspondentes molduras para o caso concreto, faz-se através da “ponderação das circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuseram a favor do agente ou contra ele”, tal como decorre do artigo 71º, nº2 do Código Penal.
O limite máximo da pena fixar-se-á – atendendo à salvaguarda da dignidade humana do agente – em função da medida da culpa, que a delimitará por maiores que sejam as exigências de carácter preventivo que se façam sentir.
O seu limite mínimo é dado pelo quantum da pena que, em concreto, ainda realize, eficazmente, essa proteção dos bens jurídicos penalmente protegidos.
Dentro desses dois limites, encontrar-se-á o espaço possível de resposta às necessidades de reintegração social do agente.
A medida concreta da pena tem pois de ser encontrada pelo juiz através de um processo lógico e racional, norteado pelos princípios a esse propósito legalmente definidos.
Revertendo ao caso sub judice, temos como fatores de valoração que militam a favor do arguido, a integração social, familiar e profissional (embora ela já existisse à data da prática dos factos em causa nos autos, não tendo sido suficiente para os evitar); bem como a ausência de antecedentes criminais.
A culpa é intensa, revelada no dolo direto que revestiu a sua atuação.
A ilicitude é mediana, tendo em conta a gravidade das consequências dos factos, relacionadas com as vantagens pretendidas, a duração da conduta e os prejuízos provocados no erário público: a conduta decorreu no ano de 2005,; o valor da vantagem patrimonial referente ás faturas falsas ascende a um total de € 22.509,55.
A forma como foi praticado o crime, que envolve já alguma elaboração, com conluio entre dois gerentes de sociedades comerciais e simulação de pagamento das faturas com a entrega de cheques e seu reeendosso a favor do arguido, eleva as necessidades de prevenção especial.
As exigências de prevenção geral, por sua vez, fazem aqui sentir-se com particular acuidade, pois no domínio fiscal é hoje dado adquirido a eticização do direito, como meio de realizar objetivos de justiça distributiva e de financiamento das atividades sociais do Estado, em conformidade com prescrição da própria lei fundamental Cfr. artigos 103º e 104º da Constituição da República Portuguesa., impondo-se a efetivação do cumprimento dos deveres fiscais, por todos os cidadãos, em condições de igualdade de tratamento. Sendo ainda que em face do atual contexto económico financeiro e da dimensão que têm atingido os crimes fiscais, é reclamada pela comunidade uma eficaz e severa perseguição criminal dos prevaricadores.
Sopesando todas as considerações expendidas atinentes à culpa, ilicitude, prevenção geral e especial, impõe-se que a pena se situe próximo da metade da respetiva moldura legal.
Pelo que a pena de três anos de prisão aplicada pelo tribunal a quo, situada precisamente naquele ponto médio, afigura-se-nos equilibrada e justa, não merecendo censura.
Assim como também se justifica a suspensão da execução da pena pelo período de três anos, decretada na sentença recorrida, que não é posta em causa no recurso.
A questão que resta apreciar é pois só a de saber se essa suspensão tem de ser condicionada ao pagamento de algum montante.
A esse propósito dispõe o artigo 14.º, n.º 1 do RGIT que:
«A suspensão da execução da pena de prisão aplicada é sempre condicionada ao pagamento, em prazo a fixar até ao limite de cinco anos subsequentes à condenação, da prestação tributária e acréscimos legais, do montante dos benefícios indevidamente obtidos e, caso o juiz o entenda, ao pagamento de quantia até ao limite máximo estabelecido para a pena de multa».
Contudo e contrariamente ao que à primeira vista poderia parecer, o Supremo Tribunal de Justiça, através do acórdão n.º 8/2012, de 24.10, já fixou jurisprudência no sentido de que «[n]o processo de determinação da pena por crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. no artigo 105.º, n.º 1, do RGIT, a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos do artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal, obrigatoriamente condicionada, de acordo com o artigo 14.º, n.º 1, do RGIT, ao pagamento ao Estado da prestação tributária e legais acréscimos, reclama um juízo de prognose de razoabilidade acerca da satisfação dessa condição legal por parte do condenado, tendo em conta a sua concreta situação económica, presente e futura, pelo que a falta desse juízo implica nulidade da sentença por omissão de pronúncia».
Jurisprudência esta que obviamente se estende a todos os crimes fiscais, precisamente por a todos eles ser aplicável o citado artigo 14.º do RGIT.
No seguimento do que perfilhamos o entendimento jurisprudencial de que a interpretação deste preceito tem de ser conjugada com o disposto no artigo 51.º, n.º 2 do Código Penal. No sentido de que nos crimes tributários, assim como sucede relativamente a todos os outros, a subordinação da suspensão da execução da pena ao dever de pagamento só poderá acontecer quando do juízo de prognose realizado resulte existirem condições para o cumprimento dessa condição. Pois se esse juízo levar à conclusão de que o arguido não tem qualquer possibilidade de, no prazo estabelecido legalmente, cumprir o dever que lhe é imposto por não ter, nem ter expetativas de vir a ter, meios financeiros que o permitam, a subordinação da suspensão da execução da pena à condição de pagamento consubstanciaria obrigação cujo cumprimento não seria razoavelmente de exigir. Contrariando a sua imposição o disposto no artigo 51.º, n.º 2 do Código Penal, que prescreve que «os deveres impostos não podem em caso algum representar para o condenado obrigações cujo cumprimento não seja razoavelmente de lhe exigir».
Como se escreveu no acórdão do TRL de 18.02.2016, proferido no processo 949/14.3IDLSB.L1-9, citado e seguido pelo acórdão deste TRP de 20.04.2016, proferido no processo n.º 21/14.6IDAVR.P1 Ambos disponíveis em www.dgsi.pt., o qual também subscrevemos, «I - O acórdão de fixação de jurisprudência n.º 8/2012 do Supremo Tribunal de Justiça, tal como o artigo 14.º do Regime Geral das Infrações Tributárias, não afastam a aplicabilidade do artigo 51.º, n.º 2 do Código Penal, o qual materializa a proteção constitucional da dignidade da pessoa humana, como se alcança do artigo 1º da Constituição da República Portuguesa.
II - O que tal AUJ obriga é que se faça, em sede de decisão, um juízo de prognose de razoabilidade acerca da satisfação dessa condição legal por parte do condenado, tendo em conta a sua concreta situação económica, pelo que a falta desse juízo implica nulidade da sentença por omissão de pronúncia, isto é, o julgador tem de aquilatar se o condenado está em condições de proceder ao pagamento da prestação tributária, durante o período da suspensão de execução da pena, e, estando, condicionar tal suspensão a esse pagamento. O acórdão não obriga, nem poderia obrigar, sob pena de violação do princípio da igualdade, a que, não tendo o condenado condições para pagar a prestação tributária, mas reunindo os demais requisitos para a suspensão de execução da pena, a mesma não seja suspensa. Seria uma verdadeira “prisão por dívidas ao Estado”.»
Retomando novamente o caso em apreço, a formulação do juízo de prognose acerca das possibilidades do recorrente proceder ao pagamento da condição passam pela consideração do montante da dívida em causa, num total de € 22.509,55; pela ponderação dos seus rendimentos mensais, de € 435,31; vivendo com a mulher, que aufere € 405,44 por mês, residindo ambos em casa de um filho, contribuindo para as despesas.
Neste quadro fático, sendo o arguido um homem que perfez este ano 49 anos de idade e como tal em plena vida ativa, com competências profissionais na área da construção civil, que adquiriu na sua já longa atividade profissional, há pelo menos expetativas objetivas de que venha a ter meios financeiros que lhe permitam pagar, ao longo de três anos, o montante correspondente à vantagem patrimonial obtida.
Pelo que se mostra adequada a fixação da concreta condição mediante a qual o tribunal a quo subordinou a suspensão da execução da pena.
É claro que o cumprimento da referida condição nunca será conseguido sem um esforço adicional e até algum sacrifício do recorrente, mas é também isso mesmo que se pretende com a imposição daquela condição, pois sem esse esforço e sacrifício nunca haverá verdadeira responsabilização do condenado e, sem ela, falecem as finalidades punitivas da sanção.
Por outro lado, não se pode esquecer que no momento em que o recorrente tiver de prestar contas sobre o cumprimento da condição de suspensão, o Tribunal só poderá declarar revogada a suspensão da execução da pena por incumprimento (total ou parcial) dessa condição se este for culposo. Decisão que, aliás, a lei condiciona à prévia audição das razões que então forem apresentadas pelo arguido, se não resultarem as demais medidas referidas no artigo 55.º do Código Penal e se forem infringidas grosseira ou repetidamente os deveres impostos (artigo 56.º, n.º 1, al. a), do Código Penal) Cfr., neste sentido, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06.01.2005, CJ, ACSTJ, Ano XIII, tomo I, página 165..
Nenhuma censura merecendo pois neste ponto a sentença recorrida, improcedendo totalmente o recurso.
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III. DECISÃO
Pelo exposto, acordam as juízas desta secção do Tribunal da Relação de Guimarães, em negar provimento ao recurso.
Custas pelos recorrentes, fixando-se em 5 (cinco) UCs a taxa de justiça.
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Guimarães, 10 de outubro de 2016
Elaborado e revisto pela relatora (artigo 94º, nº2, do Código de Processo Penal)